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INTELECTUAIS PARANAENSES E A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO SOCIAL NO PARANÁ
LOS INTELECTUALES PARANAENSES Y LA CONSTRUCCIÓN DEL PENSAMIENTO SOCIAL EN PARANÁ
PARANÁ INTELLECTUALS AND THE CONSTRUCTION OF SOCIAL THOUGHT IN PARANÁ
Caminhos da História, vol.. 26, núm. 2, 2021
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos Livres

Caminhos da História
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1517-3771
ISSN-e: 2317-0875
Periodicidade: Semestral
vol. 26, núm. 2, 2021

Recepção: 11 Abril 2020

Aprovação: 15 Junho 2020


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: Analisaremos neste trabalho o desenvolvimento do Pensamento Social no Estado do Paraná, a partir de autores como Altiva Pilatti Balhana, Bento Munhoz da Rocha Netto, Brasil Pinheiro Machado e Cecília Westphalen. Os intelectuais paranaenses por vezes interviram no social, e em seus discursos forjaram uma identidade para o paranaense. Problematizaram as relações sociais, produzindo interpretações sobre a realidade paranaense e suas especificidades históricas. Tais produções inserem-se no contexto da consolidação da Universidade do Paraná como irradiador de conhecimento, bem como a autonomização das Ciências Sociais no Paraná a partir dos anos 50.

Palavras-chave: Pensamento social, Intelectuais paranaenses, Regionalismo, Historiografia, Identidade.

Resumen: Analizaremos en este trabajo el desarrollo del Pensamiento Social en el Estado de Paraná, de autores como Altiva Pilatti Balhana, Bento Munhoz da Rocha Netto, Brasil Pinheiro Machado y Cecília Westphalen. Los intelectuales paranaenses a veces intervinieron en lo social, y en sus discursos forjaron una identidad para el paranaense. Problematizaron las relaciones sociales, produciendo interpretaciones sobre la realidad de Paraná y sus especificidades históricas. Dichas producciones se insertan en el contexto de la consolidación de la Universidad de Paraná como un radiador de conocimiento, así como la autonomía de las Ciencias Sociales en Paraná desde la década de 1950.

Palabras clave: Pensamiento social, Intelectuales de Paraná, Regionalismo, Historiografía, Identidad.

Abstract: We analyze in the work the development of Social Thought in state of Paraná – Brazil, from of authors as Altiva Pilatti Balhana, Bento Munhoz da Rocha Netto, Brasil Pinheiro Machado and Cecília Westphalen. The Intellectuals of Paraná, many times to intervened in social, and in your text, they forged an identity to the people of Paraná. They studied the social relations, and they done an interpretation about the reality of Paraná state and your particularity. These productions insert in a context of consolidate of Paraná University like the central pole of knowledge, and also of autonomy process of Social Sciences in Paraná state by 1950.

Keywords: Social Thought, Intellectuals of Paraná, Regionalism, Historiography, Identity.

Introdução

Para pensar a construção do pensamento intelectual paranaense, utilizaremos o conceito de intelectual proposto por Sartre, para ele, o intelectual é quem assume a função de produção do conhecimento, a partir de uma tomada de consciência que o leva a pensar a sociedade. Para Sartre, o intelectual moderno é uma contradição, pois ao mesmo tempo que é um especialista de um “saber prático” ele também é um servidor da hegemonia. (SARTRE, 1994, p. 7)

Outra contradição do trabalho intelectual se refere à ideia de que o intelectual é àquele que confronta um conjunto de verdades, a partir de uma concepção de homem global e abstrata, que foi conceitualizado no caso Dreyfus na França. A ideia que os intelectuais são indivíduos que adquiriram algum tipo de notoriedade social e a partir de alguma função socialmente reconhecida, decidem criticar a sociedade de seu tempo. (SARTRE, 1994, p. 16)

Desse modo, por não terem poder econômico e social, os intelectuais assumem uma postura por vezes conservadora transmitindo e conservando cultura. Adquirem uma certa notariedade a partir da intelligentsia. Saem de seu domínio prático para criticar a sociedade, em nome de uma concepção global, buscando mascarar o desnível entre seus conhecimentos e a apreciação política.

