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UMA CARACTERIZAÇÃO DO SABER PROFISSIONAL DO PROFESSOR PARA ENSINAR MATEMÁTICA: o caso das medidas
A CHARACTERIZATION OF THE PROFESSIONAL KNOWLEDGE OF TEACHERS TO TEACH MATHEMATICS: the case of measures
Revista de História da Educação Matemática, vol.. 6, núm. 3, 2020
Sociedade Brasileira de História da Matemática

DOSSIÊ - HISTÓRIAS DE UMA CONSTITUIÇÃO DE SABERES MATEMÁTICOS NO ENSINO

Revista de História da Educação Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática, Brasil
ISSN-e: 2447-6447
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 6, núm. 3, 2020

Recepção: 26 Julho 2020

Aprovação: 03 Dezembro 2020


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: Este escrito é o resultado de uma pesquisa no âmbito da história da educação matemática que teve como objetivo caracterizar o saber profissional do professor para ensinar matemática nas escolas primárias de São Paulo, especificamente ao que se refere ao conteúdo medidas. Nessa abordagem se admitiu como fontes de pesquisa o programa de ensino paulista de 1925 e a coleção de manuais de Miguel Milano dos anos de 1930/40. Subsidiada por elementos da Cultura Escolar, História das disciplinas escolares e as categorias matemática a ensinar e matemática para ensinar, a leitura e exame das fontes pela composição e orientações das matérias: Aritmética, Formas, Geometria e Desenho, permitiram construir, em relação as medidas, uma representação de uma matemática para ensinar na escola primária, com diferentes aspectos característicos, mobilizações, atividades distintas e que seguia uma lógica interna. Todavia, ao que parece, essa conjuntura estava em resposta de ideias do movimento pedagógico que circulava a época.

Palavras-chave: Medidas, Ensino Primário, Saber Matemático, Matérias de Ensino, História da Educação Matemática.

Abstract: This writing is the result of a research in the context of the history of mathematics education that aimed to characterize the professional knowledge of the teacher to teach mathematics in the primary schools of São Paulo, specifically with regard to the content measures. In this approach, the 1925 São Paulo teaching program and the collection of manuals by Miguel Milano (1930s / 40s) were admitted as research sources. Subsidized by elements of School Culture, History of school subjects and the categories “mathematics to teach” and “mathematics for teaching”, the reading and examination of sources by the composition and orientation of the subjects: Arithmetic, Forms, Geometry and Drawing, allowed to build, in relation to the measures , a representation of mathematics to teach in primary school, with different characteristic aspects, mobilizations, different activities and which followed an internal logic. However, it seems that this situation was in response to ideas from the pedagogical movement that circulated at the time.

Keywords: Measure, Primary School, Mathematical knowledge, School subjects, History of Mathematics Education.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este texto toma como base inicial os resultados de uma pesquisa de doutorado no âmbito da história da educação matemática intitulada “As artes de medir: Saberes matemáticos na escola primária de São Paulo, 1890-1950”. Com objetivo de caracterizar o saber medidas na escola, em termos das finalidades de ensino, a autora, a partir dos programas de ensino paulistas, manuais e revistas publicadas no período, destacou entre os resultados a construção de uma representação, que o saber em questão para a escola primária se figura em diferentes matérias e finalidades. Com momentos em que a mobilização se deu como um assunto de ensino e noutros como um aporte imbricado ao ensino de outros saberes.

Assim, a elaboração deste texto se justifica em razão da época de construção da referida tese, diversas vezes ter sido questionada o porquê não considerar a categoria dos saberes profissionais para tratar a temática da pesquisa. Nesse sentido, ao se tratar de uma primeira aproximação com a temática da formação de professores dos primeiros anos escolares, a escrita sobre essa temática torna-se um desafio.

