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Editorial nº 4: Capitalismo e racismo - a práxis negra
Silvio Luiz de Almeida; Layza Rocha Soares; Marcio Farias;
Silvio Luiz de Almeida; Layza Rocha Soares; Marcio Farias; Editores
Editorial nº 4: Capitalismo e racismo - a práxis negra
Revista Fim do Mundo, vol. 2, núm. 4, 2021
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
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Editorial

Editorial nº 4: Capitalismo e racismo - a práxis negra

Silvio Luiz de Almeida
FGV / Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil
Layza Rocha Soares
Universidade Federal Fluminense, Brasil
Marcio Farias
PUC-SP/NUTAS, Brasil
Editores
UNESP, Brasil
Revista Fim do Mundo
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
ISSN: 2675-3812
ISSN-e: 2675-3871
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 2, núm. 4, 2021


Chegamos ao quarto número de nossa Revista Fim do Mundo em um momento de agravamento da presente crise civilizatória que vivemos. Considerando o caráter inerentemente cíclico do processo de acumulação de capital e as características do capitalismo contemporâneo[1], ainda estamos sob os efeitos da crise mundial que estourou em 2007/2008, somada a uma interminável crise sanitária. A resposta a esta crise tem sido o aprofundamento, do ponto de vista global, da dependência das economias periféricas na lógica de acumulação de capital; e do ponto de vista nacional, das reformas neoliberais à classe trabalhadora, configurada como um desmanche do estado democrático de direito e retrocesso das conquistas dos trabalhadores no último século.

No Brasil, com o golpe institucional de 2016 e a crise gerada pela pandemia, esse ”ajuste” da crise de 2007/2008 à classe trabalhadora, implica no aumento sobremaneira do peso sobre a população negra que historicamente é a mais explorada no país, a velha socialização das perdas na particularidade escravocrata de nossa formação social. Nesse sentido, faz-se necessário uma leitura conjuntural e estrutural da racialização da classe, como particularidade da constituição das relações sociais de produção no Brasil, indicando uma perspectiva crítica frente o Capital.

O racismo é um elemento constitutivo e estrutural dos estados contemporâneos e é uma relação social que se estrutura política e economicamente, provido de materialidade e historicidade. Assim, a análise das determinações raciais permite ao marxismo cumprir seu papel de tornar inteligíveis as relações sociais históricas em suas determinações sociais mais concretas. Do colonialismo, sequestro e tráfico de pessoas que dividiu brutalmente a África, apoiado no racismo científico, até os movimentos xenófobos, nacionalistas e racistas de grande repercussão da atualidade, a compreensão do racismo se mostra fundamental para entender as determinações materiais mais evidentes dos processos políticos e econômicos e, especialmente, a nossa particularidade histórica.

Portanto, este volume se propõe a ser um esforço coletivo de intelectuais, pesquisadores e militantes, com o intuito de construir um escopo multidisciplinar que, lastreado por distintas perspectivas do pensamento marxista, disponibilize ao grande público contribuições que qualifiquem o enfrentamento ao racismo.

O primeiro artigo, de Cristiane Luiza Sabino de Souza, trata da relação inseparável entre racismo e superexploração no capitalismo dependente latino-americano, através de elaborações teóricas de Karl Marx e do Método do Materialismo histórico. Evidencia que as disputas de ideias sobre o racismo são políticas, que fazem parte de projetos societários, vão além de epistemologias e não são meramente narrativas. Já o segundo artigo, de autoria de Ana Paula Procópio da Silva, apresenta o diálogo entre as teses de Clóvis Moura sobre as resistências negras como estruturantes da dinâmica latino-americana e a categoria amefricanidade abordada por Lélia Gonzalez, e demonstra como ambos os autores contribuíram com o antirracismo no debate de classes sociais na América Latina. A autora considera que os colonialismos, os escravismos e os abolicionismos sem direitos são condicionantes estruturais da constituição de proletariados e burguesias latino-americanas, bem como os limites da legalidade democrática liberal e os capitalismos dependentes.

