Aberturas Transversais
Recepção: 07 Abril 2019
Aprovação: 28 Abril 2019
Resumo: A presente pesquisa teve como objetivo refletir sobre as potencialidades do educador e do aluno, adquiridas por meio de uma experiência poética em sala de aula e, assim, evidenciar a relevância da Arte na educação. A proposta foi aplicada nas turmas do 1º ano do Ensino Fundamental I (seis anos) de uma escola privada no interior do estado de São Paulo, abordando o conteúdo previsto sobre a luz e a sombra, durante o terceiro trimestre do ano com duração de doze aulas. Ancoramos nossa reflexão em John Dewey, Lev Vigotsky, Ana Mae Barbosa, Ana Angélica Albano e Rosa Iavelberg.
Palavras-chave: Ensino de Arte, Arte/educação, Regina Silveira.
Abstract: The present research had as objective to reflect on the potentialities of the educator and the student, acquired through a poetic experience in the classroom and, thus, to highlight the relevance of Art in education. The proposal was applied in the first year of elementary school I (six years) of a private school in the interior of the state of São Paulo, addressing the expected content of light and shade during the third quarter of the year lasting twelve classrooms. We anchor our reflection in John Dewey, Lev Vigotsky, Ana Mae Barbosa, Ana Angelica Albano, Rosa Iavelberg.
Keywords: Art Teaching, Art/education, Regina Silveira.
1 INTRODUÇÃO
Ao longo de nossa experiência docente no ensino de Arte, testemunhamos algumas modificações e, mais recentemente, pudemos observar, que as brincadeiras dos alunos giram em torno de objetos tecnológicos, naturais de uma sociedade informatizada, da qual os pais, são os protagonistas mais próximos. Percebemos, dessa forma, que os outros brinquedos infantis satisfazem por pouco tempo, não oferecendo o atrativo esperado pelos adultos, interferindo nas relações sociais, gerando problemas constantes e, alguns, relevantes.
A escola onde desenvolvemos a pesquisa é também o local de trabalho de uma das pesquisadoras. A partir dessas questões, as professoras das disciplinas de História e Geografia, ao estudarem o período medieval, solicitaram que a disciplina de Arte compusesse essa proposta. Entretanto, entendemos que a aula de Arte não pode ser apenas um apêndice do produto final, tornando-se necessário encontrar recursos e estratégias para abordar o assunto sem entrar na obviedade das questões e elaborar apenas um trabalho de temática repetitiva. Para tanto, abordamos o conteúdo sobre “luz e sombra”, que faz parte do ensino de Arte, como uma questão de entendimento para a construção de uma tridimensionalidade, com ênfase na formação de volumes, na desconstrução das figuras que produziram abstrações, na efemeridade e na rapidez com que se processaram no percurso, tanto da luz como da sombra.
Os objetivos específicos elencados pela disciplina de Arte no projeto, foram: conhecer e valorizar os elementos da linguagem visual nas produções e nos procedimentos das técnicas, aliados ao contexto estudado; construir um percurso no processo de criação, que evidenciasse a poética do aluno; apreciar e refletir sobre as reproduções de obras de arte visualizadas ao estudar a História da Arte, e conhecer o percurso da criação pelo qual o artista transitou, os territórios da linguagem e as fronteiras que atravessou, propiciado pela materialização de uma ideia que surgiu mediante os procedimentos utilizados - a observação, a memória e a imaginação. Resultado final: conhecer, produzir e manipular personagens para um teatro de sombras.
Apesar de apresentarmos, aqui, um recorte desse processo, optamos por apresentar o estudo na íntegra, utilizando como procedimento o desenho de observação, de memória e de imaginação; o recorte e a colagem, para que produzissem um resultado bi e/ou tridimensional; e procuramos envolver os alunos com uma das vertentes do ensino de Arte, que engloba o teatro, o que justifica a importância de se trabalhar com o teatro de sombras, ao final do estudo.
