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INTERNACIONALIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR NO CONTEXTO DAS LICENCIATURAS NA ÁREA DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS
INTERNATIONALIZATION OF HIGHER EDUCATION IN THE CONTEXT OF UNDERGRADUATE LICENCIATE DEGREES IN THE AREA OF SCIENCE EDUCATION
REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, vol.. 8, núm. 3, 2020
Universidade Federal de Mato Grosso

REAMEC – Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil
ISSN-e: 2318-6674
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 8, núm. 3, 2020

Recepção: 12 Agosto 2020

Aprovação: 17 Setembro 2020

Resumo: Dentre as políticas destinadas ao ensino superior brasileiro na última década, a internacionalização ganhou espaço considerável como um importante caminho para o desenvolvimento institucional. Este artigo se debruça sobre essa temática, analisando o processo da internacionalização no contexto das licenciaturas, a partir da perspectiva dos estudantes. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa com produção de dados em duas etapas. Na primeira fase foi realizada a análise de documentos, a fim de investigar a participação de estudantes de licenciatura nos processos de mobilidade internacional. Na segunda etapa foi executada uma entrevista com aplicação da técnica de grupo focal, realizada presencialmente com estudantes do curso de Licenciatura da área de Química de uma universidade pública. Foram estabelecidas três categorias para análise dos dados pertinentes ao conceito de internacionalização, as experiências internacionais e habilidades linguísticas dos estudantes. A análise dos dados permitiu concluir que ainda existe muita desigualdade em termos de números de mobilidade internacional entre os estudantes dos cursos de Bacharelado e de Licenciatura. As licenciaturas têm pouca participação no movimento de internacionalização, sobretudo nas políticas públicas atuais, o que evidencia a necessidade de ações institucionais na busca de métodos e estratégias que oportunizem a ampla participação de professores, técnicos e estudantes.

Palavras-chave: Internacionalização, Ensino Superior, Licenciatura.

Abstract: Among the policies aimed at Brazilian higher education in the last decade, internationalization has gained considerable space as an important path for institutional development. This article focuses on this theme, analyzing the process of internationalization in the context of undergraduate licenciate degrees, from the perspective of students. In this regard, a qualitative research was carried out with data production in two stages. In the first phase, document analysis was carried out in order to investigate the participation of undergraduated licentiate students in international mobility processes. In second stage, an interview was carried out with the application of the focus group technique, carried out in person with students of the Chemistry course licentiate degree at a public university. Three categories were established for the analysis of data relevant to the concept of internationalization, the international students’ experiences and language skills. The analysis of the data allowed us to conclude that there is still a lot of inequality in terms of international mobility between the Bachelor and Licentiate students. Licentiate courses have a limited participation in the internationalization movement, especially in current public policies, which highlights the need for institutional actions in the search for methods and strategies that enable the broad participation of teachers, technicians and students.

Keywords: Internationalization, Higher Education, Licentiate Courses.

1 INTRODUÇÃO[3]

A expansão da internacionalização nas instituições de ensino superior é reflexo de um movimento para um mundo com universidades cada vez mais globalizadas e internacionalizadas.

Diante dessa realidade, a internacionalização do ensino superior pode ser uma via, um processo ou um meio de aprimorar ou atingir metas. Pode contribuir, por exemplo, com o desenvolvimento do conhecimento, das habilidades e dos valores internacionais e interculturais de um estudante. “O objetivo não é um currículo mais internacionalizado nem um aumento na mobilidade acadêmica por si mesma” (KNIGHT, 2012, np) e, sim, garantir a preparação do indivíduo frente a um mundo globalizado, um mundo cada vez mais interconectado.

Neste estudo, consideramos que internacionalização do ensino superior é um “processo que integra uma dimensão global, intercultural e internacional nos objetivos, funções e oferta da educação pós-secundária” (KNIGHT, 2004, p. 11).

Em um levantamento bibliográfico, foi possível identificar que no Brasil ainda há poucos estudos que buscam analisar até que ponto as estratégias e ações em curso, para a internacionalização do ensino superior, analisam o contexto das licenciaturas.

Nesta perspectiva, este trabalho busca apresentar alguns rastros de como ocorre o movimento de internacionalização do ensino superior nos cursos de Licenciaturas. Com o objetivo de investigar como as licenciaturas participam do processo de internacionalização, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental sobre a internacionalização do ensino superior e alguns programas de cooperação internacional do governo brasileiro. Outrossim, para investigar o processo da internacionalização a partir da perspectiva dos estudantes, foi realizada uma entrevista com a técnica de grupo focal junto a estudantes de um curso de Licenciatura de uma universidade pública. Dessa forma, tenciona-se com este estudo abrir caminhos na tentativa de problematizar a internacionalização no contexto das licenciaturas.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

A globalização facilitou o trânsito de pessoas pelo mundo, o que favoreceu o crescimento da mobilidade internacional, contribuindo significativamente com o avanço da internacionalização nas instituições de ensino superior (CONTEL; LIMA, 2007, p. 12).

No Brasil, durante a criação das primeiras instituições de ensino superior, final do século XIX e início do século XX, ocorreu, segundo Lima e Contel (2011), a maior cooperação internacional com cientistas-pesquisadores estrangeiros. Esses docentes eram, principalmente, de Portugal, Alemanha, Itália e Inglaterra, e fixaram residência no Brasil, contribuindo consideravelmente para criação das primeiras faculdades e as atividades de pesquisa do país.