Ao levar em conta inicialmente a discussão posta na referida tese, sobre as medidas ter se apresentado de forma amalgamada entre diferentes matérias, com diferentes finalidades de ensino, para este texto, pretende-se, fazer uma releitura a algumas fontes e avançar. Para isso, toma-se como objetivo, caracterizar historicamente o saber profissional do professor para ensinar matemática nos primeiros anos escolares, especificamente ao que se refere ao conteúdo medidas. Dito de outro modo, em forma de questão, ao considerar as medidas, que caracterização pode ser construída em perspectiva histórica do saber profissional do professor para ensinar matemática nas escolas primárias paulistas?

Esta questão toma como premissa que no caso dos primeiros anos escolares, o saber profissional do professor para ensinar matemática, historicamente se apresenta por uma matemática para ensinar articulada a uma matemática a ensinar. Como destaca Valente (2019, p. 52) “[...] a matemática para ensinar revela-se como um saber profissional, uma matemática para o exercício da docência, uma ferramenta de trabalho do professor para ensinar matemática tendo em conta uma matemática a ensinar”.

Essas categorias tem como base apropriações de estudos da equipe suíça ERHISE, a qual considera as categorias saberes a ensinar e saberes para ensinar. A primeira refere-se ao objeto de ensino e a segunda a ferramenta para o ensino. Nesse contexto, ao pensar a especificidade do professor de Matemática Valente, Bertini e Morais (2017) elencam por apropriações da equipe suíça as referidas categorias: matemática a ensinar e matemática para ensinar. A matemática a ensinar tida como aquilo que o professor deve ensinar, o objeto do trabalho do professor de matemática, e a matemática para ensinar refere-se aos meios, recursos, orientações etc., a ferramenta de trabalho do professor.

Entretanto, dada dimensão da pesquisa de base, em que considerou um período amplo e diferentes registros históricos – programa, manuais e revistas, este artigo toma como foco, um programa específico de São Paulo, o de 1925, e a coleção de manuais de Miguel Milano[2].

A opção por considerar esse programa se dá em razão de que o programa de 1925 apresentava características distintas em relação àqueles promulgados anteriormente e posteriormente[3]. Nesse programa, os conteúdos propostos ganharam espaço em todos os níveis de ensino, com um formato que apresentava orientações e sugestões de exemplos a serem seguidos no ensino das matérias. Sobre escolha pela coleção de Milano, divulgada nos anos 30 e 40 do século XX[4], justifica-se porque como apresentado na capa, a coleção foi elaborada “Rigorosamente de acordo com o programa oficial do estado de São Paulo”, o programa máximo de 1925. Assim, a dupla documentação coloca à tona para construção pretendida as normas e as práticas que se inserem na cultura escolar, em relação às medidas para a escola primária.

Sobre a cultura escolar, Julia destaca como

[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização) (Julia, 2001, p. 10, grifos do autor).

Ao considerar os programas e o manual como fontes, opta-se por considerar como suporte teórico-metodológico de base para este escrito os estudos da Cultura Escolar (Julia 2001), da História das disciplinas escolares (Chervel, 1990) e da Matemática a/para ensinar (Valente, Bertini e Morais, 2017). Importante destacar que de acordo com Valente (2019) para estudar a matemática para ensinar a vista dessas fontes, auxilia na compreensão, olhar para graduação do ensino.

Ao que concerne a História Cultural, segundo Chartier (2002, p. 16-17) “a história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler”. Ou seja, produzir história tem a ver com interpretar uma realidade social. Desta maneira, o saber profissional do professor para ensinar matemática nos primeiros anos escolares é visto como fato histórico da realidade a ser conhecida.

Nesse sentido, como as intenções deste escrito referem-se também ao ensino de saberes escolares, o estudo da História das Disciplinas Escolares (Chervel, 1990) é também tomado como suporte para exame das fontes, isso porque, esse autor apresenta orientações pertinentes em relação aos elementos a serem considerados ao se tratar da pesquisa histórica no âmbito escolar, como por exemplo, a sugestão que o exame da legislação escolar e os programas sejam o ponto de partida para o historiador.