A sociedade moderna divide-se em diferentes grupos aos quais se atribuem diversas tarefas e todas constituem a práxis. Segundo Sartre, a práxis consiste em revelar, ultrapassar, conservar e modificar a realidade. (SARTRE, 1994, p. 17)

A partir dessa breve contextualização do conceito de intelectual para Sartre, problematizaremos o papel social dos intelectuais, pois ao mesmo tempo em que são especialistas da pesquisa, eles são guardiões da hegemonia, encarregados de transmitir os valores, combater os argumentos de outras classes. Nas palavras de Sartre:

Nesse nível são agentes de um particularismo ideológico, às vezes revelado (nacionalismo agressivo dos pensadores nazistas), às vezes dissimulado (humanismo liberal, ou seja, falsa universalidade). É de se notar que são então encarregados de se meter o que não é de sua conta. (SARTRE, 1994, p. 23)

Isto posto, problematizaremos a construção do pensamento social no Estado do Paraná, compreendendo estes enquanto produtores de ideologia, reafirmando valores das classes dominantes buscaram intervir na realidade social. Tomaremos os estudos que foram desenvolvidos por Altiva Pilatti Balhana e Brasil Pinheiro Machado em Campos Gerais: Estruturas Agrárias de 1968 e História do Paraná, de 1969 escrito em conjunto, por Cecília Westphalen, Brasil Pinheiro Machado e Altiva Pilatti Balhana. Estes, produziram interpretações sobre a sociedade de seu tempo, além de possuírem uma notoriedade social. Estes intelectuais que dependem do Estado, ou seja, são funcionários públicos e dependem dos organismos públicos ou privados. (SARTRE, 1994, p. 28)

Nessa perspectiva, devemos pensar o intelectual enquanto àquele que toma consciência de sua prática na sociedade. Isto se manifesta nas atividades da pesquisa e também no sistema de valores, que revelam muitas contradições, como os conflitos de classe, bem como o discurso de verdade que estes buscam construir e legitimar. Ao relacionar, manter e transmitir às demais classes, o intelectual atua no processo de transformação social e sua relação com a sociedade possui uma historicidade. Sobre a historicidade do intelectual, destacou Sartre: “Produto das sociedades despedaçadas, o intelectual é sua testemunha porque interiorizou seu despedaçamento. É, portanto um produto histórico.” (SARTRE, 1994, p. 31)

O intelectual é um produto histórico e ao mesmo tempo em que se apropria da sociedade como objeto de estudo, a sua pesquisa revela um pouco de si, de seus interesses particulares. A sua pesquisa é conduzida a partir de condições objetivas, sob as quais aplica métodos rigorosos, visando desmistificar a organização da sociedade em busca de uma pretensa universalidade. (SARTRE, 1994, p. 40)

O intelectual para Sartre é um indivíduo em contradição, pois articula o saber prático e a ideologia, enquanto parte do processo de tomada de consciência reflexiva. Neste processo, o intelectual manifesta parte da sociedade, atuando sobre ela, buscando que os demais indivíduos que a compõe tenham uma tomada de consciência. Por vezes o intelectual se deixa envolver pela ideia de universalidade, visto que tenta exprimir como a sociedade poderia ser. (SARTRE, 1994, p. 51-52)

O intelectual e a construção do pensamento social no Brasil

A partir das conceituações acima, discutiremos a emergência do intelectual na construção do pensamento social brasileiro. Tomaremos como ponto de partida a primeira metade do século XX e a organização das Universidades no Brasil.

Por volta de 1930, alguns intelectuais brasileiros se mobilizaram para a criação de três Universidades, dos quais destacamos: Fernando de Azevedo na organização na Universidade de São Paulo em 1934, a USP; a criação da Universidade do Distrito Federal, por Anísio Teixeira, no mesmo ano e a Fundação da Universidade do Brasil em 1937, por Gustavo Capanema. O que essas três inciativas possuem em comum, é o fato de partilharem o contexto da Era Vargas, momento em que o presidente buscou conduzir uma maior centralização do poder. Além disso, Vargas estabeleceu algumas diretrizes para a organização do ensino superior no país, visando alinhar à Universidade à sua política de Estado. A USP e a UDF se estabeleceram enquanto Universidades autônomas e não sendos controladas pelo governo federal. A USP, desde sua criação estava relacionada com o Movimento Constitucionalista de 1932, fruto da preocupação das elites paulistanas em formar lideranças políticas, que pode ser observado na criação da Escola Livre de Sociologia e Política em 1933. Aos poucos, as primeiras Universidades se transformam em centros irradiadores de conhecimento e vários intelectuais ganham espaço no cenário político. (CAMPOS, 2008, p. 23)

Nessa perspectiva, é importante ressaltar a atuação dos intelectuais brasileiros no processo de forjamento de identidades, seja através da História, da Literatura, do Jornalismo, produzindo discursos que aos poucos foram incorporados pela identidade nacional. Parte considerável dos intelectuais brasileiros desse contexto, possuíam relações profundas com as oligarquias agrárias regionais que desde o início da República Velha dão o tom nas políticas locais.