No final do século XX a internacionalização começou a abranger novos processos, avançando para além da mobilidade internacional de pessoas, surgindo atividades como: prestações de serviços educacionais em outros países; elaboração de programas de formação e cursos de capacitação, neste caso tanto os que fornecem quanto os que recebem permanecem nos seus respectivos territórios; e o deslocamento de instituições, caracterizado como uma presença comercial, uma espécie de aliança estratégica que envolve instituições locais ou de franquias em outros países, neste âmbito, uma ação comum entre as escolas de idiomas (LIMA; CONTEL, 2011, p.121).

Nesse movimento de globalização, as instituições de ensino superior brasileiras, particularmente as públicas, estão cada vez mais internacionalizadas. Gradualmente encaminham suas ações em busca da ampliação de suas fronteiras, prospectando cooperação com outros países, com o objetivo de fortalecer o seu ensino, a pesquisa e a extensão.

Com a expansão da internacionalização, as universidades se deparam com oportunidades, mas também com muitos desafios. As instituições públicas, por exemplo, têm dificuldades para desenvolver ações e estratégias de internacionalização, devido, entre outros fatores, à falta de recursos. Mesmo diante desses desafios, a internacionalização no ensino superior brasileiro tem apresentado avanços nos últimos anos, considerando o desenvolvimento de algumas políticas públicas de internacionalização da graduação e da pós-graduação.

Podemos apontar, nesse contexto, algumas ações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), vinculada ao Ministério da Educação do Brasil. A CAPES criou o Programa Geral de Cooperação Internacional. Entre os projetos desenvolvidos dentro desse programa geral podemos destacar o Programa de Desenvolvimento Profissional para Professores (PDPP), que tinha como objetivo viabilizar aos docentes de escolas públicas de educação básica o aperfeiçoamento profissional em instituições estrangeiras de excelência.

A CAPES promovia ações de cooperação internacional, missões de estudos, proporcionando aos participantes, além da imersão em disciplinas, a vivência de aspectos históricos, culturais, educacionais e tecnológicos em outros países.

No que tange aos cursos de Licenciatura a CAPES lançou, em 2009, o Programa de Licenciaturas Internacionais (PLI) com o intuito de melhorar o ensino dos cursos de Licenciatura e a qualidade na formação inicial de professores nas áreas de Matemática, Química, Biologia, Física, Português, Educação Física e Artes. O programa em tela incentivava a graduação sanduíche de estudantes de cursos de Licenciaturas de universidades brasileiras com universidades da França e Portugal. O estudante brasileiro teria um duplo diploma e formação em instituições consideradas de excelência.

Nos critérios para seleção dos participantes, é perceptível o caráter social do programa PLI, visto que os estudantes selecionados à mobilidade internacional deveriam ter cursado todo o ensino médio e pelo menos dois anos do ensino fundamental em escola pública brasileira ou ter cursado parte do ensino médio em escola particular na situação de bolsista integral, por motivos de baixa renda familiar.

Entre outras motivações para a criação do programa, segundo a CAPES, estão as constantes solicitações dos estudantes das licenciaturas nas áreas de Exatas, Biológicas e Ciências Humanas, que enfatizam a falta de oportunidades para participarem dos programas voltados para a mobilidade internacional. Principalmente porque alguns desses Programas inviabilizam a participação dos estudantes de licenciatura, por não oferecerem bolsas de estudo ou por possuírem número limitado de bolsas.

Outro programa do governo brasileiro, pioneiro e de grande repercussão no âmbito da internacionalização, foi o Ciência sem Fronteiras (CsF). O programa teve início no final de 2011, pelo Decreto n.º 7.642 da Presidência da República, como um programa que buscava “promover a consolidação, expansão e internacionalização da ciência e tecnologia, da inovação e da competitividade brasileira por meio do intercâmbio e da mobilidade internacional” (BRASIL, 2011, np).

Ficou evidente o foco do CsF em áreas que preenchessem a necessidade de mão de obra técnica qualificada para as indústrias e empresas de tecnologia, como podemos observar, principalmente, por meio da Portaria Interministerial n. 1, publicada em 09/01/2013, que traz as áreas contempladas com esse programa, bem como os temas prioritários. São eles:

I - engenharias e demais áreas tecnológicas; II - ciências exatas e da terra; III - biologia, ciências biomédicas e da saúde; IV - computação e tecnologias da informação; V - tecnologia aeroespacial; VI - fármacos; VII - produção agrícola sustentável; VIII - petróleo, gás e carvão mineral; IX - energias renováveis; X - tecnologia mineral; XI - biotecnologia; XII - nanotecnologia e novos materiais; XIII - tecnologias de prevenção e mitigação de desastres naturais; XIV - biodiversidade e bioprospecção; XV - ciências do mar; XVI - indústria criativa; XVII - novas tecnologias de engenharia construtiva; e XVIII - formação de tecnólogos. (BRASIL, 2013, np).