Mediante esse aporte teórico-metodológico, para a discussão pretendida, organiza-se este texto em duas partes. Com intenção respectivamente de responder as seguintes indagações:

  • De que modo as medidas se apresentaram como um conteúdo nas matérias de ensino (Aritmética, Formas, Geometria e Desenho) propostas no programa de 1925?

    A vista das diferentes mobilizações das medidas nas matérias, que caracterização pode ser construída do saber profissional para o professor que ensina matemática nos primeiros anos escolares?

AS MEDIDAS COMO UM CONTEÚDO DE ENSINO

A tarefa primeira do historiador das disciplinas escolares é estudar os conteúdos explícitos do ensino disciplinar. [...] todas as disciplinas, ou quase todas, apresentam-se sobre este plano como um corpus de conhecimentos, providos de uma lógica interna, articulados em torno de alguns temas específicos, organizados em planos sucessivos claramente distintos e desembocando em algumas ideias simples e claras, ou em todo caso encarregadas de esclarecer a solução de problemas mais complexos (Chervel, 1990, p. 203, grifo do autor).

Para tratar este tópico, adota-se o conselho dado por Chervel (1990): considerar como primeiro movimento de exame a fonte, olhar para os conteúdos explícitos. Sob essa ótica os resultados da pesquisa de doutorado da autora se tornam o ponto de partida para a discussão.

Ao questionar a fonte, o programa de ensino de 1925 de São Paulo, especificamente as matérias Aritmética, Formas, Geometria e Desenho, sobre que conteúdos de ensino referentes às medidas eram prescritos para a escola primária, Trindade (2018) apontou que pistas explícitas apresentavam-se distribuídas entre as matérias de Aritmética, Formas e Geometria tais como: “medida da área do retângulo, paralelogramo e quadrado” (São Paulo, 1925, 3º ano); e “O gramo; múltiplos e submúltiplos. Mostrar uma balança, pesagem de diferentes objetos. Verificar o peso de um litro de água (São Paulo, 1925, 3º ano).

Mediante essas pistas, na busca de compreender como esses conteúdos se distribuíam por séries de ensino, uma compilação dos dados sistematizados por Trindade (2018) leva a construção do quadro sinóptico que segue.

Quadro 1
Conteúdos referentes às medidas nas matérias Aritmética e Geometria (1925).

Fonte: Elaborado a partir de Trindade (2018).

Pela distribuição dos conteúdos posta no quadro 1, é possível discutir dois aspectos. Primeiro, como se verifica, os conteúdos referentes às medidas postas na matéria Aritmética tratava-se do ensino do sistema de pesos e medidas e nas matérias Formas e Geometria priorizava os estudos de avaliação de medida de comprimento, área, volume. Segundo, as matérias: Aritmética, Formas e Geometria, de alguma forma se complementavam em razão que ambas seguiam a lógica, comprimento, área e volume.

O segundo aspecto, como também se constata pelo quadro, outras unidades de medidas também faziam parte do rol de conteúdos da Aritmética, o terceiro ano que tratava o histórico de medidas antigas, e no quarto ano que além do histórico, também se prescreviam medida de tempo e conversão entre unidades de medidas.

Mas e a matéria Desenho? Destaca-se que nessa primeira aproximação de identificar conteúdos explícitos, não se notou as medidas prescritas como um conteúdo nítido na matéria em questão.

O que interessa ressaltar para este tópico, é que uma característica das medidas como uma matemática a ensinar para a escola primária, integram o rol de conteúdos explícitos em diferentes matérias: Aritmética, Formas e Geometria, e que ao olhar as especificidades nota-se o destaque que em relação as medidas, os conteúdos em Aritmética se referiam ao sistema de unidades de medidas e em Formas e Geometria ao cálculo e avaliação das medidas de formas geométricas – linhas, figuras planas e figuras espaciais.

O exposto faz relembrar Chervel (1990), ao expor que no estudo dos conteúdos explícitos “[...] todas as disciplinas, ou quase todas, apresentam-se sobre este plano como um corpus de conhecimentos, providos de uma lógica interna, articulados em torno de alguns temas específicos” (Chervel, 1990, p. 203).

