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SOCIEDADE, MEIO AMBIENTE E CIDADANIA
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol.. 4, núm. 1, 2016
Universidade Federal de Mato Grosso

Artigos

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
ISSN-e: 2318-6674
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 4, núm. 1, 2016

Os direitos autorais são mantidos pelos autores, os quais concedem à Revista REAMEC –Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática -os direitos exclusivos de primeira publicação. Os autores não serão remunerados pela publicação de trabalhos neste periódico. Os autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não exclusiva da versão do trabalho publicada neste periódico (ex.: publicar em repositório institucional, em site pessoal, publicar uma tradução, ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial neste periódico. Os editores da Revista têm o direito de proceder a ajustes textuais e de adequação às normas da publicação.

Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: Este artigo visa fazer uma análise entrelaçando meio ambiente, cidadania e compromisso político, a fim de demonstrar que estas questões estão também relacionadas aos problemas sociais, com destaque para problemas habitacionais, aos problemas oriundos das desigualdades sociais e finalmente a urgência em se elaborar uma proposta de Políticas Públicas que possa desenvolver ações de curto, médio e longo prazo visando tanto conter as agressões ambientais, quanto proporcionar melhores condições de vida aos mais necessitados, principalmente aqueles que foram, por algum motivo, levados a morar em áreas de riscos ambientais, que comprometem suas vidas. A análise realizada considera como elemento essencial a problematização envolvendo sociedade e meio ambiente a partir de uma perspectiva filosófica, centrada na ideia de uma ação de estado referenciada no princípio de justiça, que considera a vida do homem e da natureza como um direito inalienável, numa abordagem em que se destaca a necessidade de integração entre homem e natureza, de maneira a evidenciar que tanto a vida da natureza, quanto a vida humana estão numa relação de dependência mútua.

Palavras-chave: Sociedade, Meio Ambiente e Cidadania.

Abstract: This paper looks at making an analysis by intertwining the environment, citizenship and political commitment, in order to demonstrate that these questions are also related to social problems, principally housing problems, the problems arising from social inequality and finally the urgent need to elaborate a proposal for government policies that can develop short, medium and long term actions for the containment of environmental damage as well as provide better living conditions to the most needy, principally those that, for some reason, settle in environmentally at risk areas that also put their lives at risk. The analysis carried out considers as an essential element the problem involving society and the environment from a philosophical perspective centered on the idea that a State action based on the principal of justice that considers the life of a man and nature as an inalienable right, in an approach in which we highlight the necessity for the integration of man and nature in such a way that it becomes clear that natural life just as human life are in an interdependent relationship.

Keywords: Society, Environment and Citizenship.

1. INTRODUÇÃO

Desde a segunda metade do século XX o tema meio ambiente passou a compor a agenda de preocupações mundiais, amparado sobretudo em conhecimentos advindos das ciências da natureza. A despeito das relações intrínsecas entre sociedade e ambiente as ciências sociais e a filosofia tardaram a entrar na discussão, possivelmente em decorrência da força do homocentrismo no qual a natureza é objeto, no máximo matéria-prima, sobretudo com a industrialização. A urbanização e a civilidade pareciam relegar vinculações com a natureza ao atraso.

Na região norte do Brasil são emblemáticas as costas dadas aos rios e igarapés em cidades como Manaus e Belém, por exemplo, as mais desenvolvidas, as mais urbanizadas. Mas essas condições também se estendem às cidades do interior, quando os rios e igarapés se tornaram em muitos casos destinos de esgotos. Foram inúmeros os aterros que constituíram o espaço urbano, os igarapés deram espaço às ruas.

O artigo se propõe a fazer uma reflexão sobre a relação entre sociedade, meio ambiente e cidadania, onde o direito à vida transcende à vida humana ou, talvez, dela mais se aproxime quando à considera em sua condição ao mesmo tempo natural, social e política. Neste contexto a preocupação com o meio ambiente urbano e as condições sociais das populações pobres, que são a maioria, são indissociáveis e requerem novos princípios de intervenção política, uma nova ética.

Trata-se de uma reflexão filosófica parte de leituras iniciais sobre sociedade e ambiente, aborda os problemas ambientais e a constituição de aliado e relaciona a questão ambiental e a vida das crianças. No último item toma a situação das inundações, do transbordamento dos igarapés, das enxurradas vivenciadas por pessoas que moram em suas proximidades como entrada para a discussão do direito ao meio ambiente, de como esse direito tem sido tratado, dadas as desigualdades existentes, e do compromisso ético deveria estar subjacente às políticas públicas. Como se pode pensar em um meio ambiente adequado para as gerações futuras gerações se uma parcela considerável de crianças convive com um ambiente que lhes parece hostil, os ameaça?

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os procedimentos metodológicos compreenderam quanto à coleta de dados empíricos o levantamento em jornais de grande circulação na cidade de Manaus, boletins e blogs virtuais locais que veiculam notícias sobre a cidade nos anos de 2013 a maio de 2016. Tais dados foram analisados em paralelo ao que prevê o Plano Diretor da Cidade de Manaus, em vigência, e o levantamento bibliográficos a respeito da educação ambiental. As reflexões compreenderam o aporte da filosofia, tendo em Rawls, com sua obra O direito dos povos; Sandel, com sua obra intitulada Justiça e Hooft, com a Ética da virtude contribuições fundamentais para a abordagem da problemática, entre outros.

3. SOCIEDADE, MEIO AMBIENTE E CIDADANIA

3.1. AS CONDIÇÕES INICIAIS DAS LEITURAS SOBRE SOCIEDADE E MEIO AMBIENTE

Indiscutivelmente, há ligação entre a vida do homem e dos demais seres vivos, o que corresponde inevitavelmente à ideia de relação de dependência irremediável entre o homem e a natureza. Como entendimento dessa maneira extensiva de vida, podemos dizer que

A ética da virtude é particularista: ela fala de coisas específicas. Portanto, ao invés de falar da “vida”, devemos falar de seres vivos em particular. Isso implicará divergentes compromissos com a ação quando aproximando-nos dos animais, da biosfera ou de outros seres humanos. E nestes últimos implicará respostas divergentes dependendo da condição do ser humano diante de nós. Agentes divergentes se admirarão com os seres vivos e os considerarão valiosos em si mesmos. Eles serão coisas que não devem ser utilizadas como meros instrumentos da nossa vontade, mas valorizados por causa deles mesmos. Tais agentes irão demonstrar respeito pelos seres vivos, admirar suas naturezas biológicas e tratá-los delicadamente. Caso sujam situações nas quais a vida tenha que ser interrompida, os agentes virtuosos sentirão remorso por terem que pagar tamanho preço por causa de algum outro bem mais urgente (HOOFT, 2013, p. 227).