O artigo de Muryatan S. Barbosa nos traz uma interessante análise das aproximações e distanciamentos entre o pan-africanismo e o marxismo no pensamento intelectual africano contemporâneo a partir de contextos históricos específicos. Por sua vez, Pedro Henrique Costa e Kissila Mendes fazem uma interpretação da morte, que apesar de inerente à humanidade, possui uma determinação social, especialmente, no capitalismo dependente e de constituição colonial brasileiro. Neste sentido, os autores destacam que as mortes contemporâneas ainda se fundamentam na superexploração da força de trabalho e do racismo estrutural, e lançam luz ao momento barbárico intensificado pela pandemia.

No trabalho de Silas Coelho, Evandro Silva e Renato Herdeiro, temos uma análise das principais características da modernização conservadora e fundamentalmente racista, através de uma leitura histórica do desenvolvimento econômico brasileiro. No artigo de André Melo e Mariana Rodrigues, temos um aprofundamento da discussão sobre racismo estrutural e necropolítica como fatores que orientam a maneira pela qual o Estado brasileiro faz a gestão da crise sanitária atual, com destaque para o agravamento da vulnerabilidade social das populações negras durante a pandemia.

Rosana Andrade, no artigo ‘A subordinação de raça no processo de formação da classe trabalhadora brasileira’, aprofunda o debate sobre o legado deixado pela escravidão na sociedade brasileira – a subordinação de raça interna a luta de classes – diante da realidade concreta de manutenção de um ciclo geracional de pobreza entre a população negra. Mônica Carvalho e Winnie Santos, no artigo “A mulher preta no mundo do trabalho brasileiro: entre a sujeição e o prestígio social”, buscam explicitar o lugar destinado às mulheres pretas na sociedade contemporânea, levando em consideração os papéis por elas ocupados no mundo do trabalho, explicando as similaridades e diferenças vivenciadas por mulheres pretas que realizam trabalhos domésticos, e que ocupam posições de prestígio em cargos de liderança.

De outro modo, Henrique da Rosa Müller propõe uma articulação entre a produção científica negra, a teoria decolonial e a teoria marxista, com o objetivo de analisar a marginalização e o preconceito desenvolvidos pelas diferentes estratégias e projetos de Estado na história do Brasil, desde a escravidão negra ao capitalismo global contemporâneo.

Em outra esteira analítica, o artigo “Estado, mídia e capital: a construção imagética do negro na sociedade de classes”, escrito por Dayvison Wilson Bento da Silva, propõe uma abordagem institucional sobre o racismo ao analisar a relação entre repressão estatal direta e discurso ideológico de legitimação, baseando-se nos conceitos de ''Aparelhos Ideológicos de Estado'' e ''Aparelho Repressivo de Estado'' de Althusser.

Ainda no influxo teórico, Marcos Queiroz faz uma incursão sobre os pensamentos de Clóvis Moura e Florestan Fernandes no artigo “Clóvis Moura e Florestan Fernandes: interpretações marxistas da escravidão, da abolição e da emergência do trabalho livre no Brasil”.

Encerrando a seção de artigos, Luiz Fernando França em “Uma estrutura narrativa de denúncia do trabalho forçado: estórias africanas de violência e resistência”, apresenta uma proposta de análise literária com base na leitura de um conjunto de vinte e seis estórias angolanas e moçambicanas que tematiza as relações de trabalho do contexto colonial.

Na seção “Textos para Discussão” Maria Heloisa Martins Dias reedita em versão atualizada o texto “Irene no Céu: Poesia e Racismo”. Esta seção tem como objetivo publicar textos não necessariamente alinhados com o eixo editorial da revista para provocar o debate. Posteriormente, na seção “Ensaios críticos”, o texto “À cabeça de Negro, as imagens (in)visíveis da Cor: Do Atlântico-Azul, à Amazônia Negra” escrito por Marcela Bonfim discute as potências de um corpo negro – imaginário - em busca de formas e lugares próximos à sua ancestralidade. Por sua vez, Marcio Farias apresenta alguns apontamentos para uma análise das contribuições da obra do filósofo György Lukács para o tema do racismo no texto “Lukács: apontamentos críticos acerca do racismo”.