O SABER PROFISSIONAL DO PROFESSOR PARA ENSINAR MEDIDAS

Como orientação teórico-metodológica, opta-se por continuar a se aconselhar por Chervel (1990) para a escrita deste tópico. Nesse caso, ao aspecto que a “educação dada e recebida nos estabelecimentos escolares é, à imagem das finalidades correspondentes, um conjunto complexo que não se reduz aos ensinamentos explícitos e programados” (Chervel, 1990, p. 188).

Vale ressaltar nesse sentido, como expõe Chervel (1990) que na escola primária um saber se constitui em uma amálgama de pedagogia e conteúdo. Pois em um saber escolar, a pedagogia não age como um lubrificante, mas como um elemento do processo. Dessa forma, considera-se a necessidade de ampliação da lupa para olhar as fontes e assim colocar em cena: a estrutura interna das matérias, a sequência lógica, as mobilizações implícitas com os outros conteúdos e as orientações para o ensino.

Para estudar a matemática para ensinar, como dito anteriormente, Valente (2019) ao discutir sobre questões metodológicas ressalta que à vista dos programas de ensino e manuais escolares, auxilia na compreensão, olhar para graduação do ensino. Haja vista, o programa contém uma programação de ensino; uma graduação de acordo com uma visão e finalidade da escola que tende estar de modo mais sistematizado nos manuais pedagógicos. “Assim, uma programação expressa uma graduação, um movimento de progressão que deve ser dado ao ensino e no modo de como deverá caminhar essa graduação - o seu método” (Valente, 2019, p. 57).

Diante dessa lente, de olhar para os ensinamentos explícitos e para a graduação, grosso modo, nota-se pelas prescrições que na Aritmética as medidas intercalavam o ensino de outros conteúdos, tomadas algumas vezes como aplicação da ideia de número. Em Formas e Geometria havia uma mobilização implícita e as noções de medidas ao que parecem começavam a ser construídas desde os primeiros anos escolares, relacionadas a outros saberes das matérias. E em Desenho, a reprodução em papel do natural considerava sem usos de instrumentos também uma mobilização implícita das medidas.

Para apresentar detalhes sobre a graduação do ensino, pelo exame em caráter explícito e implícito ao programa e aos manuais de Milano (1938a, 1943, 1942, 1938b) é possível apresentar o quadro que segue.

Quadro 2
Medidas como um saber para o ensino primário.

Fonte: elaboração baseada em São Paulo (1925) e Milano (1938a, 1943, 1942, 1938b).

Como se percebe, o quadro embora seja substancial, apresenta um conjunto de detalhes e características do saber profissional do professor para ensinar matemática na escola primária. De modo geral, evidencia-se a partir da elaboração do quadro, que a matemática para ensinar as medidas se apresenta de forma dinâmica, que vai além do explícito e apresentam diferentes mobilizações e atividades.

Ao examinar gradativamente pela ordem dos anos escolares, observa-se que para o primeiro ano, o contato inicial com as medidas se daria intuitivamente, no estudo de sólidos geométricos, assim como nas atividades de desenhos em papel, modelagem e cartonagem. Além disso, no primeiro ano se prescrevia também as unidades de comprimento e capacidade.

Importante evidenciar pelo que foi colocado no quadro 1, que ao considerar a programação de ensinos explícitos nota-se em relação as medidas que a ordem posta é de caráter sintético (comprimento, área e volume). Porém, ao considerar outros elementos, como as orientações para o ensino constata-se que a graduação apresenta também o caráter analítico, para os dois primeiros anos.

Dessa forma, antes de ensinar o que é medidas de comprimento, área e volume com conceitos, processos de medição e fórmulas, as medidas eram tomadas intuitivamente. Por exemplo, na matéria Formas na proposta do estudo do cubo, orientava-se que se observasse que as faces que compõe um cubo são de tamanhos iguais. A noção de faces de mesmo tamanho integrava assim o ensino desse sólido geométrico, como se evidencia na seguinte citação.