Todavia, se trata de um fato em si, embora não seja reconhecido por todos e assumido enquanto uma prática relativa ao exercício sistemático de vida da sociedade, compatível com as necessidades básicas e fundamentais que lhes assegure condições de garantia de vida dos seres vivos [3]. Mas usufruir de um meio ambiente saudável corresponde a um desejo manifesto predominantemente pela sociedade, pois se considera um direito de cidadania viver em lugares que represente condições de higiene, de salubridade, de segurança e conforto ambiental minimantes adequados para o exercício de uma vida com condição de dignidade. “No passado, se você tivesse nascido em uma família aristocrática, você teria status mais elevado, e mais direitos legais, do que se tivesse nascido em uma família de camponesa” (HOOFT, 2013, p. 48).

Na atualidade, essa distinção é questionada e os direitos foram estendidos a todos, conforme o artigo 5º da Constituição de 1988, que acentua o direito de igualdade perante a lei, assim instaura-se uma nova perspectiva na qual “[...] nossa inclinação a viver em sociedade marcadas pelas características centrais de justiça: características tais como a igualdade perante a lei, ser tratado de acordo com seus méritos, e uma distribuição equitativa dos bens sociais” (HOOFT, 2013, p. 168). Estas questões são apresentadas consensualmente pela sociedade que reclama às instituições públicas pelos serviços relativos à criação de um meio ambiente saudável para viver, para trabalhar, para passar seus momentos de lazer, de recreação e de apreciação da vida e da natureza, visto que não se vive isoladamente do meio ambiente. Devese destacar que o direito ao meio ambiente é assegurado na Constituição de 1988, Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Mas o que ocorre com a sociedade que reconhece a importância do meio ambiente saudável e com os agentes públicos que também compartilham desta preocupação e não conseguem atender as demandas sociais por este serviço? Uma vez que ações de agressões ao meio ambiente são praticadas nas mais diversas dimensões: desde aquelas em que certas pessoas descartam as embalagens dos seus lanches nas sarjetas das vias públicas às relativas à contaminação das águas dos córregos e ríos [4] por produtos químicos pesados, oriundos dos descartes de resíduos poluentes manipulados nas indústrias. Há também poluições que são históricas, e criadas em decorrência de políticas públicas que reservaram às pessoas mais necessitadas as margens dos igarapés para construírem suas moradias, sobretudo em lugares que não possuem condições básicas e necessárias de higiene e segurança para atender a vida humana, pois estes lugares são insalubres e não apresentam os serviços básicos necessários que possam garantir nem a saúde social[5], nem a saúde biológica da fauna e flora, uma vez que não dispõe de lugares de socialização que ofereça possibilidade de criação de laços afetivos, todavia, as crianças usam estes lugares para sua recreação mesmo que apresentem ameaças iminentes de risco a sua saúde, seja a curto prazo, seja ao longo da sua vida, visto que há possibilidade de contaminação por agentes de natureza biológica e ou por metais pesados.

Na sociedade moderna, o legislativo corresponde a mais uma instância do estado que demonstra sua preocupação com a questão ambiental, daí a criação de dispositivos jurídicos a fim de regulamentar, quando é caso, e punir quando considera o ato um crime ao meio ambiente. Todavia, sabe-se que as medidas punitivas possuem um alcance e sua eficácia só produz efeitos limitados, uma vez que atua na dimensão da punição do considerado agressor. Ou melhor e pelo que tudo indica, a coerção só é temida quando aquele que está cometendo o ato reconhece que pode ser identificado pelo agente do estado que possa lhe infligir punição. Como o estado não tem condições de se fazer presente em todos os momentos da vida da sociedade vigiando-a e punindo-a, então a eficácia do dispositivo jurídico fica comprometida ou, quando funciona, atinge predominantemente aquelas pessoas que foram identificadas e relacionadas ao ato considerado pelo dispositivo jurídico como infração.

Então, diante do exposto e das dificuldades em agregar a sociedade na defesa do meio ambiente, propõe-se uma discussão em que haja relação entre Meio ambiente: cidadania, sensibilidade e compromisso público, a partir de uma leitura em que estas quatro dimensões apareçam interligadas e dependentes umas das outras. Vale ressaltar que ideia de compromisso público está vinculada a uma compreensão filosófica de que “Para os seres humanos a bondade não consiste apenas em obedecer à lei moral ou em aderir a princípios morais. Ela consiste em fazer bem o que, como seres humanos, nós somos capazes de fazer.

Um bom indivíduo consiste em alguém que é bom como um ser humano” (HOOFT, 2013, p. 28)

Quando se fala em cidadania, predominamente relaciona-se esta ideia ao ato de votar e ser votado, como prevê a cidadania na perspectiva liberal centrada nas normas jurídicas, que a restringe a atos realizados a cada dois anos principalmente no Brasil, em que a sociedade escolhe seus representantes para o parlamento e para o legislativo. Mas a cidadania não se restringe a este direito, visto que se pode imaginar que o homem necessita de mais que isso para viver em sociedade; necessita de uma cidadania expansiva em que tenha o direito de criar novos direitos, relativos às suas necessidades de ordem cultural, política, econômica, social, que lhes assegure uma condição digna de vida em sociedade, com a sociedade e para a sociedade.

O que John Rawls denominou de cooperação política numa sociedade democrática.

Recordo que buscamos uma concepção de justiça para uma sociedade democrática, vista como um sistema de cooperação justa entre cidadãos livres e iguais, que aceitarem de boa vontade, como politicamente autônomos, os princípios publicamente reconhecidos de justiça que determinam os termos justos desta cooperação (RAWLS, 2004, p. 40).

