Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Os desafios e as potencialidades das relações interpessoais intraescolares: percepções de pós-graduandos stricto sensu em Educação em Ciências e Matemática
The challenges and potentialities of interpersonal relationships in intraschool: perceptions of stricto sensu postgraduate students in Science and Mathematics Education
Los desafíos y el potencial de las relaciones interpersonales dentro de la escuela: percepciones de los estudiantes de posgrado stricto sensu en Educación Científica y Matemática
Revista de Ensino de Ciências e Matemática, vol.. 12, núm. 3, 2021
Universidade Cruzeiro do Sul

Artigos

Revista de Ensino de Ciências e Matemática
Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil
ISSN-e: 2179-426X
Periodicidade: Trimestral
vol. 12, núm. 3, 2021

Recepção: 08 Janeiro 2021

Aprovação: 28 Fevereiro 2021

Publicado: 04 Maio 2021

Una nueva publicación de artículo publicado en REnCiMa, de iniciativa de sus autores o de terceros, queda sujeta a la expresa mención de la precedencia de su publicación en este periódico, citándose el volumen, la edición y fecha de esa publicación

Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Compartilhamento Pela Mesma Licença.

Resumo: O objetivo deste trabalho é identificar os entendimentos sobre as relações interpessoais no ambiente escolar de estudantes de um curso de pós-graduação stricto sensu em Educação em Ciências e Matemática. Aplicou-se um questionário aos participantes e as repostas foram analisadas por meio da Análise Textual Discursiva, sendo assim construídas quatro categorias finais: i) Problemas Estruturais e Pedagógicos; ii) Problemas Socioafetivos; iii) Relações Dialógicas; e iv) Incentivo à formação e mudança das práticas docentes. Evidenciou-se, entre outros fatores, que há relações entre as categorias de problemas e potencialidades e, sendo uma investigação sobre relações interpessoais, mostraram-se mais presentes questões estruturais e pedagógicas ao invés de relações sociais, propriamente ditas. Além disso, percebeu-se que os currículos de formação básica nas licenciaturas são eminentemente técnicos, enfocando muito mais a área específica das ciências do que o tema das relações interpessoais no ensino.

Palavras-chave: Educação em Ciências e Matemática, Relações Interpessoais, Ensino Básico.

Abstract: The objective of this work is to identify the perceptions about interpersonal relationships in the school environment of students from a strict sensu postgraduate course in Science and Mathematics Education. A questionnaire was applied to the participants and the answers were analyzed using Textual Discursive Analysis which form four final categories: i) Structural and Pedagogical Problems; ii) Socio-affective problems; iii) Dialogical Relations; and iv) Encouraging training and changing teaching practices. It was evidenced, among other factors, that there are relations between the categories of problems and potentialities and, being an investigation on interpersonal relationships, structural and pedagogical issues were more present instead of social relations itself. In addition to that it was noticed that the basic training curriculum in undergraduate courses are eminently technical, focusing much more on the specific area of ​​science than on the subject of interpersonal relations in teaching.

Keywords: Science and Mathematics Education, Interpersonal Relationships, Basic Education.

Resumen: El objetivo de este trabajo es identificar las percepciones sobre las relaciones interpersonales en el ambiente escolar de los estudiantes de un curso de posgrado strictu sensu en Educación en Ciencias y Matemáticas. Fue aplicado un cuestionario a los participantes y las respuestas fueran analizadas por medio de la Análisis Textual Discursiva (ATD), construyéndose cuatro categorías finales: i) Problemas Estructurales y pedagógicos; ii) Problemas Socioafectivos; iii) Relaciones Dialógicas; iv) Incentivo a la formación y el cambio de las practicas docentes. Se evidenció, entre otros factores, que existen relaciones entre las categorías de problemas y potencialidades y, al tratarse de una investigación sobre las relaciones interpersonales, se muestra más presente las cuestiones estructurales y pedagógicas que las relaciones sociales, propiamente dicho. Además, se notó que los currículos de formación básica en las licenciaturas son eminentemente técnicas, enfocándose mucho más en la área especifica de las ciencias do que en el tema de las relaciones interpersonales en la enseñanza.

Palabras clave: Educación en Ciencias y Matemáticas, Relaciones Interpersonales, Educación Básica.

Contextualização da pesquisa

No ambiente escolar, as relações interpessoais têm sido uma das preocupações nos processos de ensino e aprendizagem. Na prática educativa, observou-se que muitas ações formuladas no ambiente escolar acabaram em fracasso devido à atenção insuficiente a essas relações. Portanto, considerando a relevância de todos os aspectos característicos do ambiente escolar, destaca-se a importância de uma análise sobre os juízos das relações interpessoais nesse ambiente.

Para que seja propiciado um ambiente de aprendizagem saudável no âmbito escolar, entre tantos outros aspectos, é necessário que se propiciem também boas relações interpessoais, uma vez que ambientes conflituosos implicam o surgimento de barreiras para a efetiva conexão entre os estudantes, professores e os objetos de conhecimento. Nesse sentido, “a boa relação entre professor e aluno é um dos princípios fundamentais para se desenvolver equilíbrio no sucesso do ensino e da aprendizagem, mediando as apreensões e as dúvidas existentes” (PETRY; SILVA; PETRY, 2010, p. 5).

Desse modo, foi realizada essa pesquisa a partir da seguinte pergunta, ou questão norteadora: “Quais os desafios e as potencialidades das relações interpessoais, no âmbito escolar, percebidos por pós-graduandos stricto sensu em Educação em Ciências e Matemática?” De tal modo o objetivo do trabalho aqui descrito foi o de identificar as percepções dos estudantes de um Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática sobre os desafios e potencialidades das relações interpessoais no ambiente escolar.

A investigação teve caráter qualitativo e recorreu a um questionário como instrumento, cujas respostas foram analisadas textualmente com o auxílio da técnica conhecida por Análise Textual Discursiva (ATD), de Moraes e Galiazzi (2016).