Com o Programa Ciência sem Fronteiras emergiu outro desafio importante das universidades brasileiras, que é a carência da sua comunidade acadêmica de proficiência em idiomas. Diante da falta de candidatos com proficiência em idiomas estrangeiros, o governo brasileiro instituiu uma política linguística. Em 2012, foi criado o programa Idiomas sem Fronteiras (IsF). Segundo o site oficial do programa, o principal objetivo do IsF é “promover ações em prol de uma política linguística para a internacionalização do ensino superior brasileiro, valorizando a formação especializada de professores de línguas estrangeiras”. O programa capacita estudantes, docentes e técnicos-administrativos de instituições de ensino superior credenciadas, na formação em idiomas como o alemão, espanhol, francês, inglês, italiano e japonês.

Diante dessa realidade, devemos estar atentos à dimensão internacional do ensino superior, cuidando, sobretudo, para que não se sobreponha à importância do contexto local. Assim, a internacionalização tem como objetivo, segundo Knight (2012, np), “complementar, harmonizar e estender a dimensão local – e não dominá-la. Se essa verdade fundamental não for respeitada, existe a forte possibilidade de uma reação negativa”, acarretando uma visão da internacionalização como agente homogeneizante ou hegemônico. Essa questão merece atenção pela sua importância e significado para as instituições envolvidas nesse processo.

No que se refere à mobilidade internacional nos cursos de graduação, precisamos trazer e problematizar a questão do equilíbrio dessas atividades entre os tipos de graduação. A maioria dos cursos de Bacharelado acaba enviando e recebendo muito mais estudantes, especialmente as engenharias, ao passo que nas licenciaturas, particularmente na área de Educação em Ciências e Matemática, enviam e recebem muito pouco. Este desequilíbrio deve ser observado. Isso se evidencia quando analisamos detalhadamente, por exemplo, a mobilidade internacional dos estudantes de graduação de curso específico da área de Ciências Naturais de uma universidade pública, como será apresentado adiante nos resultados do presente estudo.

Pesquisas realizadas pela CAPES sobre as universidades brasileiras, apontam que a internacionalização do ensino superior tem o potencial de “transformar as vidas de estudantes e tem um papel cada vez maior para ciência por meio da intensa troca de conhecimento acadêmico, permitindo assim a construção de capacidades sociais e econômicas” (CAPES, 2017, p. 46).

Segundo relatórios de gestão da Diretoria de Relações Internacionais (DRI), disponível no site da CAPES (2009-2014), a mobilidade internacional tornou-se uma ferramenta com muitos benefícios, como o alto potencial de impacto educacional na vida dos participantes, com grande relevância pessoal e profissional, ampliação de conhecimentos e expansão dos horizontes. No entanto, conforme o sociólogo Pierre Bourdieu (in NOGUEIRA; CATANI, 2007), algumas origens sociais elevadas permanecem sendo mais valorizadas entre outras origens sociais. Como nesses programas de mobilidade internacional de estudantes, sujeitos com capital econômico elevado já possuem um desenvolvido capital cultural que lhes possibilita certa vantagem em comparação a outras classes sociais.

É preciso observar se os programas criados pelo governo brasileiro, embora anunciem oportunidades iguais a todos os participantes, podem vir a favorecer alguns grupos de acadêmicos com capital socioeconômico e cultural mais elevados, evidenciando a preocupação de Knight. Quando observamos a problemática do idioma, por exemplo, temos que nos atentar se esses programas de mobilidade acadêmica internacional ainda favorecem estudantes oriundos das classes sociais mais abastadas.

3 METODOLOGIA

Com intuito de analisar o processo da internacionalização no contexto das licenciaturas, a partir da perspectiva dos estudantes, no que se refere ao conceito de internacionalização, experiências internacionais e habilidades linguísticas, foi realizada uma pesquisa qualitativa junto aos estudantes matriculados no curso de Licenciatura Plena em Química da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), campus Cuiabá[4]. Este curso foi escolhido porque funciona simultaneamente com o curso de Bacharelado, tanto em atividades de ensino quanto em espaço físico. Embora o curso de Licenciatura tenha sido criado antes do Bacharelado e os dois cursos tenham projetos pedagógicos distintos, os currículos são executados pelo mesmo corpo docente, com disciplinas cursadas ao mesmo tempo pelos estudantes dos dois cursos. Ademais, os docentes do curso de Química são ativos nas atividades internacionais. Portanto, o curso de Química torna-se uma referência adequada para a investigação do contexto de internacionalização nas licenciaturas.

A produção de dados ocorreu em duas etapas. Na primeira fase foi realizada a análise de documentos da Secretaria de Relações Internacionais da UFMT para investigar a participação de estudantes de licenciatura nos processos de mobilidade internacional. Na segunda etapa foi executada uma entrevista com aplicação da técnica de grupo focal, realizada presencialmente com estudantes do curso de Licenciatura em Química. A técnica de grupo focal proporcionou elementos importantes para a discussão sobre os fatores que incidem sobre a internacionalização do ensino superior, sob o ponto de vista dos estudantes de licenciatura. Por meio dessas duas formas de produção de dados foi possível analisar como as licenciaturas participam do processo de internacionalização.

Para a técnica de grupo focal a pesquisa baseia-se em Krueger e Casey (2014). Segundo esses autores, as convicções do grupo focal não são formuladas no momento da entrevista, mas sim atualizadas. Suas opiniões refletem, acima de tudo, as orientações coletivas ou as visões de mundo do grupo social do qual o sujeito faz parte.