Neste sentido, haveria um compromisso tácito entre os agentes públicos e os indivíduos. Os agentes assumiriam o compromisso não apenas com os grupos que lhes apoiaram ao longo do pleito eleitoral, mas fundamentalmente com a sociedade, visando sobretudo atendê-la, visto que o propósito do governo corresponde à criação de condições materiais e imateriais que assegurem ao homem uma condição digna de vida. Nesta perspectiva, haveria a assinatura de um compromisso tácito entre o estado e a sociedade; cabendo ao estado a promoção do bem-estar da sociedade, promovido pela realização dos serviços necessários e fundamentais para a sua consecução; e a sociedade o compromisso em colaborar e agir de modo criar as condições necessárias para a efetivação dos serviços, ou então fiscalizar o governo quando ele apresentar indícios de que está se desviando do seu compromisso com a realização dos serviços básicos e necessários para a promoção de condições de segurança ambiental para a sociedade, aqui entendida como um estado de bem-estar representado pelo acesso ao serviço de habitação digna, ao lazer, aos serviços culturais, ao serviço educacional, com o direito ao meio ambiente assegurado pelas políticas públicas.

Então, não se trata apenas de bens relacionados a atender a necessidade básica de sobrevivência, como os relativos à alimentação, à saúde, à moradia, à educação e à segurança pública, mas aqueles que possam colaborar para a formação de um sentimento, daí a necessidade de bens de natureza mais subjetiva, como aqueles que possam criar laços de pertencimentos, de solidariedade, de respeitos, de sensibilidade, de sentimentos de pertencimento a uma coletividade necessária à vida. Neste caso, de uma cidadania ampla, pois o homem não necessita apenas de comida, mas de comida, diversão e artes.

Sendo possível pensar num pacto entre estado e sociedade envolvendo uma relação de compromisso com as questões de interesse público, então se pode acreditar na realização de ações por parte do estado visando criar as condições necessárias para a vida em sociedade, com vista à promoção de condições de segurança à vida dos indivíduos, e por parte da sociedade ocorreriam atos no sentido de ajudar a promover a realização destas condições necessárias à vida do homem e do meio ambiente, todavia torna-se necessário despertar, seja nos agentes públicos, seja na sociedade os sentimentos compartilhados e compromissos sociais e ambientais.

Compromisso em criar condições de vida digna à sociedade como projeto de estado que necessita ter relação de continuidade, zelo com o dinheiro público e consequentemente com as pessoas que vivem na cidade. Este homem público, mesmo envolvido na vida política, perpassada predominantemente por estratégias com vista à vitória nos pleitos eleitorais, congregaria uma conduta virtuosa. “A noção de virtude requer uma descrição da existência humana na qual a nossa responsabilidade para com os outros possa ser vista como sendo mais do que um acréscimo moralmente exigido para as nossas vidas” (HOOFT, 2013, p. 12).

A relação entre estado e sociedade, como se pode imaginar, necessita de um pacto, de um acordo que os envolvam, em que o primeiro assume sua função pública de governo da sociedade e para a sociedade e esta o compromisso em colaborar e fiscalizar para que o estado realize seu propósito público. Esta relação impõe a ambos o compromisso com a criação de condições visando o bem do estado, pensado aqui não apenas enquanto instituição, mas entre a instituição estado e a sociedade.

De qualquer forma, é necessário acreditar no estado e exigir dele que atue no sentido de, não apenas elaborar leis, mas de promover ações visando o bem-estar da sociedade e consequentemente do meio ambiente. Ou melhor, dificilmente aquelas pessoas que vivem em condições de risco ambiental desenvolvem atitudes de proteção da natureza, quer porque estão vivendo uma condição no limiar da vida, quer porque, muitas vezes, carecem de conhecimentos que lhes assegure uma compreensão da importância da natureza para a vida da sociedade. As garantias dos direitos humanos, pressupõe condição necessária de cooperação social. “Quando são regularmente violados, temos o comando pela força, um sistema escravista e nenhuma cooperação, de nenhum tipo” (RAWLS, 2004, p. 89).

O que corresponderia à promoção de uma situação de equilíbrio entre a qualidade de vida [6] da sociedade e um conjunto de condições ambientais que lhe favoreça este estado, como a existência de saneamento básico; de moradias com condições ambientais dignas para a habitação humana; que possa desfrutar de uma paisagem ambiental que ofereça à sociedade um nível minimamente necessário de segurança, realização e satisfação. Neste sentido, ter-seia a integração entre a preocupação com o meio ambiente e as condições ambientais em que parte da sociedade reside, principalmente àquelas que moram nas encostas dos morros e nas margens dos igarapés, que também funcionam como esgotos a céu aberto.

3.2. OS PROBLEMAS AMBIENTAIS E A CONSTITUIÇÃO DE ALIADOS

Obviamente, não há controvérsias quando a discussão diz respeito à proteção do meio ambiente, visto que nos programas das secretarias de saúde, de educação, de esporte e lazer e também de segurança estão presentes as preocupações com a questão ambiental. Estas informações constatam a preocupação do estado com a questão ambiental, todavia elas necessitam também ser pensadas considerando as condições sociais dos grupos humanos que vivem em estado de vulnerabilidade social e ambiental. Ora, como podemos pensar em ter como aliados ambientais quem vive nas áreas de riscos, que a qualquer hora e momento, principalmente diante das chuvas intensas e prolongadas de inverno, pode ter o seu abrigo destruído, seus pertences danificados, seus filhos postos ao risco de morte, seus bens materiais perdidos pelas tragédias, sua referencia de moradia invadida pela água e lama ou vê-la descer na enxurrada.

A vida nestas condições de vulnerabilidade impõe ao estado um compromisso imediato e destinado à coletividade que estão vivendo estado de risco, e, sobretudo, com as futuras gerações. Ou seja, se torna absolutamente difícil esperar de quem necessita urgentemente passar uma noite de chuva intensa e prolongada, em estado apreensivo de tensão diante da fragilidade ambiental e social que se encontra, que desenvolva sentimentos e atitudes considerando a necessidade de agir em defesa das questões ambientais, tornando-se partícipe de uma preocupação com uma causa coletiva em defesa da natureza. Tudo indica que esta atitude, embora muito importante, requer primeiramente que as questões sociais imediatas estejam razoavelmente atendidas, visto que os dramas vividos por quem convive diuturnamente em habitações em estado de risco social e ambiental, impõem-lhe primeiramente que pense em seus problemas pessoais e individuais imediatos, para depois pensar coletivamente, o que não se trata de egoísmo, mais de prioridades impostas pelas suas condições precárias de vida.