As relações interpessoais intraescolares

As relações interpessoais existentes no espaço escolar podem ser definidas como

o conjunto de procedimentos que, facilitando a comunicação e as linguagens, estabelece laços sólidos nas relações humanas. É uma linha de ação que visa, sobre bases emocionais e psicopedagógicas, criar um clima favorável na empresa (escola) e garantir, através de uma visão sistêmica, a integração de todo pessoal envolvido, por meio de uma colaboração confiante e pertinente (ANTUNES, 2014, p. 9).

Desse modo percebe-se uma mudança na função das escolas no que diz respeito às relações interpessoais. Anteriormente, os professores desenvolviam o papel de expositores de conteúdos totalmente afastados dos estudantes e de suas realidades, e “alunos e professores habitavam mundos diferentes que se cruzavam com objetivos claramente distintos: alguns para dizer e outros para ouvir” (LOURENÇO, 2014, p. 7-8). Atualmente, as relações interpessoais se tornaram cruciais e, de acordo com o mesmo autor (ibidem), o papel da escola passou a ter um efeito transformador sobre o modo de ser do estudante, capacitando-o melhor para vida em sociedade.

Nesse processo de capacitação, o docente, que antes era um mero expositor de conteúdos, assume agora o dever de orientar e mediar, o que demanda habilidades interpessoais mais extensas. Lidar com essas relações interpessoais e seus determinantes é fundamental tanto para educadores como para estudantes, pois todos se relacionam constantemente em sociedade (NOVELLO, 2020).

Desse modo, uma boa relação entre professor e estudantes é fundamental para se atingir o sucesso na aprendizagem, mediando preocupações e anseios. Moran (2007, p. 154) afirma que para que uma interação saudável entre professor‐estudante emerja com naturalidade, tornando-os parceiros nos processos de ensino e aprendizagem, “é fundamental desenvolver atitudes que ajudem os alunos a ter autoestima e que os impulsionem a avançar, querer aprender sempre, não isolar‐se e colaborar com pessoas e grupos na construção de uma sociedade mais justa”.

É na sala de aula que, por meio da capacidade dos professores de interagir com o mundo fora dela, se desenvolve uns dos principais objetivos do ensino escolar: humanizar o conhecimento (ANDRADE, 2007). Essa humanização, manifestada também nas relações interpessoais, tende a interferir positivamente na integração social dos estudantes, conforme afirma Antunes (2014, p. 47), quando escreve que:

A escola deve trabalhar as relações interpessoais para desenvolver no aluno uma visão sistêmica da escola e de seu papel, mas também para facilitar sua integração com a comunidade, professores e colegas através de uma colaboração confiante e pertinente.

Porém, para que isso se concretize é necessário que o educador esteja aberto às expectativas do grupo de estudantes, receptivo aos afetos envolvidos nessas relações e tenha uma percepção adequada dos problemas que atingem aquele grupo específico. Somente assim é possível compreender e auxiliar os estudantes em seus momentos de angústia ou rebeldia, agindo com calma e tolerância perante eventuais posicionamentos radicais. Isso implica, evidentemente, fortalecer a atitude transdisciplinar (ROCHA FILHO, BASSO, BORGES, 2015), abandonando a visão linear e determinista dos currículos da formação inicial dos professores, onde erros e incertezas eram considerados entraves ao processo mecânico de aprender (ANDRADE, 2007).

Além disso, é preciso inovar no que se refere às práticas pedagógicas, buscando “novos conceitos, novas propostas, fundamentados na prática reflexiva e alicerçados na práxis estabelecida pelo docente, em cada espaço educativo” (ANTUNES; et al, 2017, p. 37-38). Essa busca permite a transformação necessária ao aperfeiçoamento das atitudes de enfrentamento e de reflexão, imprescindíveis nos momentos críticos que se apresentam no cotidiano escolar. Desse modo é possível alcançar práticas pedagógicas que de fato caracterizam o bom educador,

permeadas por sentimentos de acolhimento, simpatia, respeito e apreciação, além de compreensão, aceitação e valorização do outro [...] favorecendo a autonomia e fortalecendo a confiança em suas capacidades e decisões. (LEITE; TASSONI, 2002, p. 136).

Para Freschi e Freschi (2013), ser um bom educador não significa somente comunicar-se bem e dominar conteúdos específicos. É importante, também, valorizar adequadamente o afeto e a formação de valores úteis para o crescimento pessoal dos indivíduos. Os autores (ibidem) ainda destacam que o relacionamento com os estudantes é a porta de entrada para o sucesso pessoal e profissional, pois o respeito e a harmonia presentes no ambiente escolar induzem a empatia, permitindo que os educadores desenvolvam suas atividades de maneira mais agradável e satisfatória.

Além disso, é conveniente considerar que as diferenças de opinião que possam surgir ao discutir ideias, são pontos de partida para a reconstrução do conhecimento e o progresso individual de estudantes e professores. Mesmo que o educador, enquanto pessoa em permanente desenvolvimento, como qualquer outra, mantenha antipatia íntima em relação a algum estudante, esse entrave deve ser impedido racionalmente de se manifestar no trabalho educativo.

Os profissionais da educação têm incumbência moral de se destacar na qualidade e seriedade de seu trabalho (FRESCHI; FRESCHI, 2013). Isso também é destacado por Freire (1996, p. 103), quando afirma que “Ensinar exige querer bem o aluno, não significa que o professor é obrigado a ter o mesmo sentimento por todos os alunos, significa que o educador deve ter afetividade pelo aluno sem medo de expressá-la”.

Os educadores devem, portanto, assumir o compromisso de valorizar as relações interpessoais por meio de manifestações da afetividade no que tange aos estudantes e colegas de trabalho, no ambiente escolar. Isso é reafirmado por Moran (2007, p. 155), quando escreve que é por meio da educação que

aprendemos a respeitar as diferenças e os ritmos de cada um e dialogar com a diversidade, encontrando o denominador comum, os pontos de partida ou de apoio para o diálogo, para a sensibilização, para poder ajudar a maior parte das pessoas a evoluir.

