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Matemática para o ensino: reflexões a partir das ideias do campo conceitual multiplicativo
Mathematics for teaching: reflections from the ideas of the multiplicative conceptual field
Matemáticas para la enseñanza: reflexiones desde las ideas del campo conceptual multiplicativo
Revista de Ensino de Ciências e Matemática, vol.. 12, núm. 3, 2021
Universidade Cruzeiro do Sul

Artigos

Revista de Ensino de Ciências e Matemática
Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil
ISSN-e: 2179-426X
Periodicidade: Trimestral
vol. 12, núm. 3, 2021

Recepção: 12 Dezembro 2020

Aprovação: 29 Março 2021

Publicado: 23 Maio 2021

Una nueva publicación de artículo publicado en REnCiMa, de iniciativa de sus autores o de terceros, queda sujeta a la expresa mención de la precedencia de su publicación en este periódico, citándose el volumen, la edición y fecha de esa publicación

Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Compartilhamento Pela Mesma Licença.

Resumo: O artigo retrata as discussões coletivas em uma formação continuada, a partir de algumas ideias do campo conceitual multiplicativo, ofertada a professoras que ensinam Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Em uma linha qualitativa, com pressupostos da teoria da Matemática para o Ensino, esse estudo utilizou-se da metodologia Concept Study na formação de professores. A pesquisa indicou que muitas professoras sustentavam que o ensino da multiplicação se baseia somente no ensino do algoritmo formalizado e a única ideia considerada pelo grupo era a da adição repetida. No decorrer da ação colaborativa e das reflexões coletivas, a (re)significação de saberes do conceito da multiplicação foi fundamentada em estruturas desenvolvidas pelas próprias professoras, a partir de suas demandas e experiências. Esses saberes, caracterizados como dinâmicos e emergentes, colaboraram para o desenvolvimento de uma matemática para ensino.

Palavras-chave: Formação de Professores, Anos Iniciais, Campo Conceitual Multiplicativo, Matemática para o Ensino.

Abstract: The article discusses collective discussions of a continuing education course, based on some ideas from the multiplicative conceptual field, offered to teachers who teach mathematics in the early years of elementary school. In a qualitative line with assumptions of the theory of mathematics for teaching, this study used the Concept Study methodology in teacher education. The research indicated that many teachers supported the teaching of multiplication is based only on the teaching of the formalised algorithm and the only idea considered by the group was that of repeated addition. During collaborative action and collective reflections, the (re)signification of knowledges of the multiplication concept was based on structures developed by the teachers themselves, based on their demands and experiences. Those knowledges, characterised as dynamic and emerging, contributed to the development of a mathematics for teaching.

Keywords: Teacher Education, Initial Years, Multiplicative Conceptual Field, Mathematics for Teaching.

Resumen: El artículo retrata discusiones colectivas de un curso de formación permanente, basadas en algunas ideas del campo conceptual multiplicativo, que se ofrece a los profesores que enseñan matemáticas en los primeros años de la escuela primaria. En una línea cualitativa con los supuestos de la teoría de las matemáticas para la enseñanza, este estudio utilizó la metodología de Estudio de Conceptos en la formación docente. La investigación indicó que muchos profesores apoyaron que la enseñanza de la multiplicación se basa únicamente en la enseñanza del algoritmo formalizado y la única idea considerada por el grupo fue la de la suma repetida. Durante la acción colaborativa y las reflexiones colectivas, la (re)significación de saberes del concepto de multiplicación se basó en estructuras desarrolladas por los propios docentes a partir de sus demandas y experiencias. Esos saberes, caracterizados como dinámicos y emergentes, contribuyeron al desarrollo de una matemática para la enseñanza.

Palabras clave: Formación Docente, Años iniciales, Campo Conceptual Multiplicativo, Matemáticas para la Enseñanza.

Introdução

O Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Matemática do Espírito Santo (GEPEM-ES) defende uma formação que valoriza as discussões coletivas na produção de conhecimentos matemáticos, a partir da prática educativa. Uma das ações desse grupo foi uma ação colaborativa, desenvolvida durante uma formação continuada, com professoras dos anos iniciais da rede pública e privada, com participação voluntária. Essa ação foi parte de uma pesquisa de mestrado intitulada “Formação continuada de professores dos anos iniciais: um estudo coletivo do conceito de proporcionalidade”, cujos resultados serão retratados nesse artigo. A realização da pesquisa justifica-se pela relevância em aprofundar as reflexões sobre a formação de professores que ensinam matemática, com destaque para saberes docentes, dando visibilidade a este grupo de profissionais e, especificidade, a sua formação. Vários pesquisadores têm demostrado, em suas pesquisas em contextos internacionais e nacionais, a emergência de profissionalização do ensino e da legitimidade da profissão docente. Gatti (2011) dispõe que:

Cada vez mais, os professores trabalham em uma situação em que a distância entre a idealização da profissão e a realidade de trabalho tende a aumentar, em razão da complexidade e da multiplicidade de tarefas que são chamados a cumprir nas escolas. A nova situação solicita, cada vez mais, que esse(a) profissional esteja preparado(a) para exercer uma prática contextualizada, atenta às especificidades do momento, à cultura local, ao alunado diverso em sua trajetória de vida e expectativas escolares. Uma prática que depende não apenas de conhecimentos e de competências cognitivas no ato de ensinar, mas também de valores e atitudes favoráveis a uma postura profissional aberta, capaz de criar e ensaiar alternativas para os desafios que se apresentam (GATTI, 2011, pp. 25-26).

