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Progressões Aritmética e Geométrica: visões a partir dos livros de Aritmética e Álgebra de Serrasqueiro e Ottoni
Arithmetic and Geometric Progressions: views from the books of Arithmetic and Algebra of Serrasqueiro and Ottoni
Progresiones Aritmética y Geométrica: visiones a partir de los libros de Aritmética y Álgebra de Serrasqueiro y Ottoni
Revemop, vol.. 1, núm. 2, 2019
Universidade Federal de Ouro Preto

Artigos

Revemop
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil
ISSN-e: 2596-0245
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 1, núm. 2, 2019

Recepção: 13 Janeiro 2019

Aprovação: 01 Abril 2019

Publicado: 01 Maio 2019

Copyright Revemop 2019.

Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Compartilhamento Pela Mesma Licença.

Resumo: Ao olhar para livros didáticos utilizados no Brasil, percebe-se que as Progressões estiveram presentes dentre os conteúdos de Aritmética e de Álgebra, oscilando entre esses campos ao longo do século XIX. Este artigo é um recorte de uma pesquisa e tem como objetivo investigar de que forma as Progressões se configuraram nas propostas para o ensino de Matemática na escola secundária no século XIX em obras didáticas de Álgebra e de Aritmética. Os livros Tratado Elementar de Arithmetica e Tratado de Algebra Elementar do português José Adelino Serrasqueiro e Elementos de Arithmetica e Elementos de Algebra do brasileiro Cristiano Benedito Ottoni, foram considerados para análise, especialmente por terem sido adotados no Colégio Pedro II, instituição referência para o ensino secundário brasileiro durante o século XIX.

Palavras-chave: Colégio Pedro II, Ensino secundário, Progressões, Adelino Serrasqueiro, Cristiano Ottoni.

Abstract: When looking at textbooks used in Brazil, we notice that the Progressions were present between the contents of Arithmetic and Algebra, oscillating between these fields throughout the nineteenth century. This article is part of a research and aims to investigate how the Progressions were configured in the proposals for the teaching of Mathematics in secondary school in the nineteenth century in textbooks of Algebra and Arithmetic. The textbooks Tratado Elementar de Arithmetica and Tratado de Algebra Elementar written by the Portuguese José Adelino Serrasqueiro and Elementos de Arithmetica e Elementos de Algebra written by the Brazilian Cristiano Benedito Ottoni, were considered for analysis, especially since they were adopted in the Colégio Pedro II, reference institution for Brazilian secondary education during the 19th century.

Keywords: Colégio Pedro II, High school, Progressions, Adelino Serrasqueiro, Cristiano Ottoni.

Resumen: Al mirar a libros didácticos utilizados en Brasil, se percibe que las Progresiones estuvieron presentes entre los contenidos de Aritmética e de Álgebra, oscilando entre esos campos a lo largo del siglo XIX. Este artículo es un recorte de una investigación y tiene como objetivo investigar de qué forma las Progresiones se configuraron en las propuestas para la enseñanza de Matemáticas en la escuela secundaria en el siglo XIX en obras didácticas de Algebra y de Aritmética. Los libros Tratado Elementar de Arithmetica y Tratado de Algebra Elementar del portugués José Adelino Serrasqueiro y Elementos de Arithmetica y Elementos de Algebra de brasileño Cristiano Benedito Ottoni, se consideraron para el análisis, sobre todo porque han sido adoptadas en el Colegio Pedro II, institución de referencia para la la enseñanza secundaria brasileña durante el siglo XIX.

Palabras clave: Colégio Pedro II, Enseñanza secundaria, Progresiones, Adelino Serrasqueiro, Cristiano Ottoni.

1 Introdução

Durante o século XIX a educação pública no Brasil apresentava estrutura bastante deficiente. As escolas funcionavam em espaços improvisados como em igrejas, prédios comerciais ou na residência dos próprios professores, que recebiam uma pequena ajuda financeira do governo para custas com o aluguel. Além disso, para além da escola existente, outros alunos tinham acesso ao ensino e aprendizagem da leitura, escrita e de cálculos por meio da escolarização doméstica, superando em números as escolas cujos professores tinham algum vínculo com o Estado (FARIA FILHO e VIDAL, 2000, p. 21).