Concluindo, Freschi e Freschi (2013, p. 10) afirmam que se o ambiente da sala de aula for cheio de confiança e respeito, alegria e inspiração, o estudante passará a ver a escola como um lugar importante, e ficará feliz em saber que viverá na escola por muitos anos. “Por vezes, basta apenas um olhar, um sorriso, para que esse aprendiz passe a enxergar de uma maneira diferente aquele ambiente que poderia lhe parecer hostil” (ibidem).

Percurso metodológico

A pesquisa aqui descrita possui um caráter qualitativo que, de acordo com Flick “visa a abordar o mundo ‘lá fora’ entender, descrever e, às vezes explicar os fenômenos sociais ‘de dentro” (2009, p. 8, grifos do autor). Ainda nessa ideia, a pesquisa qualitativa é

uma atividade situada que localiza o observador no mundo. A pesquisa qualitativa consiste em um conjunto de práticas materiais interpretativas que tornam o mundo visível. Essas práticas transformam o mundo. Isso significa que os pesquisadores qualitativos estudam as coisas dentro dos seus contextos naturais, tentando entender, ou interpretar, os fenômenos em termos dos significados que as pessoas lhe atribuem. (DENZIN; LINCOLN, 2011, p. 3).

Para a obtenção dos dados necessários para a análise foram utilizados textos produzidos pelos estudantes de pós-graduação (que são também professores da Educação Básica), como forma de resposta a uma enquete. O questionário, segundo Gerhardt e Silveira (2009), pode conter perguntas abertas, fechadas e mistas, conforme a intenção da pesquisa. Como o objetivo desta investigação estava em identificar as percepções dos participantes, entendeu-se que o uso de perguntas abertas permitiria uma construção mais elaborada dos argumentos apresentados pelos participantes.

O questionário originalmente proposto continha quatro perguntas, no entanto, por apresentarem maior relevância no alinhamento com a pergunta da pesquisa, selecionamos para compor o corpus da análise apenas as respostas às questões 2 e 3, respectivamente: “Quais as principais dificuldades que você percebe na relação professor-estudantes na prática docente ou na aprendizagem dos estudantes em Ciências e Matemática?” e “Que soluções você propõe para essas dificuldades?”.

Já a realização da análise das respostas dos participantes se deu por meio da Análise Textual Discursiva (ATD), que se caracteriza como um processo auto-organizado de construção e compreensão de novos sentidos em relação a um determinado estudo. Conforme Moraes e Galiazzi (2016), a estratégia da ATD consiste de três partes: unitarização, categorização e comunicação.

Antes de realizar a etapa da unitarização organizou-se o corpus de análise, realizando a leitura flutuante das respostas aos questionamentos. Com o corpus definido, foi iniciada a desconstrução dos depoimentos em unidades de análise – a unitarização. Conforme Moraes e Galiazzi (2016, p.40), com essa etapa da análise “pretende-se conseguir perceber os sentidos dos textos em diferentes limites de seus pormenores, ainda que se saiba que um limite final e absoluto nunca é atingido”.

Com a fragmentação dos depoimentos foram obtidas 56 unidades de análise. Para melhor identificar os fragmentos com o texto original, utilizou-se a letra P (participantes) seguida da numeração equivalente ao participante de pesquisa, seguido de um ponto e um número referente à pergunta respondida, além de uma letra indicando a quantidade de unidades de sentido de cada Participante. Por exemplo: P1.02C representa o participante 1, respondendo à pergunta 2, e esta é a terceira unidade de análise desse participante. Tal organização foi julgada necessária a fim de favorecer a identificação posterior da origem de cada unidade de análise.

Realizada a etapa da unitarização, iniciou-se a categorização, que consiste no estabelecimento de relações entre as diversas unidades de análise e, de acordo com Moraes e Galiazzi (2016, p. 44), “As categorias são constituintes da compreensão que emerge do processo analítico”.

Nesta etapa foram coletadas unidades de análise com aspectos assemelhados, formando conjuntos lógicos com continuidade das ideias propostas. Para elaboração das categorias, foi adotado o método dedutivo e, segundo Moraes e Galiazzi (2016), nesse processo as categorias emergem a posteriori do corpus. Durante o desenvolvimento da categorização emergiram 49 categorias iniciais, mais simples, que foram reorganizadas até a definição de quatro categorias finais, consideradas mais amplas e representativas do conjunto. Concluída a etapa da categorização, com as categorias finais definidas, a etapa seguinte da ATD é a comunicação, por meio da produção de metatextos que são apresentados na subseção Análise de dados. Moraes e Galiazi (2016, p. 54) afirmam que os metatextos são “constituídos de descrição e interpretação, representando o conjunto, um modo de teorização sobre os fenômenos investigados”.

Essa pesquisa contou com dez participantes, sendo seis mulheres e quatro homens, com idades variando entre 22 e 56 anos. No grupo, três são licenciados em Matemática, dois licenciados em Biologia, um licenciado em Química e um Pedagogo. Além disso, conta-se com três licenciados em duas áreas do conhecimento, sendo dois em Ciências e Matemática e um em Biologia e Química. A experiência dos participantes é bastante variável, havendo alguns casos em que a experiência é considerada “pouca” (cerca de um ano) e outras em que a caminhada é bastante significativa (cerca de 30 anos).

Análise de dados

Por meio da ATD (MORAES; GALIAZZI, 2016) foram identificadas quatro categorias emergentes, como possíveis formas de responder à pergunta de pesquisa. As quatro categorias emergentes buscam explicar certos aspectos relativos às potencialidades e desafios presentes nas relações interpessoais.

A saber, as categorias são: Problemas Estruturais e Pedagógicos, Problemas Socioafetivos, Relações Dialógicas e, por fim, Incentivo à formação e Mudança das Práticas Docentes. As categorias intermediárias inclusas em cada categoria final são dispostas no Quadro 1.

Quadro 1
Categorias finais e intermediárias

Elaborado pelos Autores

Cada categoria final levantada é tratada individualmente, abaixo, em acordo com as percepções obtidas das unidades de sentido colhidas com os dez participantes desta pesquisa.