- Estes lados do cubo chamam-se faces. Vamos, contal-as.

- Uma, duas, três, quatro, cinco, seis. [...]

- vou cortar um papelão do tamanho de uma delas, para ver se são todas iguais. Viram? São todas iguaezinhas. Que forma têm as faces do cubo?

- As faces do cubo tem fórma de um quadrado. [...]

- Cubo é um sólido que tem seis faces planas, quadradas e iguais (Milano, 1938a, 1º ano, p. 130, grifos do autor).

Essas atividades de observar as características da superfície de cada sólido se repetiam nos ensinos posteriores de outros sólidos geométricos, tais como, prismas retangulares, triangulares e cilindro. Atrelado a esse contexto, como sugerido no programa, esses estudos eram acompanhados também de atividades como desenhos em papel, modelagem e cartonagem.

4. Estampar no barro as seis faces do cubo. Desenhá-la em papel cartão, recorta-las e dobra-las compondo um cubo.

5. Desenhar uma das faces do cubo: o quadrado; lados e ângulos.

6. Dividir um cubo de argila em duas e em quatro partes iguais, para obter prismas retangulares ou quadrangulares (São Paulo, 1925, 1º ano, p. 14).

Destaca-se que essas atividades também se inferia uma medida intuitiva. Porém diante do apresentado, vale ressaltar o que neste texto se considera por medida intuitiva. Segundo Trindade (2018),

[...] aclama-se deste termo que a medida é abordada pela intuição, sem uso de instrumentos de medidas, mas como um elemento de comparação para observar o que é maior, menor ou igual. O que a assinala como um atributo intuitivo para diferenciar, comparar e classificar as figuras espaciais, planas e lineares (Trindade, 2018, p. 62).

Outro exemplo dessa abordagem de uma medida intuitiva, concerne às atividades de desenhos do natural, vista como uma modalidade de desenho em que se esboçava no papel elementos da natureza ou objetos manufaturados à mão livre, à vista de um modelo exposto à frente dos alunos[6]. Nessa direção, ao examinar as normativas para o primeiro ano nota-se que a escolha dos modelos deveria ser de tamanho definido, de modo que as crianças os realizassem em proporção semelhante, mobilizando assim, uma medida intuitiva.

Por uma questão de método, o professor deverá escolher, para assunto do desenho do natural, modelos de contornos simples, de forma facil de apanhar, com ou sem linhas retas, de colorido bem definido e de tamanho tal, que as crianças possamesboça-los na mesma proporção. Satisfazem a essas condições, constituindo, por isso, magníficios modelos - as frutas da estação, as folhas e flores simples, as raizes, tuberosas, etc. (SÃO PAULO, 1º. ano, 1925, p. 15, grifos nossos).

Sobre os ensinos para o primeiro ano, ainda se identifica as primeiras noções de unidades de comprimento e de capacidade, a exemplo, como se observa no quadro que segue.

Quadro 3
Primeiras noções de metro e medida de comprimento.

Fonte: Elaborado a partir de Milano (1938a, 1º ano, p. 93-94, grifos do autor).

A partir do apresentado no quadro, a prescrição para o primeiro ensino sobre o metro assim como outros conteúdos dava-se num diálogo com referências ao contexto prático. Sobre esse aspecto como destaca Hofstetter & Schneuwly (2017) “[...] a atividade de ensino tem auxílio de enunciados comunicáveis e socialmente reconhecidos” (p. 133).

Em continuidade, para o segundo ano, avança-se o trabalho com medidas intuitivas no estudo dos sólidos em relação à superfície e também na classificação de figuras planas, tal como, as atividades de desenho, modelagem e cartonagem permaneceram. A unidade de comprimento e de peso é retomada e como se verifica no extrato que segue, a avaliação de comprimento, com inserção das primeiras noções do processo que envolve a realização da sua medição começava a ser proposta.

Medidas de linhas retas – Para saber o comprimento de uma linha reta é preciso medí-la. Para isso, faz-se uso do metro ou de uma régua graduada.