Como o assunto era instigante, procuramos fazer que ele fosse lúdico e estratégico, associado a uma artista com uma linguagem coerente com a proposta, ao deixar fruir as leituras estéticas das reproduções de obras de arte oferecendo subsídio para as experiências artísticas. Para construir um repertório visual significativo, escolhemos a artista Regina Silveira, seu livro paradidático O olho e o lugar, para podermos observar e analisar o conceito de luz e sombra nas reproduções das obras da artista. Foi um passeio artístico da professora com os alunos, permitindo um encontro de sonhos que, literariamente, transitavam (junto à apreciação das obras de Regina Silveira) pelas paredes, chão e tetos em diferentes escalas e locais, ocupando o espaço como um todo.
A nossa atividade teve início com um levantamento sobre o conhecimento prévio dos alunos, de onde surgiram algumas respostas importantes sobre o que seria a luz: “O sol lá fora”; “O fio da parede escondido traz para cima com o clic, a luz”; e para a sombra: “Tudo escuro”; “Para passar nos olhos”; e “Eu ando ela vem atrás”. Propusemos uma atividade externa à sala de aula, separando os alunos em dois grupos. O primeiro, em duplas, desenhou a projeção da sombra do corpo do amigo no chão, usando uma trincha molhada na água; e o segundo grupo que registrou a ação como proposta de desenho de observação.
Em sala de aula registramos os conhecimentos por eles adquiridos: “O sol seca a água e ela (sombra) vai descendo para baixo”; “Que a água evapora e vai para o céu”; e “Vai chover desenhos”. Na sequência os alunos produziram uma pequena sala de exposições com duas obras; a sala possuía um objeto iluminado por uma luz imaginária que então produziria uma sombra distorcida. Ao construir a distorção da imagem abrimos o espaço para preencher uma lacuna na justificativa do “eu não sei desenhar”, e para a possibilidade de poder sair da proporção esperada e dos desenhos tidos como “corretos e perfeitos”, no olhar adulto.
Posteriormente, assistimos ao DVD Príncipes e Princesas que é uma animação com a técnica do teatro de sombras e apresentamos aos alunos, que inspirados no filme imaginaram uma história para apresentaram aos colegas.
Querendo, ainda, ampliar o conhecimento sobre a luz e a projeção de sua sombra, solicitamos que os alunos desenhassem por meio de observação uma xícara (louça), cuja sombra se projetaria a partir da fonte de luz de uma luminária que foi colocada próxima ao objeto. O desmembramento do projeto se deu ao usarmos a luz e a sombra no teatro de sombras.
Os resultados obtidos pelas produções permitiram-nos analisar o percurso e a importância do Outro na mediação e no processo de ensino-aprendizagem. As estratégias adotadas permitiram que refletíssemos sobre a maneira de abordar uma atividade em arte quando integrada a um projeto interdisciplinar, não servindo apenas como respaldo para o “produto final”.
Smolka (2009), ao comentar sobre a experiência de Vygotsky como leitor shakespeariano, mostra que ele considerava a obra de arte como produção social, pois ela se torna independente de seu criador e não existe sem a participação dos leitores. “A vida da obra de arte está nos efeitos que ela produz naqueles que a recebem” (SMOLKA, 2009, p.130).
Para discutirmos a experiência do receptor (o expectador) da obra de arte, buscamos o esclarecimento em Dewey (1980) quando afirma que este precisa criar sua própria experiência com o objeto, estabelecendo conexões e paralelos com a experiência de estar frente a frente com a obra de arte, relatando as suas ações e intenções, percebendo e estabelecendo as relações sociais que justificam o estar ali nesse momento.