A autora reconhece que disposições subjetivas, construídas em experiências formativas e profissionais, são (re)significadas pelos educadores, fato com o qual concordamos e acrescentamos o que defende Ponte (2014), para quem um ensino de Matemática de qualidade demanda do professor uma formação matemática apropriada, bem como competências reconhecidas no campo didático. Este autor destaca a importância de olhar para o professor, em termos do seu desenvolvimento profissional, uma vez que este profissional tem necessidades e potencialidades que importam descobrir, valorizar e promover.

Nesse processo formativo, apoiamo-nos em pressupostos teóricos da teoria Matemática para o Ensino desenvolvida por Brent Davis e seus colaboradores e, consequentemente, adotamos a metodologia denominada Concept Study, traduzida nesta pesquisa por Investigação do Conceito. De acordo com Davis (2009), Investigação do Conceito é a combinação de duas noções já consolidadas em estudos e pesquisas em educação matemática, quais sejam: a análise do conceito (concept analysis) e o estudo de lições (lesson study), sendo que a primeira tem foco na explicação de estruturas lógicas e associações relativas a conceitos matemáticos, enquanto a segunda focaliza na estrutura colaborativa em que professores se empenham com vistas a melhorar a qualidade de sua prática pedagógica. Essa escolha justifica-se por se tratar de uma estrutura formativa em que professores compartilham conhecimentos tácitos, da prática educativa, e nela são (re)significados, valorizando a coletividade nas trocas de experiências.

Nesse contexto, compreendemos que, na formação de professores o trabalho coletivo pressupõe tanto a cooperação, que consiste na operação de tarefas e atividades vinculadas a um sistema, quanto a colaboração, compreendida como o desenvolvimento de ações com base em objetivos comuns do grupo. Com esse olhar, destacamos que é na cooperação, que encontramos a origem do desenvolvimento intelectual do indivíduo, como cita Lopes (2016):

É imprescindível, no processo de formação do professor, criar situações em que haja a necessidade do compartilhamento das ações. Com esses momentos propiciaremos aos indivíduos a oportunidade do desenvolvimento das primeiras formas específicas de cooperação, que permitirão a ele atingir um nível adequado nas ações cognitivas por meio da apropriação e da conscientização do processo significativo da produção coletiva do conhecimento científico (LOPES et al., 2016, p. 25).

Ainda, com vistas a atender às necessidades do grupo de professoras que lecionam nos anos iniciais do Ensino Fundamental, cuja formação, em sua maioria, contempla poucas horas para os estudos de conceitos matemáticos, apontada em pesquisa (NACARATO; MENGALI; PASSOS, 2009), utilizamos nos questionamentos problemas que abordassem as várias ideias da multiplicação. Consideramos, assim, que resolver problemas, alinhando-os, na maioria das vezes à sua prática, configura-se como um potencial para que, nas discussões do grupo e do coletivo, emergissem possibilidades de desenvolvimento do pensamento matemático para a construção significativa de conceitos de multiplicação para o ensino.

Reforçamos que, nesse tipo de ambiente de aprendizagem, o diálogo é fator relevante no processo de investigação, no qual as experiências dos professores revelam-se como o ponto de partida, de forma que eles possam contextualizar, a partir de suas realidades, conhecimentos prévios e práticas educativas.

Fundamentados nas perspectivas apresentadas é que desenvolvemos a proposta de formação, de modo que as experiências vivenciadas propiciassem a investigação do conceito para o ensino, a fim de que as professoras pudessem pensar, e ampliar, as suas estratégias de ensino, a partir da compreensão coletiva do conceito a ser desenvolvido na prática docente.

Em relação ao conceito em estudo, destacamos a multiplicação, por fazer parte de um campo conceitual relevante para a participação ativa do indivíduo na sociedade, a qual engloba o conceito de proporcionalidade, que aprofundamos na dissertação de mestrado. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018), o conceito de proporcionalidade compõe um conjunto de ideias fundamentais para o desenvolvimento do pensamento matemático e deve, nas escolas, converter-se em objeto de conhecimento. Estas são as razões que justificam a relevância de pesquisarmos saberes relativos a esses conceitos, que emergem em uma formação continuada.

Por fim, ressaltamos que nossa revisão de literatura, baseada em Maroquio (2014), Brito (2017), Borga (2015), Alencar (2012), Silva (2009), Giraldo, Rangel, Menezes e Quintaneiro (2017), Rangel (2015), Magina, Merlini e Santos (2012), Menduni-Bortoloti e Barbosa (2018), Costa e Ponte (2008) e Miranda (2017) evidenciou a relevância de considerarmos o professor, em sua própria formação, em um processo de constituição de saberes, a partir da reflexão da prática. Nesse contexto, a tendência reflexiva, coletiva a partir da ação colaborativa foi o que embasou a experiência proposta, sedimentando uma política de desenvolvimento pessoal e profissional dos professores. Assim, consideramos que o estudo que aqui apresentamos possui importância por dar oportunidades aos professores de ampliarem saberes sobre a multiplicação, a partir de reflexões coletivas, englobando experiências da prática docente relacionadas ao tema. Dessa forma, eles (re)significam o conceito de multiplicação para o ensino, que acreditamos ser um dos alicerces para o exercício da profissão docente.

A proposta de formação continuada desenvolvida

A proposta de formação continuada de professores partiu das ações do GEPEM-ES, por meio de um curso FIC-Ensino do Ifes, organizado pelo grupo e validado por seus membros, intitulado “Multiplicação e proporcionalidade nos anos iniciais do Ensino Fundamental”. Ressaltamos, cuja participação foi voluntária, por meio de edital público nº 48/2018 – Seleção para o curso de Formação Inicial e Continuada – FIC Ensino do Centro de Referência em Formação e em Educação a Distância (Cefor) do Instituto Federal do Espírito Santo – Ifes. Fizeram parte da formação continuada onze professoras, que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental da rede pública e/ou privada, selecionadas pelo referido edital, e duas pesquisadoras.

