Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


Carbono primário: quem é você, afinal?
Primary carbon: who are you, anyway?
Carbono primario: ¿quién eres después de todo?
Revista de Ensino de Ciências e Matemática, vol.. 12, núm. 3, 2021
Universidade Cruzeiro do Sul

Artigos

Revista de Ensino de Ciências e Matemática
Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil
ISSN-e: 2179-426X
Periodicidade: Trimestral
vol. 12, núm. 3, 2021

Recepção: 01 Fevereiro 2021

Aprovação: 03 Março 2021

Publicado: 11 Maio 2021

Una nueva publicación de artículo publicado en REnCiMa, de iniciativa de sus autores o de terceros, queda sujeta a la expresa mención de la precedencia de su publicación en este periódico, citándose el volumen, la edición y fecha de esa publicación

Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Compartilhamento Pela Mesma Licença.

Resumo: O livro didático é o principal material didático usado no processo de escolarização. Entretanto, muitos livros usados apresentam erros ou inadequações conceituais que podem gerar confusões e dificultar os processos de ensino e aprendizagem. A análise desse material é de extrema importância, pois permite a identificação de equívocos conceituais e a reflexão sobre os conceitos que são apresentados. Este trabalho investiga como dez livros didáticos de Química do Ensino Médio abordam a classificação do carbono em Cadeias Carbônicas, com enfoque no conceito de carbono primário, tendo como base de referência livros de Química Orgânica usados em cursos de graduação no país e o Gold Book da IUPAC. Para o desenvolvimento desta pesquisa, foi utilizado como método de coleta de dados a pesquisa bibliográfica, com uso de uma abordagem qualitativa. Através dessa investigação, foi possível descobrir divergências nos conceitos de carbono primário presentes nos respectivos livros. Além disso, percebeu-se que a abordagem desse conteúdo é feita mecanicamente e desconectada dos demais conceitos químicos apresentados ao longo dos capítulos, ou seja, a maioria dos livros não relaciona os conceitos oriundos da referida classificação com os demais presentes ao longo do livro didático, contribuindo para a mera memorização e repetição de saberes.

Palavras-chave: Classificação do Carbono, Livros Didáticos, Ensino de Química.

Abstract: Chemistry textbooks are one of the main teaching materials used in High School. However, many books can have some conceptual errors that can cause confusion and hinder the teaching-learning process. Analysis is extremely important, because it is possible to identify mistakes and discuss about the concepts that are presented in the books. This paper aims to investigate how ten High School chemistry textbooks approach the classification of carbon in carbon chains, with a focus on the concept of primary carbon. This analysis was based on Organic Chemistry books used in undergraduate courses in the country and the Gold Book of IUPAC. This work is a bibliographic research with a qualitative approach. The research found divergences in the concepts of primary carbon present in the chemistry textbooks. In addition, the approach was done mechanically and in a disconnected way with the other chemical concepts presented throughout the units. In the other words, the textbooks do not relate the concepts of carbon classification with others present throughout the textbook, contributing to the memorization and repetition of knowledge.

Keywords: Carbon Classification, Didactic Books, Chemistry Teaching.

Resumen: El libro de texto es el principal libro de texto que se utiliza en el proceso de escolarización. Sin embargo, muchos libros usados tienen errores o deficiencias conceptuales que pueden generar confusión y dificultar el proceso de enseñanza-aprendizaje. El análisis es sumamente importante, ya que permite identificar errores conceptuales y reflexionar sobre los conceptos que se presentan en ellos. Este trabajo investiga cómo diez libros de texto de química de secundaria abordan la clasificación del carbono en cadenas de carbono, con un enfoque en el concepto de carbono primario, con base en los libros de química orgánica utilizados en los cursos de pregrado del país y el Libro de Oro de IUPAC. Para el desarrollo de esta investigación se utilizó la investigación bibliográfica como método de recolección de datos, utilizando un enfoque cualitativo. A través de él, fue posible descubrir divergencias en los conceptos de carbono primario presentes en los libros de texto. Además, la aproximación a este contenido se realiza de forma mecánica y desconectada del resto de conceptos químicos presentados a lo largo de los capítulos. En otras palabras, la mayoría de los libros no relacionan los conceptos de clasificación del carbono con otros presentes em el libro de texto, contribuyendo a la memorización y repetición de conocimientos.

Palabras clave: Clasificación de Carbono, Libros Didácticos, Enseñanza de la Química.