Tratando-se de comparar duas ou mais retas, medem-se as menores e aplica-se a medidas nas maiores, para ver quantas vezes estas contêm aquelas (Milano, 1943, 2º ano, p. 99).

No que se remete para o terceiro ano, pelo o que é apresentado no quadro 2, a medida intuitiva deixou de estar associada aos estudos dos sólidos e se aperfeiçoou no tocante ao ensino do desenho do natural. Como exposto no programa de São Paulo (1925)

A aproximação de objetos de tamanhos diversos obriga o aluno a avaliar as proporções entre uns e outros. Para medi-los e compará-los à distância, precisará o aluno aprender um processo comumente adotado pelos desenhistas que, para esse fim, se utilizam do próprio lápis com que esboçam (3º ano, p. 42).

Mas a que se refere essa técnica dos desenhistas? A orientação no programa responde.

Eis como se procede: alonga-se o braço, em todo o seu comprimento, na direção do objeto, segurando-se o lápis perpendicularmente ao raio visual. Fecha-se um dos olhos, faz-se coincidir a extremidade superior do lápis com o ponto mais elevado do objeto, e sem movê-lo desloca-se o polegar, até estacionar na direção de sua base. O comprimento marcado no lápis serve para comparar a dimensão desse objeto com as dos que figuram no conjunto, o que se faz, conservando-se sempre um dos olhos fechado e o braço bem estendido. De modo idêntico, aprecia-se a relação entre a largura dos objetos, virando-se o lápis no sentido horizontal e mantendo-o paralelo aos olhos (São Paulo, 1925, 3º ano, p. 42).

Dessa maneira, o olhar com ajuda do uso do lápis se tornava assim numa técnica de processo de medição para a reprodução do desenho do natural. Destaca-se também, que é no terceiro ano que se iniciavam o ensino da avaliação de medidas de comprimento, perímetro e área por processos mais elaborados e com usos de fórmulas. Como se verifica no caso de medir uma reta.

Para medir uma reta faz-se uso do metro e de suas divisões (duplo decímetro, decâmetro)¸conforme o comprimento da linha a medir.

Medir uma reta é procurar quantas vezes ela contém o metro ou parte do metro.

Comparar o comprimento de duas ou mais retas é ver quantas vezes uma é maior ou menor que a outra. (Milano, 1942, 3º ano, p. 84, grifos do autor).

Ou ainda na fórmula para encontrar a área do quadrado ou do triângulo:

A formula para achar a área do quadrado é Área = B2 (Milano, 1942, 3º ano, p. 105).

Eis porque se diz que a área do triângulo, cuja fórmula é Área = é igual à metade do produto da base pela altura (Milano, 1942, 3º ano, p. 108, grifos do autor).

Ademais, é neste ano de ensino que os instrumentos de medição tais como régua, compasso, esquadro e transferidor entraram em cena para o desenvolvimento de atividades de desenhos de figuras geométricas planas, o que em anos anteriores se dava por uso da intuição. Para exemplificar, na obra de Milano (3º ano, 1942), encontra-se prescrição de um conjunto de problemas com menção ao uso desses instrumentos.

Problema 6. – Construir, por meio do transferidor, um ângulo igual a outro dado (Milano, 3º ano, 1942, p. 91, grifos do autor).

Problema 15. – Traçar, com auxílio de régua e do esquadro, por um ponto dado, uma paralela a uma reta dada (Milano, 3º ano, 1942, 94, grifos do autor).

Problema 16. – Resolver o problema anterior com o auxílio da régua e do compasso (Milano, 3º ano, 1942, p. 95, grifos do autor).

Para finalizar o exame da graduação do ensino, para o quarto ano, o uso de régua, compasso e esquadro para reprodução em desenho de formas geométricas permaneceram, juntamente com as unidades de medida de volume e com a avaliação de área e volume de figuras geométricas. Contudo, os enunciados se apresentavam de modo formal, tal como as fórmulas para cálculos das áreas, como no caso das áreas das superfícies dos sólidos.