O curso objetivou favorecer um espaço de ações colaborativas e discussões coletivas sobre os conceitos multiplicação e proporcionalidade, com vistas ao ensino. Ocorreu entre os meses de setembro a dezembro de 2018, perfazendo um total de 88 (oitenta e oito) horas. A carga horária foi distribuída em encontros presenciais, atividades realizadas no ambiente virtual de aprendizagem (Moodle) e atividades elaboradas e aplicadas em sala de aula das professoras participantes da pesquisa. Os nomes das professoras participantes que constam nos dados apresentados são fictícios e foram escolhidos pelas próprias participantes.

Por meio de um questionário online foi possível inferir que o grupo de professoras era bastante heterogêneo, considerado a partir da diversidade entre as idades, o tempo de atuação no magistério e a atuação profissional. A idade das participantes variou entre 26 e 59 anos e o tempo de atuação no magistério entre 1 e 30 anos. Em relação à atuação profissional, tivemos professoras que atuavam no 2º, 3º, 4º e 5º ano, sendo que havia uma que não estava atuando no ano letivo da formação e duas que não possuíam experiência em docência.

Todas as professoras participantes possuíam educação superior, realizada entre 2004 e 2017, em licenciatura em Pedagogia e uma das professoras, também, apresentou uma segunda graduação em Letras – Língua Portuguesa. Em relação a cursos de pós-graduação (especialização), as formações apresentadas foram das mais variadas, realizadas entre 2010 e 2017, tais como Gestão Educacional, Docência de nível superior, Educação Especial Inclusiva, Especialização em Atendimento Educacional Especializado, Educação Profissional e Tecnologia, Alfabetização e Letramento nas Séries Iniciais e na Educação de Jovens e Adultos, Extensão em Educação Infantil. No que se refere a cursos de capacitação na área de Educação Matemática, somente duas responderam ter realizado, abordando os seguintes temas: Capacitação em Ensino da Matemática e Matemática financeira aplicada no Excel.

Durante a oferta do curso, várias ações foram realizadas no sentido de promover discussões coletivas entre as professoras e, neste artigo, apresentaremos duas que suscitaram reflexões a partir das ideias do campo conceitual multiplicativo.

A primeira ação nomeada “Pense e registre” foi inicialmente desenvolvida individualmente e, posteriormente, retomada para análise, reflexão e reelaboração no coletivo. Na proposta, as professoras pensaram e responderam, por escrito, aos questionamentos: o que é multiplicação? O que é importante para o ensino e aprendizagem da multiplicação? A opção de usar o termo “O que é?” surgiu com base nos trabalhos de Davis (2012) sobre investigação do conceito. Esse diagnóstico inicial serviu para elaboração do primeiro quadro de percepções das professoras a respeito do conceito de multiplicação e para o planejamento de ações para os encontros seguintes da formação. Esse quadro de percepções foi retomado para discussão coletiva após o desenvolvimento da segunda ação proposta.

A segunda ação proposta intitulada “Quadro de ideias” foi primeiro realizada em dupla e depois aberta para as discussões coletivas. Na proposta, cada dupla recebeu de dois a três problemas alternados envolvendo ideias do campo conceitual multiplicativo (comparação, proporcionalidade, configuração retangular, combinatória) sugeridos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais – Matemática (1997). Foram escolhidos problemas simples, pois o foco de discussões das pesquisadoras estava nas ideias apresentadas em cada situação. No desenvolvimento dessa tarefa, a dupla deveria resolver os problemas propostos, utilizando, no mínimo, duas estratégias diferentes e, deveria escolher, também, no “quadro de ideias” do campo conceitual multiplicativo, à qual ideia cada um de seus problemas estaria relacionado.

No momento da socialização, verificamos que algumas duplas tinham os mesmos problemas e, ao apresentá-los, expostos nesse momento na projeção, as professoras iam destacando suas estratégias de resolução e suas escolhas a respeito do “quadro de ideias”, as quais, nem sempre, coincidiam com a da outra dupla. Essa proposta foi pensada para promover discussões coletivas sobre o conceito matemático e para registrar as percepções das professoras relacionadas às ideias da multiplicação, afim de que as reflexões, a partir de suas experiências pedagógicas e do conceito matemático, colaborassem para o desenvolvimento da matemática para o ensino. Apontamos, a seguir, os problemas utilizados nessa ação.

Quadro 1
Campo Conceitual Multiplicativo: problemas e ideias do conceito

BRASIL (1997)

Os dados gerados por essas ações realizadas foram analisados a partir das ênfases apontadas pela Investigação do Conceito proposta pela teoria de Davis, Simmt (2006), Davis, Renert (2009, 2012, 2014) que nos serviu como fundamento metodológico para produção e análise de dados.

Cultura matemática das professoras e a (re)significação de saberes a partir das discussões coletivas de algumas ideias do campo conceitual multiplicativo

Nesta sessão, descreveremos o caminho percorrido, tendo por referência as discussões coletivas e apresentaremos a análise dos dados produzidos durante o processo formativo em consonância com a abordagem qualitativa da pesquisa. As teorias de Davis e Renert (2009, 2013), de Shulman (1986, 2014), de Ball, Thames e Phelps (2008) sustentaram as análises no que tange à (re)significação do conceito para o ensino e saberes produzidos pelas professoras durante as discussões coletivas. Destacamos o saber pedagógico do conteúdo, que Ball, Thames e Phelps (2008) indicam ser conhecimento especializado do conteúdo e Shulman (2014, p. 207) nomeia como conhecimento pedagógico do conteúdo, para quem

representa a combinação de conteúdo e pedagogia no entendimento de como tópicos específicos, problemas ou questões são organizados, representados e adaptados para os diversos interesses e aptidões dos alunos e apresentados no processo educacional em sala de aula (SHULMAN, 2014, p. 207).