Todavia, estas condições podem servir como elementos para pensar a questão ambiental envolvendo as pessoas que estão vivendo em áreas em estado de risco, e, sobretudo, das que vivem em precárias condições sociais. Já as pessoas que possuem escolaridade avançada, e não vivem em condições sociais de risco, seriam por naturezas defensoras inatas do meio ambiente? Certamente não se pode pensar e agir maniqueistamente, visto que a questão ambiental necessita ser compreendida considerando não somente as questões sociais, mas outras variáveis como o nível de comprometimento assimilado pelas pessoas no que diz respeito ao compromisso assumido pelo meio ambiente e seus sentimentos relativos à vida da sociedade e do meio ambiente. Ou seja, como foi instruído para agir em sociedade e em defesa da sociedade, com quais valores pensam sua vida na relação com a vida do outro e com a da natureza. Portanto, além de ser uma questão que envolve as condições sociais e culturais, também diz respeito à criação de uma sensibilidade de respeito e garantia da humanidade do outro e da existência da natureza.

Estas questões estão relacionadas a um nível de capacitação cidadã constituído considerando, sobretudo, sua vida individual e também a da coletividade, o que não diz respeito necessariamente aos anos de escolaridades. O que se poderia entender por uma formação de uma conduta não egoísta, visto que considera como necessário desenvolver um tipo de conduta de cuidado para com a vida, seja da sociedade, seja do meio ambiente. Neste sentido, pode-se dizer que a questão ambiental não diz respeito apenas à criação de leis que possam punir os agressores identificados, mas ao desenvolvimento de atividades que possam despertar nos envolvidos a criação de um sentimento de respeito à vida em todas as suas dimensões, inclusive envolvendo a da natureza.

Entende-se também que o compromisso pela construção de uma cidade que possua uma condição de razoabilidade ambiental corresponde a um compromisso tácito assumido pelo estado em todas as suas esferas, pois isto representa um mínimo necessário para garantir uma condição de vida em estado de dignidade mínima necessária para assegurar aos habitantes uma condição de segurança e bem-estar. De fato, esta preocupação se faz presente no Plano Diretor da Cidade de Manaus, uma vez que apresenta a preocupação em promover, conforme Art. 18, parágrafo único, do Plano Diretor do Município de Manaus, “O Município estimulará a formação de cooperativas associadas a programas sociais e urbanísticos, sobretudo quando vinculadas aos programas de habitação social e de qualificação ambiental”.

Todavia, o gesto destacado no texto deste instrumento jurídico não se fez exercício, de modo que se transformasse de uma intenção a uma pratica voltada para o cuidado com a cidade e com as pessoas que nela habitam. Neste sentido, e pelo que tudo indica, o instrumento foi e é mais explorado no que diz respeito ao seu aspecto punitivo, pois serve para enquadrar e punir as infrações ao Plano Diretor. O que ocorre com a criação de delegacia especializada na área de crimes ambientais, em âmbito estadual, para atuação junto à Vara Especializada de Meio Ambiente e do Ministério Público.

Ora, entende-se a importância desta dimensão jurídica que envolve a questão ambiental, visto que os atos de transgressões ambientais necessitam ser contidos pelo poder público, mas há de se perguntar como ficam as omissões deste mesmo poder em criar as condições básicas necessárias à vida da sociedade em condições ambientais digna, principalmente dos mais necessitados, que vivem em áreas de risco iminentes, previsto no Plano Diretor de 2006 e na Constituição Federal de 1988, Art 225, principalmente no que diz respeito à construção da cidade, conforme o que denota o artigo apresentado a seguir:

Art. 26 - A Estratégia de Construção da Cidade tem como objetivo geral compartilhar os benefícios sociais gerados na cidade e potencializar atividades econômicas urbanas para a implementação de uma política habitacional que democratize o acesso à terra e à moradia.

Parágrafo único - São objetivos específicos da Estratégia de Construção da Cidade:

I - promover intervenções estruturadoras no espaço da cidade que crie novas oportunidades empresariais e permita ao Poder Executivo recuperar e redistribuir a renda urbana decorrente da valorização do solo;

II - ampliar a oferta de habitação social e o acesso à terra urbana, fomentando a produção de novas moradias para as populações de média e baixa renda adequadas à qualificação ambiental da cidade;

III - prevenir e/ou corrigir os efeitos gerados por situações e práticas que degradam o ambiente urbano e comprometem a qualidade de vida da população, principalmente invasões e ocupações nas margens dos cursos d'água.

Entende-se que a criação de aliados envolvidos pelo compromisso em se construir uma preocupação de defesa do meio ambiente requer que haja contrapartida entre as partes. Ou seja, que o poder público e a sociedade consigam agir reciprocamente, principalmente no que diz respeito ao atendimento das necessidades básicas da população que vive em áreas ambientalmente inadequadas à vida humana, em que sua dignidade como pessoa está absolutamente comprometida ou até desprezada, ou até que suas vidas são deixadas em condições de morte, como podemos visualizar no enquadramento fotográfico a seguir:

Quase 90% da capital não tem saneamento básico.

Falta de saneamento implica sobre a saúde, pode causar doenças gastrointestinais e até levar à morte. As crianças costumam ser as mais prejudicadas. Manaus (AM), 11/02/16


Imagem 01
Disponível em http://acritica.uol.com.br/noticias/quinta-feiraAmazonas-saneamento-ArquidioceseManaus_0_1520247982.html. Acesso em 24/05/16

O Plano Diretor de 2006 reconhece a necessidade da construção de uma cidade ambientalmente adequada, pois destaca a importância ao incremento da arborização de logradouros e de equipamentos de uso público, priorizando as áreas de interesse turístico e os bairros mais carentes; desenvolve uma manifestação de desejo da melhoria da qualidade de vida da população do Amazonas. Estas preocupações não tiveram o alcance necessário, de modo a se transformarem numa realidade objetiva, que ofereça à sociedade as condições contidas nesta carta de princípios, todavia, restam-lhe os ônus. O que não corresponde à realidade, uma vez que pesquisa do IBGE divulgada pelo Jornal a Crítica de 25 de maio 2012, constata que Manaus é a segunda cidade com o pior índice de arborização do país

Segundo o dado do IBGE apenas uma em cada quatro casas tem ao menos uma árvore plantada próximo, o que representa apenas 25,1% da habitação da cidade. Outros 20% das moradias estão colocadas próximos a valas e esgotos a céu aberto, deixando Manaus em terceiro lugar no ranking das cidades com o pior saneamento básico. A Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semmas) afirma que implantou um conjunto de ações integradas para a arborização urbana, que vai desde o plantio até os estudos mais elaborados. As ações fazem parte do Programa Manaus Mais Verde. Em relação a falta de saneamento, a secretaria lembrou da aprovação do Plano Diretor da cidade que atualmente tramita na Câmara Municipal de Manaus. Segundo a secretaria, em 20 anos a cidade irá sofrer uma drástica redução dos problemas.