Em se tratando do ensino secundário, somente a partir de 1837 este nível começa a se organizar no Brasil graças à criação do Imperial Collegio de Pedro II. Schubring (2005), ao tratar de possíveis abordagens para a pesquisa em história do ensino de Matemática lembra que, ao lado dos professores, os manuais escolares determinam muito mais decisivamente a realidade do ensino. Por ser uma instituição modelar e representativa do ensino secundário ao longo do século XIX, a escolha dos manuais cujos autores tinham expressiva representação no Colégio Pedro II se mostra oportuna como instrumento para identificar quais saberes escolares estavam presentes na escola da época, isto é, aqueles saberes e competências julgados indispensáveis à inserção das novas gerações na sociedade, aqueles saberes que a ninguém é permitido ignorar (SOARES, 1996).

Galvão e Lopes (2010) afirmam que o estudo das disciplinas e dos saberes escolares são primordiais na compreensão do papel dos contextos culturais na delimitação do que deve ser ensinado na escola e ao mesmo tempo, na atribuição da mesma ao gerar e reelaborar o conhecimento, principalmente pelos processos de didatização. Além disso, ao tratar os conteúdos de ensino, programas, provas, exercícios e manuais escolares, a história das disciplinas e dos saberes escolares permitem a compreensão dos procedimentos de seleção e transmissão dos saberes.

Citando Marc Bloch, Garnica e Souza (2012) observam que

[...] a História não é, propriamente, o estudo do passado (como usualmente ouvimos dizer), mas uma ciência nutrida pelo diálogo entre o presente e o passado, um diálogo no qual o presente sempre toma a frente, pois é no presente que nos surgem questões cujas respostas podem ter mais significado se as entendermos em seu processo de constituição, que se dá no tempo (p. 21).

Sendo assim, “[...] há, sempre, mudanças e permanências, pois, no fluxo temporal, algumas coisas se alteram (com menos ou mais rapidez) e outras se mantêm (por um certo tempo, às vezes longo, às vezes curto... às vezes demasiadamente longo)”. (GARNICA e SOUZA, 2012, p. 24).

Concordamos com Carr (2002) quando diz que a história se constitui num “processo contínuo de interação entre o historiador e seus fatos, num diálogo interminável entre o presente e o passado” (p. 65). Para que esse diálogo aconteça, o historiador deve se apropriar dos “vestígios” deixados pelo passado, embora entendamos que “o passado nunca será plenamente conhecido e compreendido [...] podemos apenas entender seus fragmentos, suas incertezas” (GALVÃO e LOPES, 2010, p. 65).

Nesse trabalho nossos vestígios são os manuais didáticos. O interesse pelos livros didáticos se justifica por sua fundamental importância como um objeto pedagógico e fonte de pesquisa histórica que exprime valores, normas, componentes do currículo escolar de uma época e de uma sociedade além de consistir na transcrição do que era ensinado, ou que deveria ser ensinado em cada momento da história da escolarização. Ocupando um lugar de destaque na educação brasileira, o livro escolar se configura como componente de investigação de aspectos históricos, ideológicos, bem como da forma dos manuais e dos conteúdos por ele veiculados.

De acordo com Bittencourt (2004), o livro didático é uma ferramenta de natureza complexa e caracteriza-se por ser um suporte de conhecimentos escolares, de métodos pedagógicos, veículo de sistemas de valores, além de ser também uma mercadoria. Segundo a autora,

pode-se constatar que o livro didático assume ou pode assumir funções diferentes, dependendo das condições, do lugar e do momento em que é produzido e utilizado nas diferentes situações escolares. Por ser um objeto de ‘múltiplas facetas’, o livro didático é pesquisado enquanto produto cultural; como mercadoria ligada ao mundo editorial e dentro da lógica de mercado capitalista; como suporte de conhecimentos e de métodos de ensino das diversas disciplinas e matérias escolares; e, ainda, como veículo de valores, ideológicos ou culturais (BITTENCOURT, 2004, p. 471).