Ainda ressaltamos que há estudos na área da Educação que estabelecem distinção entre os termos “conhecimento” e “saber”, como aponta Rangel (2015, p. 8):

Em linhas gerais, o termo “conhecimento” é frequentemente associado a uma perspectiva epistemológica mais “objetivista”, que o concebe como algo externo e que deve ser atingido pelo individuo, enquanto o termo “saber” é associado a uma perspectiva mais “subjetivista”, que o relativiza em relação ao próprio sujeito (RANGEL, 2015, p. 8).

Devido a essa possível diferenciação, esclarecemos que, em nossa pesquisa, respeitaremos os termos utilizados pelos diferentes autores, porém adotaremos “saber” conforme exposto por Rangel (2015, p. 8) pois “é associado a uma perspectiva mais “subjetivista”, que o relativiza em relação ao próprio sujeito” para indicar a articulação e indissociabilidade entre conhecimento dinâmico e conhecimento estável (DAVIS; RENERT, 2014).

Ao desenvolvermos a primeira proposta intitulada “Pense e registre”, evidenciamos as primeiras percepções sobre o conceito de multiplicação que as professoras atuantes nos anos iniciais apresentaram. A ênfase percepções, considerada pelos estudos de Davis e Renert (2009) na investigação do conceito é a única ênfase intencional, sendo utilizada para a coleta de todo tipo de associações que o estudante pode estabelecer para compreender e explicar uma construção matemática, a qual se estabelece a partir da elaboração de uma lista das diversas imagens, metáforas, impressões que emergem da reflexão a partir de uma questão disparadora. As demais ênfases panoramas e vinculações, também identificadas nessa sessão, revelaram-se imprevisíveis, não planejadas, decorrentes de interesses comuns, conhecimentos divergentes e encontros acidentais (DAVIS; RENERT, 2009).

As primeiras percepções descritas evidenciaram que as professoras reconhecem o conceito de multiplicação a partir da soma de parcelas iguais e da aplicação de procedimentos das operações, mais especificamente do algoritmo da multiplicação. Foi possível constatar, nos relatos e percepções iniciais, registros do tipo “Multiplicação é um algoritmo que torna a adição mais fácil”, “É a simplificação da adição” e “É o ato de somar ‘as parcelas’ de forma acelerada”. O fato é que as professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental tendem a reproduzir os modelos que vivenciaram como estudantes, contudo, tais modelos pouco privilegiam as atuais discussões curriculares.

Com base nos primeiros diálogos e na análise das primeiras percepções, identificamos a ênfase panorama da investigação do conceito, analisando, principalmente, as situações específicas do indivíduo e de sua realidade que influenciaram suas percepções iniciais. De acordo com Davis e Renert (2013), a proposta dessa ênfase é investigar as percepções dos participantes considerando os diferentes contextos em que eles possam encontrar esse conceito, ou mesmo, situações específicas do indivíduo e de sua realidade.

Assim, delimitamos três panoramas presentes, o primeiro é a forte influência no modo como esse conceito foi vivenciado por essas professoras, como alunas no Ensino Básico, o segundo é a forma como os conceitos são discutidos nos livros didáticos e o terceiro é o modo como os currículos priorizam determinado conceito. Pensar sobre essa ênfase ajudou a evidenciar a cultura própria que as professoras trouxeram para as discussões coletivas, demostrando que, provavelmente, devido às poucas horas de discussões de conceitos matemáticos em sua formação, as professoras apresentavam poucos elementos para as discussões sobre o conceito em estudo e uma forte preocupação com o ensino de procedimentos.

Esse panorama ainda apontou para a urgência das discussões coletivas sobre o conceito multiplicação e da necessidade de problematizar a matemática como forma de potencializar o diálogo no processo de investigação. Esse movimento, que exigiu reflexão dos saberes individuais, permitiu as professoras exporem suas experiências, conhecimentos prévios e práticas educativas que serviram como ponto de partida para discussões coletivas e, consequentemente, a ampliação do pensamento matemático para a construção significativa de conceitos e possibilidades de desenvolvimento de saberes do conceito para o ensino.

Apresentamos, a partir deste momento, o fluxo de discussões coletivas organizadas por meio de problemas envolvendo algumas ideias do Campo Conceitual Multiplicativo (comparação, proporcionalidade, configuração retangular, combinatória), referentes à segunda proposta intitulada “Quadro de ideias”. Optamos por expor, neste artigo, um problema relacionado a cada uma dessas ideias, apontando para a (re)significação de saberes do conceito de multiplicação.

A) Comparação multiplicativa




Durante as discussões coletivas, as professoras socializaram três representações diferentes para a resolução do problema, que serviram de reflexão para o grupo, como consta da Figura 1:


Figura 1
Estratégias de resolução do problema P1
Organizado pelos Autores

No grupo A, Nina e Lyly classificaram o problema na ideia de proporcionalidade e explicaram que primeiro multiplicaram direto 4x5 = 20 selos, depois pensaram que, para o ensino, poderiam utilizar o desenho (Figura 1-A). Ao perguntar ao coletivo como elas viam a resolução do grupo A, o grupo B, de Alexia e Linda discordou, apresentando outro esquema (Figura 1-B) justificando que elas classificaram o problema como configuração retangular. O coletivo interveio na segunda representação questionando: Os selos da primeira linha pertencem aos dois? A quantidade de Marta (4) pode estar contida em 20?