Em matéria veiculada em 2014, pelo Jornal Diário do Amazonas, Manaus desponta com carência de arborização no entorno dos domicílios; esgoto a céu aberto no entorno do domicílio; lixo acumulado nos logradouros. Já o Observatório da Metrópoles, que subsidiou a matéria acima, em estudos sobre zonas metropolitanas, aponta as condições relativas sobre o Índice de Bem-estar Urbano, conclui que

A metrópole do estado do Amazonas apresentou resultados muito ruim e ruim para dimensões como condições ambientais urbanas, condições habitacionais, serviços coletivos e infraestrutura urbana. Além disso, não distante da realidade de outras regiões metropolitanas estudadas, verificou-se em Manaus as maiores disparidades na avaliação do IBEU, reafirmando a desigual distribuição de serviços e equipamentos públicos tanto na esfera metropolitana como municipal (2014).

É necessário acreditar e envolver-se com o compromisso com uma cidade que ofereça mais e melhores condições de vida à sua população, mas é também necessário destacar que a cidade, por falta de planejamento histórico – quer por uma atitude deliberadamente omissa quer por falta de conhecimento que lhe possibilitasse a elaboração de um planejamento estratégico para a curto, a médio e a longo prazo –, não foi planejada para construir e oferecer a população lugares que possam lhes proporcionar conforto ambiental, significando ponto de referência para encontros coletivos, onde a população possa manifestar suas habilidades culturais e artísticas, além de servir para a construção de laços de amizades, uma vez que as maiorias das praças públicas que existem em Manaus correspondem àquelas projetadas entre o final do século XIX e o no início do século XX. As criadas no final deste século são lugares, predominantemente reservados para se comer e se beber, o que passou a ser conhecida como praça de alimentação.

Já os parques e ou as reservas, pelo que tudo indica, foram criados primeiramente com a preocupação de conter o avanço das moradias sobre as áreas verdes existentes em Manaus, todavia estes lugares preservados são também usados para a realização de atividades de educação ambiental. Este procedimento, embora absolutamente relevante, revela que a primeira preocupação que orientou a ações dos agentes do estado não está vinculada ao atendimento do conforto ambiental da sociedade, mas primeiramente à preocupação com a preservação ambiental e posteriormente ao atendimento da sociedade, o que é absolutamente importante. É necessário articular as duas dimensões de modo a possibilitar a sociedade oportunidades de ter o ambiente preservado como uma referência para a vida, que se constitua também nas realizações de atividades de recreação, de contemplação, de lazer, dentre outras.

3.3. A QUESTÃO AMBIENTAL E A VIDA DE CRIANÇAS

Há um discurso predominante que relaciona a questão ambiental à educação escolar, mas há também a necessidade de submeter esta ideia a problematizações sistemáticas, uma vez que quando se assume o discurso que enfatiza a necessidade de uma educação ambiental pura, corre-se o risco de ignorar as contradições sociais de desigualdades existentes, que são fundamentais para se pensar como não apenas os bens materiais, mas os imateriais são desigualmente distribuídos na sociedade. O que representa, para uns a possibilidade de usufrutos das condições intelectuais e materiais favoráveis de existência humana, e a outros são relegados ao estado de sorte que as desigualdades sociais lhes produziram, o que não quer dizer que suas vidas intelectuais e sociais estejam predeterminadas ao fracasso.

Notadamente, causa um apelo aos nossos sentimentos quando se vê mãozinhas delicadas de crianças e de adultos postas umas ao lado das outras no formato de cuia, servindo como suporte para o apoio de uma muda de árvores, representando o cuidado com a natureza, envolvendo diversas gerações; embora numa sociedade de grandes desigualdades sociais nem todas as crianças vivem em condições mínimas de segurança social e ambiental, que possam se envolver com atos de cuidados com a natureza; pelo contrário, muitas estão vivendo no lixo e, em certos casos, do lixo, como apresentadas abaixo, que revelam os grandes contrastes sociais e, consequentemente, ambientais.


Imagem 02
Jair Araújo. Disponível em: http://www.d24am.com/amazonia/meio-ambiente/geladeira-fogaoe-colchao-sao-jogados-nos-igarapes-de-manaus/71174. Igarapés de Manaus, outubro de 2012.

Ainda que se constate que os lugares com maior volume de lixo, principalmente nos igarapés[7], envolva as áreas que menos recebem tratamentos pelos serviços públicos, como falta de saneamento básico, de ruas, de áreas para sociabilidade, e ainda sejam habitadas por pessoas socialmente mais humildes, a narrativa predominante destaca a questão afirmando que a poluição ambiental dos igarapés, visivelmente apresentada pela seca dos rios, corresponde à falta de respeito desta população com o meio ambiente, mostrando que os danos ambientais causados são frutos de sua má educação (Jornal Diário do Amazonas. Geladeira, fogão e colchão são jogados nos igarapés de Manaus. Disponível In:. http://www.d24am.com/post/71174. Acesso em 08/10/2013).

O discurso punitivo com foco na ideia da má educação, relega o direito de humanidade destas pessoas ao plano da inexistência. Desta forma, “É inútil saber que deveria ser generoso se você sequer dá-se conta do mendigo na rua, ou se, reparando no mendigo, você o vê como um maltrapilho vagabundo e preguiçoso” (HOOFT, 2013, p. 105).

A imagem 02 é reveladora das contradições sociais que envolvem a sociedade, uma vez que a imagem retratando as crianças no lixo revela que elas estão no lixo em busca de recursos que possam ser usados como brinquedos, visto que estão entretidas com as rodas de carros encontradas e poderão, na atual circunstância social e ambiental, fazer uso dos recursos trazidos pelo lixo para promover momentos de lazer, de diversão e de prazer.

O que desejo destacar não consiste em demonstrar a criatividade das crianças que estão vivendo em áreas de risco ambiental, mas como a questão ambiental, importante para toda a sociedade, está também envolvida em uma gigantesca desigualdade social, econômica e de oportunidades. Neste sentido, não somente as paisagens dos igarapés estão comprometidas pelo volume de lixo deslocado pelas sucessivas chuvas ocorridas no período de inverno, sobretudo pode-se dizer que as futuras gerações de crianças, não por opção ou por escolha dos pais, mas pelas evidentes desigualdades sociais são relegadas a viver e brincar no lixo e com o lixo. Não há escolhas, há uma condição determinada por força das desigualdades visualizadas na luta pelo acesso e distribuição absolutamente desigual dos bens materiais e imateriais, e de acesso às áreas que lhes possibilite vida com dignidade.