Introdução

Os livros didáticos (LDs) são instrumentos mediadores de conhecimentos utilizados, geralmente, por todos os níveis e modalidades de ensino no Brasil para os processos de ensino e aprendizagem. São empegados na orientação de conteúdos e atividades para professores e alunos, dando suporte e contribuindo para uma aprendizagem significativa (DÍAZ, 2011; KATO; KIOURANIS, 2013). Para Siganski et al. (2008, p. 2):

o livro didático assume funções diferentes, dependendo das condições, do lugar e do momento em que é produzido e utilizado nas diferentes situações escolares. Por ser um objeto de múltiplas facetas, ele é pesquisado enquanto produto cultural; como mercadoria, ligada ao mundo editorial; como suporte de conhecimento e de métodos de ensino das diversas disciplinas que compõem o currículo escolar (SIGANSKI et al., 2008, p. 2).

Entretanto, embora sejam ferramentas indispensáveis para a educação, é possível identificar inadequações conceituais e/ou equívocos quanto a abordagem de conteúdo. Nos livros didáticos (LDs) de Química do Ensino Médio, nos volumes que abordam os conteúdos relativos a denominada Química Orgânica (compreendida como a Química que estuda os compostos de carbono), é comum a abordagem dos conceitos concernentes à “classificação do Carbono quanto ao número de átomos de carbonos diretamente ligados”, sendo este, geralmente, um dos primeiros tópicos a serem trabalhados em sala de aula nas turmas de terceiro ano do Ensino Médio e apresentados nos LDs de Química Orgânica.

Ao investigar o modo como esse tópico é abordado nos LDs, percebemos contradições com os conceitos apresentados, em especial sobre a delimitação do conceito de carbono primário. Além disso, há uma certa desconexão desse tópico com os demais conceitos trabalhados nos LDs de Química Orgânica, o que, por sua vez, pode suscitar o seguinte questionamento: qual a relevância dessa classificação para o estudo dos compostos orgânicos?

Com base no exposto, o presente trabalho tem por intuito analisar como os LDs de Química do Ensino Médio abordam o tópico “Classificação do Carbono”, tendo como referencial teórico a definição e classificação de grupos alquilas delimitadas no Gold Book da IUPAC (International Union of Pure and Applied Chemistry) e aqueles apresentados em LDs utilizados em cursos de graduação e/ou pós-graduação de Química.

Classificações do carbono

Inicialmente, para compreender a referida classificação do carbono ao qual este artigo aborda, foram investigados os conceitos apresentados em cinco livros de Química Orgânica utilizados em disciplinas da respectiva subárea da Química nos cursos de graduação e/ou pós-graduação no Brasil: Bruice (2017); Clayden et al. (2012); McMurry (2010; 2015); Solomons et al. (2012); Carey; Giuliano (2016).

De modo geral, os livros de Química Orgânica apresentam os seguintes conceitos para as classificações do carbono quanto ao número de átomos de carbono diretamente ligados (Figura 1):


Figura 1
Classificações do carbono quanto ao número de átomos de carbono diretamente ligados
Elaborado pelos Autores

Vale a pena ressaltar que não foram encontradas divergências entre os livros originais (na versão inglesa) com a versão traduzida. A classificação do carbono nos livros de Química Orgânica considerados como referência é, em sua maioria, inicialmente apresentada nos capítulos relativos aos grupos alquilas. Ao investigar sobre essas classificações no Gold Book da IUPAC, não encontramos especificamente tópicos que abordem essa classificação do carbono; entretanto, ela pode ser inferida a partir da definição de grupos alquilas:

[Alquilas são] Grupos monovalentes derivados dos alcanos pela remoção de um átomo de hidrogênio de qualquer átomo de carbono – CnH2n+1. Os grupos derivados pela remoção de um átomo de hidrogênio de um átomo de carbono terminal de alcanos não ramificados formam uma subclasse denominada grupos alquilas normais (n-alquil) H(CH2)n. Os grupos RCH2, R2CH (R≠H) e R3C (R≠H) são, respectivamente, grupos alquilas primários, secundários e terciários. (IUPAC, 2020, n.p. Tradução nossa).