Após algumas análises coletivas do enunciado do problema e da representação utilizada, a professora Alexia relatou “Ah! Agora entendi. Nós pensamos na situação das linhas, por isso escolhemos essa ideia de configuração retangular, mas seria assim”, (a professora acrescentou à representação quatro quadradinhos separadamente dizendo que eram os selos da Marta), “aí não caberia na ideia que escolhemos”. Continuando as discussões coletivas, o grupo percebeu que a escolha da ideia que o grupo B fez foi levando em consideração o modo de representar a resolução do problema e não a ideia apresentada no enunciado da situação, o que gerou o seguinte diálogo e entendimentos:

Profª. Alexia – Entendi que no caso eu coloquei somente a resposta e para ser a ideia da configuração retangular os dados do problema devem estar organizados de modo retangular.

Profª. Flávia – Para a gente ficou mais fácil observar você fazendo, foi bom! Eu não tinha reparado que às vezes, eu faço isso, agora olhando assim você fazer, eu opa! A gente trabalha com material quadriculado e acha que sabe mexer, que é uma forma diferente e acaba desconstruindo o conceito de uma forma negativa.

Profª. Nina – Então, na configuração retangular, o problema tem que estar todo naquela configuração.

Profª. Alexia – Combinatória. Combinatória? Ajuda gente?

Profª. Flávia – A gente memorizou a fórmula de resolução, sem saber a ideia que está por trás, memorizou por causa da nossa educação. Então já olha e já faz 4 x 5.

Profª. Nina – Interessante o que ela falou, porque eu quando olhei já fiz 4x5, a Lyly como já tem experiência com as crianças já utilizou a forma pictórica (1º encontro, 4 set. 2018).

Analisando o relato da professora Flávia, “Para a gente ficou mais fácil observar você fazendo, foi bom! [...] a gente trabalha com o material quadriculado e acha que sabe mexer, que é uma forma diferente e acaba desconstruindo o conceito de uma forma negativa”, percebemos que o professor necessita de uma base de conhecimentos para suas ações docentes, como explica Mizukami (2004, p. 38): “a base do conhecimento consiste de um corpo de compreensões, conhecimentos, habilidades e disposições que são necessários para que o professor possa propiciar processos de ensinar e de aprender [...]”. Afirmamos, com base nas discussões das professoras, dos saberes que emergiam de suas práticas e das (re)significações ocorridas na investigação do conceito, que a apropriação do conceito, em sua gênese dará essa base para o ensino.

Em continuidade às reflexões, no grupo C, Eva e Ângela apresentaram sua resolução (Figura 1-C) e explicaram, também, que acreditavam que era a ideia de proporcionalidade. Pensaram na representação em dois níveis diferentes, em uma, a criança estaria na adição e, na outra, a criança estaria na multiplicação, ampliando os entendimentos, como segue no diálogo:

Profª. Eva – Na verdade achamos que eram duas ideias para colocar ali, a primeira ideia que colocamos foi a comparação, depois nós mudamos para proporcionalidade. Eu acho que primeiro fizemos uma comparação.

Profª. Flávia – A cada um selo de Marta, João tem 5, não seria isso?

Ao que, Eva completou:

Profª. Eva – Comparação, porque se o fulano tem a mais, estou comparando.

Profª. Jóia – Proporcionalidade seria uma investigação bem maior de descoberta, um exemplo, se com 10 litros de leite eu faço 22 mamadeiras. Quantos litros eu precisaria para fazer 10 mamadeiras. Acho que é uma compreensão maior (1º encontro, 4 set. 2018).

Outros grupos, que também estavam com o problema P1, escolheram ideias no “quadro de ideias”, momento em que as professoras perceberam que esse estava relacionado a três ideias diferentes (combinatória, proporcionalidade e comparação). Após as discussões, com base nas reflexões das justificativas apresentadas nos diálogos anteriores, de comum acordo, o coletivo relacionou o problema à ideia de comparação, observando que nele havia uma única grandeza a ser comparada – o número de selos.

Em nossa análise, nos diálogos a partir dessa primeira situação, foi possível perceber uma (re)significação dos saberes do conteúdo, que Shulman (1986) aponta ser a compreensão e a organização de fatos, conceitos e procedimentos relacionados à área específica. Observamos um movimento para a compreensão de algumas ideias do campo conceitual multiplicativo, como a configuração retangular no relato da professora Alexia “Entendi que no caso eu coloquei somente a resposta e para ser a ideia da configuração retangular os dados do problema devem estar organizados de modo retangular”; como comparação, quando a professora Eva explicita “Comparação, porque se o fulano tem a mais, estou comparando” e como proporcionalidade, conforme entendimento da professora Jóia, “Proporcionalidade seria uma investigação bem maior de descoberta, um exemplo, se com 10 litros de leite eu faço 22 mamadeiras. Quantos litros eu precisaria para fazer 10 mamadeiras. Acho que é uma compreensão maior”.

Ainda, o problema P1 leva-nos a observar a diversidade de percepções nas interações, como aponta Davis e Renert (2013). Em relação às ideias da multiplicação, algumas professoras justificaram suas escolhas, com base na representação da solução do problema, como no relato da professora Alexia “Ah! Agora entendi. Nós pensamos na situação das linhas, por isso escolhemos essa ideia, mas seria assim, aí não caberia na ideia que escolhemos” e em relação à resolução, pois algumas professoras demonstraram forte percepção do conceito com ênfase no procedimento, como expresso pela professora Flávia “A gente memorizou a fórmula de resolução, sem saber a ideia que está por trás, memorizou por causa da nossa educação. Então já olha e já faz 4 x 5”. Porém, conforme aponta Davis e Renert (2013), também foi constatado que as mudanças nas percepções ocorreram em discussões coletivas, a partir de reflexões e do surgimento de ideias que vão de encontro ao que propuseram de início. O papel da socialização das percepções pelas professoras e as discussões coletivas foram imprescindíveis para que mudanças conceituais ocorressem.