Foi elaborado um roteiro semiestruturado, conforme o Quadro 1, o que proporcionou uma fluidez no decorrer da entrevista e o alcance dos objetivos estabelecidos inicialmente. Foram analisadas três categorias, relacionadas ao conceito de internacionalização, experiências internacionais e habilidades linguísticas dos estudantes. Estas categorias foram apresentadas em formato de cinco perguntas, que também podem ser visualizadas no Quadro 1.

Quadro 1
Roteiro para entrevista grupo focal

Fonte: Organizado pelas autoras

De acordo com Creswell (2010, p. 209), “a pesquisa qualitativa é uma forma de investigação interpretativa em que os pesquisadores fazem uma interpretação do que enxergam, ouvem e entendem”. A fase qualitativa traz à tona os fatos e ideias dos participantes da pesquisa, o que auxilia no processo de interpretação ao explorar o tema junto com os pesquisadores de uma forma geral.

Na análise da transcrição da entrevista em tela, foram observados tendências e padrões potenciais, opiniões solidamente mantidas ou frequentemente expressadas.

Participaram da entrevista quatorze pessoas, dentre elas, doze estudantes do curso de Licenciatura Plena em Química da UFMT, sujeitos desta pesquisa, e duas professoras que acompanharam a entrevista e são supervisoras do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). Todos os sujeitos pertenciam ao PIBID.

Os estudantes possuem entre 19 e 33 anos de idade e já concluíram ao menos dois anos de curso. Todos tiveram a formação do ensino fundamental e médio em escolas públicas. Os doze estudantes manifestaram que era a primeira vez que eles discutiam sobre internacionalização do ensino superior.

4 ANÁLISES E RESULTADOS

Em um estudo realizado acerca da temática internacionalização das licenciaturas, publicado em 2020 (PAULA; MELLO, 2020), no que se refere à mobilidade internacional de estudantes, foi possível identificar que há pouca participação de estudantes de licenciatura brasileiros no exterior, assim como estrangeiros nos cursos de Licenciatura no Brasil. Os estudantes estrangeiros que as universidades recebem e estudantes brasileiros que participam de mobilidades internacionais, quase na totalidade, são do bacharelado. Quando há participação das licenciaturas tal volume se dá muito mais nos cursos de Letras (Inglês, Espanhol, Francês, Alemão e outros).

Os registros de arquivos da Secretaria de Relações Internacionais da Universidade Federal de Mato Grosso mostram essa realidade desigual entre os cursos de Bacharelado e Licenciatura. Ao longo de onze anos, entre 2008 e 2019, por exemplo, dezesseis estudantes de graduação do curso de Química, campus Cuiabá, participaram de mobilidade internacional, destes, treze eram estudantes do bacharelado e apenas três da licenciatura. Os treze estudantes do bacharelado em Química fizeram suas mobilidades internacionais pelo Programa Ciência sem Fronteiras. Dois estudantes da licenciatura em Química fizeram suas mobilidades internacionais pelo Programa de Licenciaturas Internacionais (PLI), e um estudante de licenciatura em Química pelo Programa de Intercâmbio Internacional para Graduação (PIIG), em parceria com o Programa de Bolsas Ibero-Americanas do Santander. Vale destacar que são mobilidades realizadas há cinco, sete, oito anos atrás. Segundo os documentos da Secretaria de Relações Internacionais da UFMT, depois de 2015 nenhum estudante do curso de Química – bacharelado ou licenciatura – participou de mobilidade internacional. Isto se deve, principalmente, pela descontinuidade dos principais programas do governo brasileiro, justificada pela insuficiência de recursos.

Esses registros ainda evidenciam que entre 2008 e 2019, quinhentos e setenta e oito estudantes de graduação da UFMT participaram de mobilidade internacional e que a maioria desses estudantes é oriunda de cursos de Bacharelado. Foi possível observar que das mobilidades realizadas, duzentos e oitenta e nove aconteceram pelo Programa Ciência sem Fronteiras e os cursos da UFMT com maior participação nesse programa foram: Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Civil, Medicina e Engenharia Elétrica.

No mesmo período (2008-2019) e mesma instituição, aconteceram vinte e três mobilidades internacionais pelo PLI, dessas, sete eram estudantes do curso de Letras, cinco do curso de Educação Física, quatro do curso de Ciências Biológicas, três do curso de Física, dois do curso de Química e dois eram do curso de Matemática.

Por meio desses dados é possível destacar que a participação dos estudantes de licenciaturas é ínfima, são poucos os estudantes de licenciatura que participam de mobilidade internacional. E ainda é pertinente observarmos que quando há participação desses estudantes é quando surge um programa que seja específico para a licenciatura. E no caso dos estudantes de licenciatura em Química da UFMT, por exemplo, todos realizaram sua mobilidade internacional em Portugal, aspecto importante que demonstra um grupo que geralmente não possui proficiência em idiomas estrangeiros, como será mostrado adiante por meio do estudo com o grupo focal.

Contribuiu para a análise desses dados a investigação das ofertas de bolsas dos programas criados pelo governo brasileiro. Há uma disparidade na oferta de bolsas entre os programas. Podemos observar que o Programa Ciência sem Fronteiras, que tem foco nos cursos de Bacharelado, segundo o site oficial do programa, inicialmente previa 101.000 bolsas de mobilidade acadêmica para todo o Brasil, foram utilizadas ao todo 92.880. Setenta e nove por cento das bolsas foram destinadas aos alunos da graduação. Foram utilizadas 73.353 bolsas para graduação sanduíche no exterior. Por outro lado, no site oficial do Programa de Licenciaturas Internacionais, é possível constatar, por meio dos editais publicados, que o programa ofertou um total de apenas 1.490 bolsas para todo o Brasil.