O drama deste tipo de vida em estado avançado de risco a que estão submetidos necessita de atuação emergencial do estado, visto que as estatísticas revelam que nestes locais onde se encontram as crianças a “leptospirose é uma das doenças que mais preocupa os profissionais de saúde. Este ano, foram 88 casos no Amazonas, sendo 77 em Manaus [...] O chorume contamina o solo e pode gerar metais tóxicos pesados que oferecem risco à saúde humana” (Diário do Amazonas. In: http://www.d24am.com/multimidia/fotos/amazonia/meioambiente/atencao-com-as-doencas-causadas-pelo-lixo-dos-igarapes/95339. Acesso em 08/10/2013).

Dois casos recentes podem se somar ao anterior para ilustrar a relação entre as condições de habitação, a vulnerabilidade a que estão submetidas as crianças e a problemática que envolve os igarapés na cidade de Manaus, de modo dramático. Eles revelam o quão podem se tornar trágicas as situações enfrentadas pelas populações humanas que habitam em áreas vulneráveis. Tais casos ocorreram no mês de maio de 2016 na cidade de Manaus e envolveram duas crianças, uma de 6 anos e a outra de 7 anos[8]. Deles vamos relatar o caso mais intrincado.

Um menino de 6 anos caiu em um bueiro, que não possuía tampa, em um bairro periférico da cidade de Manaus, no Amazonas, no dia 23 de abril, sendo encontrado três dias depois, há 10 metros de onde caiu. Ao ser identificado o corpo o sepultamento imediato não foi possível devido à falta de certidão de nascimento. A problemática se aprofunda quando a família na qual ele vivia informa que eles não são seus pais e que sua mãe é uma moradora de rua e o tinha doado à família. Solicitada pelo IML, a declaração de nascido vivo fornecida na maternidade fora considerada adulterada, conforme a avaliação dos peritos, permanecendo a dúvida quanto à identificação da mãe, de modo que apenas um exame de DNA poderia esclarecer a situação, cuja realização está em curso. O corpo ficou no IML por mais de um mês[9].

Este caso é revelador quanto às reflexões a respeito do conteúdo da educação ambiental. A despeito da relevância e do efeito sensibilizador de algumas práticas não se pode prescindir da contextualização social e política dos aspectos nela envolvidos. Como afirma Left (2001) “A educação ambiental traz consigo uma nova pedagogia que surge da necessidade de orientar a educação dentro do contexto social e na realidade ecológica e cultural onde se situam os sujeitos e atores do processo educativo” (p. 257).

Ressalta-se ainda que por sua natureza a educação ambiental envolve um amplo diálogo com diversas áreas de conhecimento. Ela implica “a formação de consciências, saberes e responsabilidades”. (Idem). A situação socioeconômica compõe essa consciência, quando a situação dos igarapés, das enxurradas afetam apenas uma parte da população, cujas vidas parecem ter um menor valor, são vidas nuas, nas palavras de Agamben (2010).

Recente pesquisa realizada por Gomes (2015)[10], revela que as atividades desenvolvidas na educação ambiental são recorrentes quanto à plantação de mudas, separação de lixo, confecção de objetos com garrafas PET, com destaque para questões como “O ambiente escolar tornou-se mais limpo e agradável” (p. 70), dentre outras.

Pensar a educação ambiental visando à capacitação e formação cidadã consiste numa meta absolutamente relevante, mas pensar a relação sociedade e meio ambiente, principalmente no que diz respeito às situações ambientais problemáticas, como a relativa à poluição dos igarapés requer enfatizar não somente a degradação do ambiente, mas a degradação humana[11] que estão submetidas crianças, jovens adultos e idosos que vivem nestas situações. Podemos perguntar em que nível de dignidade da pessoa humana elas estão vivendo? Embora não seja possível medir e indicar níveis de dignidade, todavia podemos imaginar situações de vida convivendo com lixo orgânico e inorgânico, com aromas emanados da putrefação de lixo orgânico, com animais indesejáveis para a saúde humana como ratos, baratas, aranhas, cobras, caramujos, inclusive o africano, transitando e vivendo com as pessoas de forma direta. Então, tem-se um estado de degradação do meio ambiente e da vida do homem que convive diariamente com ele e nele.

Se há na constatação da agressão ao meio ambiente a evidência de um ato infracional sujeito a punição a quem assim procede, então, do ponto de vista da ideia da dignidade humana, vista na perspectiva de que todo ser humano não deveria viver em condições que comprometa sua vida e sua dignidade, uma vez que a vida corresponde a um bem inalienável e indisponível, pode ser compreendida igualmente criminosa as condições que levaram as pessoas a morarem em condições habitacionais compostas por ambientes inadequados para abrigar a vida humana. Reitero que esta situação, provavelmente, realizada pela omissão do estado – seja porque permitiu que estas condições viessem a serem criadas, seja porque não conseguiu planejar e oferecer locais de moradias que assegurasse ao cidadão as condições mínimas necessárias a este contingente social mais necessitado.

Ainda nesta mesma perspectiva de que as condições materiais e imateriais são desigualmente distribuídas, pode-se observar dados do relatório da Secretaria de Estado de Saúde do Estado do Amazonas de 2012, o aumento do número de casos de gravidez na adolescência que tem como consequência crianças nascida com baixo peso e prematuridade, e obstáculo para o alcance da meta proposta de cuidados com a saúde da sociedade. Evidenciase novamente que este fato envolve novamente crianças mães adolescente, oriundas principalmente de famílias socialmente menos assistidas pelo estado e pelo acesso aos conhecimentos escolares. E talvez, por não visualizar outras condições de vida, dada as condições sociais em que se encontra.

Ainda sobre os serviços públicos fundamentais à garantia da vida da sociedade, contatase que a cobertura vacinal com vacina tetravalente (DTP+HIB)/pentavalente em crianças menores de um ano não alcançou a meta proposta, por se tratar de uma vacina multidose, existe a dificuldade em se alcançar as populações das áreas rurais e das áreas indígenas, por ser de difícil acesso. Para que haja o alcance da meta estabelecida, deverá existir uma política estadual e municipal de atendimento às populações ribeirinhas. Assim como ainda ocorre a disseminação de doenças como sífilis congénitas[12], segundo Relatório de prestação de contas exercício 2012, Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas de 2012, pelo fato da cobertura de serviços de pré-natal não alcançar todas as meninas grávidas ou porque o baixo nível de escolaridade não ter oferecido conhecimentos a estas futuras mães sobre a necessidade da realização do pré-natal.