Já nessa primeira discussão coletiva, identificamos, nas professoras, mudança na cultura matemática e avanços em relação às ideias que envolvem o conceito da multiplicação, até então, ideias desconhecidas pela maioria do grupo. As professoras, ao analisarem suas representações e entendimentos, se deram conta de que nunca haviam analisado, em outras formações, problemas matemáticos a partir das ideias que eles inserem, razão pela qual consideravam a escolha das ideias representadas no quadro, as representações que elas faziam para resolver a situação apresentada e não o enunciado do problema.

B) Proporcionalidade




Para este problema, as professoras socializaram diferentes resoluções, escolhemos a representação pictográfica a partir do problema P3 que gerou diálogos e entendimentos relevantes para a pesquisa, como segue na Figura 2:


Figura 2
Representação pictográfica da resolução do problema P3
Organizado pelos Autores

Profª. Ceci e Ana – Primeiro fizemos uma comparação porque 2 abacaxis custam R$ 2,50 e multiplicamos o valor por 2 (utilizaram o algoritmo convencional). No segundo momento, fizemos a combinatória. Aí nós colocamos como ideia de comparação e combinatória. A combinatória porque fizemos a representatividade (desenho) do valor.

Profª. Eva – Combinatória é quando estamos combinando grupos, por exemplo, 4 sabores de sorvetes e 3 tipos de caldas, aí vai sorvete de chocolate, calda de chocolate, sorvete de chocolate, calda de morango

Profª. Flávia – Eu desenhei, eu sou uma pessoa pictográfica. Agora, como eu explico isso para as crianças? Pego aquelas cartinhas de dinheiro que tem no final do livro, eu gosto. Com elas temos que usar o lúdico. Eu cismei com aquela proporcionalidade. Eu penso que a medida que eu dobro um, eu dobro o outro também. Aí eu acho que isso é proporcionalidade. Se eu mexo em um lado da balança, mexo no outro também, é isso?

Profª. Eva – O dobro do valor é o dobro da quantidade, seguiu uma proporção.

Profª. Ceci – Baseado na explicação está muito mais para proporcionalidade do que para a comparação, pois as quantidades foram aumentando, em uma mesma proporção (1º Encontro, 4 set. 2018).

Em nossa análise, nessa parte do diálogo, continuamos a perceber o desenvolvimento dos saberes do conteúdo específico, citado por Shulman (1986), com base nos exemplos apresentados pela professora Eva “Combinatória é quando estamos combinando grupos, por exemplo, 4 sabores de sorvetes e 3 tipos de caldas, aí vai sorvete de chocolate, calda de chocolate, sorvete de chocolate, calda de morango” e também, pela professora Ceci: “Sim, baseado na explicação está muito mais para proporcionalidade do que para a comparação, pois as quantidades foram aumentando em uma mesma proporção”.

Evidenciamos, ainda, o saber do conteúdo e dos estudantes, a partir do relato da professora Flávia, que demonstra a percepção de que necessita da utilização do concreto e do lúdico para favorecer a aprendizagem matemática e seu ensino. Ball, Thames e Phelps (2008) apontam, em nosso entendimento, o desenvolvimento dos saberes do conteúdo e dos estudantes como fatores importantes para o desenvolvimento da matemática para o ensino, capaz de aproximar o professor do seu aluno, de planejar estratégias de ensino, de ampliar sua capacidade de antecipar o raciocínio e a motivação do aluno, facilitando os processos de intervenção docente.

C) Configuração retangular




Na reflexão do problema P5, surgiu, entre as professoras participantes, a análise dimensional, a partir da visualização que elas fizeram sobre a imagem representada no problema.

Algumas questionaram o uso da imagem e outras a defenderam como necessária por se tratar de problemas destinados a crianças dos anos iniciais. Como modos de representar a resolução do problema, o coletivo sugeriu que algumas crianças poderiam utilizar a operação da multiplicação (7x8=); outras, a operação da adição (7+7+7+7+7+7+7+7=) e outras, a contagem de um por um, utilizando, como referência, a imagem.

Sobre as ideias da multiplicação do “quadro de ideias”, as professoras relataram tratar-se de configuração retangular. Nesse momento, a professora Alexia retomou a reflexão que desenvolveu no problema P1, relatando “Aí cabe aquele esquema que eu fiz, agora eu vi, porque aí tem a ideia toda representada, ou seja, todas as informações do problema”.

Na análise, destacamos a mudança de percepção apresentada pelo relato da professora Alexia, no parágrafo anterior, uma vez que ela, na discussão referente ao problema P1 (Figura 3), acreditava que a ideia do problema estava relacionada ao modo de representar sua resolução e não ao seu enunciado. Reflexões assim reforçam o que aponta Davis (2013), para quem as percepções se modificam no processo de aprendizagem e, ainda, que o saber do conteúdo pode emergir de reflexões e discussões coletivas, que envolvem o grupo de professoras.

Ao dar continuidade ao diálogo sobre a ideia da configuração retangular, problema P6 “A medida da área de uma figura retangular é de 54 cm2. Se um dos lados mede 6 cm, quanto mede o outro lado?”, percebemos uma posição mais crítica das professoras frente ao enunciado, alegando ter observado que, diante da situação, os alunos poderiam apresentar mais de uma resposta, uma vez que eles ainda não conhecem o conceito de área e não há o apoio da imagem. Nesse momento, a professora Joia, que havia levado o problema para seus alunos resolverem, relatou “Foi exatamente isso que meus alunos do 4º e 5º ano fizeram, uns apresentaram como resposta 6 cm e outros fizeram a divisão 54 por 6”. A professora Flávia acrescentou “Estamos acostumadas a ter o valor das partes para achar o todo, e não assim, o todo para achar uma das partes”. A partir desse relato, o grupo apresentou muitas dúvidas, inclusive, a forma que poderiam utilizar na apresentação da ideia do problema para as crianças, gerando o diálogo (2º Encontro, 18 set. 2018):

Profª. Nina – Podemos usar o recurso da imagem (representou no quadro), primeiro a gente discute com os alunos o que é área (2º encontro, 18 set. 2018).