O programa Ciência sem Fronteiras foi encerrado para a graduação em 2017, sofrendo essa interrupção em função da falta de recursos. O último edital publicado pelo Programa de Licenciaturas Internacionais foi em 2015. Na UFMT, por exemplo, há registros de mobilidades pelo PLI concluídas em 2015 com estudantes que participaram do edital de 2013.

Em 2017, com a mudança de Governo, surgiram novas diretrizes para a internacionalização do ensino superior. Os programas do governo começaram a priorizar a pós-graduação. A Diretoria de Relações Internacionais da CAPES lançou o Programa Institucional de Internacionalização, conhecido como Capes – PrInt, com ações voltadas para a internacionalização da Educação, Ciência e Tecnologia com foco no aperfeiçoamento das relações entre pesquisadores brasileiros e estrangeiros, incentivando o intercâmbio de pesquisadores de excelência entre o Brasil e outros países.

O Capes-PrInt seleciona instituições de ensino superior que tenham programas de pós-graduação stricto sensu de excelência, para receber recursos financeiros do governo brasileiro. O programa, prioritariamente, fomenta a criação de planos estratégicos de internacionalização das instituições de ensino superior brasileiras no que tange a pós-graduação. Além disso, as ações planejadas precisam prever parcerias estratégicas com instituições estrangeiras renomadas em áreas de conhecimento específicas.

Foi possível observar, na investigação dos principais programas do governo brasileiro pertinentes à internacionalização, entre 2009 e 2017, a concentração de bolsas concedidas para os cursos de Bacharelado, como no caso do Ciência sem Fronteiras, em dissonância às bolsas de outros programas, especialmente os programas com foco nas licenciaturas. E a partir de 2017 surgiram novas diretrizes, com o principal programa do governo (Capes – PrInt) priorizando os cursos de Pós-Graduação.

A superação dessa desigualdade requer que sejam criados mecanismos e ferramentas de incentivo para que as instituições de ensino superior estimulem a mobilidade internacional e outros processos de internacionalização entre seus estudantes de licenciatura, fazendo com que ocorra uma internacionalização de seus cursos de forma menos desigual.

Ao analisar a internacionalização do ensino superior, sobretudo em contexto de globalização, é importante observar alguns aspectos como: a) o conceito de internacionalização, a concepção de internacionalização do ensino superior; b) as experiências internacionais, como a internacionalização ocorre e as dificuldades durante o processo e; c) habilidades linguísticas dos sujeitos envolvidos.

Sobre o primeiro aspecto, conceituar a internacionalização do ensino superior pode ser uma tarefa intricada, visto que existe uma diversidade de termos e entendimentos. Morosini (2006) traz a evolução do desenvolvimento da concepção de internacionalização do ensino superior:

a) dimensão internacional – presente no século XX, que se caracteriza por ser uma fase incidental mais do que organizada; b) educação internacional – atividade organizada prevalente nos Estados Unidos, entre a segunda guerra mundial e o término da guerra fria, preferentemente por razões políticas e de segurança nacional; e c) internacionalização da educação superior, posterior à guerra fria e com características de um processo estratégico ligado à globalização e à regionalização das sociedades e seu impacto na educação superior. (MOROSINI, 2006, p. 115).

Na análise da transcrição da entrevista com o grupo focal, a internacionalização do ensino superior é entendida pelos estudantes de licenciatura em Química, principalmente, como um processo de mobilidade internacional. Quando perguntados sobre sua concepção em relação à internacionalização, são recorrentes falas como: “estudar fora do Brasil”; “fazer essa ponte Brasil com outros países”; “viajar”; “não só ir para fora, mas trazer o de fora pra cá”; “liberdade, novos horizontes”; e “desapego da família, mudança”.

No entanto, a mobilidade internacional é um meio dentro do processo de internacionalização do ensino superior. A internacionalização do ensino superior é entendida por alguns autores como uma dimensão global, intercultural no ensino superior, ou seja, algo amplo, sendo um desafio da globalização para as instituições. De Wit (2002) afirma que:

Uma definição mais focada é necessária para ser entendida com a importância que ela merece. Mesmo se não houver concordância sobre a definição, a internacionalização precisa ter parâmetros para ser avaliada e, portanto, contribuir com a educação superior. Este é o motivo pelo qual o uso de uma definição em construção com uma estrutura conceitual é relevante para internacionalização do ensino superior. (DE WIT, 2002, p.114).

Assim, podemos considerar que o conceito ainda está em construção, não há uma similaridade sobre a definição. Podemos destacar aqui mais algumas falas dos estudantes, também pertencentes à categoria do conceito: “diversidade de cultura”; “diversidade de idiomas”; “pluralidade”; e “oportunidades”.

Segundo Miura (2006), a internacionalização do ensino superior é definida como um processo de dimensão internacional, intercultural e global:

Como uma tríade e como conceitos complementares. Internacional refere-se às relações entre nações, culturas ou países. Intercultural é usada para enfatizar a importância da tolerância e da diversidade cultural que existe dentro de países, comunidades e instituições e, global refere-se ao escopo amplo e mundial. (MIURA, 2006, p. 32).