I) Problemas Estruturais e Pedagógicos

A primeira categoria a emergir traz como evidência que a estrutura pedagógica, seja por atitudes centralizadoras do professor, seja pela pequena carga horária das disciplinas, pode ser um fator complicador no processo de melhoria e estreitamento das relações interpessoais. Outros pontos a serem ressalvados nessa esfera são a questão da estrutura física deficitária, da inexistência de recursos educacionais suficientes e também do uso de tecnologias avançadas por parte dos estudantes, em relação aos seus professores. Apesar de a qualidade das relações interpessoais ser fator determinante para o bom envolvimento dos professores e estudantes no contexto escolar, os dados sugerem que não podem ser ignorados os quesitos estruturais e pedagógicos, que também interferem diretamente no processo de aprendizagem.

Sobre isso, o participante P2 aponta que “o professor não foi qualificado para desenvolver em melhores condições o seu trabalho e privilegiar de maneira adaptada à especificidade de cada estudante nas suas propostas de ensino”. Apesar de dúbia, em seu contexto essa afirmação denota que este participante tem consciência da inadaptação da formação inicial (provavelmente a sua) para o enfrentamento de uma dinâmica escolar para a qual lhe faltam condições. Esse é um caso em que a solução não é objetivamente apontada, pois tanto pode ser que o participante esteja sendo crítico com sua formação inicial, como pode estar criticando a estrutura ou o sistema escolar, por sobrecarregar o professor.

Quanto à perspectiva estrutural, o participante P8 assegura que com “os recursos [tecnológicos] disponíveis; os alunos estão à frente de muitos professores.”. Nem sempre o docente conseguirá ter tranquilidade para desenvolver ações no contexto tecnológico contemporâneo. Lourenço e Carneiro (2018, grifo nosso), ao descreverem o docente como um imigrante digital, indicam que os maiores desafios são mediar o processo de utilização das tecnologias e compreender a linguagem tecnológica utilizada pelos estudantes.

É evidente que a distorção causada pela carência de formação continuada, em última análise associada à carência de recursos financeiros e de tempo, que caracteriza a maior parte do magistério, é um obstáculo quase intransponível para os professores, fazendo com que estes se desatualizem, em especial quanto às tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC), enquanto os estudantes avançam rapidamente nessa área.

Sem dúvida, a estrutura pedagógica no âmbito escolar deve preservar o protagonismo dos estudantes, de modo a favorecer o desenvolvimento de suas criticidades. No entanto, o participante P7 denuncia que “A postura centralizada no professor dificilmente contribui para que os estudantes consigam perceber a relação entre o ensino dado e aquilo que demonstram interesse em aprender”, e o participante P9 reitera que “a postura autoritária quebra uma corrente que só tende a ganhar caso a relação permanecesse na confiança e reciprocidade”. No entanto essa postura centralizadora é considerada ultrapassada por Lourenço e Carneiro (2018, p. 116):

O professor do passado detinha o autoritarismo como consequência do processo de aprendizado. Pensava-se que o aluno deveria ter medo para respeitar o professor e, assim, garantir uma aprendizagem substancial. O aluno não tinha vez para a expressão e para o questionamento.

Em contraposição a essa atitude dogmática, Freire (1998, p.79) afirma que:

o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir‐se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar‐se simples troca de ideias a serem consumidas pelos permutantes.

Com isso, cabe destacar que algumas vezes as relações entre docentes e estudantes podem ter influência negativa de elementos estruturais, como os recursos tecnológicos, por diferenças na compreensão da linguagem empregada durante a utilização desses recursos, e por isso, o docente precisa fazer com que essa diferença se reverta em aprendizado e interações positivas para o estudante. Além disso, o professor precisa ser protagonista na construção de um bom relacionamento com seus estudantes, influenciando-os de maneira positiva por meio do diálogo.

II) Problemas Socioafetivos

A segunda categoria emergente evidencia que os desafios socioafetivos estão correlacionados às atitudes de enfrentamento que podem ocorrer por parte dos estudantes durante os momentos de aula, ao descrédito das figuras do educador e do educando no inconsciente coletivo, de modo a desconsiderá-los como seres capazes de produzir o conhecimento cooperativamente, além da coexistência escolar forçada de pessoas diversas, com personalidades próprias, advindas de contextos sociais distintos, o que favorece o surgimento de conflitos.

Nesse sentido, o participante P9 traz que “O desdém é de ambas as partes por achar que o aluno nunca irá aprender ou que o professor não sabe dar aula”. Já o participante P1 destaca que um dos desafios está nas “relações de medo; sem contato com o professor”, que podem ser estabelecidas pela sua imagem a priori, disseminada na comunidade escolar. Além disso, o participante P3 afirma que outro desafio socioafetivo surge “quando há atitudes de enfrentamento, falta de respeito e desconsideração ao trabalho realizado”.

Em linha com o contexto apresentado, Silva (2008) assegura que:

O professor vence ou é derrotado na profissão não apenas pelo seu ser maior ou menor, mas principalmente pela sua capacidade de lidar com os alunos e ser aceito por eles; a criança é feliz ou infeliz na medida em que foi aceita pelos colegas e consiga se entender com eles. (p. 15).

Assim, o contato socioafetivo é essencial para que sejam efetivadas as interações cognitivas entre estudantes, objetos de conhecimento e professor, uma vez que esse processo é contínuo e pode ser retrocedido a qualquer tempo para que sejam feitas melhorias e avaliadas as etapas que o envolvem. Em acréscimo, na atualidade se sabe que as formas de sofrimento psíquico presentes nos estudantes são muito variadas, e que só por meio da fala é possível acessá-las plenamente, a fim de estabelecer procedimentos de ajuda (SILVA; PACHECO, 2020).

Por outro lado, o participante P9 afirma que um desafio encontrado é a “falta de confiança recíproca”, obviamente relacionada com a alegação do participante P10 de que no ambiente escolar convivem “estudantes com personalidades diversas e advindos de contextos distintoS”. A interação fragmentada que se instala no contexto escolar, porém, não é casual, mas decorre de determinadas condições intrínsecas ao modo como o ensino é oferecido e/ou das diferenças socioculturais e comportamentais existentes entre os estudantes, entre outros.

