Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


À cabeça de Negro, as imagens (in)visíveis da Cor: Do Atlântico-Azul, à Amazônia Negra
Revista Fim do Mundo, vol.. 2, núm. 4, 2021
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Ensaios Críticos

Revista Fim do Mundo
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
ISSN: 2675-3812
ISSN-e: 2675-3871
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 2, núm. 4, 2021

Recepção: 20 Novembro 2020

Aprovação: 10 Fevereiro 2021


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: As potências de um corpo negro – imaginário - em busca de formas e lugares próximos à sua ancestralidade.

Palavras-chave: Amazônia Negra, cabeça de negro, barbadianos.

Resumen: Las potencias de un cuerpo negro - imaginario - en busca de formas y lugares cercanos a su ancestralidad. Palaras clave: Amazonia Negra; cabeza de negro; barbadianos.

Palabras clave: Amazonia Negra, cabeza de negro, barbadianos.

Abstract: The powers of a black body - imaginary - in search of forms and places close to its ancestry.

Keywords: Black Amazon, black’s head, Barbadians.



Ao Negro? Uma poesia;
Escravidão, Capitalismo, Pandemias
Ao Negro, Outra poesia;
Navio, escuridão, Sem direito. A despedida, Mar a dentro, Se foi.
Ao Negro, Uma outra poesia;
Muitos que continuaram Sequer enxergaram A luz do dia.
Ao negro, Mais essa poesia;
Será o fim Dos tempos? Ou outro meio De morte A cada dia?
Ao negro, Uma última poesia;
Quando tudo Passar, O que será Da pele escura; Já que achava Que era dia?

Fonte: Marcela Bonfim[3]

Ao Negro, o Brasil

Ao Negro, nascer e crescer no Brasil, tem significado tanto no tempo, quanto nos espaços vazios desse corpo-imagem-continente, traumáticas e violentas experiências de vida e de morte; atravessadas por deformidades e barreiras enxertadas nas lacunas básicas da memória e do refletir [-se] negro; cá, elucidadas a partir de um remonte de imagens; ora visíveis, ora invisíveis; curadas e estabelecidas a partir de um juízo estrutural; racializado e parcial; agora, discernido nitidamente no particular de governos, sociedades e da própria economia global; tendo na regulação ordinária das imagens tidas sujeitas, a conservação de um modelo de capital lastreado por contrastes; num forjado sistema de distinção de Cor; agrupando inúmeras identidades à uma dita raça negra; esta sobrevivente até aqui.

Ao Negro, a sobrecarga das imagens (in)visíveis da Cor

Possuindo uma história interrompida; e dali forjada entre remotos acordos e outras estórias; as traumáticas experiências do corpo-imagem-continente negro no Brasil, embora pautadas e problematizadas com mais frequência e propriedade nos dias atuais, ainda padecem sob uma espécie de “branco” às sombras de suas próprias origens, ultrajadas e subalternizadas, por camadas (in)visíveis latentes, impactadas desde o fenótipo, aos labirintos embranquecidos de uma cabeça de negrx; alvo e ambiente de propagação das tantas violências contra sua própria pele; na maioria das vezes sem perceber ao longo de seus percursos esses estigmas impingindo a nossos corpos pretos, negros, escuros ou o que?

A exemplo de uma criança negra recém-nascida no Brasil; que nasce pesando nas costas uma sobrecarga – conceitual, imaginária, imagética? – com mais de 300 anos de deterioração, além dos martírios acumulados em seus vazios, devorados por um convívio histórico com a violência e a marginalização; tanto ocasionais aos estigmas associados a sua pele, quando apreendidos mais tarde por seus inconscientes ideais; perfazendo da sua autoimagem negra grandes distâncias internas ao longo de suas vidas; reproduzidas explicitamente entre abismos; tal como se enxerga as distâncias entre a imagem de uma jovem mãe negra, com a de uma Madona cristã; isto é, as construções morais referentes a imagem de uma santa mãe ou esposa; até hoje reproduzidas e cultivadas socialmente; tendo seus filhos as mesmas projeções; e polarizados destinos.


Imagem 1.
Madona Negra*

* Carol e Heitor Grumble, descendentes de imigrante da Guiana inglesa.

Foto: Marcela Bonfim [Porto Velho - RO | 2014].