Diante destas situações, a violência destinada à criança e ao adolescente torna-se parcialmente compreendida quando responsabiliza exclusivamente os seus pais e os seus familiares, mas esquecem da ausência do estado em promover historicamente oportunidades de lugares de sociabilidade e de garantias sociais destinadas a este grupo, principalmente aos mais necessitados. Tem-se, nestas circunstancias, o que poderíamos denominar de atos de violência do estado e maus-tratos contra crianças e adolescentes, se pudemos entendê-los na perspectiva da falta de condições da inexistência de ambientais minimamente adequadas para a vida humana, e de acesso aos bens e serviços imunológicos e aos cuidados preventivos produzidos pela ciência com vista à saúde da sociedade.

Obviamente, o cuidado com a cidade necessita ser entendido na dimensão destinada a todas as pessoas que a habitam e não somente com áreas destinadas ao turismo, como destacava o discurso que justificava as transformações na cidade para recebê-los, principalmente em função da Copa do Mundo realizada no Brasil em 2014. Ora, a cidade não poderia apenas hospedar com dignidade quem a visita esporadicamente como turista, mas principalmente quem nela reside e a tem como sua própria casa. O Plano Diretor de 2006, diz que O Município estimulará a formação de cooperativas associadas a programas sociais e urbanísticos, sobretudo quando vinculadas aos programas de habitação social e de qualificação ambiental. Este compromisso necessita servir como meta de todos os governos que venham a assumir a função e o compromisso público de criar as condições de dignidade para todos os cidadãos.

Um governo que relega este direito a um princípio meramente ilustrativo, também relega o princípio de um compromisso público com o bem-estar das gerações como a questão fundamental da sua administração. Ora, se um governo age estrategicamente visando principalmente sua reeleição, então se entende que suas ações são apenas um meio pelo qual conseguirá alcançar suas finalidades pessoais, suas sucessivas reeleições; mas se suas ações têm como meta principal promover o bem da coletividade, visando colaborar para a formação das gerações, então existe um estado de nobreza no seu governo, pois é, neste sentido, considerado um governo que tem um fim em si mesmo e não o usa visando constituir um patrimônio político pessoal. Nesta condição, pode-se visualizar uma prática política virtuosa, comprometida com a vida da sociedade.

Nesse caso, podemos dizer que esta atitude consiste no ato virtuoso e, portanto, constituído pelo princípio da justiça, pois

A virtude da justiça é, portanto, entendida como a virtude de dar a cada um aquilo que lhe é devido, e não como lealdade ou fidelidade para com os amigos, ou como solidariedade para com comunidades. A perspectiva da justiça constitui o indivíduo como neutro e impessoal, e como capaz de ver os outros como verdadeiros iguais em consideração moral e social [...] A pessoal justa é aquela que não se coloca a si mesma, os seus entes queridos ou os seus colegas de comunidade no centro das suas preocupações, mas, ao contrário, vê-se a si mesma e aos outros de forma imparcial, como tantas unidades iguais em um campo de justiça (HOOFT, 2013, p. 177).

Pensar a vida em sociedade requer uma disposição centrada nos interesses coletivos, principalmente, incluindo sobremaneira a perspectiva do bem-estar da sociedade.

4. CONSIDERAÇÕES

Enfrentamos um problema ambiental criado historicamente, que não pode ser entendido em si só, mas somente na relação com outros problemas, como o social, o educacional, o habitacional, o de saúde pública e de segurança pública. Todavia, as medidas para entendê-lo e apresentar soluções requer muito mais que a elaborações de leis ambientais, mas da articulação de saberes e de ações públicas compromissadas com que questões coletivas que possam envolver e articular diversas proposituras em torno de uma causa emergencial.

Emergencial, porque o avanço na degradação do meio ambiente ocorre sistematicamente com a poluição dos córregos, poluição do solo e com desmatamento. Pode ser considerado emergencial, ainda, pelo fato de que a sociedade, para se tornar aliada das causas ambientais, necessita de um longo processo de sensibilização, em que possa se ver como partícipe desta ideia, em que, sem ser obrigado pela norma, passa a recolher o lixo que fica na frente de sua casa, evitando encaminhá-lo pelo esgoto; evitando jogar as embalagens de produtos na rua, coisas simples, mas demonstradora de mudanças de sensibilidades e reconhecimento de sua participação na criação de uma cidade ambientalmente adequada para a vida humana. Mas requer também a participação do poder público na construção das condições ambientais e sociais mais adequadas à vida da sociedade.

Obviamente, reestruturar uma cidade que foi erguida com problemas de natureza ambiental torna-se mais difícil do que fazer a coisa planejadamente, mas, para quem acredita, não existe sonho impossível quando há interesse público e da sociedade em intervir sobre problemas emergenciais. Há de se dizer que nós precisamos do meio ambiente adequadamente saudável, mas há de se dizer também que nós somos responsáveis por ele. Temos o compromisso em construir as condições ambientais adequadas para a vida da sociedade atual e para a sociedade que virá, que possa ter uma condição razoável de vida, mas não se trata apenas em criar as condições em função das necessidades do homem, mas também em função da própria necessidade da natureza – fauna e flora, visto que há interdependência entre a manutenção da vida do homem e da natureza.

Referencias

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. 2ª. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

A questão da equidade / John Rawls. In: SANDEL, Michael. Justiça – O que é fazer a coisa certa. 9ª edição – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

Atenção com as doenças causadas pelo lixo dos igarapés. Disponível em: http://www.d24am.com/amazonia/meio-ambiente/atencao-com-as-doencas-causadas-pelolixo-dos-igarapes/95339. Acesso em 08/10/2013.

BRASIL, Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 24/05/2016.

CARVALHO, Denis Barros de; FEITOSA, Conceição de Maria Martins. A produção brasileira de teses sobre educação ambiental na biblioteca digital brasileira de teses e dissertações (BDTD): uma análise temática. In: Ambiente & Educação. Vol 16 (1), 2011.

Geladeira, fogão e colchão são jogados nos igarapés de Manaus. Disponível em:. http://www.d24am.com/post/71174. Acesso em 08/10/2013.