Dito isso, convém pensar a construção da Universidade como espaço de circulação de um saber relativamente autônomo que se consolida a partir de 1950. Momento em que ocorreu o processo de institucionalização das universidades. Nesse ínterim, se estruturou um complexo intelectual, Vilhena, ao refletir sobre a atuação de alguns intelectuais na organização do Movimento Folclórico no Brasil, destaca que essas instituições buscavam promover o conhecimento científico e cultura nacional, tentando articular o conhecimento científico e a preservação de uma ideia de cultura brasileira (VILHENA, 1997, p. 2)

Ao refletir sobre a organização do Movimento Folclórico, Vilhena buscou compreender como os intelectuais fora do eixo Rio-São Paulo articulavam-se e como participaram do processo de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil. Estes intelectuais, que ele chama de “intelectuais regionais”, exerceram funções polivalentes ligadas ao aparelho administrativo do Estado, sem deixar de lado suas atividades de pesquisa e ensino. (VILHENA, 1997, p, 4)

O processo de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil também deve ser relacionado ao desenvolvimento do pensamento social a partir da Escola de Sociologia da USP. Percebemos isso nas palavras de Florestan Fernandes, sobre o Projeto que organizou juntamente com Roger Bastide sobre as relações entre brancos e negros em São Paulo, projeto que obteve o apoio da Unesco. Sobre esta produção, ressaltamos a organização de um projeto de pesquisa, envolvendo estudantes e professores, desde a pesquisa de campo, coleta de material e entrevistas. O projeto envolveu outros pesquisadores ainda iniciantes como Octávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso. Na introdução da obra, Fernandes revelou que a pesquisa recebeu algumas críticas, afirmando que estes ao pesquisarem as relações sociais, provocariam algum mal-estar: “Houve quem considerasse a nossa contribuição perigosa, como se os investigadores fôssem responsáveis pelas tensões latentes ou abertas, que eles se limitaram a descrever e a interpretar” (FERNANDES, 1958, p. 10)

Logo, o que fica evidente na observação de Fernandes, é o papel social do pesquisador, e como este foi se transformando ao longo do tempo, além de pensarmos a especificidade da constituição do pensamento social brasileiro. Pois, ao problematizar a sociedade, os pesquisadores trazem à luz algumas tensões latentes e naturalizadas. (FERNANDES, 1958, p. 11).

A tensão do pesquisador com o seu objeto, pode ser observada na interpretação de determinados conceitos, que foram alvo de algumas críticas, como os conceitos de preconceito e discriminação, aplicados ao referido estudo, buscando compreender que na sociedade brasileira o preconceito, a partir do processo de inserção dos negros na sociedade brasileira após a abolição. Colocavam em evidência, que o preconceito de cor e a discriminação eram estruturais, além de confrontarem a pretensa Democracia Racial, de Gilberto Freyre. Ao problematizarem a constituição da sociedade brasileira, através do conceito de classe, Fernandes e Bastide denunciaram as atitudes preconceituosas e discriminatórias recorrentes no Brasil.

O projeto de pesquisa estendeu-se para o sul do Brasil, com o estudo publicado em 1962 por Octávio Ianni: As metamorfoses do Escravo. Este estudo, pode ser compreendido enquanto continuidade das análises realizadas por Fernandes. Ianni buscou compreender a sociedade escravocrata de Curitiba, ou seja, ainda sob uma perspectiva da sociedade de classes. Outro trabalho ligado à pesquisa de Fernandes, foi escrito por Fernando Henrique Cardoso, Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, publicado em 1962, um estudo sobre a presença negra no Rio Grande do Sul.