Madona Negra;

Do cinza,
Viu o verde brotar
Aiaiai...
Não sabia nada
Sobre o Medo e o Mar
Feito fogo afoito
Foi terra buscar
Bebeu tanta Água
Que virou Luar...
Metade Negra;
Metade Dor
Ás vezes Sereia;
Às vezes Cor
Metade Negra;
Metade Cor
Ás vezes Serena
Ás vezes Dor..

Fonte: Marcela Bonfim [4]

Ao Negro, a “cabeça de branco”

A cortes profundos e contínuos; da carne negra foi sacada aos baques o direito à identidade, à memória e aos espaços; às experiências de liberdade, afeto, prazer e dignidade; numa violação total de sua condição de humanidade, força de trabalho e propriedades intelectuais; ainda estilhaçadas por todos os cantos do mundo; aos poucos (re)conhecidas e resgatadas em diversos campos e cantos; sobretudo; assimiladas e geridas pelo pensar (e pesar) de homens brancos.

Ao Negro, além dos Navios & Senzalas, a cabeça de branco, desde a literatura às artes em geral; atravessando inclusive as dimensões da aparência e dos papeis sociais; com a camada implícita de comportamentos convencionais aos baús de sutilezas; recriando ao negro uma forma de açoite velado; agora, ocorrido na cabeça; preservando os espaços já garantidos a uma pequena parcela que mal representa a própria branquitude; ainda frequente em instituições privadas e públicas; acadêmicas, cientificas, jurídicas, artísticas; todas sob domínios patriarcais.

Ao branco, a Cabeça de Negro

Ao expor a “Cabeça de Negro” de Jesuá Johnson, reconhecido como Bubu; filho de pais afro-antilhanos, e nascido em 1951, na cidade de Porto Velho, em Rondônia; onde enraizaram seus avôs no início do Século XX, colaboradores da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré {EFMM}; remontamos as possíveis imagens e impactos das quebras de um imaginário social particular – aos poucos irradiado por fissuras; na própria dinâmica do pensar as imagens negras dessa época – uma vez que os corpos escuros ainda padeciam radicalmente às violentas pressões e limites de um período recente a pós-escravidão.


Imagem 2.
Cabeça de Negro*

*Bubu Johnson

Foto: Marcela Bonfim [Porto Velho – RO | 2014]

A chegada dessa grande diáspora negra, além provocar recorrentes rupturas no fluxo das imagens sujeitas, trazia também a curiosidade de saber quem eram aquelas identidades que se apresentavam por si próprias? Inclusive, bastante notadas de posições para um negro da época; aos poucos encaixados por si, na métrica e nos espaços da cidade; num tempo em que a Amazônia viveu às margens do soul e do blues.

À Cabeça de “barbadiano”, a cabeça local [5]

Os fluxos das diversas populações afro-antilhanas espalharam-se, sobretudo, pelo norte do país; chegando a Rondônia associadas à imagem do “barbadiano”. Maloney, Johnson, Holder, Blackman, Shockness, Harley, Grumble, Scantbelruy; todos, trazendo além de suas identidades, o atravessamento de suas qualificações e dos diferentes costumes; rapidamente visíveis nas vias de acesso da pequena cidade surgindo.

O processo de instalação dessas populações; a princípio identificadas como “barbadianas” – e atualmente ressignificadas como populações afro-antilhanas pela historiadora, Cleidenice Blackman[6] – ocorreu às margens direita do Rio Madeira; sudeste da Amazônia; ponto inicial da {EFMM}; culminando na fronteira entre Brasil-Bolívia com a edificação de um reduto chamado de Barbedian Town; rapidamente notado como um ponto de referência dessas populações, inclusive por conta das manifestações culturais; além dos costumes e da própria convivência entre essas famílias; contudo, rejeitado por parte conservadora da cidade; atacando-o de “Alto do Bode”.

À cabeça local, a cabeça de “barbadiano”

Maior que as dificuldades e as barreiras apresentadas ao cotidiano dessas famílias afro-antilhanas; era a postura e o engajamento dessas mulheres e homens; na exaustiva comprovação de suas habilidades; além da superação das barreiras da língua e da cultura; sempre tendo como norte o acesso dos filhos à educação, atravessando duas gerações numa puxada jornada à base de seus próprios limites.

Senhora Elvira e senhor Norman Johnson, pais do Bubu, aos poucos, formaram 13 dos 16 filhos, nas principais instituições públicas de ensino do Brasil – todos retornados para contribuir com a cidade, em suas formações acadêmicas e atitudes politizadas.