Percebamos, portanto, que é a partir da definição e classificação de grupos alquilas no Gold Book da IUPAC (assim como nos demais livros de referência) que temos a inferência do conceito de carbono primário, secundário e terciário. O quaternário, obviamente, não é mencionado no Gold Book da IUPAC referente aos grupos alquilas, mas sua conceituação (ou exemplificação) está presente nos livros de referência. Considerando a autoridade da IUPAC no desenvolvimento e na determinação de padrões para a nomenclatura de compostos químicos e terminologias e classificações a eles associados, tomaremos como norte a colocação da classificação dos grupos alquilas presente no referido material.

Essa classificação, envolvendo os tipos de carbono, se estende a outras funções orgânicas nos livros de referência, tais como haletos de alquila e álcoois (Figura 2).


Figura 2
Exemplos de álcoois e haletos de alquila primários, secundários e terciários
Elaborado pelos Autores

Um haleto de alquila primário seria aquele cujo halogênio estivesse ligado a um carbono primário, e assim sucessivamente para os haletos de alquila secundários e terciários. Um álcool primário, por sua vez, seria aquele cujo grupo hidroxila, OH, estivesse ligado a um carbono primário, e assim sucessivamente para os álcoois secundários e terciários.

Além dessas duas funções, Clayden et al. (2012) também fazem uso dessa classificação para nitrilas: quando o grupo CN está ligado a um carbono primário, ele denomina de nitrila primária e assim continuamente para os outros casos (diferentemente das outras funções, nesta há a possibilidade de associação com o termo quaternário). Já McMurry (2015) utiliza-se dessa classificação em compostos nitrosos, R–N=O, em que o grupo R pode ser um carbono primário, secundário ou terciário de uma cadeia carbônica.

Além das funções orgânicas mencionadas, o uso dos termos dessa classificação também é associado ao estudo da estabilidade de carbocátions, carbânions e radicais alquilas (Figura 3) e, consequentemente, a todas as reações orgânicas envolvendo essas espécies químicas.


Figura 3
Exemplos de carbocátions, carbânions e radicais metílicos, primários, secundários e terciários
Elaborado pelos Autores

Um questionamento a ser considerado e discutido é sobre a abrangência dessa classificação aos átomos de carbono, ou seja, se ela deve ser aplicada a todo e qualquer carbono, independentemente de sua hibridização. Se analisarmos os conceitos presentes nos livros de referência isoladamente, removendo-os do contexto em que eles são apresentados (caracterização de grupos alquilas), pode-se inferir que tal classificação seja válida para todo e qualquer carbono, tendo em vista que não há delimitações nos conceitos quanto ao tipo de hibridização daquele átomo. No entanto, ao se considerar o contexto em que essa classificação é construída e considerando-se as relações entre os aspectos do uso dessas terminologias na discussão de reações orgânicas, tal extensão não é necessariamente óbvia e pode gerar dúvidas ou obstáculos epistemológicos.

Como tanto as definições nos livros de referência quanto no Gold Book da IUPAC partem da caracterização dos grupos alquilas, que apresentam carbonos com hibridização sp3, o aluno poderia se questionar se esta classificação é válida apenas para esses tipos de carbono. Embora as funções largamente abordadas anteriormente (alcanos, álcoois e haletos de alquila) tenham seus conceitos atrelados ao carbono sp3, o mesmo não pode ser estendido aos carbocátions, carbânions e espécies radicalares. E é exatamente nesse ponto que encontramos, em alguns livros de referência, a associação dessa classificação com carbonos com outras hibridizações, tais como o “cátion vinílico primário/secundário” (BRUICE, 2017, p. 243; McMURRY, 2015, p. 318). Nenhum dos livros de referência abordam essa questão e, por conseguinte, devido à falta de maiores delimitações nos conceitos, geralmente é observada uma generalização, independentemente da hibridização do carbono.

A maioria dos livros de referência também se utiliza dessa classificação do carbono para os hidrogênios, utilizando-se dos termos “hidrogênio primário” para aqueles ligados a carbonos primários; “hidrogênio secundário” para aqueles ligados a um carbono secundário; e “hidrogênio terciário” para aqueles ligados a um carbono terciário (BRUICE, 2017; CLAYDEN et al., 2012; SOLOMONS et al., 2012; McMURRY, 2015). McMurry (2015) e Solomons et al. (2012) também fazem uso dos termos substratos primário, secundário e terciário ao abordar as reações de substituição nucleofílica, fazendo alusão ao tipo de carbono onde ocorrerá a substituição.