São muitos os fatores que contribuem para a segregação e desconfiança entre colegas, e deles em relação aos professores. Segundo Ozelame e Rocha Filho (2016), o ensino conteudista e transmissivo estabelece naturalmente um ambiente propício ao surgimento de competição, que cria focos de discórdia entre grupos de estudantes. De outra forma, a convivência entre alunos que constroem identificações discrepantes também pode ser problemática, mas inevitável, na medida em que a globalização da informação oferece modelos de identificação em escala mundial, e as influências da cultura local e da família se tornam menos preponderantes (CARRANO, 2013).

Isso reduz o vínculo entre os atores escolares, o que prejudica a aprendizagem, pois a relação com o outro é decisiva para esse processo, como se pode abstrair do seguinte trecho de Fontoura, Stobäus e Mosquera (2011, p.78):

A aprendizagem se constrói na relação, ou seja, quando o aluno faz um tipo de conexão que o ligue a si mesmo, ou a outras pessoas. Então, quando essa conexão é mais profunda, pode ser considerada como vínculo. Nesse sentido, o tipo de relação entre alunos e professores é um dos fatores, que possibilita a construção de aprendizagens significativas.

Sendo assim, as relações interpessoais implicadas nas interações socioafetivas são vistas como desafios de monta, por exigirem a compatibilização e a tolerância de todos em relação à multiplicidade de realidades que circunda o ambiente escolar, o que é objetivamente uma meta difícil de ser atingida.

III) Relações Dialógicas

Como terceira categoria emergente, observou-se na fala dos participantes a importância das Relações Dialógicas no desenvolvimento das relações interpessoais intraescolares. Foi enfatizado que o diálogo entre professores e estudantes favorece a compreensão do contexto do estudante, bem como a identificação de suas dificuldades, que por sua vez é útil ao desenvolvimento dos processos de ensino e de aprendizagem.

Para o participante 7 “as relações entre professor e estudante são favoráveis ao processo de ensino quando há um posicionamento de escuta, estímulo ao diálogo”. Os docentes precisam ouvir os estudantes para, juntos, buscarem soluções viáveis para os problemas que surgem no cotidiano escolar. Isso, no entanto, é uma tarefa árdua e, até certo ponto, viola uma tendência quase universal das pessoas, pois segundo Mosquera e Stobäus (2004, p. 97):

Frequentemente nos custa muito parar para ouvir os outros, estamos muito mais preocupados em que nos ouçam, porém pouco dispostos a ouvir. O ouvir os outros e aprender a vê-los como são realmente é fundamental para as relações interpessoais, em especial para os professores, que devem de estar muito atentos e poder, assim, agir melhor na realidade.

A partir dessa escuta intencional o docente poderá planejar atividades que contextualizem os conteúdos em relação às diferentes realidades dos discentes, favorecendo a aprendizagem.

No entanto, é importante refletir sobre a definição de contextualização assumida pela Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018), extraída literalmente das Diretrizes Curriculares Nacionais, de 2010. Essa definição não dá conta da amplitude do conceito de contextualização necessário na contemporaneidade, pois o limita a ser unicamente “a inclusão, a valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade e à diversidade cultural resgatando e respeitando as várias manifestações de cada comunidade” (BRASIL, 2018, p. 11).

Ora, dessa redação se subentende que o contexto seria exclusivamente baseado nas características do entorno físico, cultural e comunitário mais próximo da escola e dos alunos, o que excluiria fatos de relevância internacional que possam estar relacionados com os conteúdos em questão, por exemplo. Isso é especialmente verdade no âmbito das ciências, pois as numerosas e importantes descobertas e ocorrências nesse campo, no século XXI, se deram sempre ou quase sempre fora do Brasil e, portanto, muito distantes fisicamente do entorno escolar, e ainda assim constituem-se como argumentos válidos de contextualização. O contexto já não é mais aquilo que está física ou culturalmente próximo do estudante, mas o mundo como uma totalidade.

Também é conveniente esclarecer que a contextualização aparece “não como uma forma de ‘ilustrar’ o enunciado de um problema, mas como uma maneira de dar sentido ao conhecimento” (BRASIL, 2006, p. 83). Por isso a contextualização abrange desde os contos de fada aplicados à prevenção ao uso de drogas (BATISTA; SANTOS, 2020), até os processos de produção do conhecimento científico (KATO; KAWASAKI, 2011), passando, evidentemente, pelos temas locais de interesse da comunidade escolar e de seu entorno.

Mesmo que o educador não pertença ao mesmo grupo socioeconômico dos estudantes, não resida nas proximidades da escola ou tenha interesses divergentes daqueles, isso não o impede de empenhar-se em compreender seus alunos, buscando informações sobre a comunidade em que estão inseridos. Isso é tão importante quanto trazer para a sala de aula fatos globalmente relevantes que se liguem a seus conteúdos e que possam ser úteis para os discentes, para ampliar suas aprendizagens, para exercitar suas criticidades cidadãs ou para o exercício de uma futura profissão. Conforme o participante 6, “A partir dessas informações, o professor pode estabelecer critérios e métodos que contemplem as principais características da turma, levando em consideração as individualidades dos estudantes, seus interesses e conhecimentos”.

No entanto, diálogo sem empatia é uma simples soma de dois monólogos, e de nada serve para a educação. Há muito se sabe disso. Por exemplo, Minuccuci (1978, p. 35) afirma que

saber ouvir é uma das mais importantes ferramentas de comunicação interpessoal, vindo em segundo a empatia, pois a sensibilidade social faz com que o sujeito compreenda determinadas situações sem precisar se envolver de forma direta.

O diálogo é o caminho para se chegar ao estudante, porém se durante esse exercício não houver empatia, não será possível identificar a verdadeira identidade do outro. Sobre isso, o participante P1 afirma que “lidar com seres humanos não é simples, o importante é que sejam estabelecidas, basicamente, relações de empatia entre o professor e o estudante, uma vez que esse processo viabiliza a compreensão e leitura do indivíduo em determinadas situações”.

