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Resenha do Livro: Texaco de Patrick Chamoiseau
Revista Fim do Mundo, vol.. 2, núm. 4, 2021
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho

Resenhas

Revista Fim do Mundo
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
ISSN: 2675-3812
ISSN-e: 2675-3871
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 2, núm. 4, 2021

Recepção: 29 Janeiro 2021

Aprovação: 02 Fevereiro 2021


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Chamoiseau Patrick. Cia das Letras. 1993. São Paulo. 347pp.

ANUNCIAÇÃO

“quando o urbanista

que vem para demolir o insalubre

bairro Texaco cai num circo crioulo e

enfrenta a palavra de uma

mulher guerreira”[2]




CHAMOISEAU, Patrick. Texaco. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

Publicado em 1992, Texaco, este romance da emancipação humana, nos apresenta a vida de uma mulher guerreira: a líder comunitária Marie Sophie Laborieux. Mas não apenas. Através deste mesmo corpo, somos levados a toda a história, em movimento, com avanços e retrocessos, da formação das Antilhas -- e da Martinica, em específico. Assim, na contramão da história oficial, vemos, a quente, a continua resistência à escravidão nos engenhos de açúcar, a eclosão da abolição da escravatura, a manutenção do perverso sistema colonial, o êxodo rural de milhares ex-escravizados e as constantes revoltas populares.

A história da Martinica, assim como de seu povo e a da personagem deste livro, é semeada na árida seara da brutalidade colonial. O livro narra o martírio da criação e formação de um bairro periférico localizado na capital, Fort-de-France. De nome Texaco, a história do bairro é personificada e ganha voz na figura da matriarca da comunidade, a mulher guerreira. Marie Sophie Laborieux. Ambos, o bairro e a mulher, se recusam aceitar a invisibilidade imposta pela metrópole, ao contrário, têm na voz, na palavra e a na (re)construção permanente de sua história e identidade a força de sua resistência.

Assim, podemos dizer que Texaco é um relato da condição de vida de Marie Sophie, mas também é o relato de um bairro e de um povo. A obra remonta ao menos 150 anos da história popular da Martinica, e é na figura de Marie Sophie, de personalidade forte, que apresenta sua particularidade. Uma particularidade que também se quer universal, pois é no cotidiano dessa mulher guerreira, no resistir enquanto categoria de sobrevivência, que se desvela ao leitor as contradições nefastas do sistema colonial. (Nunca é demais lembrar que a Martinica segue, até hoje, confinada como um departamento ultramarino insular francês no Caribe.)

O martinicano Patrick Chamoiseau, autor do livro, nos convida a pensar a condição da vida humana, não em seu sentido estático como se reproduzisse um inventariado de bens, mas em desordem, em movimento, em seu devir. Muito influenciado por Aimé Césaire, um dos fundadores da Negritude, Texaco é acima de tudo uma recusa à assimilação segundo a qual o negro tem vergonha de si próprio.

Destacando a matriz negro-africana como preponderante no complexo mosaico cultural das Antilhas, Chamoiseau faz de Texaco um processo de recuperação da memória coletiva através da reinvenção da identidade crioula. Não por acaso, a memória dos pais e antepassados é a única herança deixada à protagonista. É seguindo esse fio condutor,[3] o qual liga Marie Sophie ao passado (seu e da própria Martinica), que a identidade dos personagens vai sendo moldada.

Como dissemos, a história da líder comunitária revela também a história da ilha. Mediados pela tradição oral, encontramos anedotas, lendas, contos, ditados e cantorias que vão desmascarando a história oficial para apresentar a história genuína do povo crioulo. A oralidade presente no romance é mais um indício dessa tradição popular. Chamoiseau, inclusive, utiliza uma linguagem fronteiriça entre o oral e o escrito, expressões em crioulo seguidas de expressões em francês, em uma constante disputa -- não apenas semântica, mas também de perspectivas e civilizações.

Para o autor martinicano, a Negritude não passaria unicamente pela cor de pele e pelo corpo dos oprimidos, mas também pela sua cultura e pela sua consciência. Chamoiseau faz parte de um grupo de jovens romancistas antilhanos que, meio século depois do lançamento da Negritude, publicou o livro-manifesto Éloge de la Créolite (1989). Por meio desse “Elogio à Crioulidade”, o crioulo é convidado não apenas como observador dos acontecimentos, mas como coautor e fundador de sua própria cultura.

Em Texaco trepidam distintos valores culturais, polêmicas linguísticas, versões históricas, crises indentitárias que moldam um firme contraponto à hegemonia sociocultural ocidental. A saga de Marie Sophie não se reduz unicamente a resistir à imposição de uma cultura colonial machista e racista, mas é repleta de sonhos e da construção de relações afetivas. Texaco aparece inicialmente como uma operação de desintoxicação semântica e colonial das Antilhas, para, depois, se apresentar, novamente ao mundo, em sua identidade crioula.

Ao narrar a luta descomunal da comunidade do mangue contra uma multinacional do petróleo, que é ao mesmo tempo igual e diferente à luta dos escravizados contra os senhores de engenho, Chamoiseau articula dois pontos-chave: (i) a solidariedade universal entre todos os negros e (ii) a particularidade crioula na emancipação humana.

Ancorado na tríade da Negritude (identidade, fidelidade e solidariedade), esta obra se coloca ante o desafio de recontar a história dos de baixo. Texaco é um protesto contra a ordem colonial. É a luta pela emancipação dos povos oprimidos. Texaco é um grito no silêncio. E a voz em Texaco é memória viva. O fio condutor do passado que nos leva ao futuro.

“Mas o que é a memória? É a cola, é o espírito, é a seiva, e fica. Sem memórias, nada de Cidade, nada de Bairros, nada de casa-grande. Quantas memórias? Perguntava ela. Todas as memórias, respondia ele. Mesmo as que transportam o vento e os silêncios da noite. É preciso falar, contar, contar as histórias e viver as lendas. É por isso”[4]

Referências

CHAMOISEAU, Patrick. Texaco. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2020.

Notas

[3] Para Cheikh Anta Diop (apud MUNANGA, 2020, P. 51) a identidade cultural de qualquer povo corresponde idealmente à presença simultânea de três componentes: o histórico, o linguístico e o psicológico. No entanto, o fator histórico parece o mais importante, na medida em que constitui o cimento que une os elementos diversos de um povo, através do sentimento descontinuidade vivido pelo conjunto da coletividade. O essencial para cada comunidade é reencontrar o fio condutor que liga a seu passado ancestral, o mais longínquo possível.

Autor notes

[1] Mestre em Antropologia pela PUC-SP, presidente e fundador do Instituto Maíra.


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