Estes trabalhos são parte do processo da institucionalização das Ciências Sociais. Segundo Ianni: “Efetuada a crítica histórica, o sociólogo se encontra em condições de lidar com os dados retidos pelos documentos, segundo as exigências descritivas e interpretativas da sua análise, concentrando a observação sôbre a consistência sociológica das evidências. (IANNI, 1962, p. 17) Ao fazerem uso de metodologias, adequaram-se aos pressupostos científicos, apresentando ao leitor o processo de constituição da prática da pesquisa e do uso de fontes.

A partir dos dados recolhidos e evidências, o sociólogo interpretaria a realidade social, fundamentado em seu Projeto de Pesquisa, investigando os processos sociais, a partir de uma análise objetiva da realidade. Argumentou Fernandes: “No fundo, o ponto de vista sociológico só oferece uma perspectiva para a descoberta da verdade”. (FERNANDES, 1958, p. 12). Dessa maneira, o cientista social não perdia de vista uma pretensa neutralidade, que seria garantida pela aplicação rigorosa de métodos que garantiria a validade da sua interpretação.

Para Vilhena, os fundadores da Sociologia foram responsáveis por uma definição da atividade intelectual no Brasil, atuando diretamente na institucionalização das Ciências Sociais no país. No final de 1950, o intelectual universitário está em vias de construção, ou seja, ainda não estava estruturado no país. (VILHENA, 1997, p. 5)

No estudo que Vilhena realizou sobre os folcloristas, a autonomia do campo intelectual em relação ao campo político era reduzida, destacando como estes dependiam da política local e regional, a partir de jogos de favores. (VILHENA, 1997, p. 7). Ainda sobre a regionalização das Ciências Sociais, Vilhena argumenta que era mais fácil para os intelectuais encontrarem espaço junto às atividades do funcionalismo público, devido ao fato da elite ser mais reduzida entre 1950 e 1960, fato que facilitou o estreitamento das relações entre intelectuais regionais e o Estado. Seja no incentivo às pesquisas nas Universidades ou atuando juntamente à esfera administrativa.

Construção do pensamento social no Paraná

Um dos primeiros esforços em conciliar o regional paranaense ao nacional pode ser notado no texto de Brasil Pinheiro Machado, de 1951, Esboço de uma sinopse de história regional. Machado buscou relacionar a História regional paranaense em relação à nacional. Inspirado nas ideias de Carlos Frederico Von Martius, de uma história nacional, buscou diferenciar a produção acadêmica da escrita dos cronistas e eruditos locais. Segundo Machado, em diálogo com Martius, a formação do Brasil é constituída por histórias regionais que estariam justapostas. (MACHADO, 1987, pág. 179)

Essa preocupação aparece também na formação do departamento de História da Universidade Federal do Paraná em 1959, recém-separado da Geografia. A partir de autores como Cecília Wetphalen, Brasil Pinheiro Machado, Altiva Pilatti Balhana, Bento Munhoz da Rocha Neto, Jaime Antônio Cardoso, Odah Regina Guimarães Costa, Rui Cristovam Wachowicz, Oksana Boruszenko, Jaime Antônio Cardoso, entre outros. Este momento também remonta à recepção da historiografia francesa da Escola de Annales de Marc Bloch, Lucien Febvre e Fernand Braudel. Mais tarde, a partir desta influência, desenvolveu-se no Paraná a História Econômica e Demográfica, pautada nos métodos estatísticos que foram aplicados às fontes documentais, como listas nominativas de habitantes, registros paroquiais e cartorários. (MARCHI et al 1993, p. 135-136)

De acordo com a ata da reunião departamental que se realizou em 02 de dezembro de 1964, a consolidação de um campo privilegiado de produção de conhecimento se daria da seguinte forma: “(...) desenvolver um programa de pesquisas históricas dentro das atuais perspectivas metodológicas de História”. (ATA, 2009, p. 286)

Aos poucos, a Universidade vai se tornando um centro irradiador de conhecimento. Os intelectuais paranaenses vinculados ao Departamento de História buscaram legitimar sua produção estreitando as relações com os principais centros de pesquisa no Brasil. Preocupação evidente na organização das propostas de seminários de pesquisa, registrada na Ata de criação do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná. Nesta, os professores debateram o desenvolvimento de pesquisas e a organização de estudos sobre o Paraná, demonstrando o interesse em seminários interdisciplinares, com outras instituições de ensino no país e no exterior. (ATA, 2009, p. 286-287).

