Resumo: A questão da degradação hídrica é especialmente preocupante devido aos diversos usos para os quais a água é destinada. Desta forma, estudos que incluam análises ambientais em pequenas bacias são primordiais para melhorar a gestão deste recurso em âmbito municipal ou regional. Visto isso, o objetivo do presente estudo é realizar uma revisão bibliográfica das pesquisas científicas produzidas sobre as microbacias urbanas do município de Ji-Paraná, estado de Rondônia. Grande parte dos estudos indicam impactos ambientais negativos nos recursos hídricos urbanos de Ji-Paraná-RO. Destaca-se a importância da divulgação desses resultados para a comunidade municipal, sobretudo aos órgãos gestores, para que estes possam viabilizar ações e instrumentos de adequação à gestão dos corpos hídricos urbanos do município de Ji-Paraná-RO.
Palavras-chave: gestão hídrica,igarapés urbanos,qualidade da água.
Abstract: The issue of water degradation is of particular concern because of the various uses for which water is destined. Thus, studies that include environmental analyzes in small basins are essential to improve the management of this resource at the municipal or regional level. In view of this, the objective of the present study is to carry out a bibliographic review of the scientific research produced on the urban micro basins in the municipality of Ji-Paraná, state of Rondônia. Most of the studies indicate negative environmental impacts on urban water resources in Ji-Paraná-RO. The importance of disseminating these results to the municipal community is emphasized, especially to organs management bodies, so that they can enable actions and instruments to adapt to the management of urban water bodies in the municipality of Ji-Paraná-RO.
Keywords: water management, urban streams, water quality.
Estudos ambientais em microbacias urbanas de Ji-Paraná-RO: Revisão
Environmental studies in urban micro basins of Ji-Paraná-RO: Review
Recepção: 05 Julho 2021
Aprovação: 30 Setembro 2021
Ao longo do processo de desenvolvimento tecnológico, adensamento populacional e consolidação do atual modelo socioeconômico, a água, assim como os demais recursos ambientais disponíveis, passou a ser vista mais como um recurso econômico do que em relação ao seu valor intrínseco (SOLER; DIAS, 2016), ou seja, um elemento de valor próprio, imprescindível ao equilíbrio ecossistêmico (CACIUC, 2014).
A questão da degradação hídrica é especialmente preocupante devido aos diversos usos para os quais a água é destinada, sem os quais se torna impossível a manutenção do formato socioeconômico atual (ANA, 2019). Nesse sentido, devido à concentração populacional em condições inadequadas do saneamento, a deterioração da qualidade da água é um aspecto frequentemente observado em corpos d’água urbanos (TUCCI, 2008).
Nesse aspecto, a Amazônia é um claro exemplo da expansão de núcleos urbanos sem as mínimas condições de saneamento. Muitos municípios não coletam o esgoto gerado e uma taxa menor ainda trata esse esgoto (ANA, 2017). Em Rondônia, estima-se que a fossa rústica seja a principal fonte de alocação dos efluentes domésticos, uma vez que em todo o estado, menos de 10% da população é atendida por rede de esgoto (BRASIL, 2019). O município de Ji-Paraná-RO ilustra essa realidade, pois não conta com sistema de coleta e tratamento de esgoto. O instrumento de saneamento que consta no Plano Municipal de Saneamento Básico e Drenagem Urbana do município ainda não está em execução (JI-PARANÁ, 2012).
Além disso, outro grande problema na região é o desmatamento e as queimadas. De acordo com pesquisadores do INPE, em relação a todos países em que se localiza a bacia Amazônica, na porção brasileira ocorre a maior taxa de desmatamento de toda a área (BORMA; NOBRE; BORMA, 2013). Na bacia do rio Ji-Paraná, sub-bacia da bacia Amazônica, por exemplo, a classe de uso e ocupação dominante é a pastagem, sendo que a maior parte preservada da bacia é concentrada no interior da Reserva Biológica do rio Jaru, afluente do rio Ji-Paraná (SILVA; LIMA, 2019).