Imagem 3.
Fotografia de Dona Elvira
Foto: Arquivo pessoal da família Johnson [Porto Velho - RO]

Na década de oitenta, Bubu Johnson; terceira geração; formava-se em Educação Física, na cidade de Cuiabá, no Mato Grosso; no mesmo período em que seu irmão, Norman JohnsonJúnior, tornava-se bacharel em matemática, no Rio de Janeiro; para onde as viagens podiam durar semanas; sendo um desafio ampliado aos jovens netos dessa diáspora, que migravam, agora, estudantes a outras capitais, encontrando-se também com outras narrativas negras engajadas em movimentos de afirmação da identidade negra no Brasil.


Imagem 4.
Matéria de jornal: Último dos Barbadianos
Fonte: Jornal Diário da Amazônia, Ana Arananda (14 set. 1995)

A efervescência dos encontros entre os jovens negros recém-formados e egressos a Porto Velho, trouxe aos anos 80, a nítida imagem de um “ corpo negro- pulsante”, agora, sintonizado à cabeça enegrecida; de onde ecoava as potências artísticas, no levantar de um movimento ressignificado de “Cabeça de Negro” – dando origem às iniciais gerações ativistas negras do Estado.


Imagem 5.
Convite do projeto Cabeça de Negro
Fonte: Arquivo cedido pelo artista plástico Vrena [Porto velho – RO | 1985]

Nesse aspecto, os anos oitenta transcorreu como um marco a essas representatividades negras, demarcadas de outras raízes como do Maranhão, Pará, Matogrosso, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Rio de Janeiro, São Paulo e tantas outras localidades; convergidas em busca de seus potenciais e dignidade; perfazendo fluxos próprios de imagens-referências, e inspirando outros corpos negros chegados à terra.

Do Atlântico-Azul, à Amazônia Negra

Com o tempo, as aproximações entre a cabeça local e a cabeça afro-antilhana, passou a reflexionar significativamente na dignificação desses corpos; gradativamente (re)conhecidos em suas potencialidades; antes não associadas à pele escura; e acessadas desde os tabloides ingleses locais; até as frequências das rádios antilhanas; ampliando as relações entre o espaço e sua nova raiz antilhana.

Ocorrendo, assim, entre a fluência e a turbulência; as alterações no espaço desse cotidiano amazônico tiveram nas imagens e na presença afro-antilhana as quebras necessárias; partidas e remontadas de um corpo negro pulsante a tantos outros impulsos, perdidos e reorganizados nesse espaço amazônico que enegrece a cada quebra de imaginário; sendo o suficiente para atravessar o Rio Madeira, e as tantas nações indígenas; de Atlântico-azul-mar.



Ao Negro,
O Pulsar
De um Corpo
Negro
Ao Negro,
O colorir
Do Mar
Azul:
Azul:
Da Cor
O Mar:
É
Negro-Azul
Orum!
A pele
Do Mar:
É
Negro-Azul...

Fonte: Marcela Bonfim [7]

Notas

[3] Poesia premiada no Programa “Arte como Respiro” – Itaú Cultural (2020).
[4] Poesia publicada no livro: SILVA, Erlandia R. Primeira fagulha: literatura contemporânea escrita por mulheres de Rondônia. Porto Velho - RO: Clube das Escritoras de Rondônia, 2020.
[5] Ideias inicialmente discutidas no texto “Olhar as voltas da cabeça de negrx”, constante no livro: LINKE, I.; KRUCKEN, L.; BEZERRA, U. (org.). Nkaringana: objetos e histórias em trânsito. Salvador - BA: Duna, 2020.
[6] BLACKMAN, Cleidenice. Do Mar do Caribe à beira do Madeira: historiografia cultura e imigração. Curitiba: Appris, 2019.
[7] Poesia anteriormente publicada em: LINKE, I.; KRUCKEN, L.; BEZERRA, U. (org.). Nkaringana: objetos e histórias em trânsito. Salvador - BA: Duna, 2020.

Autor notes

[1] Este ensaio é parte do livro em elaboração: As imagens (in)visíveis da Cor.
[2] Economista, Fotógrafa e ativista cultural, idealizadora do projeto (Re)Conhecendo a Amazônia Negra: povos, costumes e influências negras na floresta.


Buscar:
Ir a la Página
IR
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
Visor de artigos científicos gerado a partir de XML JATS4R