A preocupação destes intelectuais paranaenses foi de conciliar a História do Paraná à História nacional, para tanto, a História do Paraná deveria contemplar: “O conceito de história regional, dentro do complexo da História do Brasil, dizendo da necessidade de se fazer a história dos grupos humanos regionais, da adoção de um regionalismo social e não um regionalismo simplesmente geográfico”. (ATA, 2009, p. 292).

Dito isso, o regionalismo paranaense foi pensado a partir dos elementos culturais que confeririam uma ideia de homogeneidade, por isso problematizaram as diversas regiões que compõe o Estado, o Paraná Tradicional (Litoral, Curitiba e Campos Gerais), e o Paraná Moderno (Norte e Sudoeste paranaense). A unidade não enquanto soma dessas regiões, mas como um todo integrado de uma História Geral do Paraná.

Assim sendo, a produção universitária do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná se atribuiu a tarefa de problematizar a construção regional paranaense. A organização dessa instituição, pode ser compreendida a partir do conceito de lugar social de Michel de Certeau, através da definição de um saber e uma prática. (CERTEAU, 1971. p. 68-71).

Desta forma, como observado no projeto de pesquisa de Fernandes, estes historiadores buscaram produzir um conhecimento científico que fosse reconhecido e a legitimidade seria garantida pelo uso de novas metodologias, entre elas a História Quantitativa e através da organização de projetos de pesquisa que problematizasse o regionalismo paranaense. Um exemplo disso, foi o projeto de pesquisa “Campos Gerais: Estruturas Agrárias”, organizado pelos historiadores Brasil Pinheiro Machado e Altiva Pilatti Balhana. Tal projeto vinculava-se à proposta de estudos sobre a população paranaense, problematizando o movimento imigratório e a organização de fontes de História do Paraná.

O referido projeto, problematizou a fixação de imigrantes na região paranaense denomina de “Campos Gerais” entre o século XIX e XX, que caracterizariam mudanças na estrutura agrária da região. No século XVIII, os Campos Gerais possuíam notoriedade devido ao desenvolvimento da criação de gados e muares que eram utilizados para o transporte de alimentos e outros bens para as regiões de Minas Gerais e São Paulo, atividades ligadas à economia do Tropeirismo.

Parte dos resultados desse projeto foi publicado em 1968, no livro Campos Gerais: Estruturas Agrárias. Fundamentados em um projeto multidisciplinar, buscaram compreender as transformações que ocorreram nessa região paranaense a partir do século XIX, caracterizando as especificidades do relevo e solo da região, na desagregação das atividades pastoris para a as atividades agrícolas. O livro possui textos do ex-governador do Paraná Bento Munhoz da Rocha Netto, do geógrafo João José Bigarella, do economista Luiz Antônio Camargo Fayet, historiadores como Cecília Westphalen, Oksana Boruszenko e Jaime Antônio Cardoso.

Este período remonta uma problemática do papel do imigrante no Paraná, e sua contribuição no desenvolvimento econômico paranaense, diante das mudanças que se operavam em diversas regiões do Estado. Refletir sobre as mudanças na região dos Campos Gerais significava compreender a desestruturação dessa região, extremamente importante na estrutura econômica e social paranaense. Nas palavras de Machado: “Outras regiões do Estado estavam iniciando a sua ascensão dentro das novas estruturas que começavam a se formar.” (MACHADO, 1968, p. 49)

Os russo-alemães do Volga chegaram aos Campos Gerais em meados do século XIX, no processo de desagregação das atividades pastoris, pois os antigos fazendeiros dos Campos Gerais venderam suas terras para que o governo instalasse imigrantes. A colonização não obteve êxito e, segundo os autores, isso se deve à falta de atenção do governo do Estado para com as colônias de imigrantes russo. Os imigrantes incorporaram-se à economia da erva-mate e atuaram no transporte, através dos carroções. Este fracasso colonial teria produzido um estigma de que os Campos Gerais possuíam solos impróprios para as atividades agrícolas. (MACHADO, 1968, p. 44-45)

A expansão colonial paranaense expandiu-se para o Norte e Sudoeste do Estado, em terrenos de antigas florestas de Araucária, desenvolvendo atividades de agricultura. Por isso, os historiadores buscaram refletir sobre o insucesso colonial paranaense, discutindo os problemas socioeconômicos decorrentes de integração dos imigrantes à cultura brasileira.