Figura 3
Representação da professora Nina da resolução do problema P6
Organizado pelos Autores

A partir da demonstração, em busca de novas possibilidades para a construção do conceito com os alunos, o grupo sugeriu construir a ideia de medida de área a partir de uma unidade padrão predeterminada, sendo comparado com um espaço predeterminado, utilizando-se quadrados produzidos em papel. Dessa forma, consideraram que a criança pode ir experimentando as possibilidades de quantos quadradinhos irá precisar para recobrir a figura apresentada.

Nas reflexões coletivas, as professoras compreenderam que o estudo do conceito de área deve iniciar pelo recobrimento da área de diferentes superfícies, utilizando diferentes unidades de área para que o aluno entenda que área é uma grandeza, atributo do objeto, e reflita sobre a necessidade de uma unidade padrão, para o cálculo da medida.

Nessa parte do diálogo, além de saberes do conteúdo e pedagógicos do conteúdo, percebemos o que aponta Shulman (2005) sobre a importância de o professor desenvolver meios de auxiliar o processo de ensino e aprendizagem de seus alunos, tais como propostas de utilização de diferentes recursos – a imagem e o concreto – como formas de auxiliar seu entendimento matemático. E, na continuidade do diálogo, outros saberes emergiram, como previa Davis (2013), tais como os que se seguem.

Profª. Alexia – Eu tive esses dias uma experiência com minha turma no trabalho sobre área, falei sobre a história das medidas, o corpo como unidade de medidas e fomos medir a escola toda, comprimento e área. Eles foram anotando quantas braçadas dá de um e iam dizendo estar dando diferente deixei eles com uma chuva de ideias, com essas informações nós fizemos um grande debate e foi muito legal, os olhinhos brilhavam, mas por que deu diferente? uns falavam porque ela é menor, você é maior que ela. Foi muito legal, a partir do momento que a gente concede a eles instrumentos para que eles consigam desenvolver, construir e pensar. O lúdico, tem sido um fator preponderante, uma carta na manga, sabendo usar o lúdico as coisas fluem.

Profª. Ana – Esse problema é muito difícil, eu mesma usei o google para descobrir a fórmula para resolvê-lo. Encontrei que é a base vezes a altura, então pensei se é um retângulo o outro lado tem que ser maior? Como na fórmula é uma multiplicação, pensei então, eu posso fazer uma divisão de 54 por 6 (2º encontro, 18 set. 2018).

Dando continuidade às reflexões coletivas, as professoras discutiram a relação entre medida de área: “será sempre a base vezes a altura?” E surgiram os seguintes entendimentos

Profª. Ana – Pelo que eu pesquisei do retângulo, seria.

Profª. Linda – Às vezes tem a divisão por dois, no caso o triângulo.

Profª. Flávia – Porque é a metade do retângulo. Se eu pegar um retângulo e dividir por dois tenho um triângulo, assim a área de cada triângulo é a metade de um determinado retângulo.

Profª. Linda – Eu só sei por causa da fórmula, porque pela lógica é 6 cm, mas como achei o outro 9 cm? Pela lógica, não tem como fazer isso não (2º encontro, 18 set. 2018).

Retomaram a ideia da utilização dos quadrados de papel e refletiram que se der para uma criança 54 quadrados para ela dispor em um retângulo, ela terá condições de observar que se, em um lado usamos 6 quadrados, quanto será necessário ter do outro lado para caberem os 54 quadrados. E as discussões continuaram:

Profª. Nina – Só que tem que falar com eles que não pode sobrepor. É um do lado do outro, tem que colocar uma regra, é um jogo.

Profª. Linda – E no papel quadriculado também, é só pedir para eles pintarem os quadradinhos, de modo que forme um retângulo, sendo que um dos lados tem que pintar 6, também é uma forma de construir o conceito. Brincando e aprendendo.

Profª. Jóia – Essas discussões nos possibilitaram ter várias ideias de como trabalhar (2º encontro, 18 set. 2018).

Os professores finalizaram o diálogo retomando coletivamente a ideia de que seria mais significativo construir o conceito de medida de área no concreto, deixando o aluno experimentar as possibilidades, seja adulto ou seja criança, não devendo ser dada a fórmula diretamente. Reflexões dessa natureza representam

a combinação de conteúdo e pedagogia no entendimento de como tópicos específicos, problemas ou questões são organizados, representados e adaptados para os diversos interesses e aptidões dos alunos e apresentados no processo educacional em sala de aula (SHULMAN, 2014, p. 207).

Uma das questões importantes que surgiram no diálogo, no relato inicial da profª Alexia, que não exploramos, foi que a área do objeto é invariante, não muda. Ao utilizarmos outras unidades de medida, o que muda é a medida da área. Diante do exposto, além da compreensão de que os conceitos do campo de grandezas e medidas são complexos, não se esgotando em um diálogo, o que nos levou a sugerir um curso que explorasse tais conceitos, percebemos que a apropriação de um conceito exige a articulação com vários outros saberes e que, nesse movimento, o saber pedagógico do conteúdo (SHULMAN, 1986) se aflora. O grupo de professoras percebeu que, nas discussões dos problemas e suas resoluções, diferentes conteúdos se relacionam, fator que colabora para entendimentos matemáticos para a apropriação de conceitos e, consequentemente entendimentos de estratégias de ensino, conforme Davis e Renert (2013, p. 251):

Um entendimento profundo da matemática emergente envolve, portanto, a dinâmica complexa em funcionamento no desenvolvimento do conhecimento matemático e as realizações específicas de conceitos elementares que podem ser significativos para os alunos (DAVIS; RENERT, 2013, p. 251).