Devido às transformações no uso e ocupação do solo supracitadas, estudos climáticos indicam que o processo de conversão da floresta em pastagem pode afetar a disponibilidade hídrica na região, visto que variáveis como umidade relativa e precipitação são menores na região de pastagem (NASCIMENTO et al., 2020;RUEZENNE et at., 2019). Além disso, em estudo conduzido por Valadão et al. (2019), no qual se analisou a distribuição da precipitação em sítios experimentais de pastagem e floresta, próximos à Ji-Paraná, pelo período de 2001 a 2018, os resultados indicam que na pastagem a média de chuva anual é 7,7% menor do que na floresta.
Nesse sentido, atividades antrópicas têm exercido expressiva influência na dinâmica hídrica. Influências estas que podem ser rapidamente observadas quando analisadas no âmbito das pequenas bacias hidrográficas. A dinâmica em bacias hidrográficas de grande porte está integrada à dinâmica das diversas pequenas bacias que a compõe (VALENTE; GOMES, 2015). Desta forma, estudos que incluam análises ambientais em pequenas bacias são primordiais para melhorar a gestão deste recurso em âmbito municipal ou regional.
Visto isso, o objetivo do presente estudo é realizar uma revisão bibliográfica das pesquisas científicas produzidas sobre as microbacias urbanas do município de Ji-Paraná, Estado de Rondônia. Espera-se que esta revisão possa despertar a atenção da comunidade acadêmica e governamental, principalmente na localidade, sobre as condições ambientais atuais dos igarapés do município e corroborar para a gestão e regulação dos recursos hídricos locais.
O estudo de revisão em questão é direcionado ao município de Ji-Paraná, parte central do Estado de Rondônia, região Norte do Brasil, com estimativa de cerca de 129.000 habitantes (IBGE, 2020).
O município está inserido na bacia do rio Ji-Paraná, também conhecido como rio Machado, afluente do rio Madeira, que possui 63.887 km.(SILVA; LIMA, 2019). A porção florestada da bacia é composta por Floresta Ombrófila Aberta (CULF et al., 1997, apudNASCIMENTO et al., 2020). A precipitação média anual é de cerca de 2200 mm próxima à foz e 1900 a 2100 próxima à nascente (SILVA; LIMA, 2019). Conforme os Decretos estaduais n°19.058/2014 e n°19.059/2014, foram instituídos dois Comitês de Bacia Hidrográfica – CBH na bacia, o CBH-Alto e Médio Machado e o CBH – Rio Jaru e Baixo Machado. Porém, somente o último está em processo de efetiva implantação (GONÇALVES; ZUFFO; GOVEIA, 2019).
Na Figura 1 pode ser observada a delimitação do perímetro urbano do município, bem como as 15 microbacias situadas em se interior.
Na pesquisa bibliográfica foram buscadas as pesquisas científicas já realizadas especificamente no âmbito das microbacias urbanas de Ji-Paraná, estado de Rondônia. Para tanto, foram utilizados como ferramenta de busca as bibliotecas digitais subsequentes: Scielo (Scientific Electronic Library Online); Periódicos CAPES; e Google Acadêmico.
De forma a obter um panorama das pesquisas ambientais mais recentes, delimitou-se o período de pesquisa de 10 anos (2011 a julho de 2020). Assim sendo, foram reunidas todas as pesquisas relacionadas a estudos ambientais nas microbacias urbanas municipais, produzidas no período estabelecido.
Ao todo foram encontrados 28 trabalhos publicados em meio digital, entre artigos de periódicos científicos, anais de eventos acadêmicos e livro digitais. Em um quadro, foram dispostos os principais aspectos de cada estudo encontrado. As pesquisas foram segregadas por microbacia correspondente, de forma a evidenciar as condições ambientais indicadas nos estudos por cada microbacia já analisada.