Outra particularidade do livro Campos Gerais e a notável influência da teoria de Max Weber, em “A Ética Protestante e espírito do capitalismo”. Pois, ao analisar a colonização aos Campos Gerais dos anos 1950, sobre os colonos menonitas que se estabeleceram na sede da antiga fazenda Cancela, às margens da atual Rodovia do Café, destacava essa iniciativa enquanto uma colonização de sucesso, em contraposição à iniciativa dos russos no mesmo período, que se fixaram nas colônias Pau-furado e Santa Cruz, proximidades da cidade de Palmeira- PR.

Balhana dedicou um capítulo no referido livro para analisar historicamente a formação da colônia dos Menonitas no Paraná, a colônia Witmarsum. Ela relaciona a iniciativa dos menonitas à iniciativa holandesa que havia colonizado Carambeí em 1912 e o êxito decorreria da organização cooperativista. Nas palavras de Balhana: “Assim, o estabelecimento de Witmarsum ocorre já no período de recuperação das áreas de campo e da formação de colônias de tipo capitalista”. (BALHANA, 1968, p. 55)

Esta colonização dos Campos Gerais, analisada pelos intelectuais paranaenses, é parte do projeto de modernização do Paraná que fora encabeçado pela elite paranaense. Um dos referenciais foi Bento Munhoz da Rocha Netto. Herdeiro das oligarquias agrárias paranaenses, Rocha Netto era bisneto de Caetano José Munhoz e genro de Affonso Alves de Camargo. Foi deputado em duas ocasiões e entre 1951 e 1955 foi governador do Estado do Paraná. Posteriormente também assumiu o Ministério da Agricultura no governo Café Filho. (KUNHAVALIK; SALLES, 2004, p. 143-144)

Rocha Netto pode ser compreendido enquanto intelectual orgânico[1] da burguesia, pois segundo Kunhavalik e Salles:

A sua gestão procurou estruturar o Estado visando garantir seu processo de desenvolvimento social e econômico. Considera-se que sua gestão se deu no sentido de consolidar a unidade política do Paraná, assim como firmar Curitiba, como o centro político do Estado, assegurando a sua condição de capital do Estado. (KUNHAVALIK; SALLES, 2004, p. 145)

Bento era formado em engenharia e participou do Círculo de Estudos Bandeirantes[2]. A partir de 1940 passou a lecionar na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. Suas preocupações intelectuais centraram-se na demografia paranaense, formação social e cultural paranaense. (KUNHAVALIK; SALLES, 2004, p. 148-149)

Rocha Netto é autor do referido livro Campos Gerais: Estruturas Agrárias (1968) e de outro livro produzido pelos historiadores do Departamento, História do Paraná (1969). Nota-se que o discurso que incitou a vinda de migrantes e imigrantes a partir de 1950 para o Paraná, era parte do projeto de desenvolvimento capitalista no Paraná dos anos 50. Nas palavras de Rocha Netto “(...) alto grau cultural e competitivo da imigração européia no comêço e nacional em seguida na maioria das regiões do Estado, trouxe ao Paraná, uma mobilidade social que, acredito, tenha sido a maior em todo Brasil.” (ROCHA NETTO, 1968, p. 18)

Rocha Netto, pensou o Paraná de forma teleológica, rumo ao progresso, associando-o a uma perspectiva eurocêntrica do desenvolvimento capitalista, além de pensar as particularidades históricas paranaense:

Teve por contigências históricas, de um lado, a consciência da missão de assimilar, de incorporar à nacionalidade, culturas diferentes, dando-lhes nossa versão regional e, de outro lado, a consciência da diversidade de seu meio físico em seus planaltos frios, os primeiros que caracterizaram nossa província. (ROCHA NETTO, 1969, p. 19)

O projeto de modernização do Estado seria efetivado pela vinda de imigrantes “laboriosos”. Estes trabalhos conotam as preocupações da intelectualidade paranaense e as condições sociais de produção do pensamento social no Paraná a partir dos anos 1950.