Na seção de resenhas, apresentamos as resenhas dos livros “Texaco” de Patrick Chamoiseau, escrita por Daniel Faggiano, e a resenha do livro “Mulheres, raça e classe” de Angela Davis, elaborada por Milena Freitas Machado e Mônica Rodrigues Costa. Na mesma seção temos as resenhas de “A disputa em torno de Frantz Fanon: a teoria e a política dos fanonismos contemporâneos de Deivison M. Faustino, escrita por Priscilla Santos de Souza; e do livro “Sociologia do negro brasileiro de Clóvis Moura, realizada por Joana Moscatelli.

Considerando que o racismo possui múltiplas dimensões e está relacionado à desqualificação de saberes, de símbolos, do modo de vida ,cultura em geral e processo de destruição cultural. Nossa primeira entrevista será com Mãe Meninazinha de Oxum, que nos proporciona um diálogo com as experiências de terreiros[2] – territórios organizados por tradições africanas em diáspora – e nos traz ensinamentos sobre práticas, pedagogias, filosofias do modo de organização comunitário pautado pela partilha, troca, pelo coletivo, e não pelo individualismo. O que nos auxilia a pensar numa sociedade mais plural, mais igualitária. A sua forma de organização[3], a sua ancestralidade, sua relação com a natureza, e o papel central que as mulheres possuem, nos auxilia na reflexão sobre a reconfiguração, que é necessária, da realidade posta. A segunda entrevista é com o grande Milton Barbosa, um dos fundadores e liderança do Movimento Negro Unificado (MNU).

Por fim, na seção “Memorial” apresentamos um texto de Praveen Jha, Paris Yeros e Walter Chambati – com tradução de Kenia Cardoso -, que presta homenagem ao grande pensador e intelectual pan-africanista Sam Moyo. Que construiu uma nova dinâmica intelectual autônoma entre África, Ásia, América Latina e Caribe, com orientação epistemológica pautada na libertação nacional e, é uma referência mundial em questões agrárias e fundiárias.

Assim, o leitor está diante de um material substancial que repõe e apresenta novas análises para o debate histórico, recupera tradições teóricas e autores clássicos, como também encara teoricamente novos desafios para a compreensão e enfretamento do racismo no mundo contemporâneo.

Agradecemos a relevante contribuição dos artistas Leandro Cunha e Marcela Bonfim, cujos trabalhos enriqueceram a qualidade da Revista Fim do Mundo e provocam reflexões sobre cultura, racismo, desigualdade, ancestralidade, partilha, gênero, resistência, liberdade, entre outros. Também agradecemos ao historiador e militante Claudinei Roberto pelo texto de curadoria, bem como todos aqueles que fizeram possível a publicação deste número. Esperamos que esta edição seja de grande proveito e sirva de estímulo à reflexão crítica, vital para a humanidade neste momento. Eis o nosso desejo.

Boa leitura a todos.

Março de 2021.

Coordenação do Dossiê Temático

Silvio de Almeida | Layza Rocha Soares | Márcio Farias

E Editores.

Material suplementar
Notas
Notas
[1] Construído historicamente em função da resposta a última crise estrutural do capital dos anos 60/70 do século passado. Suas características, entre outras, são: de restruturação produtiva; reformas estruturais no mercado de trabalho; maior parcela de valor apropriado nos países centrais e produzidos nos países periféricos; expansão dos mercados; expansão da lógica do capital fictício. Em outras palavras de expansão do neoliberalismo, ou seja, de um conjunto de transformações econômicas, políticas e ideológica.
[2] Que compartilha algumas experiências de coletividade de outras comunidades em geral, como irmandades católicas, etnias indígenas, entre outros.
[3] Que se assemelha ao dos Quilombos, bem como do Quilombo de Palmares, o qual possuía um projeto político como nos mostra Abdias do Nascimento em seu livro O Quilombismo e diversas vezes o poeta Oliveira Silveira, que resignificou a figura de Zumbi dos Palmares como símbolo da consciência negra do passado e do presente.
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