A força que impulsiona a arte não é a atividade exibicionista da pessoa que cria, mas a resposta do público. Essa resposta pode ser de um atraso cruel – Van Gogh é um exemplo sempre citado. Mas, até que essa reação seja ativada, o trabalho da arte, enquanto realidade, não existe. (SMITH, 2005, p.38)
Nesse sentido, queremos abordar não somente o observador da obra de arte, mas o aluno (sujeito) ao receber uma imagem que lhe é apresentada por um mediador - que pode ser a família, o pai ou a mãe ou o próprio professor, como neste caso -, que aproveita a oportunidade para tecer algumas considerações sobre o assunto apresentado. O aluno, ao descobrir-se sujeito capaz de materializar suas ideias e experimentos, reforça em si a aprendizagem, que se traduz em competências assimiladas no contato com o outro, o educador ou o artista.
Trata-se de um momento de experimentação que proporciona em sua realização a práxis do sujeito. Para isso, a produção do professor ou do artista requer tempo, dedicação e um lugar apropriado. Para que isso aconteça, os espaços de produção precisam ser estimulantes e não estereotipados, como comentam Arslan e Iavelberg:
Experiências relatadas por artistas mostram as múltiplas maneiras de organizar um ateliê. [...] A visão do ateliê como um espaço cheio de tintas e pincéis, diversos materiais, desenhos por todos os lados é estereotipada. Vários artistas desenvolvem uma rica produção sem dispor de um espaço/cenário [...] O modo de fazer arte se transforma, e isso também ocorre com os espaços de produção. (ARSLAN E IAVELBERG, 2006, p.61-62)
Assim, a nossa proposta de trabalho deveria, apropriar-se dos materiais - procedimento usado pela artista estudada - para podermos explorar novas possibilidades e para que, no percurso do processo de criação, o aluno se sentisse estimulado a valorizar a sua poética. Interessava-nos, na análise feita pelos alunos, sobre as reproduções das obras da artista Regina Silveira, uma leitura que possibilitasse voltar o olhar, de tal modo que, as histórias surgissem com as observações deles e que pudessem assim, nos sugerir possibilidades de acesso a um universo onírico, do sonho, da imaginação e do devaneio de cada um.
2 TRABALHANDO A PROPOSTA
Iniciando a proposta utilizamos a seguinte situação disparadora: uma folha cartonada em tamanho A4, na cor preta, que os alunos dobraram e cortaram em quatro partes, sendo cada parte dobrada novamente em quatro. Solicitamos aos alunos que trabalhassem com uma parte de cada vez e que fizessem pequenos cortes em formato de triângulos ou retângulos, mas que ficassem atentos para que o pedaço de papel cortado fosse retirado do conjunto e produzisse um vazado; procurando cortar todos os lados. Após o corte, abriram-se as folhas dobradas e observou-se os resultados simétricos obtidos, que se assemelhavam a “toalhas rendadas”. Os alunos puderam perceber que, cada vez que se cortava uma nova parte, produziam resultados diferentes do anterior e também dos demais colegas.
Na sequência, colaram o material cortado sobre uma folha de papel de cor branca, no tamanho A3, e coloriram depois os espaços vazados, o entorno do papel colado, bem como o próprio preto do papel cortado. Ao recortar e manusear o material pudemos perceber que o resultado obtido motivou alguns alunos a produzirem outros, e até mesmo explorar o recorte em tamanhos variados.
A exploração desse procedimento com recorte proporcionou-lhes uma importante descoberta, a dos vazados obtidos, que seriam usados na construção das figuras dos personagens do teatro de sombra. Para alcançar um resultado satisfatório, esses vazados seriam utilizados para produzir os detalhes no personagem, no cenário, ou como acessório de cena, pois, ao vazar o detalhe, enriquecia-se a figura produzida e o resultado poderia ficar mais próximo da forma esperada. Em outro momento, foi proposto um exercício de reconhecimento do tema para, depois, levantarmos as informações constatadas sobre o conteúdo a ser abordado.
Para tanto, foram feitas perguntas que retornaram com respostas interessantes:
O que é luz?