Outro exemplo sobre a atuação dos intelectuais paranaenses e a atuação destes na esfera política, é a atuação do ex-governador Ney Amynthas de Barros Braga, que foi ministro da Pasta Educação e Cultura no governo de Ernesto Geisel entre 1974 e 1978. A historiadora paranaense, Cecília Westphalen, enviou uma carta para Ney Braga solicitando o tombamento do Teatro São João, localizado na cidade da Lapa- PR. Westphalen e Ney Braga eram lapeanos. Westphalen aproveitou o ensejo do tombamento para pleitear uma vaga no referido ministério. “Sempre à sua inteira disposição. Perdoe-me, mas eu mando nesta oportunidade também o meu curriculum-vitae. É a única cousa que tenho para me fazer lembra para aquela vaga no CFE, que um dia lhe pedi. (WESTPHALEN, 1976).

Westphalen acabou conseguindo atuar no Ministério da Educação, o que nos permite compreender a atuação desta intelectual, além do esforço empregado pelos demais historiadores, para integrar o regional ao nacional, buscando relacionar a atividade acadêmica atuação política.

Considerações finais

Esse trabalho trouxe reflexões parciais, pois buscamos compreender como Paraná fora problematizado por estes intelectuais e o processo de constituição de categorias e referenciais construídos pelos autores paranaenses referenciados, como Balhana, Machado, Westphalen e Rocha Netto. A interpretação que desenvolveram sobre os conflitos sociais e a construção do projeto de modernização do Paraná, como problema de pesquisa. Esses discursos visaram produzir novas práticas e um novo olhar sobre o Estado. Nas palavras de Foucault: “Todo o sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo.” (FOUCAULT, 1999, p. 44)

Os textos mencionados anteriormente demonstram a construção do pensamento social no Paraná e a relação que os autores estabeleceram com o pensamento social brasileiro do período, já que o conhecimento foi compartilhado e participou de um processo de circulação de ideias, ou seja, é constituído em diálogos com outros intelectuais. Nesse sentido, buscamos entender como a experiência do pensamento social paranaense está atrelada ao pensamento social brasileiro e como estes produziram interpretações sobre as transformações que o Paraná sofreu a partir da segunda metade do século XX.

Dessa forma, pudemos perceber como os intelectuais paranaenses atuaram tanto na esfera política regional quanto na esfera política nacional, mobilizando seus saberes a partir da produção acadêmica, buscando refletir e apresentar soluções para os problemas socioeconômicos paranaenses. Ao tomarmos esses intelectuais como intelectuais regionais, nos termos de Vilhena, buscamos compreender a produção para além do eixo Rio-São Paulo, a desmistificando como uma produção acadêmica regional, às vezes vista como periférica, mas percebendo como a produção intelectual brasileira circulava, para além da perspectiva redutora centro-periferia, além de problematizá-la a partir das suas especificidades e inserindo a produção intelectual paranaense num contexto mais amplo, o da produção do pensamento social brasileiro.

Fontes

ATA da Reunião do Departamento de História da Faculdade de Filosofia da Universidade do Paraná, realizada em 2 de dezembro de 1964 [registrando sua constituição em princípios de maio de 1959]. História: Questões & Debates, Curitiba, UFPR, n. 50, jan.-jun. 2009.

WESTPHALEN, Cecília M. Carta a Ney Braga, 25 de janeiro de 1976. Disponível em: Arquivo Público do Paraná, Fundo Cecília Maria Westphalen.

Referências bibliográficas

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_______; WESTPHALEN, Cecília. História do Paraná. Curitiba: Grafipar, 1969.

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CERTEAU, Michel. A escrita da História. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.

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MACHADO, Brasil Pinheiro. Sinopse da História Regional. Separata do Boletim do Instituto Histórico e Geográfico Paranaense, 1951.

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SARTRE, Jean-Paul. Em defesa dos intelectuais. São Paulo: Ática, 1994.

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Notas

[1] Segundo Gramsci, os intelectuais orgânicos têm como função social construir teorias e difundir valores e ideias de sua classe, produzindo consenso. VER: GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. 7.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.
[2] Círculo de Estudos Bandeirantes estava ligado ao projeto católico de criação de faculdades no Brasil, fundando da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que mais tarde constituiu a Universidade Federal do Paraná, que federalizou-se em 1946. Nas palavras de Campos: “Esses projetos universitários, guardadas as suas particularidades, visavam civilizar, educar e dirigir a sociedade paranaense. (CAMPOS, 2000, p. 28)

Autor notes

1 Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Santa Catarina. Professora do Departamento de História da Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa História, Intelectuais e Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa - PR, Brasil.

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