O segundo aspecto que trata das experiências internacionais, como a internacionalização ocorre e suas dificuldades, o grupo focal deixou aflorar que no curso de Licenciatura não acontecem ações de internacionalização, ou com pouquíssima frequência. A maioria respondeu ao mesmo tempo que não acontecem, uma pequena parte dos participantes respondeu “não sei” e outros quatro sujeitos manifestaram que “sim”. Os que responderam “sim”, afirmaram ter participado de uma palestra durante a Semana da Química, em 2018, que aconteceu em inglês e não teve tradução. Quando questionados como foi essa experiência com outra língua, os estudantes disseram: “ficamos boiando”; e “tentava acompanhar pelos slides, que também estavam em inglês, mas não entendia nada”.

A atividade citada pelos estudantes aconteceu há aproximadamente dois anos. A maioria afirmou que no curso de Licenciatura Plena em Química as ações de internacionalização não acontecem. Nenhum dos estudantes fez mobilidade internacional.

Um dos participantes ainda relatou que:

Eu lembro uma vez que a minha turma reclamou bastante porque teve um professor que falava com sotaque espanhol, falava muito rápido, e a gente não estava entendendo nada, era um professor de cálculo. (LARISSA, 2020)[5].

Na análise da entrevista foi possível identificar que idioma estrangeiro é a principal dificuldade do grupo entrevistado, evidenciando assim um bloqueio para os estudantes que têm interesse em participar de mobilidades internacionais. A questão do idioma foi um assunto recorrente nas falas de todos os sujeitos desta pesquisa, como é possível observar nos seguintes trechos dos relatos:

Sei que acontecem alguns editais da UFMT, mas eu não participo dos editais por insegurança. Vejo que muitas universidades ao qual a UFMT faz parceria pedem o espanhol e eu não tenho um domínio bom dessa língua. Eu estudei espanhol no ensino fundamental e isso já faz muito tempo, então por causa disso eu nunca tentei. (LAURA, 2020).

O principal problema mesmo é a insegurança de nós não conhecermos outros idiomas, pra gente se sentir capaz de sair daqui. Porque normalmente as oportunidades são somente para países que tem domínio em língua inglesa e espanhola. (CARLOS, 2020).

Aparentemente os estudantes do curso de Licenciatura em Química não se sentiram atraídos a participar das atividades de mobilidade internacional, pois quando perguntados sobre o interesse de participação nessas atividades, quase não houve manifestação pelos estudantes, como se fosse algo inatingível, distante de suas realidades. E os poucos que expressaram alguma opinião, deixaram evidente a impossibilidade, principalmente, por não saberem outros idiomas.

A ausência dessa competência causa perdas aos estudantes de muitos cursos, mas, acredita-se, no caso das licenciaturas este é um impeditivo mais acentuado. É incomum no Brasil que o estudante consiga aprender outros idiomas somente com as aulas dos ensinos fundamental e médio. Por outro lado, os cursos de idiomas oferecidos pelas instituições de ensino superior, em geral, são para obtenção de níveis básicos de algum idioma ou de leitura de textos técnicos. No caso da UFMT não há um Centro de Idiomas, o que demonstra que esta não é uma preocupação institucional.

Paralelo a isso, o mundo de trabalho vem se apresentando cada vez mais competitivo e necessitando de profissionais capacitados, com habilidades linguísticas e sensibilidade e tolerância às diferentes culturas existentes no mundo. Segundo Prado (2000), o conhecimento de outras culturas e outros idiomas, principalmente da língua inglesa, que é considerada como segunda língua em diversos países e, consequentemente, a língua mais utilizada nos padrões acadêmicos internacionais, pode ser considerado um benefício primordial para que um profissional possa se inserir nesse mercado, tornando-se uma habilidade extremamente valorizada na vida profissional do indivíduo.

No que se refere à categoria “habilidades linguísticas” do grupo de estudantes investigados, apenas dois manifestaram algum conhecimento em outro idioma, porém, no nível básico. Apenas um estudante faz curso de idioma, para iniciantes, no curso de extensão da UFMT. Os outros estudantes nunca fizeram cursos de línguas estrangeiras. Os dois únicos estudantes que manifestaram conhecer outros idiomas relataram que fizeram algumas aulas em casa pela internet e praticaram assistindo séries, eles consideram que possuem nível básico, se colocando no máximo no nível A2 em inglês e A1 em espanhol. Também, afirmaram que só tiveram aulas de inglês e espanhol no ensino fundamental e médio.

Esse parâmetro ao qual os alunos se referem, faz parte do Quadro Europeu Comum de Referência para Línguas (CEFR). Existem seis níveis diferentes de domínio em um determinado idioma, sendo A1, A2, B1, B2, C1 e C2. O “A” refere-se a um nível iniciante e básico do idioma, compreende e usa expressões familiares e cotidianas que satisfaz as necessidades básicas. O falante deste nível é capaz de se comunicar em tarefas simples e rotinas que exijam apenas uma troca rápida e fácil de informações. Geralmente nos programas de mobilidade internacional, quando exigida comprovação de proficiência no idioma do país escolhido pelo estudante é necessário, no mínimo, o nível intermediário, desse modo, nível B1 ou mais avançado.