O sol lá fora/Um túnel com farol do carro aceso/O poste da rua/O fio da parede escondido traz para cima com o clic, a luz/É um tipo de sol só que invés de ser o sol é a luz /O fogo pode ser uma luz para iluminar uma casa quando apaga /A luz que tiver no escuro em casa ela acende, é mais fraca que o sol, se não a gente ia ficar suando [...]
O que é sombra?
Eu ando ela vem atrás/A sombra é formada pelo corpo/As nuvens são brancas e quando chove ficam pretas pela sombra/A sombra também pode vir de uma árvore ou de uma casa/Vem da luz, porque quando a luz bate na gente fica escuro porque fica na frente da gente, ele pega o traçado da gente/A gente que faz a sombra,[...]
As misteriosas hipóteses que surgiram no levantamento prévio sobre o conteúdo foram aos poucos tecendo uma trilha de informações que se comprovariam e, em contrapartida, outras nada conclusivas, mas que poderiam acrescentar algumas indagações, ativando, assim, o sensor reflexivo. Portanto, para a atividade ser desenvolvida percebemos a necessidade de procurar no desconhecido, entre brincadeiras, fatos e experimentos.
3 ENVOLVIMENTO COM A PESQUISA - DETETIVES EM AÇÃO
Para instigar uma situação de pesquisa propusemos como ação, capturar a sombra do colega. Os alunos logo se mostraram interessados na aventura do espaço, como se fossem detetives, colocando-se como investigadores desse acontecimento, o que nos levou a propor outra atividade artística.
Era uma turma com aproximadamente 20 alunos, dividida em dois grupos. Um grupo trabalhando em dupla e o outro individualmente. Os grupos foram revezados, para que ambos pudessem produzir as duas atividades artísticas e investigativas a respeito da luz e da sombra. Foi entregue aos 20 alunos uma folha branca no tamanho A3 e um suporte de madeira para servir como prancheta, no qual foi fixada a folha de papel com fita crepe. O aluno deveria identificar-se (nome e série) com lápis grafite e trazer, além da prancheta com a folha (fixada), o estojo com borracha, apontador e lápis grafite. A aula foi realizada em ambiente externo à sala de aula, semelhante a um pequeno teatro de arena.
Em seguida, no teatro de arena separamos os alunos em dois grupos. Um deles permaneceu sentado nas escadas do teatro, para a produção de um desenho de observação que registraria a cena vivenciada pelos outros colegas de sala. O outro grupo deixou as pranchetas, as folhas e estojos na escadaria do teatro, e caminhou com os colegas para o centro do espaço. Cada dupla recebeu um copo plástico, com água até a metade (havia outros cheios para reposição), e uma trincha larga (já desgastada pela aspereza do piso) que reteria a água ao se esparramar no chão de cimento, parcialmente sujo pelos passos infantis da terra vermelha (característica de nossa região), deixando marcas na produção do local a ser explorado.
As orientações foram dadas pela professora/pesquisadora sobre como procederem. Pouco a pouco as duplas foram se organizando e ganhando localização no espaço que dividiam com as outras duplas, conquistando a ocupação do território a ser explorado. Um dos alunos de uma dupla se posicionou de maneira que sua sombra fosse projetada no chão, e solicitamos que ele ficasse parado. Outro aluno, com a trincha molhada, tentaria capturar a imagem projetada1 no chão. Na sequência, eles trocaram de posição e, ao término da captura das imagens passaram de praticantes a observadores, dando lugar para que os grupos de observadores, assumissem o posto de praticantes.
Foram contagiantes as expressões de alegria observada, bem como as estratégias que eles buscavam para serem mais rápidos no registro para que a água não evaporasse.
Jogavam a água do copo no chão, mas a imagem perdia a forma; buscavam possibilidades de resolver a situação interagindo com a imagem do colega; por vezes, o colega não parava quieto e mudava de posição, sob a reclamação dos alunos que pediam para que ficasse parado, sendo que, neste momento, a professora precisou intervir.