De acordo com Jensen (2012), o primeiro registro da utilização dos qualificativos “primário”, “secundário” e “terciário” surgiu no livro Traité de chimie organique, do químico francês Charles Gerhardt, em 1856, no intuito de distinguir as aminas produzidas a partir de substituições progressivas dos átomos de hidrogênio da amônia por grupos alquilas (GERHARDT, 1856). Em 1864, o químico russo Aleksandr Butlerov, quem primeiro sintetizou o 2-metilpropan-2-ol, utilizou-se dessa terminologia para a descrição dos álcoois, seguindo uma sistemática similar à classificação das aminas (BUTLEROV, 1864). Por fim, Jensen (2012) afirma que apenas no final do século XIX houve a utilização desses termos associados aos átomos de carbono em uma cadeia carbônica, sendo o trabalho mais antigo por ele encontrado o de Schmidt (1904).

Historicamente, portanto, podemos compreender a dimensão dos processos classificatórios em Ciência: eles surgem como mecanismos para agrupar semelhanças e facilitar na explicação e compreensão de fenômenos. Clayden et al. (2005) ressaltam a relevância da classificação do carbono, pois, segundo os autores, ela facilita a compreensão e explicação das reações orgânicas.

Esses termos [primário, secundário etc.] devem ser compreendidos como partes unitárias da estrutura de hidrocarbonetos e são mais do que maneiras úteis de escrever ou falar sobre química. Eles nos dizem algo fundamental sobre a molécula e os usaremos quando descrevermos reações (CLAYDEN et al., 2005, p. 30. Tradução nossa).

McMurry (2015) também destaca a importância desses termos na Química Orgânica, atribuindo o real significado dessa classificação ao que ele chama de “segunda natureza”, citando o seguinte exemplo: “se nós dizemos que “ácido cítrico é um álcool terciário”, nós sabemos que ele apresenta a função álcool, com o grupo funcional OH ligado a um átomo de carbono que, por sua vez, está ligado a outros três átomos de carbono” (McMURRY, 2015, p. 86. Tradução nossa).

Em linhas gerais, entendermos a importância da classificação e seriação em Ciências é possibilitar agrupar características em comuns e que nos permitam sintetizar conhecimentos, facilitando a compreensão e a comunicação no âmbito acadêmico-científico. Logo, as classificações não podem ter um fim nelas mesmas, e é considerando esse aspecto que os livros didáticos devem ter cuidado na abordagem daquelas.

Metodologia

O presente trabalho pode ser classificado como uma pesquisa bibliográfica, do tipo exploratória, ou seja, um levantamento de informações que já foram coletadas cientificamente sobre um determinando assunto (TREINTA et al., 2014). Para este tipo de apuração acadêmica, é importante organizar todos os dados que serão utilizados, produzidos e publicados relacionados à investigação para o desenvolvimento do conhecimento. Lima e Mioto (2007, p. 38-44) afirmam que:

a pesquisa bibliográfica implica em um conjunto ordenado de procedimentos de busca por soluções, atento ao objeto de estudo; importante na produção do conhecimento científico capaz de gerar, especialmente em temas pouco explorados, a postulação de hipóteses ou interpretações que servirão de ponto de partida para outras pesquisas (LIMA; MIOTO, 2007, p. 38-44).

Este estudo utilizou de uma abordagem qualitativa para sua construção. Para Richardson (1999, p. 90), uma forma de caracterizar a pesquisa de abordagem qualitativa é “a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados, em lugar da produção de medidas quantitativas de características ou comportamentos”. A essência dessa abordagem de investigação é o seu próprio processo e significado e não nos resultados, pois “os dados coletados nessas pesquisas são descritivos, retratando o maior número possível de elementos existentes na realidade estudada” (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 70). Isto é, uma pesquisa qualitativa não se detém à números. Visa a qualidade das informações construídas através da interpretação do pesquisador e permite analisar e assimilar os porquês do objeto/fenômeno estudado.

A coleta de dados para tal foi feita a partir dos livros didáticos (LDs) de Química do Ensino Médio, utilizando-se das etapas e dos instrumentos comuns a uma pesquisa bibliográfica: 1) leitura do material; 2) fichamento; 3) organização lógica do assunto; 4) redação do texto. Para a escolha dos livros, buscamos encontrar o maior número de LDs de Química do Ensino Médio aprovados no PNLD (Programa Nacional do Livro Didático), triênio 2018-2020 (LD1, LD2, LD3, LD4, LD5 e LD6), como também outros livros usados como fonte para o preparo de aulas por professores da região (LD7, LD8, LD9 e LD10), considerando que estes são os materiais didáticos utilizados na rede pública de ensino. Ao todo foram analisados os conteúdos sobre Classificação de Carbonos de 10 (dez) LDs de Química do Ensino Médio conforme descritos na Tabela 1.