GOMES, Orleylson Cunha. Abordagem cts e a alfabetização científica: implicações para as diretrizes do Programa Ciência Na Escola. Dissertação de Mestrado do Programa de Mestrado em Educação em Ensino de Ciência, da Universidade do Estado do Amazonas, 2015.

Governo do Estado do Amazonas. Relatório de prestação de contas exercício 2012. Secretaria de Estado de Saúde, 2012. Disponível em: http://www.saude.am.gov.br/docs/rq/RQ_2012_3.pdf. Acesso em 09/11/2013.

HOOFT, Stan van. Ética da virtude. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.

JACOBUCCI, P. Educação Ambiental, Cidadania e Sustentabilidade. Cadernos de Pesquisa, v.1, nº 118, p.189-205, 2003.

LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

Manaus é a segunda cidade com o pior índice de arborização do país. Disponível em: http://acritica.uol.com.br/manaus/Amazonia-Amazonas-Manaus-cidade-pior-indicearborizzacao_0_706729413.html. Acesso 25/05/2012.

Manaus é a penúltima colocada em bem-estar urbano. Observatório das Metrópoles. In http://www.observatoriodasmetropoles.net/index.php?option=com_k2&view=item&id=752% 3Amanaus-%C3%A9-a-pen%C3%BAltima-colocada-em-bem-estar-urbano-nobrasil&Itemid=164&lang=pt#. Acesso 23/05/2016.

MORIN, Edgard. KERN, Ane-Brigitti. Terra Pátria. Poro Alegre, Sulina, 2003.

Pesquisa aponta Manaus como a segunda pior região metropolitana do Brasil.http://new.d24am.com/noticias/amazonas/pesquisa-aponta-manaus-como-segunda-piorregiao-metropolitana-brasil/103970. Acesso em 23/05/2016.

RAWLS, John. O direito dos povos. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

SANDEL, Michael. Justiça – O que é fazer a coisa certa. 9ª edição – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

Notas

[3] Kern e Morin, no livro Terra Pátria nos leva a refletir sobre nossa condição atual de reconhecer o que ele denomina de Nossa identidade terrestre.
[4] Vale ressaltar que na atualidade milhares de pessoas ou são vítimas de doenças ocasionadas pela água que consomem, ou são vítimas pelo fato de não terem água potável para consumir. O Estado do Amazonas compartilha uma das mais importantes bacias hidrográficas do mundo e poderia investir sistematicamente, com políticas públicas na conservação deste recurso natural fundamental para a vida da sociedade, todavia, há dispersão de esgotos de água servida nestas bacias.
[5] É compreensivo que uma pessoa em suas faculdades normais jamais desejaria a doença para si. “ Dado que a saúde é constitutiva da felicidade, sendo, portanto, um objetivo racional a perseguir, a razão nos exortaria a não desejar coisas que pudessem arruinar nossa saúde” (HOOFT, 2013, p. 98).
[6] Ainda que se trata de uma questão amplamente apresentada nos discursos, não se tem um indicador que possa ser usado para medir de forma absoluta a qualidade de vida, visto que envolve aspectos da subjetividade humana. Todavia, podemos elaborar algumas possibilidades de aferição, como a de não viver em estado de vulnerabilidade social e ambiental, o que corresponde ao acesso aos serviços básicos de saúde, educação, alimentação, moradia e lazer; já o ambiental corresponde ao acesso e uso de condições mínimas necessárias de um ambiente em condições de salubridade, que também possa servir como um elemento atrativo onde se possa realizar-se individual ou socialmente.
[7] Igarapés e áreas ambientalmente comprometidas não são lugares onde pessoas com direito de dignidade deveriam morar. “Mais um exemplo do descaso dos próprios moradores com os canais que cortam a cidade” (Jornal Diário do Amazonas. Geladeira, fogão e colchão são jogados nos igarapés de Manaus. Disponível In:. http://www.d24am.com/post/71174. Acesso em 08/10/2013). Seria mais interessante dizer que se trata de um exemplo de descaso histórico das sucessivas administrações públicas que não foram capazes de conter os usos destas áreas para a construção de moradias, nem de propor alternativas habitacionais para quem escolheu Manaus para morar e viver.
[8] Diversas reportagens jornalísticas destacaram estes ocorridos. Entre as quais: Criança de 6 anos some após cair em bueiro na Zona Norte de Manaus, G1 Amazonas, 24.04.2016; Corpo achado no Igarapé do Mindú é do menino que caiu em bueiro, em Manaus, Portal Amazônia, 26.04.2016; Durante chuva, criança morre ao se afogar em igarapé no bairro Alvorada, em Manaus. In: A Critica, 05.05.2016. Disponível em http://www.acritica.com/channels/manaus/news/durante-a-chuva-crianca-de-7-anos-cai-em-igarape-no-bairroalvorada-em-manaus. Acesso em 10.05.2016
[9] Destaca-se que até a finalização do artigo a situação permanecia a mesma.
[10] Trata-se de estudo de mestrado em que analisou os projetos desenvolvidos pelo Programa Ciência Na Escola. Programa de Mestrado em Educação em Ensino de Ciência, da Universidade do Estado do Amazonas;
[11] Uma criança vivendo em ambiente saudável poderia até viver muito bem por conta de seu próprio ambiente social, praticamente asséptico, mas um menino pobre vivendo no lixo, que não tem as condições de se tratar adequadamente, será duplamente vitimada, uma pela sua condição social, a outra pelas condições de tratamento. [34] “A saúde é constitutiva da felicidade, sendo, portanto, um objetivo racional a perseguir, a razão nos exortaria a não desejar coisas que poderiam arruinar nossa saúde” (HOOFT, 2013, p. 98). Tem-se aqui uma reflexão filosófica indicando que o homem, em estado racional e com domínio razoável de conhecimento, não desejaria arruinar sua saúde, nem do seu filho todavia, em estado de desconhecimento e em decorrência da falta de serviços, o homem envolve-se com situações em que pode arruinar a sua saúde e a do seu filho.
[12] “A saúde é constitutiva da felicidade, sendo, portanto, um objetivo racional a perseguir, a razão nos exortaria a não desejar coisas que poderiam arruinar nossa saúde” (HOOFT, 2013, p. 98). Tem-se aqui uma reflexão filosófica indicando que o homem, em estado racional e com domínio razoável de conhecimento, não desejaria arruinar sua saúde, nem do seu filho todavia, em estado de desconhecimento e em decorrência da falta de serviços, o homem envolve-se com situações em que pode arruinar a sua saúde e a do seu filho.

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