Área do prisma recto. A área lateral do prisma recto é igual ao perímetro (P) da base multiplicado pela altura (A).

Sua fórmula é:

Al = P x A [...]

A Área total é igual ao perímetro da base multiplicando pela altura, mais as áreas das duas bases.

At = P x A + 2A (Milano, 1938b, 4º ano, p.165, grifos do autor).

Mediante a explanação, ao que se verifica, a matemática para ensinar medidas expunha uma lógica interna, com vários detalhes e atividades distintas. Nesse âmbito vale expor pelas palavras de Hofstetter & Schneuwly (2017):

A escolha dos saberes e a sua transformação em saberes a ensinar é o resultado de processos complexos que transformam fundamentalmente os saberes a fim de torna-los ensináveis. Esse processo pode até conduzir à criação de saberes próprios às instituições educativas, necessárias a elas para assumirem as suas funções (p. 133).

Destarte, pelo apresentado em relação às medidas, é possível pontuar alguns aspectos característicos em relação matemática para ensinar:

  • Integra diferentes atividades: desenhos, modelagem, cartonagem e resolução de problemas sobre diferentes conteúdos das medidas.

    Caracteriza-se por um conjunto de ensinos que segue a ordem: medição com os olhos para medição com instrumentos e/ou fórmulas.

    Configura-se por diferentes métodos. Inicialmente pelo movimento analítico com os estudos dos sólidos e depois inverte para o sintético, com a sequência comprimento, área e volume.

    Expõe uma graduação de ensino que também segue uma lógica interna. Para o primeiro e segundo ano apresentavam atividades com mobilização de medidas intuitivas e numa linguagem mais do cotidiano; e nos anos finais com caráter mais abstrato e formal, com uso de fórmulas para cálculos de comprimento, área e volume e com uso de instrumentos.

Sobre essa caracterização, a partir de Hofstetter & Schneuwly (2017) pode-se mencionar ao que parece que “esta organização por si própria encarna a ideia de uma formação cuja lógica é diferente da aprendizagem cotidiana: trata-se bem de “disciplinar”, de dar acesso a novos modos de pensar, de falar e de agir, que constituem os alicerces culturais da sociedade” (p. 118).

Contudo, uma compreensão sobre a caracterização construída pode ser dada em razão dos discursos que circulavam. A partir da década de 1920, o ideário da Escola Nova começou a ocupar um papel importante, “[...] determinando a configuração do campo pedagógico, as políticas educacionais, a profissionalização dos educadores e o engendramento de práticas educativas” (Souza, 2009, p. 169). A Escola Nova no Brasil contou como propulsor Lourenço Filho. Entre as propostas destacavam-se novos fins e novos meios de aplicação científica, que visam uma nova organização dos estabelecimentos, a transformação dinâmica do ensino passivo para o ensino ativo. Esse, como destaca Lourenço Filho (1930), deveria ser baseado nos interesses naturais da criança, no trabalho em cooperação e globalizado, numa escola do fazer, praticar a vida ao invés da escola do ouvir.

Entre os propósitos deste novo ideário, consta a pedagogia científica, que adota os processos e métodos da psicologia experimental, que destaca a observação, a experiência do cotidiano e os centros de interesse da criança, com o ensino moldado pela intenção de aprender e com uso de atividades referenciadas na vida.

Essas proposições podem ser uma possível justificativa da caracterização construída, que concerne as medidas e o saber profissional do professor para ensinar matemática, com os aspectos mencionados anteriormente: de uma graduação que apresenta distintos momentos. Uma abordagem com referência ao cotidiano, linguagem simples inicialmente e com atividades práticas como a cartonagem, desenhos etc.

Isso porque essas ideias circulavam e então remodelavam os ensinos...

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao considerar o conjunto de saberes propostos nas matérias: Aritmética, Formas, Geometria e Desenho, assim como as medidas, que caracterização pode ser construída em perspectiva histórica do saber profissional do professor para ensinar matemática nas escolas primárias paulistas? Essa foi à questão que suscitou o debate deste texto. Ao tomar como base inicial de discussão a pesquisa de Trindade (2018), pode-se dizer que as medidas como conteúdos explícitos apresentavam-se entre as matérias Aritmética, Formas e Geometria. Estas propostas se complementavam e seguiam a sequência comprimento, área e volume.