Tabela 1
Descrição dos livros didáticos de Química analisados no presente trabalho

Elaborado pelos Autores

A investigação foi feita utilizando os e-books dos LDs analisados. Através da ferramenta de localizar do software Adobe Acrobat Reader®, foi possível identificar o número de vezes que os termos “primário”, “secundário”, “terciário” e “quaternário” apareciam nas obras e, consequentemente, ler e analisar a totalidade do conteúdo no qual eles eram abordados. Para a análise dos dados coletados na pesquisa, foram utilizadas as premissas da análise de conteúdo que, segundo Bardin (2011), é uma técnica de investigação que tem por finalidade a descrição objetiva e sistemática do conteúdo. Como referencial teórico para analisar os conceitos apresentados nos LDs do Ensino Médio, foram consideradas as definições sobre os tipos de carbono presentes em livros de Química Orgânica usados em cursos de graduação e pós-graduação no Brasil (BRUICE, 2017; CLAYDEN et al., 2012;McMURRY, 2010; 2015; SOLOMONS et al., 2012;CAREY; GIULIANO, 2016), conforme conceitos apresentados em capítulo prévio, além da definição e classificação de grupos alquilas presente no Gold Book da IUPAC (IUPAC, 2020).

Resultados e Discussões

Por via de regra, a classificação do carbono em cadeias carbônicas quanto ao número de átomos de carbono diretamente ligado à outro(s) carbono(s) é incluída nos LDs de Química do Ensino Médio como um subcapítulo ou tópicos dentro de um capítulo mais abrangente, geralmente Classificação das Cadeias Carbônicas. Em geral, não foram encontradas diferenças entre os conceitos apresentados nos LDs de Química do Ensino Médio e nos livros de referência no que tange às definições de carbonos secundário, terciário e quaternário, estando aquelas em consonância com a que foi apresentada anteriormente. Todavia, encontramos um entrave na conceituação do carbono primário, cuja diferença está destacada nos conceitos apresentados na Tabela 2.

Tabela 2
Definições de carbono primário nos LDs analisados

Elaborado pelos Autores

Como pode ser observado nos destaques da Tabela 2, os conceitos dos LD2, LD6, LD8 e LD9 não estão em concordância com aqueles apresentados no material de referência, tendo em vista que consideram os átomos de carbono sem nenhuma ligação com outro átomo de carbono como sendo primário. Desta forma, pode levar o estudante e professores a um entendimento errôneo do conceito de carbono primário, tendo em vista que, ainda não existe na literatura uma classificação para carbonos que não fazem nenhuma ligação direta com outros átomos de carbonos, como é o caso do carbono da molécula de metano (CH4), por exemplo.

Embora no conceito de carbono primário do LD5 não haja discordância com os livros de referência, os autores fazem uma posterior observação incorrendo em um erro conceitual: “Há casos em que o átomo de carbono não está ligado a nenhum outro átomo de carbono, como na molécula de metanol, combustível utilizado em alguns carros de corrida. Nessas circunstâncias, é comum adotar a convenção de classificá-lo como primário” (LD5, p. 33).

O LD3 não apresenta nenhum tópico de classificação do carbono e nenhum conceito a ele associado. Esse LD foi confeccionado sob uma perspectiva CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade) e, portanto, evita ao máximo organizações conteudistas, motivo pelo qual, provavelmente, tais conceitos podem ter sido suprimidos. Os autores do LD3, provavelmente, não perceberam, dentro dos temas selecionados, relevância para abordar tais conceitos, embora eles sejam de grande valia no estudo das reações orgânicas. No entanto, é interessante observar que apesar de não abordar esses conteúdos, na seção de exercícios é possível encontrar cinco questões envolvendo os conceitos de carbonos primário, secundário, terciário e quaternário.

