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Editorial nº 4: Capitalismo e racismo - a práxis negra
Revista Fim do Mundo, vol.. 2, núm. 4, 2021
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Editorial

Revista Fim do Mundo
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
ISSN: 2675-3812
ISSN-e: 2675-3871
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 2, núm. 4, 2021


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Chegamos ao quarto número de nossa Revista Fim do Mundo em um momento de agravamento da presente crise civilizatória que vivemos. Considerando o caráter inerentemente cíclico do processo de acumulação de capital e as características do capitalismo contemporâneo[1], ainda estamos sob os efeitos da crise mundial que estourou em 2007/2008, somada a uma interminável crise sanitária. A resposta a esta crise tem sido o aprofundamento, do ponto de vista global, da dependência das economias periféricas na lógica de acumulação de capital; e do ponto de vista nacional, das reformas neoliberais à classe trabalhadora, configurada como um desmanche do estado democrático de direito e retrocesso das conquistas dos trabalhadores no último século.

No Brasil, com o golpe institucional de 2016 e a crise gerada pela pandemia, esse ”ajuste” da crise de 2007/2008 à classe trabalhadora, implica no aumento sobremaneira do peso sobre a população negra que historicamente é a mais explorada no país, a velha socialização das perdas na particularidade escravocrata de nossa formação social. Nesse sentido, faz-se necessário uma leitura conjuntural e estrutural da racialização da classe, como particularidade da constituição das relações sociais de produção no Brasil, indicando uma perspectiva crítica frente o Capital.

O racismo é um elemento constitutivo e estrutural dos estados contemporâneos e é uma relação social que se estrutura política e economicamente, provido de materialidade e historicidade. Assim, a análise das determinações raciais permite ao marxismo cumprir seu papel de tornar inteligíveis as relações sociais históricas em suas determinações sociais mais concretas. Do colonialismo, sequestro e tráfico de pessoas que dividiu brutalmente a África, apoiado no racismo científico, até os movimentos xenófobos, nacionalistas e racistas de grande repercussão da atualidade, a compreensão do racismo se mostra fundamental para entender as determinações materiais mais evidentes dos processos políticos e econômicos e, especialmente, a nossa particularidade histórica.

Portanto, este volume se propõe a ser um esforço coletivo de intelectuais, pesquisadores e militantes, com o intuito de construir um escopo multidisciplinar que, lastreado por distintas perspectivas do pensamento marxista, disponibilize ao grande público contribuições que qualifiquem o enfrentamento ao racismo.

O primeiro artigo, de Cristiane Luiza Sabino de Souza, trata da relação inseparável entre racismo e superexploração no capitalismo dependente latino-americano, através de elaborações teóricas de Karl Marx e do Método do Materialismo histórico. Evidencia que as disputas de ideias sobre o racismo são políticas, que fazem parte de projetos societários, vão além de epistemologias e não são meramente narrativas. Já o segundo artigo, de autoria de Ana Paula Procópio da Silva, apresenta o diálogo entre as teses de Clóvis Moura sobre as resistências negras como estruturantes da dinâmica latino-americana e a categoria amefricanidade abordada por Lélia Gonzalez, e demonstra como ambos os autores contribuíram com o antirracismo no debate de classes sociais na América Latina. A autora considera que os colonialismos, os escravismos e os abolicionismos sem direitos são condicionantes estruturais da constituição de proletariados e burguesias latino-americanas, bem como os limites da legalidade democrática liberal e os capitalismos dependentes.

O artigo de Muryatan S. Barbosa nos traz uma interessante análise das aproximações e distanciamentos entre o pan-africanismo e o marxismo no pensamento intelectual africano contemporâneo a partir de contextos históricos específicos. Por sua vez, Pedro Henrique Costa e Kissila Mendes fazem uma interpretação da morte, que apesar de inerente à humanidade, possui uma determinação social, especialmente, no capitalismo dependente e de constituição colonial brasileiro. Neste sentido, os autores destacam que as mortes contemporâneas ainda se fundamentam na superexploração da força de trabalho e do racismo estrutural, e lançam luz ao momento barbárico intensificado pela pandemia.