Na Figura 2, está disposto o número de pesquisas em relação ao ano em que foram publicadas, bem como o percentual correspondente. Os estudos foram separados de acordo com as microbacias ou a localidade em que foram realizados, sendo que 17,9% (5 estudos) foram realizados na microbacia do igarapé 2 de Abril; 17,9% (5) na microbacia do igarapé Pintado, 28,6% (8) foram realizados analisando diversas microbacias ou o perímetro urbano como um todo; 17,8% (5) foram realizados em poços residenciais; e os 17,8% (5) restantes foram realizados em outras microbacias ou lagoas urbanas do município.
No Quadro 1 estão dispostos os principais pontos que foram considerados mais relevantes durante a revisão bibliográfica ou que foram destacados pelos autores de cada estudo.
Conforme os resultados destacados na Quadro 1, grande parte dos estudos indicam impactos ambientais negativos nos recursos hídricos urbanos de Ji-Paraná-RO.
Nas análises morfométricas realizadas por Carmo et al. (2016) e Helbel; Nuñes; MArchetto (2014), os resultados obtidos revelaram que as condições naturais das microbacias não indicam alta propensão à inundação. No entanto, como destacado por Santos (2018), este é um problema recorrente no município, principalmente na zona central mais urbanizada. O escoamento superficial aumenta em volume e velocidade nas ocorrências de precipitação em áreas impermeabilizadas pela urbanização, uma vez que a água precipitada não tem a oportunidade de infiltrar no solo (TUCCI, 2016). Desta forma, os autores citados concluem pela interferência antrópica como principal fator responsável pela ocorrência de inundações, visto que em Ji-Paraná há alto grau de impermeabilização do solo e canalização de trechos de igarapés como o 2 de Abril e o Pintado.
Além disso, a ocupação irregular do leito dos rios e igarapés é um aspecto frequentemente relatado, a exemplo de Araújo; Andrade; Ribeiro (2018), Helbel; Nuñes; Marchetto (2014), Rocha; Andrade (2019), Rodrigues et al. (2019), dentre outros. Nesse sentido, a partir de entrevistas realizadas por Prosenewicz e Lippi (2012), em uma colônia de pescadores localizada às margens do perímetro urbano do rio Ji-Paraná (Machado), dos 23 pescadores participantes, 15 afirmaram que já tiveram suas casas alagadas durante os períodos chuvosos. Ainda, conforme os autores, a ocupação de áreas alagadiças é um problema de saúde pública, visto que, juntamente com a precariedade do saneamento em Ji-Paraná, os alagamentos periódicos das residências próximas a essas áreas colocam a população residente em condições de vulnerabilidade a doenças gastrointestinais, leptospirose, dengue, alergias, ataque por animais peçonhentos como arraias e cobras, proliferação de roedores e demais animais atraídos pelos resíduos.
Além do perigo público representado pela ocupação das áreas alagáveis, são citados impactos ambientais macroscópicos nos leitos dos igarapés, como a degradação da vegetação ciliar, presença de resíduos sólidos diversos, erosão e assoreamento, proximidade de residências etc. O despejo de efluentes nos igarapés de Ji-Paraná é um dos principais aspectos destacados nos estudos analisados (ARAÚJO; ANDRADE; RIBEIRO, 2018; LIMA et Al., 2013; MENDONÇA et al., 2019; RODRIGUES et al., 2019; SANTOS et al., 2018; SILVA; ANDRADE; WEBLER, 2019; SOARES et al., 2018; SOUSA et al., 2019). Desta forma, diversas alterações na qualidade da água dos igarapés urbanos em Ji-Paraná foram identificadas nos estudos científicos supracitados, como por exemplo, a presença de coliformes fecais, altas concentrações de fósforo, escassez de oxigênio, alta turbidez da água etc.