Ao ponderarmos sobre a situação proposta, percebemos que não houve problema para que os alunos vencessem a inércia; ao contrário, ocorreram nesse momento duas situações que remeteram ao tempo “sem controle”. Primeiro, vencer o desejo de extrapolar os limites territoriais, bem como vencer as barreiras ou conter-se por não poder explorar o espaço para outras brincadeiras corriqueiras. Segundo, respeitar as regras segundo as quais um membro da dupla deveria permanecer estático e ser um facilitador para a execução da proposta.
De repente, constataram a necessidade de respeitar os limites e aceitar as barreiras, permanecer nas regras e conseguir entrar na experiência, como de fato deveria ser. Os alunos aproximaram-se e aprenderam com os limites e razões do ser o “outro”, uma troca que envolveu o aprendizado, que permitiu o caminhar junto no processo de ensino-aprendizagem. Os alunos, ao localizarem a postura do corpo do colega (que deveria ficar estático) logo no início da ação, perceberam uma preocupação, a de encontrar um lugar onde a incidência do sol produzisse uma sombra satisfatória e que facilitasse sua captura.
Foram instigantes os comentários surgidos ao longo da experiência, como:
É muito difícil fazer isso...Tá sumindo, não vou conseguir/Fica parado, aí (como se dissesse para a sombra)/Professora, ele não para de se mexer../Vem, vem logo ver, fotografa...
Nessa situação exploratória, utilizando o material disponibilizado (mais copos com água), percebemos que tal atitude permitia autonomia aos alunos para darem prosseguimento ao processo, independente da professora, durante a ação. Pudemos notar a maneira adequada com a qual os alunos tentavam usar a trincha que por ser larga, retinha mais água, porém, reduzia a precisão dos limites da forma da sombra. Também verificamos a necessidade deles de controlar a quantidade da água a ser usada, tanto que alguns alunos, em vez de somente molhar a trincha no copo com água, jogavam a quantidade de água que tinham no copo, esparramando-a velozmente com a trincha, acreditando, com isso, conseguirem reter a imagem por inteiro naquele instante, gerando uma movimentação maior para tentar controlar a água que escorria e vencia as barreiras dos limites do corpo formado na sombra. Fizeram alguns comentários:
Acabou a água, preciso de mais vou buscar/Vou derrubar tudo, é mais rápido/ Não, vai sair fora. Não deu certo. Vou fazer de novo...
Outro desafio a ser vencido pelo aluno foi sobre o comportamento, ter que se controlar e ter paciência com o colega que precisava ficar estático, bem como com a posição que ele escolheu, mesmo esta sendo, às vezes desconfortável ou difícil para o colega capturar a sombra.
Algumas contribuições nas falas dos alunos:
Você está demorando, estou cansando/Esta posição está ruim... Vamos mudar de lugar, ali fica melhor/Não, agora é a minha vez de fazer o molhadinho da sombra...
Já era perceptível o cansaço dos alunos, mas eles não desistiam; mudavam de lugar, alteravam a posição, o que, consequentemente, gerava uma nova imagem a ser executada, suscitando o protesto do colega. Tinham que lidar com a dificuldade e, ao mesmo tempo, fazê-la ser divertida. Contudo, os alunos se adaptaram com facilidade às situações novas e se entregaram às novas aventuras espaciais e sensoriais. A cada nova ação surgia uma atitude movida pelo desejo de fazer e, ao mesmo tempo, alimentava-se a fluidez da imaginação que, consequentemente, concordava em desenhar essas efêmeras imagens quase “surreais”, curiosas, e de natureza autorizada a ser desconhecida.
Não restou dessa ação nenhum material para se guardar. Posteriormente, pensamos que, em um momento oportuno, seria interessante apresentar aos pais os registros fotográficos de uma experiência única, que poderia vir a se repetir um dia e agregar outros valores encontrados.