No trabalho de Silas Coelho, Evandro Silva e Renato Herdeiro, temos uma análise das principais características da modernização conservadora e fundamentalmente racista, através de uma leitura histórica do desenvolvimento econômico brasileiro. No artigo de André Melo e Mariana Rodrigues, temos um aprofundamento da discussão sobre racismo estrutural e necropolítica como fatores que orientam a maneira pela qual o Estado brasileiro faz a gestão da crise sanitária atual, com destaque para o agravamento da vulnerabilidade social das populações negras durante a pandemia.

Rosana Andrade, no artigo ‘A subordinação de raça no processo de formação da classe trabalhadora brasileira’, aprofunda o debate sobre o legado deixado pela escravidão na sociedade brasileira – a subordinação de raça interna a luta de classes – diante da realidade concreta de manutenção de um ciclo geracional de pobreza entre a população negra. Mônica Carvalho e Winnie Santos, no artigo “A mulher preta no mundo do trabalho brasileiro: entre a sujeição e o prestígio social”, buscam explicitar o lugar destinado às mulheres pretas na sociedade contemporânea, levando em consideração os papéis por elas ocupados no mundo do trabalho, explicando as similaridades e diferenças vivenciadas por mulheres pretas que realizam trabalhos domésticos, e que ocupam posições de prestígio em cargos de liderança.

De outro modo, Henrique da Rosa Müller propõe uma articulação entre a produção científica negra, a teoria decolonial e a teoria marxista, com o objetivo de analisar a marginalização e o preconceito desenvolvidos pelas diferentes estratégias e projetos de Estado na história do Brasil, desde a escravidão negra ao capitalismo global contemporâneo.

Em outra esteira analítica, o artigo “Estado, mídia e capital: a construção imagética do negro na sociedade de classes”, escrito por Dayvison Wilson Bento da Silva, propõe uma abordagem institucional sobre o racismo ao analisar a relação entre repressão estatal direta e discurso ideológico de legitimação, baseando-se nos conceitos de ''Aparelhos Ideológicos de Estado'' e ''Aparelho Repressivo de Estado'' de Althusser.

Ainda no influxo teórico, Marcos Queiroz faz uma incursão sobre os pensamentos de Clóvis Moura e Florestan Fernandes no artigo “Clóvis Moura e Florestan Fernandes: interpretações marxistas da escravidão, da abolição e da emergência do trabalho livre no Brasil”.

Encerrando a seção de artigos, Luiz Fernando França em “Uma estrutura narrativa de denúncia do trabalho forçado: estórias africanas de violência e resistência”, apresenta uma proposta de análise literária com base na leitura de um conjunto de vinte e seis estórias angolanas e moçambicanas que tematiza as relações de trabalho do contexto colonial.

Na seção “Textos para Discussão” Maria Heloisa Martins Dias reedita em versão atualizada o texto “Irene no Céu: Poesia e Racismo”. Esta seção tem como objetivo publicar textos não necessariamente alinhados com o eixo editorial da revista para provocar o debate. Posteriormente, na seção “Ensaios críticos”, o texto “À cabeça de Negro, as imagens (in)visíveis da Cor: Do Atlântico-Azul, à Amazônia Negra” escrito por Marcela Bonfim discute as potências de um corpo negro – imaginário - em busca de formas e lugares próximos à sua ancestralidade. Por sua vez, Marcio Farias apresenta alguns apontamentos para uma análise das contribuições da obra do filósofo György Lukács para o tema do racismo no texto “Lukács: apontamentos críticos acerca do racismo”.