Outra importante característica das relações intraescolares que deve ser fortalecida é o respeito. Os participantes, em geral, afirmaram que o respeito permite criar um ambiente de convívio saudável, com trocas, favorecendo que cada um possa ter o seu espaço e a confiança para solicitar a ajuda do professor, frente as suas dificuldades. Sobre esse aspecto Freire (1996, p. 103) confirma que “O clima de respeito que nasce de relações justas, sérias, humildes, generosas, em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumem eticamente, autentica o caráter formador do espaço pedagógico”.

Encorajar os estudantes a participarem de discussões, bem como falarem sobre suas dificuldades, sem envergonharem-se, é uma conduta respeitosa para com eles, que pode ser associada ao desenvolvimento de segurança e confiança, tanto no professor quanto em si próprio. O participante P9 sugere que “algumas soluções [para melhorar as relações interpessoais] seriam tentar estabelecer confiança em ambas as partes dessa relação (professor-aluno)”.

Porém, docentes que utilizam práticas transmissivas, transparecendo uma imagem de centralidade no processo de aprendizagem, enquanto os estudantes são coadjuvantes nesse processo, prestam um desserviço à educação. O participante P7 afirma que uma “Postura em que o estudante é protagonista do processo, seria uma possível solução para a melhoria da relação interpessoal entre esses sujeitos”. Essa constatação também vai ao encontro de Freire (1996, p. 104), quando afirma que “A autoridade docente mandonista, rígida, não conta com nenhuma criatividade do educando. Não faz parte de sua forma de ser, esperar, sequer, que o educando revele o gosto de aventurar-se”.

Ainda foi destacado por alguns participantes que as relações que valorizam o protagonismo discente provocam no estudante uma maior disposição e curiosidade para aprender, formular hipóteses e resolver os problemas propostos, evidenciando, nesse processo, benefícios relacionados à emoção, à motivação e à compreensão de conceitos.

Por fim, foi enfatizada a relação entre o professor, sua disciplina e sua conduta perante os alunos, pois “ao aluno não basta que o professor explique bem sua disciplina; ele quer também, e principalmente, que o professor o respeite, valorize, compreenda, mantenha comunicação com ele”. Sobre isso, o participante P7 afirmou que “Se o estudante não tem uma boa relação interpessoal com o professor, dificilmente ele conseguirá ter atenção, motivação, interesse e predisposição para aprender”. Ou seja, se o relacionamento do estudante com o professor não for bom (e vice-versa), seu desempenho na disciplina poderá ser afetado. Os estudantes terão dificuldades para expressar interesse em sala de aula, incapazes de interagir, expor suas ideias e terão dificuldades para trabalhar adequadamente os conteúdos.

IV) Incentivo à formação e mudança das práticas docentes

Por fim, como quarta categoria emergente os participantes afirmaram que é necessária a reciclagem contínua na formação dos docentes, assim como a internalização de novos métodos de ensino e, como consequência, a busca pelo ajuste das práticas pedagógicas.

A utilização de TDIC, como estímulo à aprendizagem, é citada como forma de melhorar a relação interpessoal (professor-aluno) em sala de aula, visto que seria uma estratégia de aproximação entre eles. Porém, o que se percebe é que ainda há professores pouco familiarizados com essas tecnologias, e muitos “temem perder o emprego, outros se apavoram quando são pressionados a lidar com equipamentos eletrônicos” (LIBÂNEO, 2014, s/p).

Apesar da rápida mudança nesse quadro durante a pandemia de Covid-19, em 2020, quando muitos professores, em especial das redes privadas e comunitárias, foram obrigados a se apropriar quase instantaneamente das TDIC e utilizar diversas ferramentas computacionais, ambientes virtuais de aprendizagem (AVA) e redes sociais em suas aulas, no ensino remoto síncrono e assíncrono, diversificando atividades e avaliações, outra parte do magistério não fez o mesmo, e seus estudantes ficaram sem assistência educacional durante um longo período.

Ainda com poucos estudos sobre esse fenômeno, pode-se apenas supor que a falta de acesso aos meios necessários para aderir a esses recursos teve relação com a carência de redes rápidas e equipamentos compatíveis. Mesmo sem a urgência trazida pela pandemia de Covid-19, Masetto (2013, p. 142) já reafirmava que é necessária uma mudança em alguns comportamentos relacionados ao uso de tecnologias, como por exemplo, “desenvolver habilidades para trabalhar com tecnologias que em geral não dominamos”, pois estas podem tornar os encontros com os estudantes mais interessantes e motivadores. O mesmo autor (ibidem) ainda ressalta que o uso das TDIC deve ser adequado aos objetivos do processo de aprendizagem, utilizando técnicas que incentivem a participação dos estudantes, com interação e diálogo.

Uma ideia que surgiu repetidamente nas respostas se relaciona à atitude centralizadora e autoritária do professor, que precisa assumir que o estudante é o elemento central do processo de aprendizagem. Essa mudança pode induzir práticas que levem em conta os conhecimentos prévios dos estudantes e a identificação de suas necessidades específicas. Nessa sequência, Andrade (2007, p. 19) afirma que são necessárias visão e percepção abertas para entender os estudantes em seus momentos especiais e estabelecer com eles uma relação positiva:

nesta tarefa de ruptura com o modelo vigente nas instituições, poderemos estabelecer uma relação interpessoal sadia e obter resultados positivos, que não interfiram na individualidade, mas deem ao estudante a capacidade de ver significado nas informações, transformando-as em conhecimento.

O participante P9 entende que é necessário “Tentar perceber que os estudantes não são em quem o professor apenas manda”. Essa afirmação denota que o participante percebe que a hierarquia forçada - não calcada no respeito e admiração – falha em relação ao ensino. De fato, é mais do que isso. Quando um estudante se relaciona com o professor como se este fosse um representante do sistema educacional – uma entidade sem rosto sobre a qual o estudante sabe pouco -, e não seu parceiro no caminho do crescimento pessoal, toda ação educativa é sentida como um potencial ataque a sua liberdade individual. Para que isso não ocorra é necessária não só uma mudança de atitude profissional, mas também das atitudes pessoais, pois de acordo com Galiazzi (2003, p. 154) “se sou melhor como professora é porque aprendi a ser melhor como ser humano, que é capaz de ouvir, gostar, tolerar, de procurar entender o ponto de vista do outro, que é capaz de refletir e aceitar que o professor nem sempre tem razão”.