Sobretudo, os manuais didáticos foram considerados por Corrêa (2000) como fragmentos da cultura escolar, no sentido de Julia (2001), pois ao tomar compêndios que foram organizados e adotados em escolas do século XIX e início do século XX, observam-se elementos diferenciados de variadas dimensões da cultura social mais ampla, bem como diferentes valores que integraram a cultura escolar de uma sociedade em determinada época.

É particularmente nesse aspecto que recai minha preocupação com esse tipo de fonte, justamente porque ele nos permite, como já dissemos, olhar a instituição por dentro a partir de sua análise interna. Nesse sentido, entendo que a contribuição avança pelo fato de não se restringir exclusivamente às práticas escolares, mas também, e principalmente, ao seu conteúdo, uma vez que os elementos contidos no livro dão vida e, ao mesmo tempo, significado às práticas escolares (CORRÊA, 2000, p. 17).

Em relação ao nosso foco de interesse nesse artigo, ao olhar em um primeiro momento para alguns livros didáticos do século XIX e primeiras décadas do século XX, percebemos que as Progressões tinham uma finalidade diferenciada como conteúdo escolar, servindo como pré-requisito para o ensino de Logaritmos. Assim, neste momento, a definição de Logaritmo parte das definições de Progressão, inserida em uma concepção aritmética, tal como foi concebida por Henry Briggs no século XVII, em oposição a uma visão algébrica associada às funções tal como atualmente. Neste trabalho, analisaremos os compêndios de Álgebra e de Aritmética dos autores Cristiano Benedito Ottoni e José Adelino Serrasqueiro, cujas obras foram adotadas no Colégio Pedro II. Nosso objetivo é explorar as diferentes perspectivas que as Progressões tiveram nessas obras em relação às concepções aritmética e algébrico-funcional dos Logaritmos.

2 As progressões nos programas de ensino do Colégio Pedro II

Observando os programas oficiais do ensino secundário do século XIX e início do século XX, percebemos que o estudo das Progressões esteve quase sempre presente no campo da Aritmética (VECHIA e LORENZ, 1998). Entre os anos de 1850 e 1856, as Progressões estavam presentes tanto em Aritmética quanto em Álgebra; nos programas de 1858 até 1892 eram abordadas somente em Aritmética; entre os anos de 1893 e 1898, voltam a serem estudadas simultaneamente em Aritmética e Álgebra. De 1899 até 1912, eram vistas somente no campo da Aritmética; e finalmente a partir do ano de 1915, as Progressões se consolidam em Álgebra.

O ensino de Progressões se apresentava com a denominação de Progressão por Diferença e Progressão por Quociente (o que atualmente corresponde à Progressão Aritmética e Progressão Geométrica). Nos Programas de Ensino, eram precedidas pelos estudos de razões e proporções e, em todos os anos analisados, estavam atreladas ao ensino dos Logaritmos. As abordagens pedagógicas do conceito de razão eram identificadas com um número racional positivo configurado como quociente de uma divisão e, também, como uma fração.

Esse modo de definir razão impossibilita que este termo seja também utilizado [...] para o estabelecimento de comparações entre quantidades relativas a grandezas de uma mesma espécie, quando esta comparação é feita não sob o ângulo da divisão, mas sob o ângulo da subtração (MIGUEL e MIORIM, 2002, p. 21, grifo dos autores).

Dessa forma, a concepção de razão é entendida sob dois aspectos ao se comparar grandezas de mesma natureza, utilizando assim as operações de subtração e divisão.