Constatamos que, ao vencer as dificuldades, ao produzir uma ação que também gerasse deslocamentos, poderíamos considerar a conclusão dessa etapa do trabalho pelas exclamações presentes nas falas dos alunos:
Deixa eu ver: ficou torto, esquisito/Muito comprido, pensei que não ia conseguir/Parece uma batata amassada... Não é possível (risos)/ Tinha que ficar esperto. Foi muito depressa...
Por meio dessas falas, notamos as inúmeras possibilidades de construção e desconstrução que foram tecidas nesse encontro, por meio das imagens que surgiram. Vimos algumas sendo preenchidas totalmente na região periférica e, em outras, a parte interna ganhava destaque, para se tentar concluir em outro momento a imagem como um todo. Ficava nítido um apressamento para finalizá-la, antes que ela desaparecesse, e observando as trocas de olhares entre os alunos, o tanto que eles se mostravam desconfiados ao verificar a extensão e a distância que teriam que percorrer (somente usando a trincha para preencher “todo aquele espaço” de sombra). Aliás, pode-se dizer que, de tão imediato, o efêmero se fez um fenômeno natural e o aquecimento que levara embora as formas definidas tornou-se um imprevisto, com o qual teriam que aprender a se apropriar.
Nas variadas formas que surgiam vimos os tamanhos diferentes, sem possibilidade de tomar-lhes as medidas; notavam-se as semelhanças, as diferenças, as dificuldades e as sinceridades que brotavam da experiência. Elas eram evidentemente poéticas e ressaltavam a potência que essa vivência proporcionou. A simplicidade do material utilizado e a experiência materializada foram suficientes para respaldar as questões que levantamos (as falas dos alunos na primeira etapa) quando fizemos o reconhecimento do conteúdo abordado sobre a luz e a sombra, partindo em seguida para a produção do desenho de registro da ação e o levantamento do conhecimento adquirido.
Na medida do possível, algumas dúvidas ao longo do percurso foram se resolvendo com a aproximação da educadora/pesquisadora, que tentava explicar e exemplificar com o traço, incentivando a construção da imagem que ali se apresentava, naquele momento. Interessante notar que alguns alunos, quando sentiam dificuldade, mudavam de lugar para encontrar uma melhor posição para a visualização da cena, que poderia ser total, ou do aluno de determinada dupla. Estavam apreensivos com a “necessidade” de serem verdadeiros impondo velocidade na atividade para compor a cena. Alguns alunos comentavam entre si:
Super demais, a sombra está no chão, então está caída! (risos)/É bem encompridada também/Já se mexeram, esqueci como estavam, vou fazer de outro jeito...
Ao término das produções retornamos à sala de aula para que os alunos pudes-sem preencher com cores as produções que serviram de registros da ação vivenciada pelos colegas. Enquanto se envolviam com os preenchimentos, fomos questionando-os sobre o que havia acontecido lá fora e anotando o conhecimento adquirido (quadro 2).
Os alunos, enquanto sujeitos críticos e reflexivos, ao se pronunciarem construíram um repertório baseado na observação e na experiência. Percebemos, aparentemente, pela poética das palavras, que elas ganharam significados norteados pela proposição da atividade. Ao ser avaliada, a experiência atingiu o objetivo de construir uma interlocução entre o conteúdo estudado e uma consistente construção conceitual, no dizer de um aluno: Vai chover desenhos!
Observando o registro da ação e estando ao lado dos colegas, era tentador conversar, mesmo notando que, entre um desvio e outro, as falas que trocavam eram de grande importância para o aprendizado. De vez em quando davam uma “espiadinha” para ver como o outro resolveu aquela perna, aquele braço ou aquela cabeça torta. Uma relação sociocultural de aprendizagem, na qual cada um imprimiu em seu fazer uma marca pessoal. Nesse momento o objetivo educacional/pesquisa se manifestou, porque era exatamente o resultado individual que nos interessava, o como cada um conseguiu digitalizar (no que diz respeito a usar sua digital) e ter uma caligrafia desenhista pessoal.