Além disso, o educador precisa compreender o papel social e político que ele pode exercer na formação do estudante. Para o participante P4 “o professor necessita assumir uma postura crítica em relação a sua atuação recuperando a essência do ser educador. Ou seja, o professor precisa compreender que tem um papel social e político insubstituível”. Essa afirmação contém palavras-chaves para o entendimento dos objetivos educacionais maiores, como a referência à atitude crítica e ao papel político da educação, em concordância com Mosquera e Stobäus (2004, p.14) quando afirmam que "A educação exerce um papel importantíssimo em relação à formação dos alunos. Ela poderá influenciar seu comportamento social de forma positiva ou negativa”.

Diante das graves questões que gravitam ao redor da profissão docente, como as habilidades no campo interpessoal e o domínio das TDIC, os participantes sugerem mudanças nas políticas de formação inicial dos professores, além de estímulo à formação continuada. O participante P5 destaca que “mudanças nas políticas de formação dos professores e o massivo investimento em formação continuada podem contribuir para a superação de dificuldades relacionadas a essa questão”.

Também sobre isso, Darú (2004, s/p), ao mencionar os currículos dos cursos de formação inicial, assinala que “Podemos perceber também na grade curricular das licenciaturas, a excessiva atenção à formação técnica da área, a restrita formação pedagógica e uma grande negligência com a formação para as relações interpessoais”. Embora essa afirmação (ibidem) tenha sido feita em 2004, as mudanças curriculares que ocorreram nas licenciaturas desde então foram poucas, como o aumento do número de horas de estágio e de atividades complementares. Mesmo assim, a carga horária total de disciplinas pedagógicas continua quase irrelevante. Em análise recente dos currículos das licenciaturas em ciências da natureza, realizada por Reis e Mortimer (2020, p.11), os autores constataram que

Em relação à preparação para a docência, percebemos que, em 7 dos 14 cursos analisados, a carga horária de disciplinas da categoria Pedagógica responde por até 10% das horas totais dos cursos. Nos outros sete, elas compreendem entre 11% e 22% da carga total. No entanto, quando analisamos a carga horária de disciplinas da categoria Pedagógica de Conteúdo, percebemos que, na maioria dos cursos (10), elas não somam 10% da carga horária total.

Se a formação pedagógica é pouco valorizada nas licenciaturas, em termos de carga horária, o que se pode esperar de disciplinas voltadas às relações interpessoais? Essas simplesmente não existem, então resta promover formações continuadas tradicionais ou em serviço, e esperar que os atuais professores tenham tempo, recursos e disposição para participarem dessas formações. Apesar dos problemas, também é possível reformular o ambiente de trabalho do professor de modo que este se torne mais agradável e benéfico ao desenvolvimento educacional (POIANI; ZANLORENZI, 2016).

Os participantes da pesquisa destacaram que fornecer subsídios e propiciar mecanismos de formação continuada nas escolas é muito valioso. Essas formações podem fortalecer as estratégias de superação das fragilidades nas formações iniciais, orientando os professores a refletir e mudar comportamentos tradicionais diante de problemas e desafios profissionais sempre novos. Sobre isso, Demo (2003, p. 69, grifo do autor) afirma: “hoje a única maneira de ‘acumular’ conhecimento é renová-lo permanentemente pela renovação de si mesmo. Já não conta a quantidade, mas sua qualidade”.

Resumindo, a formação do professor e a sua prática profissional devem conduzi-lo a manter bom relacionamento com os estudantes, convivendo com a diversidade do mundo pós-moderno e se mantendo atualizado em relação às TDIC.

Considerações finais

Esse trabalho apresentou uma pesquisa que teve como participantes pós-graduandos de um curso scricto sensu em Educação em Ciências e Matemática, e objetivou descobrir desafios e potencialidades das relações interpessoais no âmbito escolar. No entanto, a situação enfrentada pelos professores no atual período de pandemia de Covid-19 trouxe à baila, também, o assunto das tecnologias digitais de informação e comunicação. Tanto em relação ao tema das relações humanas, quanto no que tange ao uso das tecnologias, evidenciou-se grande fragilidade na formação inicial dos professores.

Utilizou-se a fragmentação seguida de categorização como forma de sintetizar e compreender os resultados, sendo estabelecidas quatro categorias finais. Foi observado que existem ligações entre os desafios e as potencialidades, pois ao mesmo tempo em que são denunciados os Problemas Estruturais e Pedagógicos da escola, na categoria 1, o Incentivo à Formação e Mudança das Práticas Docentes, que constitui a categoria 4, aponta a potencialidade para solucionar tais problemas. O mesmo acontece com as categorias 2 e 3, respectivamente Problemas Socioafetivos e Relações Dialógicas, sendo a última uma descrição de possibilidades de como contornar as dificuldades enfrentadas nos relacionamentos intraescolares.

Mesmo sendo uma investigação sobre relações interpessoais intraescolares, mostraram-se presentes questões estruturais e pedagógicas que ocupam a mente dos professores e emergiram naturalmente. O senso disso parece ser o fato de que os currículos de formação inicial são excessivamente técnicos, não possuindo foco sequer nas questões pedagógicas, e ainda menos nas relações interpessoais.

Ao fim, até pelo fato de o grupo de participantes cursar, atualmente, uma pós-graduação stricto sensu, a principal resposta aos desafios encontrados no exercício do magistério se refere justamente à formação continuada, já que parece difícil ter algum controle efetivo sobre as licenciaturas, cuja baixa procura torna os cursos praticamente inviáveis para as instituições particulares.

Referências

ANDRADE, A. B. G. Relações interpessoais no ensino de ciências. 2007. 126f. Dissertação (Mestrado em Educação em Ciências e Matemática) – Faculdade de Física, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, 2007.