Apenas o LD10 apresenta, além das quatro mencionadas classificações (primário, secundário, terciário e quaternário), uma quinta denominada por ele de “carbono metílico”, que seriam aqueles átomos de carbono que “não está diretamente ligado a outro átomo de carbono.” (p. 26). Nenhum dos livros de referência nem o Gold Book da IUPAC estabelece essa quinta classificação apresentada pelos autores. A utilização do termo metílico associado, de certo modo, com os termos da classificação do carbono só é verificada nos tópicos que abordam a estabilidade e reatividade de carbocátions e radicais livres, onde temos a comparação entre a estabilidade/reatividade do carbocátion metílico com os demais. A utilização do termo “carbono metílico” no LD10 para essa classificação pode não ser adequada, pois pode induzir alunos (e também professores), que se utilizem desse material didático, ao equívoco de que apenas compostos orgânicos constituídos por um único átomo de carbono é que poderiam apresentar esse tipo de condição. Além disso, na Química Orgânica já há uma especificação do que é um carbono metílico, que é aquele carbono que constitui o grupo metila (-CH3) ou que são derivados do referido grupo; e, considerando o primeiro caso, como o grupo metila pode estar fazendo parte de uma cadeia carbônica (como ramificação ou grupos terminais de uma cadeia aberta) ele seria um carbono primário, entrando em conflito com a nova classificação proposta pelos autores.

Vale a pena ressaltar que podemos encontrar exemplos de várias questões utilizadas no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e em outros vestibulares que abordam essas classificações (Figura 4), sendo, portanto, necessário que os alunos que participarão do respectivo exame saibam como identificar esses tipos de carbono e compreendam os porquês dessa classificação.


Figura 4
Exemplo de questões do ENEM e outros vestibulares que abordam os conceitos de carbono primário, secundário, terciário e quaternário
Disponível em: https://arquivos.qconcursos.com/prova/arquivo_prova/28924/puc-rj-2012-puc-rj-vestibular-fisica-matematica-e-quimica-prova.pdf?_ga=2.12889207.1196582285.1588109228-489294434.1588109228. Acesso em: 27 abr. 2020

Essas divergências entre o conceito de carbono primário também podem ser verificadas no gabarito oficial de questões de vestibulares. Na questão da Figura 5, por exemplo, segundo o gabarito oficial divulgado no site da instituição, consta que a afirmativa IV é correta. Para tanto, eles consideraram o carbono entre os átomos de nitrogênio da estrutura cíclica como um carbono primário, mesmo que ele não esteja ligado a nenhum outro átomo de carbono. Essa consideração configura-se em um erro conceitual, tendo em vista o exposto nos livros de referência e no Gold Book da IUPAC.


Figura 5
Questão de vestibular cujo gabarito oficial considera um carbono sem ligações com outro carbono como primário
Disponível em: https://www.mackenzie.br . Acesso em: 27 abr. 2020

Em nenhum dos LDs analisados é mencionada a relevância de se estudar as classificações do carbono, assim como não há nenhuma abordagem histórica da construção desses conceitos. Essa apresentação de conceitos conclusos e desvinculados de um contexto histórico-cultural pode distanciar os alunos da compreensão dos construtos da Ciência, favorecendo a formulação de ideias que considerem os conceitos científicos como sendo o produto necessariamente oriundo de mentes geniais e brilhantes trancadas em laboratórios, imersas em livros e/ou nos próprios pensamentos e racionalizações. Segundo Reis et al. (2012, p. 2):

A inclusão de Tópicos de História da Ciência deve procurar ressaltar o caráter da ciência como processo de construção humana em oposição ao seu caráter de objeto de estudo acabado, exclusivamente enfatizado por muitos livros didáticos de Física, Química, Biologia e Matemática. A História da Ciência é fundamental para ressaltar o papel da ciência como parte da cultura humana, acumulada ao longo dos séculos, cultura esta com a qual a Educação Científica efetivamente emancipadora deve estar sempre preocupada (REIS et al., 2012, p. 2).

Além de uma falta de vínculo histórico-cultural desses tópicos, esses conteúdos são apesentados de modo desconexo (sem conexão com outros conhecimentos químicos dentro do material didático), favorecendo simplesmente os processos de memorizações acríticas. Na maioria dos LDs analisados (LD1, LD2, LD4, LD5, LD7, LD8, LD9 e LD10), essas classificações só são retomadas mais à frente no capítulo sobre álcoois, entretanto, no intuito de simplesmente gerar mais classes, sem maiores explicações sobre elas. Não fica evidente em nenhuma parte dos materiais didáticos qual a importância de se estudar essas classificações dentro do contexto da determinada Ciência e para compreensão de fenômenos que extrapolem o âmbito acadêmico-científico. Já o LD3 e o LD6 não mencionam novamente, em seus capítulos posteriores, a classificação de carbonos quanto ao número de átomos de carbonos diretamente ligados.