Na outra aula, iniciamos a proposta com a montagem de um encarte que se destacava do livro adotado; ele se transformaria e suas páginas passariam de bidimensionais para tridimensionais, ganhando um formato parecido com quatro salas de um espaço expositivo, como uma galeria que conteria as reproduções das instalações em escala reduzida, produzida pela artista Regina Silveira. Foi uma festa enorme, e a dificuldade de se conseguir montar esse encarte se esvaneceu com o resultado obtido. Após a montagem, partimos para a atividade de construção da sala de exposição em um formato muito próximo ao obtido com o encarte do livro; porém, nela teríamos os trabalhos produzidos pelos alunos e, dessa forma, agora eles estariam em um espaço expositivo.
E o teatro de sombras?, alguém perguntou.
Para finalizarmos esta proposta, iniciamos a aula seguinte com uma apresentação de uma história, pela professora, para o teatro de sombras. Conversamos em seguida sobre a técnica utilizada e explicamos que os vazados seriam recortados com tesouras e, para manusear os personagens, no verso destes seriam colocadas no verso, varetas presas com fita crepe.
Entregamos na última aula uma pequena tela de papel cartonado com um retângulo vazado ao centro e um papel manteiga colado no verso, para que pudessem manipular em dupla, os personagens produzidos, que seriam apresentados aos colegas por meio de uma história improvisada (figuras 12,13,14).
4 O QUE OS DADOS MOSTRARAM COM ESTA EXPERIÊNCIA
Por meio da análise de conteúdo, segundo L. Bardin (2002), estabelecemos as categorias e subcategorias de análise, conforme demonstramos aqui com o conceito Sombra.
Analisamos os comentários dos alunos a partir do seu conhecimento prévio, procurando extrair deles um conceito.
Na avaliação dos comentários feitos pelos alunos durante levantamento do conhecimento adquirido (e do conhecimento prévio), nos registros fotográficos das imagens da ação e de seu registro sob forma de desenho, distinguimos a importância da experimentação, do fazer artístico atrelado à proposição investigativa acerca do conteúdo a ser explorado e da ação que envolveu o desenho como experimental e efêmero, como registro de ação e como espaço a ser explorado com o corpo.
O desenho da criança é ação e pensamento ao mesmo tempo. São atos particulares, que ninguém pode realizar por ela. Quando a criança desenha, ação, percepção e imaginação atuam juntas; ela sabe fazer e ver o que produz no desenho. Corpo, inteligência e conhecimentos das experiências de desenho anteriores se encontram afinados com o que está sendo desenhado (IAVELBERG, 2013, p.29).
Observamos que a conquista do espaço aconteceu não somente na aventura de percorrer as formas delimitadas pelo sol, mas, também, ao ter o desenho como aliado de uma ação, de uma atitude, de conquistas que extrapolam o resultado esperado; a valorização do sujeito, individual, revelada entre todos como único. Trouxemos também nessa constituição do sujeito a importância da mediação e do contato com o outro, que protagonizou as relações estabelecidas com as trocas de conhecimentos e efetivadas na produção de saberes, ao se relacionar, conviver e aprender com o outro, enriquecendo a produção ao agregar esses valores. Nesse sentido, era necessário valorizar a importância do percurso no processo de criação nas produções executadas pelos alunos, bem como reconhecer o empenho para o resultado obtido.
Apesar de não citar os conceitos da obra da artista Regina Silveira, como o de ausência e presença da luz e da sombra, bem como o simulacro implícito na questão, percebemos que, nos levantamentos dos conhecimentos prévios e adquiridos, houve indícios dessas questões, que ficaram armazenados como uma experiência sensível.