ANTUNES, C. Relações interpessoais e autoestima: a sala de aula como um espaço do crescimento integral. Fascículo 16. 10ª Ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2014.

ANTUNES, D. D.; PLASZEWSKI, H.; DECKER, D. A.; SILVA, L. R. Formação continuada de professores no lócus escolar. In: ANTUNES, D. D.; PLASZEWSKI, H. Educação continuada: um paradigma em diferentes ações, distintas experiências e significativos contextos. Porto Alegre: Evangraf, 2017.

BATISTA, L. C.; SANTOS, F. P. Arquétipos e Jung: a importância dos contos de fadas para a contextualização do jovem e a prevenção de drogas. Brazilian Journal of Development, São José dos Pinhais, v. 6, n. 2, 2020.

BRASIL. Ministério da Educação - MEC, Secretaria da Educação Básica - SEB. Orientações Curriculares Nacionais para o ensino médio. Brasília, v. 2, 2006.

BRASIL. Ministério da Educação - MEC, Secretaria da Educação Básica - SEB. Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Brasília, 2018.

CARRANO, P. Jovens, escolas e cidades: entre diversidades, desigualdades e desafios à convivência. In: VIEIRA, M. M.; RESENDE, J.; NOGUEIRA, M. A.; DAYRELL, J.; MARTINS, A.; CALHA, A. (Org.) Habitar a escola e as suas margens: Geografias plurais em confronto. Instituto Politécnico de Portalegre (MG) – Escola Superior de Educação, 2013, p. 99-108.

DARÚ, M. R. H. A formação do professor para as relações interpessoais.

DEMO, P. Educar pela Pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 2003. 130 p.

DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. Introduction: The discipline and practice of qualitative research. The Sage handbook of qualitative research, 4 ed., p. 01-19. 2011.

FLICK, U. Introdução à Pesquisa Qualitativa. Porto Alegre: Artmed, 2009.

FONTOURA, C. F.; STOBÄUS, C. D.; MOSQUERA, J. J. M. O docente como modelo de relações afetivas motivadoras para aprendizagens positivas. Educação, Ciência e Cultura, v. 16, n. 1, p. 73-88, 2011.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. 18 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

FRESCHI, E. M.; FRESCHI, M. Relações interpessoais: a construção do espaço artesanal no ambiente escolar. Revista de Educação do Ideal. v. 8, n. 18, dez. 2013.

GALIAZZI, M. C. Algumas faces do construtivismo, algumas críticas. In: MORAES, R. (Org.). Construtivismo e ensino de Ciências. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003. 230 p.

GERHARDT, T. E.; SILVEIRA, D. T. Métodos de pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.

KATO, D. S.; KAWASAKI, C. M. As concepções de contextualização do ensino em documentos curriculares oficiais e de professores de ciências. Ciência & Educação (Bauru), v. 17, n. 1, 2011.

LEITE, S.; TASSONI, E. A afetividade em sala de aula: as condições de ensino e a mediação do professor. In: AZZI, R. G.; SADALLA, A. M. F. (Org.). Formação docente: desafios e conversas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.

LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora? São Paulo: Cortez, 2014.

LOURENÇO, L. C. D. Relações interpessoais: contribuições para a Aprendizagem no ensino fundamental da escola municipal Zuleika David Chammas Cassar Eief. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2014.

LOURENÇO, L. H. R.; CARNEIRO, G. M. O aluno e o papel do professor no contexto tecnológico contemporâneo. Eixo, Brasília-DF, v. 8, n. 3, jul-dez 2018.

MASETTO, M. T. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: MORAN, J. M (Org). Novas tecnologias e mediação pedagógica. 21 ed. Campinas: Papirus, p. 133-170, 2013.

MINUCUCCI, A. Relações Humanas: psicologia das relações interpessoais. São Paulo, Atlas 1978.

MORAES, R.; GALIAZZI, M. C. Análise textual discursiva. Ijuí: Unijuí, 2016.

MORAN, J. M. Desafios na comunicação pessoal. 3 ed. São Paulo: Paulinas, 2007.

MOSQUERA, J. J. M.; STOBÄUS, C. D. O professor, personalidade saudável e relações interpessoais: por uma educação da afetividade. In: ENRICONE, D. (Org.). Ser professor. 4 ed. Porto Alegre: Edipucrs, p. 91-107, 2004.

NOVELLO, R. Relações interpessoais positivas: um estudo etnográfico em uma escola municipal de Cascavel PR. 106f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE, Cascavel (PR), 2020.

OZELAME, D. M.; ROCHA FILHO, J. B. As dificuldades docentes em desenvolver práticas interdisciplinares no ensino de Ciências e Matemática. Acta Scientiae, v. 18, n. 1, 2016.

PETRY, L. S.; SILVA, V. J.; PETRY, V. J. Concepções de professores de Ciências e Matemática sobre as relações interpessoais no ambiente escolar. Anais do II Simpósio Nacional de Ensino de Ciência e Tecnologia. 2010.

POIANI, E. R. V.; ZANLORENZI, M. A. Olhar para si mesmo e ver o mundo – a construção do trabalho colaborativo dentro do ambiente escolar. Cadernos PDE. v. 1, 2016.

REIS, R. de C.; MORTIMER, E. F. Um estudo sobre Licenciaturas em Ciências da Natureza no Brasil. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 36, 2020.

ROCHA FILHO, J. B.; BASSO, N. R. S.; BORGES, R. M. R. Trandisciplinaridade: a natureza íntima da educação científica. 2 ed. Porto Alegre: Edipucrs, 2015.

SILVA, E. A. Relações interpessoais no ambiente escolar. Em Extensão, Uberlândia, v. 7, n. 2, p. 10 - 18, 2008.

SILVA, A. F. M.; PACHECO, L. Comunicação verbal na escola: um instrumento de identificação de escolares em sofrimento mental: uma revisão integrativa da literatura. Psicologia & Saberes, v. 9, n. 19, 2020.

Ligação alternative



Buscar:
Ir a la Página
IR
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
Visor de artigos científicos gerado a partir de XML JATS4R