No estudo das reações de redução de aldeídos e cetonas, estudamos que os primeiros nos fornecem álcoois primários (exceto a redução do formaldeído, tendo em vista que o metanol não é considerado um álcool primário) e o segundo, álcoois secundários. Para que o aluno compreenda a oratória do professor e/ou a escrita presente nos LDs, ele precisa conhecer o que significa esses termos: primário e secundário. Após esta compreensão inicial, pode-se começar a estabelecer relações com outros conceitos químicos, tais como a relação entre a posição da hidroxila em um álcool de mesma massa molar e suas propriedades físicas (temperaturas de fusão e ebulição, solubilidade em água etc.) e químicas (diferenças de reatividade entre álcoois primários e secundários). A partir do estabelecimento dessas relações, as classificações passam a ter maior significado, pois elas possibilitam sintetizar informações que são comuns a uma mesma classe e, consequentemente, abranger a compreensão de um dado fenômeno a outros compostos similares.

Já no estudo das reações de substituição nucleofílica, por exemplo, o aluno necessita assimilar sobre a estabilização e reatividade de carbocátions, utilizando-se dos termos primário, secundário e terciário para organizar e facilitar esses conhecimentos. A partir da compreensão dos termos associados à palavra carbocátion, ele poderá sintetizar os entendimentos sobre os efeitos eletrônicos (e também estéricos) dos grupos ligados ao carbocátion, influenciando na estabilização (ou não) da carga positiva da referida espécie e, consequentemente, na sua reatividade, favorecendo determinados mecanismos de reação.

É importante que nos LDs, os mecanismos de classificação sejam abordados de modo a permitir que os alunos (e professores) entendam essas classes ou subdivisões não como conceitos desconexos que devem ser meramente memorizados, mas sim como os pilares para a compreensão de tópicos subsequentes referentes às propriedades físicas e químicas de compostos presentes em nosso cotidiano, direta ou indiretamente.

Considerações Finais

Em linhas gerais, o tópico referente às classificações do carbono, com enfoque naquela concernente ao número de átomos de carbono diretamente ligados ao respectivo, são apresentadas de forma isolada e não relacional nos livros didáticos de Química do Ensino Médio analisados. Na maioria das vezes, esses conceitos só serão abordados novamente quando são trabalhadas mais classificações envolvendo compostos orgânicos, especialmente os álcoois. A falta de conexão entre as classificações apresentadas e a proposta didático-pedagógica do livro didático é perceptível quando não se identifica na escrita do respectivo conteúdo qual a importância das determinadas classificações para a compreensão dos conceitos que serão estudados em Química Orgânica, abordando-os de forma mecânica e meramente repetitiva.

No que tange à conceituação do carbono primário, observamos divergências apresentadas entre os livros analisados. Os conceitos apresentados nos LD2, LD5, LD6, LD8 e LD9 são, inclusive, destoantes do conceito inferido a partir do Gold Book da IUPAC e apresentado em livros de Química Orgânica usados em cursos de graduação e pós-graduação no país.

Por fim, ressaltamos que os trabalhos envolvendo a análise de conteúdos em livros didáticos de Química são importantes, pois permitem a autoavaliação e a discussão crítico-reflexiva de conceitos químicos apreendidos ao longo dos anos por professores, autores e pesquisadores na área de ensino de Ciências. A análise feita neste trabalho possibilita a reflexão sobre a relevância e as formas de abordagens de conceitos e classificações da Química Orgânica comumente usadas no meio acadêmico-científico, além de levantar discussões sobre sua construção histórica e a necessidade de adequações a luz de novas concepções epistemológicas.

Referências

AUGUSTO, C. A.; SOUZA, J. P.; DELLAGNELO, E. H. L.; CARIO, S. A. F. Pesquisa Qualitativa: rigor metodológico no tratamento da teoria dos custos de transação em artigos apresentados nos congressos da Sober (2007-2011). Scielo, São Paulo, v. 51, n. 4, p.745-764, dez. 2013.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Edições 70: São Paulo, 2011.