Diante do exposto, devemos estar atentos, voltando às preocupações de Knight (2012), com os rumos negativos que a internacionalização pode tomar em seu processo. E, ao analisar as experiências relatadas pelos sujeitos do grupo focal, é pertinente ressaltar a teoria do capital cultural de Pierre Bourdieu para a compreensão desse movimento, tanto histórico quanto, inclusive, no desenvolvimento de políticas e práticas educacionais. Isso porque a cultura é considerada determinante no processo de aprendizagem, orientando os rumos posteriores do indivíduo.

A noção de capital cultural impôs-se, primeiramente, como uma hipótese indispensável para dar conta da desigualdade de desempenho escolar de crianças provenientes das diferentes classes sociais, relacionando o "sucesso escolar", ou seja, os benefícios específicos que as crianças das diferentes classes e frações de classe podem obter no mercado escolar, à distribuição do capital cultural entre as classes e frações de classe. (BOURDIEU, 2007, p. 73).

Pesquisando os três estágios do capital cultural, é perceptível que o indivíduo que tem melhores condições econômicas, articulações sociais mais amplas, com um capital cultural qualificado, aproxima-se de melhores condições para prosperar na sociedade e no ensino. Sendo assim, o capital cultural tem um papel importante na estrutura da sociedade: é preciso considerá-lo efetivamente na elaboração de estratégias de ação no ensino.

Segundo Prado (2000), em se tratando do perfil dos estudantes que participam de mobilidades internacionais, quando olhamos para o contexto familiar desses indivíduos, é possível identificar que:

[...] as famílias que enviam seus filhos para o intercâmbio devem, em grande parte, sua posição social aos estudos. [...] a experiência de estudo no exterior seria uma das atividades que incluiriam entre aquelas escolhidas para os filhos pelos pais das classes médias e superiores. [...] Os intercâmbios seriam, portanto uma das estratégias para a reprodução do patrimônio cultural social da família. (PRADO, 2000, p.165).

Prado (2004) também problematiza a questão do estudo de idioma nas escolas que, apesar de ter apresentado avanços com o tempo, ainda é muito incipiente. E ainda discute a expansão das escolas de idiomas que, apesar da sua difusão que tornou possível o acesso a diferentes classes, ainda não são acessíveis a todas as classes, tornando, os cursos pagos um diferencial na formação do indivíduo com melhores condições econômicas.

Aliás, a expressão, muito frequente no Brasil “meu inglês é de colégio”, significando que ele não é de bom nível, é um bom exemplo da desvalorização do ensino escolar das línguas. Hoje, podemos observar um maior acesso a esses cursos livres de línguas, devido à expansão de sua oferta – principalmente daqueles que oferecem o inglês – mesmo que esse acesso não seja ainda, como vimos, possível a todos que desejam frequentá-los. (PRADO, 2004, p.69).

Além da dificuldade em relação à ausência de proficiência em idiomas estrangeiros, outra dificuldade relatada pelo grupo focal para participação em mobilidades internacionais foi o fato do curso de Licenciatura em Química ser integral e com uma grade curricular extensa, exaustiva, que dificulta a conclusão das disciplinas, além dos atrasos do calendário acadêmico da instituição. Conforme retratado em algumas falas do grupo focal:

Eu já pensei em fazer uma mobilidade internacional por meio dos editais da UFMT, mas o calendário da universidade é muito irregular, e também quando procurei saber, achei muito difícil, antes de sair da universidade você tem que deixar suas disciplinas do semestre concluídas. Eu tenho uma amiga do curso de Comunicação que foi para Colômbia e teve que deixar todas as disciplinas aqui aprovadas para ir para lá. Creio eu que no curso de Comunicação isso seja mais fácil do que pra quem é do curso de Química, porque ô curso puxado! (VITOR, 2020).

O fato de o curso de Licenciatura em Química ser integral e considerado pelos estudantes algo exaustivo, influencia também no tempo exíguo para estudar outros assuntos fora das disciplinas programadas, como estudar um idioma estrangeiro, por exemplo. O grupo focal manifestou que isso causa pouco interesse em procurar os cursos de idiomas ofertados pela universidade.

Os estudantes ainda expressaram falta de incentivo do corpo docente para algumas atividades de internacionalização que poderiam ser desenvolvidas dentro do curso. Atividades que tratam da internacionalização no ensino superior, por meio de eventos, palestras, oficinas, para os estudantes conhecerem mais sobre essa temática. Eles relatam que precisam entender esse processo. Além disso, afirmam:

Além de trazer pessoas para falarem de internacionalização, o nosso departamento também tinha que dar um pouco mais de apoio pra gente, incentivar a aprender novas línguas, incentivar os alunos a fazerem trabalhos em outra língua, pesquisar e apresentar. (LAURA, 2020).

Os resultados deste estudo evidenciam que a internacionalização no contexto das licenciaturas é uma temática que ainda representa um assunto novo e complexo no cotidiano do processo de ensino dos estudantes. Sendo assim, a exploração do tema “internacionalização do ensino superior” realizada por meio da entrevista se tornou importante. A técnica grupo focal permitiu que os participantes expusessem depoimentos de diferentes experiências com perguntas não previstas. A interação entre eles, que já se conheciam, foi um fator que trouxe ganhos, pois em muitos momentos um participante indagava o outro ou contribuía/complementava com a fala do colega, e assim o assunto se desdobrava em outros assuntos, porém dentro da mesma temática.