Na seção de resenhas, apresentamos as resenhas dos livros “Texaco” de Patrick Chamoiseau, escrita por Daniel Faggiano, e a resenha do livro “Mulheres, raça e classe” de Angela Davis, elaborada por Milena Freitas Machado e Mônica Rodrigues Costa. Na mesma seção temos as resenhas de “A disputa em torno de Frantz Fanon: a teoria e a política dos fanonismos contemporâneos de Deivison M. Faustino, escrita por Priscilla Santos de Souza; e do livro “Sociologia do negro brasileiro de Clóvis Moura, realizada por Joana Moscatelli.

Considerando que o racismo possui múltiplas dimensões e está relacionado à desqualificação de saberes, de símbolos, do modo de vida ,cultura em geral e processo de destruição cultural. Nossa primeira entrevista será com Mãe Meninazinha de Oxum, que nos proporciona um diálogo com as experiências de terreiros[2] – territórios organizados por tradições africanas em diáspora – e nos traz ensinamentos sobre práticas, pedagogias, filosofias do modo de organização comunitário pautado pela partilha, troca, pelo coletivo, e não pelo individualismo. O que nos auxilia a pensar numa sociedade mais plural, mais igualitária. A sua forma de organização[3], a sua ancestralidade, sua relação com a natureza, e o papel central que as mulheres possuem, nos auxilia na reflexão sobre a reconfiguração, que é necessária, da realidade posta. A segunda entrevista é com o grande Milton Barbosa, um dos fundadores e liderança do Movimento Negro Unificado (MNU).

Por fim, na seção “Memorial” apresentamos um texto de Praveen Jha, Paris Yeros e Walter Chambati – com tradução de Kenia Cardoso -, que presta homenagem ao grande pensador e intelectual pan-africanista Sam Moyo. Que construiu uma nova dinâmica intelectual autônoma entre África, Ásia, América Latina e Caribe, com orientação epistemológica pautada na libertação nacional e, é uma referência mundial em questões agrárias e fundiárias.

Assim, o leitor está diante de um material substancial que repõe e apresenta novas análises para o debate histórico, recupera tradições teóricas e autores clássicos, como também encara teoricamente novos desafios para a compreensão e enfretamento do racismo no mundo contemporâneo.

Agradecemos a relevante contribuição dos artistas Leandro Cunha e Marcela Bonfim, cujos trabalhos enriqueceram a qualidade da Revista Fim do Mundo e provocam reflexões sobre cultura, racismo, desigualdade, ancestralidade, partilha, gênero, resistência, liberdade, entre outros. Também agradecemos ao historiador e militante Claudinei Roberto pelo texto de curadoria, bem como todos aqueles que fizeram possível a publicação deste número. Esperamos que esta edição seja de grande proveito e sirva de estímulo à reflexão crítica, vital para a humanidade neste momento. Eis o nosso desejo.

Boa leitura a todos.

Março de 2021.

Coordenação do Dossiê Temático

Silvio de Almeida | Layza Rocha Soares | Márcio Farias

E Editores.

Notas

[1] Construído historicamente em função da resposta a última crise estrutural do capital dos anos 60/70 do século passado. Suas características, entre outras, são: de restruturação produtiva; reformas estruturais no mercado de trabalho; maior parcela de valor apropriado nos países centrais e produzidos nos países periféricos; expansão dos mercados; expansão da lógica do capital fictício. Em outras palavras de expansão do neoliberalismo, ou seja, de um conjunto de transformações econômicas, políticas e ideológica.
[2] Que compartilha algumas experiências de coletividade de outras comunidades em geral, como irmandades católicas, etnias indígenas, entre outros.
[3] Que se assemelha ao dos Quilombos, bem como do Quilombo de Palmares, o qual possuía um projeto político como nos mostra Abdias do Nascimento em seu livro O Quilombismo e diversas vezes o poeta Oliveira Silveira, que resignificou a figura de Zumbi dos Palmares como símbolo da consciência negra do passado e do presente.


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