BRUICE, P. Y. Organic Chemistry. 8a ed. Londres: Pearson, 2017.

BUTLEROY, A. Ueber den tertiaren Pseudobutylalkohol (den trimethylirten Methylalkohol). Z. Chem. Pharm., v. 7, p. 385−402, 1864.

CAREY, F.; GIULIANO, R. M. Organic Chemistry. 10a ed. Nova York: McGraw-Hill Education, 2016.

CLAYDEN, J.; GREEVES, N.; WARREN, S. Organic Chemistry. 2a ed. Oxford: Oxford University Press, 2012.

CISCATO, C. A. M.; PEREIRA, L. F.; CHEMELLO, E.; PROTI, P. B. Química. v. 3. São Paulo: Moderna, 2016.

DIAZ, O. R. T. A atualidade do livro didático como recurso curricular. Linhas Críticas, v. 17, n. 34, p. 609-624, 2011.

FELTRE, R. Química. v. 3. 7. ed. São Paulo: Moderna, 2008.

FONSECA, M. R. M. Química. v. 3. 2. ed. São Paulo: Ática, 2016.

FRANCO, D. Química: Cotidiano e Transformações. v. 3. São Paulo: FTD, 2015.

GARCIA, C. F.; LUCAS, E. M. F.; BINATTI, I. Química Orgânica. v. 3. São Paulo: Bookman, 2015.

GERHARDT, C. Traité de chimie organique. v. 4. ̀Paris: Didot Freres, 1856.

IUPAC. Compendium of Chemical Terminology, 2nd ed. (the "Gold Book"). Compiled by A. D. McNaught and A. Wilkinson. Blackwell Scientific Publications, Oxford (1997).

JENSEN, W. B. The origins of the qualifiers Iso-, Neo-, Primary, Secondary, and Tertiary in Organic Nomenclature. Journal of Chemical Education, v. 89, n.7, p. 953-954, 2012.

KATO, C. M.; KIOURANIS, N. M. M. O livro didático nas aulas de Química por estudantes do Ensino Médio. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 9., 2013, São Paulo. Anais... . São Paulo, 2013. p. 1 - 8.

LIMA, T. C. S. de; MIOTO, R. C. T. Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa bibliográfica. Katál, Florianópolis, v. 10, p.37-45, 2007.

LISBOA, J. C. F.; BRUNI, A. T.; NERY, A. L. P.; LIEGEL, R. M.; AOKI, V. L. M. Ser protagonista: Química. v. 3. 3. ed. São Paulo: SM, 2016.

McMURRY, J. Fundamental of Organic Chemistry. 7a ed. Londres: Cengage Learning, 2010.

McMURRY, J. Organic Chemistry. 9a ed. Londres: Cengage Learning, 2015.

MORTIMER, E. F.; MACHADO, A. H. Química. 3. ed. São Paulo: Scipione, 2016. 432 p.

NOVAIS, V. L. N. D.; ANTUNES, M. T.. Vivá: Química. v. 3. Curitiba: Positivo, 2016.

PRODANOV, C. C.; FREITAS, E. C. Metodologia do Trabalho Científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. Novo Hamburgo: Feevale, 2013.

REIS, A. S.; SILVA, M. D. B.; BUZA, R. G. C. O uso da história da ciência como estratégia metodológica para a aprendizagem do ensino de química e biologia na visão dos professores do ensino médio. História da Ciência e Ensino, v. 5, p. 1-12, 2012.

RICHARDSON, R. J. Pesquisa Social: métodos e técnicas. 3.ed. São Paulo Atlas: 1999.

SANTOS, W. L. P.; MÓL, G. S. (coord.). Química Cidadã. v. 3. 3. ed. São Paulo: AJS, 2016.

SCHMIDT, J. Kurzes Lehrbuch der organischen Chemie, Stuttgart: Enke, 1904.

SIGANSKI, B. P.; FRISON, M. D.; BOFF, E. T. O. O Livro Didático e o Ensino de Ciências. In: ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO DE QUÍMICA, 14., 2008, Curitiba. Anais... . Curitiba, 2008. p. 1 - 11.

SOLOMONS, T. W. G.; FRYHLE, C. B.; SNYDER, S. A. Organic Chemistry. 10a ed. Nova Jersey: John Wiley & Sons, 2012.

Ligação alternative



Buscar:
Ir a la Página
IR
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
Visor de artigos científicos gerado a partir de XML JATS4R