5 CONSIDERAÇÕES

Com o avanço da internacionalização do ensino superior, as instituições do Brasil estavam engajadas nas ações de cooperação internacional. Internacionalização era uma meta óbvia para as instituições, buscando o maior número de alunos enviados para outros países, o maior número de convênios, ampliação de cooperação por meio de novas parcerias, enfim, empenhadas a estabelecerem exatamente o grande desafio para a universidade do século XXI, que é a formação de cidadãos globais. Cidadãos com competências para atuação em mercados multiculturais, com habilidades, comportamentos e atitudes extremamente valorizados em um momento em que o mundo está cada vez mais interconectado, mais globalizado, mais intercultural.

Com as novas políticas do Governo brasileiro, a internacionalização se configurou como um processo fundamental, uma ferramenta estratégica na formação acadêmica superior. E, ao analisar as políticas públicas atuais, é perceptível que a graduação não é prioridade. Assim como é perceptível que durante os últimos dez anos o principal programa de internacionalização para a graduação era voltado para as áreas pertinentes ao bacharelado, evidenciando a disparidade das oportunidades em relação às licenciaturas.

O grupo focal como técnica de coleta e análise de dados, neste estudo, foi uma importante estratégia para trazer à tona pontos de vista e significados sobre internacionalização do ensino superior sob o olhar de estudantes de licenciatura. Essa experiência também permitiu perceber a importância de proporcionar espaços de discussão sobre a temática deste trabalho, pois, para os participantes, se trata de um tema novo, nunca discutido. Esse potencial interativo e problematizador contribui para o repensar de concepções, práticas e políticas sociais.

Os resultados com os estudantes de licenciatura em Química mostraram que a internacionalização do ensino superior ainda recebe, na prática, pouca importância, conforme foi possível identificar nas falas dos sujeitos. Em termos das experiências internacionais dos estudantes de licenciatura em Química da UFMT, isso é quase inexistente.

A UFMT, assim como muitas instituições de ensino superior brasileiras, não conseguirá avançar no processo de internacionalização sem que seus membros saibam outros idiomas. É preciso suprir também essa necessidade básica.

Os dados produzidos por esta pesquisa mostram que ainda existe muita desigualdade em termos de números de mobilidade internacional entre os estudantes dos cursos de Bacharelado e os de Licenciatura. As licenciaturas continuam sem oportunidades, com números ainda muito inferiores na participação desse importante processo de interculturalidade que pode oferecer a internacionalização à formação do docente.

São visíveis os desafios das instituições de ensino superior brasileiras na busca de ações que favoreçam a inclusão das licenciaturas nesse processo de internacionalização, quer na busca de parcerias e acordos com instituições internacionais, e/ou estabelecendo estratégias na elaboração do planejamento de ações específicas para essas áreas. É essencial atentar-se para a importância da superação dessas desigualdades. Pode ser uma meta talvez pouco ambiciosa para a maioria das universidades brasileiras, mas, de certa forma, são elementos que nos dão um indicativo, que contribuem para as ações que precisamos desenvolver nos cursos de formação docente, sobretudo na área de Educação em Ciências.

Sobre as novas políticas do Governo brasileiro, é importante se perguntar: como as universidades têm trabalhado com as licenciaturas? Como é a participação das licenciaturas no processo de internacionalização? E, principalmente, se existem estratégias sendo desenvolvidas para minimizar e corrigir o problema da pouca ou nenhuma participação das licenciaturas nos processos de internacionalização. Paralelo a isso, precisamos estar atentos também ao problema da internacionalização sendo quase um programa de elite, que contempla alunos que dominam línguas, que possuem recursos financeiros, ou que já têm uma estrutura familiar adequada para tais oportunidades. Pois, se o papel de uma instituição é responsabilidade social, inclusão, mais do que nunca a internacionalização deve ter essa questão como foco principal.

Pode-se afirmar, a princípio, que esta pesquisa abre caminhos na tentativa de problematizar a internacionalização das licenciaturas, principalmente em tempos novos, desconhecidos, imprevisíveis, mas fundamentais para repensarnos sobre a elaboração das nossas políticas institucionais e sobre as novas diretrizes do Brasil para internacionalização do ensino superior.

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Notas

3 A revisão ortográfica do presente artigo foi realizada por Renata Francisca Ferreira Lopes, profissional de Letras (português/inglês).
4 Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas Humanidades da Universidade Federal de Mato Grosso, por meio da Plataforma Brasil, sob o número de registro do Certificado - CAAE: 17203519.1.0000.5690.
5 Para garantir a não identificação dos sujeitos desta pesquisa os nomes dos entrevistados foram substituídos por pseudônimos. Usaremos nomes fictícios como Laura, Carlos, Larissa e Vitor.

Autor notes

1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Assessora de Gabinete e Comunicação da Secretaria de Relações Internacionais (SECRI / UFMT), Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Endereço para correspondência: Universidade Federal de Mato Grosso, Secretaria de Relações Internacionais, Cidade Universitária, Boa Esperança, Cuiabá, Mato Grosso, Brasil, CEP: 78060-900.
2 Doutora em Educação (USP/São Paulo). Docente do Departamento de Química da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Endereço para correspondência: Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de Ciências Exatas e da Terra, Laboratório de Pesquisa e Ensino de Química – LabPEQ, Cidade Universitária, Boa Esperança, Cuiabá, Mato Grosso, Brasil, CEP: 78060-900.

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