D) Combinatória




Na apresentação referente à ideia de combinatória, as professoras apontaram um olhar mais crítico para os enunciados, revelando mudanças de percepção e em sua compreensão, ocorridas nas discussões coletivas a partir dos problemas. Essa compreensão do conceito ampliou a possibilidade das professoras em pensar sobre as estratégias de ensino que poderiam ser utilizadas no desenvolvimento dessa ideia matemática, citando, assim, a utilização de desenhos e de tabela de dupla entrada.

Nas reflexões a partir do problema P7, a professora Flávia apresentou o relato “Eu peço para as crianças responderem isso com desenhos primeiro, eu gosto muito que elas se apropriem do desenho, principalmente nas séries iniciais, isso facilita a compreensão. E depois vou discutindo com elas as possibilidades de combinações”. De acordo com Davis e Renert (2014), essa professora tem desenvolvido a matemática para o ensino, como uma forma de se relacionar com o conhecimento, que lhe possibilita estruturar situações de aprendizagem.

As participantes da formação relataram que, antes do curso, nunca haviam analisado problemas a partir das suas ideias e de suas práticas educativas, enfatizaram que esse movimento colaborou para a (re)significação individual e coletiva de saberes sobre o campo conceitual multiplicativo e as diferentes representações possíveis, e necessárias, antes da formalização para provocar as percepções conceituais dos alunos. Essas transformações também foram observadas, por nós, pesquisadoras, e reforçaram o que defende Shulman (2016), que destaca ser possível, ao criar ambientes que apoiam, sustentam e “refinam” as visões, as compreensões, as práticas, as motivações e as reflexões de todos os participantes de um processo formativo.

As discussões coletivas, os questionamentos e os entendimentos matemáticos, a partir dos problemas, foram importantes e contribuíram, para a reflexão sobre a cultura matemática apresentada em suas práticas educativas e na (re)significações de suas percepções. Sendo assim, foi produzida uma nova lista de percepções do coletivo, realizada a partir da reflexão coletiva das próprias professoras na retomada, durante os encontros presenciais, da lista inicial da proposta “Pense e Registre”. Destacamos que não se trata de uma lista finalizada (Quadro 2), pois defendemos a aprendizagem como construção social, podendo haver modificações nas interações com outros sujeitos. Importante pontuar, também, que, por uma decisão coletiva, alteramos o título da primeira parte do quadro por acreditarmos que as perguntas iniciais “O que é multiplicação?” induzia à interpretação de haver uma única definição ao conceito investigado, sendo que o mesmo apresenta várias ideias envolvidas, as quais foram discutidas nos encontros de formação.


Quadro 2

Lista das percepções (re)significadas no coletivo

Elaborado pelos Autores

Considerações finais

Retomando Davis e Renert (2009), no início desde texto, para quem os professores são participantes vitais na produção de possibilidades matemáticas, pois dão forma à matemática formal e à diversidade de práticas, perspectivas e aplicações culturalmente situadas, enfatizamos que, no desenvolvimento desta ação formativa, as professoras foram participantes vitais na (re)significação de saberes do conceito de multiplicação e na ampliação de uma matemática para o ensino.

A metodologia de investigação de conceito utilizada como possibilidade de discutir coletivamente sobre ideias da multiplicação ampliou as percepções coletivas e individuais do grupo de professoras, em processos colaborativos de entendimentos matemáticos. A utilização de problemas para suscitar as discussões coletivas foi de grande relevância, pois possibilitou apresentações, interpretações, confrontamentos, elaborações e reelaborações dos entendimentos do grupo acerca dos conceitos matemáticos e consequentemente abriu caminhos para a apropriação de uma matemática para o ensino.

Percebemos, também, um movimento de vinculação de outros conceitos matemáticos importantes, com destaque para o conceito de grandezas e medidas. Essa observação nos levou à compreensão de que as professoras podem ser protagonistas, em seu processo de aprendizagem, razão pela qual defendemos a formação como espaço coletivo e colaborativo de (re)significação de saberes docentes.

Em lugar de receber uma formação pré-determinada, como revisão de conteúdos matemáticos, a (re)significação de saberes do conceito matemático para o ensino foi fundamentada em estruturas desenvolvidas pelas próprias professoras, a partir de suas demandas, caracterizando esses saberes como dinâmicos e emergentes. Dessa forma, o saber sobre a matemática estabelecida, entendida como a matemática científica, esteve indissociada do saber sobre os processos por meio dos quais a matemática é produzida, em coletivos da sala de aula e entendimentos individuais. Nesse tipo de ambiente de aprendizagem, o diálogo foi fator relevante no processo, no qual as experiências das professoras foram o ponto de partida, de forma que puderam contextualizar, a partir de suas realidades, de seus conhecimentos prévios, suas práticas educativas.

Por fim, destacamos que as participantes solicitaram novas ações de formação continuada de investigação de outros conceitos matemáticos, o que nos permite evidenciar a relevância de políticas públicas para formação que situem o professor como protagonista do processo formativo. Constatações assim reforçam a importância de ampliar a promoção e a valorização desse tipo de formação em instituições públicas como o Ifes, onde esse processo já se evidencia por meio de grupos de pesquisas como o Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Matemática (GEPEM-ES). Esse modelo de formação aponta para o reconhecimento do desenvolvimento profissional dos agentes envolvidos, fator preponderante para que esses profissionais se compreendam como portadores de uma cultura própria e unam-se em defesa da qualidade do ensino e do respeito à profissão docente.

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