O processo de criação e a experiência com arte, a fruição e o conhecimento advindo do contexto histórico e do percurso utilizado pela artista foram contemplados ao se transmitir uma ideia executada por diferentes meios e técnicas. Portanto, não nos importava nas produções executadas se a cor usada para preenchimento interno do desenho não estava presa à parte interna do contorno, pois extrapolar os limites era sinal de que, na falta de controle “ainda motor”, deixava-se o corpo falar e ousar, mesmo que, ao final, com todos os “rabiscos” expressivos, os alunos pudessem ser capazes de respirar alegremente e provocar o mesmo encantamento que receberam para uma experiência efetuada em um curto tempo. Nas palavras de Derdyk (1990, p.117):
A lógica da criança ocupa territórios estranhos aos adultos. A criança generosamente atribui vida própria a seres e objetos que convivem com seu universo afetivo e cultural. [Ela] é autora de suas projeções e fantasias, mas, no entanto, ignora-se como sujeito pensante e atuante, emprestando às coisas um espírito e uma ação.
Acreditamos que por meio dessas experiências foi dada uma resposta que permite ao leitor aceitar essas etapas do processo de criação como uma experiência que deu certo. Para tanto, é necessário ter o olhar do educador afinado com o dos alunos, verificando a necessidade de ajustes nas situações-problemas podendo assim valorizar o percurso executado para suas produções artísticas. O professor na sua postura profissional, precisa envolver-se e estar ao lado deles.
5 CONCLUSÃO
Nesta experiência com Arte vivenciada entre a ideia a ser materializada e o fazer artístico, foi importante construirmos uma sequência de propostas e ações que pode ser comprovada nas aulas de acordo com o planejamento prévio da disciplina. Houve várias reflexões geradoras de novas possibilidades de discussão durante o processo, possibilitando a tomada de decisões orientada para um olhar voltado não somente para o fazer artístico, mas para aquilo que se pode aprender com o outro.
Ao final da avaliação, analisando o percurso sobre a importância do Outro na mediação e no processo ensino-aprendizagem, pudemos compreender a posição de Vygotsky quanto ao envolvimento do outro nas relações sociais, pois é através delas que nos constituímos e que o mundo adquire significação para o sujeito; assim, a mediação significativa é o outro.
Portanto, buscar a arte para a educação do sensível torna-se uma necessidade inequívoca que precisa sempre ser reforçada. Nesse sentido, sermos educadoras, e termos encontros dessa natureza com os alunos possibilitou-nos uma renovação pelo crescimento crítico-reflexivo resultante das experiências estéticas vivenciadas.
Ao fim, esperamos que esta colaboração de pesquisa contribua para redimensionar algumas questões no ensino de Arte, que são muitas vezes feitas de modo recluso, impedindo que ativemos a potência do sujeito para se libertar, ir ao encontro do outro e para também alcançar o bem maior, que é ter uma educação voltada para o humano, para o sensível e que somente a arte pode permitir.
REFERÊNCIAS
ARSLAN, Luciana Mourão; IAVELBERG, Rosa. Ensino de Arte. São Paulo: Thompson, 2006
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2002
DERDYK, Edith. O desenho da figura humana. São Paulo: Scipione, 1990. 174p. Série Pensamento e ação no magistério.
DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 1980.
IAVELBERG, Rosa. Desenho na Educação Infantil. São Paulo: Melhoramentos, 2013.
PRATES, Valquíria; SANT’ANNA, Renata. O olho e o lugar: Regina Silveira. São Paulo:
PRÍNCIPES e Princesas. Direção e Criação: Michel Ocelot. França: Dolby Digital, 1999. (70 min). DVD.
SMITH, Edward Lucie. Arte Moderna. História da Arte e crítica de arte In: BARBOSA, A. M. (org). Arte/Educação Contemporânea: Consonâncias Internacionais. São Paulo: Cortez, 2005. Parte 1, cap. 1, p.25-39.
SMOLKA, Ana Luiza. Criação e Imaginação. In: VIGOTSKI, Lev S. Imaginação e criação na infância: ensaio psicológico: livro para professores. Trad. Zoia Prestes. Apresen-tação e comentários: Ana Luiza Smolka. São Paulo: Ática, 2009.
Autor notes