Essa concepção de razão, como seria de se esperar, repercute nas formas diferenciadas de se conceber a noção de proporção. De fato, dentro desse quadro, faz sentido desdobrar a noção de proporção em proporção por diferença ou equidiferença e proporção por quociente. Definia-se proporção por diferença ou equidiferença como a igualdade entre duas razões por diferença. Exemplo: subsiste uma relação de proporção por diferença entre as razões 10 – 7 e 8 – 5, pelo fato de as diferenças entre o antecedente e o conseqüente, em ambas as razões, serem iguais. Já uma proporção por quociente era definida como a igualdade entre duas razões por quociente. Exemplo: subsiste uma relação de proporção por quociente entre as razões 8/4 e 16/8, pelo fato de ambas produzirem o mesmo quociente quando os seus antecedentes são divididos pelos seus respectivos consequentes (MIGUEL e MIORIM, 2002, p. 22, grifo dos autores).

Portanto, para Miguel e Miorim (2002), o vínculo estabelecido entre as teorias das razões e proporções, das Progressões, e, também, dos Logaritmos nos livros didáticos do século XIX, determinava e comprovava a ordenação de programas para as unidades que conduziam a definição de Logaritmos. Essa seria uma justificativa plausível para as Progressões antecederem os Logaritmos e servirem de pré-requisito para a definição de tal conteúdo, diferentemente do que encontramos atualmente.

Como já dito, as Progressões foram tratadas tanto no campo da Aritmética quanto na Álgebra nos programas oficiais do Colégio Pedro II que datam do século XIX e das primeiras décadas do século XX. Este período intermediário na qual um mesmo tema é abordado em dois campos distintos, “[...] segundo duas concepções distintas, uma de natureza aritmética e outra de natureza algébrico-funcional” (MIGUEL e MIORIM, 2002, p. 71) nos mostra a necessidade de recorrer aos livros didáticos para que possamos investigar as características destas duas concepções e compreender as mudanças de abordagem ou permanências do tema em questão.

Segundo Alves (2015), entre os anos de 1850 e 1912, os compêndios das diferentes matérias do plano de estudos difundiram-se intensamente e tornaram-se importantes instrumentos de trabalho no Colégio Pedro II. Havia um nítido controle exercido por estes sobre o objeto de trabalho.

Nessa proposta, o professor era mero executor das operações ligadas ao trabalho docente. O manual, instrumento especializado destinado a uma série e a uma área de conhecimento do nível de ensino, ditava essas operações. Seu autor passava a ser outro especialista que não o professor (ALVES, 2015, p. 29).

Nos próximos itens analisaremos as obras de Serrasqueiro e Ottoni, investigando de que forma se apresenta o desenvolvimento do tema Progressões e a relação desse tema com a definição de logaritmos exibida pelos autores

3 As Progressões em obras de Aritmética e Álgebra: visões diferentes?

3.1 Elementos de Arithmetica e Elementos de Algebra de “Ottoni”

Cristiano Benedito Ottoni (1811-1896) foi um autor de grande prestígio no século XIX cujos livros didáticos predominaram no ensino de Matemática do Colégio Pedro II, sendo adotados não somente nesse colégio, como também em quase todos os estabelecimentos de instrução secundária e superior do Império, servindo inclusive de base para outros autores. Os exemplares analisados correspondem à 2ª edição da obra, datada de 1855 (de Aritmética) e à 8ª edição de 1893 (de Álgebra). Os livros de Ottoni são mencionados nos Programas do Colégio Pedro II nos anos de 1856, 1858, 1860, 1862 e 1870 (VECHIA e LORENZ, 1998).


Figura 1
Folha de rosto do livro Elementos de Arithmetica
(OTTONI, 1855)


Figura 2
Folha de rosto do livro Elementos de Algebra
(OTTONI, 1893)

Para Ottoni, “[...] a Arithmetica tem por objecto estabelecer regras fixas e as mais commodas para effectuar sobre os números todas as operações possíveis[1](OTTONI, 1855, p. 14).