A degradação da qualidade da água, tanto superficial quanto subterrânea, é um problema que encontrado também em outros municípios do estado (CUNHA et al., 2019; SILVEIRA et al., 2019), devido às condições inadequadas de expansão urbana e gestão ambiental municipal, bem como à precariedade do saneamento na maioria dos municípios do Estado de Rondônia (BRASIL, 2019). Assim sendo, conforme Calente; Oliveira; Vallejo (2020), até mesmo no município de Alvorada D’Oeste, que possui sistema de coleta e tratamento de esgoto, o despejo do esgoto tratado em um córrego do município elevou em mais de 40% a carga orgânica do igarapé (DBO/DQO), na comparação entre pontos amostrais antes e depois do ponto de emissão do efluente tratado.
Nesse sentido, as más condições de saneamento afetam também a qualidade da água subterrânea. Esse é um aspecto preocupante, levando em consideração a importância da água subterrânea para o abastecimento público em Rondônia, onde estão cadastrados 2935 poços no Sistema de Informações de Águas Subterrâneas - SIAGAS (COSTA JÚNIOR; FERREIRA; GUTIERREZ, 2019). Porém, estima-se que o número real de poços utilizados no município seja muito maior, uma vez que, de acordo com o Instituto Trata Brasil, 88% dos poços no Brasil são clandestinos (TRATA BRASIL, 2020).
A Escherichia coli é um importante indicador de poluição por esgotos domésticos em água de poços, visto que a partir da presença desse bioindicador é possível inferir sobre o potencial da água em transmitir doenças, sobretudo gastrointestinais (ANA, 2019). De acordo com as informações do Quadro 1, todos os estudos que realizaram teste microbiológico na água de poços em Ji-Paraná, encontraram a presença de E. coli(ALVES et al., 2016; FERREIRA et al., 2014; VIEIRA et al., 2012). Tais resultados também foram encontrados por Laureano et al. (2019) no município vizinho, Presidente Médici-RO. Dos 11 poços analisados, somente 1 obteve ausência de E. coli.
De forma semelhante ao estudo anterior, em 10 poços analisados por Oliveira et al. (2019) no município de Rolim de Moura-RO, em somente 1 dos poços não foi identificada densidade de E. coli. De acordo com esses resultados, a contaminação fecal na água de poços pode estar se tornando um problema generalizado no estado. Na revisão realizada por Vieira et al., (2018) sobre impactos antrópicos em águas subterrâneas em Rondônia, os autores encontraram, além de contaminação por bactérias do grupo coliformes, também outros indícios de poluição como alta concentração de nitratos em poços localizados na bacia do rio Madeira, Ji-Paraná e Jamari.
A partir de todos os resultados observados, depreende-se pela necessidade de medidas iminentes para a melhoria das condições sanitários do município de Ji-Paraná-RO, bem como dos demais núcleos urbanos do estado de Rondônia. Faz-se urgente também a adequação da gestão das áreas dos entornos dos igarapés urbanos do município, de forma que a preservação dos leitos, margens e APP’s desses igarapés, juntamente com um sistema de coleta e tratamento de esgoto efetivo, possa colaborar para diminuir a vulnerabilidade da população aos fatores de risco atrelados aos impactos sofridos pelos recursos hídricos do município.
São muitos os estudos já realizados relativos à igarapés urbanos de Ji-Paraná-RO. Destaca-se a importância da divulgação desses resultados para a comunidade municipal, uma vez que, de forma geral, tais estudos revelam um cenário de alterações profundas nas condições naturais dos igarapés urbanos de Ji-Paraná.
Espera-se que o diagnóstico realizado, a partir da revisão conjunta de pesquisas científicas que foram realizadas nas microbacias urbanas do município, possa enfatizar a necessidade urgente da melhoria das condições sanitárias e da gestão dos corpos hídricos locais.
Ao Programa de Mestrado Profissional em Rede Nacional em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos - ProfÁgua, Projeto CAPES/ANA AUXPE nº 2717/2015. Ao campus Ji-Paraná da Fundação Universidade Federal de Rondônia.