Entretanto, com a mudança da lente e ao questionar para além do explícito, como as medidas se instituíram para o ensino, entre os quatro anos escolares? O exame as fontes expuseram outros tópicos sobre as medidas, as constituindo com diferentes aspectos característicos. Desde mobilizações, atividades distintas e sequência que segue uma lógica. Isso porque além da mobilização explícita, constatou-se que as medidas também se configuravam implicitamente.

Dessa maneira, verificaram-se em termos da graduação para o ensino duas fases distintas, uma em relação aos dois primeiros anos, onde se concentravam atividades com mobilizações de medidas intuitivas, linguagem mais próxima do cotidiano, medição com os olhos, estudo das medidas associado a método analítico e com atividades distintas de desenhos, cartonagem etc. A outra específica dos dois últimos anos, a qual as medidas passaram a ganhar um aspecto mais abstrato e formal, com uso de fórmulas e instrumentos para avaliação de medidas de área e volume, e resolução de problemas com usos desses instrumentos de medição.

Por fim, o que fica dessa discussão como uma representação construída é que ao considerar o saber profissional do professor para ensinar matemática, em relação as medidas, constata-se uma caracterização dada por um processo dinâmico entre mobilizações, graduação e atividades diferentes, que segue uma lógica interna. Todavia, ao que parece, essa conjuntura de uma matemática para ensinar apresenta aspectos de ideias do movimento pedagógico que circulava a época.

Porém, deixa-se como reflexão com intenção para futuras pesquisas, a necessidade de aprofundar o debate em questão, haja vista este texto refere-se a uma primeira aproximação com a temática, a qual em pesquisas posteriores, a discussão pode ser revista e ampliada com acréscimo de outras fontes, leituras, assim como, ampliação do recorte temporal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

[1] Doutora em Ciências e Professora Substituta do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Sergipe. Endereço para correspondência: Rua João Gêniton da Costa, 206, Condomínio Águas do Poxim, Bl 01 apto 201, Aracaju, Sergipe, Brasil, CEP: 49095-796. E-mail: deo.clecia.1@hotmail.com
[2] De acordo com Serra (2017), Miguel Milano nasceu na cidade de São Paulo em 1885. Estudou o curso primário no grupo escolar do Sul da Sé, em 1900, matriculou-se no Ginásio do Estado, que cursou até o 3º ano, mas abandonou o curso e seguiu para o interior do estado com companhia de teatro, de onde voltou em 1904. Assim, ingressou na Escola Normal Secundária da Praça da República. Diplomado em 1907, atuou em todos os níveis de ensino público primário, desde professor de escola isolada até inspetor escolar da capital.
[3] Sete programas foram promulgados em São Paulo até os anos de 1950 do período republicano, datados em 1894, 1905, 1918, 1921, 1925, 1934 e 1949/50.
[4] Segundo Valente (2004), a obra de Milano sofreu críticas, em relação à orientação para o ensino, pois ao seguir cegamente os programas de ensino colocava a matemática em compartimentos estanques (Aritmética, Geometria, Álgebra, etc.). Entretanto, as críticas pareceu não interferir, o manual publicado em sua primeira edição pela editora J. Fagundes, em 1937, e pela Francisco Alves, em 1938, teve outras decorrentes. Tem-se conhecimento, por exemplo, da 7ª edição em 1948. O que leva a destacar que apesar das críticas o manual teve edições publicadas por mais de dez anos.
[5] Destaca-se que em razão da matéria Formas ser proposta para o 1º e 2º ano e Geometria para 3º e 4º, o exame a essas matérias foi dado conjuntamente.
[6] Estudos sobre desenho do natural: Guimarães (2017) e Frizzarini, Trindade & Leme da Silva (2015).


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