A compilação de Ottoni, seus Elementos de Aritmética, orienta a distribuição dos conteúdos de ensino da disciplina já a partir de 1855, pelo novo Regulamento do Colégio Pedro II. O ensino de Aritmética passa a ser dividido em dois exatamente seguindo numa primeira parte a Aritmética sem uso de expressões literais e noutra com a conotação algébrica. (VALENTE, 1999, p. 151).

O oitavo capítulo do compêndio é intitulado “Theoria das Progressões e Logarithmos”. Todos os conceitos que servem de base para o estudo deste capítulo, encontram-se em itens anteriores, havendo um cuidado com a sequência didática dos conteúdos. Ottoni informou ao leitor que “[...] uma das mais importantes descobertas que se tem feito em mathematica é a teoria dos logarithmos, da qual damos no presente capítulo os princípios mais essenciaes: começando pelas progressões, em que se funda aquella teoria” (OTTONI, 1855, p. 193). Percebe-se claramente que a principal ênfase era o ensino dos Logaritmos, e as Progressões ficavam em segundo plano, sendo necessárias como ferramenta para a definição aritmética dos Logaritmos que seria apresentada. As Progressões Aritméticas, intituladas como “Progressões por differença” eram assim definidas:

Dá-se o nome de progressão por differenças a uma série de números taes, que cada um excede ao precedente, ou é por ele excedido, em um numero constante, que se chama a razão ou diferença da progressão. Chama-se ella crescente, quando cada termo excede o anterior: quando é por ele excedido, a progressão é decrescente (OTTONI, 1855, p. 193).

O autor forneceu um único exemplo exibindo uma Progressão crescente, “[...] ÷2.5.8.11.14.17.20.etc.” e outra decrescente “[...]÷60.55.50.45.35.30.25.etc.”. No livro, a abordagem dá destaque as regras, enunciados e exemplos, o que reforça a consideração feita por Silva (2000) de que “[...] o estilo do livro de Ottoni é o seguinte: ele parte do conceito, apresenta a regra ou regras e, em seguida, dá uma aplicação do conteúdo. Não há problemas resolvidos nem propostos” (SILVA, 2000, p. 144).

Ottoni faz a dedução da expressão do termo geral de uma Progressão Aritmética, viabilizando a possível compressão da generalização, conforme a Figura 3.

No encadeamento do conteúdo, o autor utilizou a ideia proposta pela expressão do termo geral, mostrando que são úteis na inserção de elementos entre dois outros termos: “Para inserir meios differenciaes entre dous números dados, tira-se o menor do maior, e divide-se o resto pelo numero dos meios mais 1. O quociente é a razão da progressão” (OTTONI, 1855, p. 196). O exemplo numérico dado refere-se à situação de inserir entre 2 e 29, 35 termos. Ao final da apresentação do conteúdo de Progressões Aritméticas, que ocupa cinco páginas, Ottoni enuncia o que chama de duas “propriedades”, com suas respectivas demonstrações, e justifica que os resultados “[...] depois nos serão uteis” (OTTONI, 1855, p. 196). Tais propriedades foram retomadas nos estudos de Progressão Geométrica. As propriedades enunciadas foram: “194. Em uma progressão por diferenças inserindo-se entre todos os termos consecutivos o mesmo número de meios differenciaes, as progressões parciaes assim formadas constituem uma só progressão” (OTTONI, 1855, p. 196) e “195. Em toda progressão de número determinado de termos, os extremos e dous termos equidistantes delles formão sempre equidifferença” (OTTONI, 1855, p. 197).


Figura 3
Cálculo do termo geral de uma Progressão por Diferença
(OTTONI, 1855, p. 194-195)

Já as “Progressões por Quocientes” foram assim definidas:

Dá-se este nome a uma série de termos dos quaes cada um é igual ao precedente multiplicado por um número constante que se chama de razão. Também se diz simplesmente progressão. Esta é crescente ou decrescente, segundo a razão é maior ou menor do que a unidade (OTTONI, 1855, p. 198).

O autor apontou que a Progressão era simplesmente uma série de razões iguais em que cada termo é antecedente de uma razão e consequente de outra e que três termos consecutivos de qualquer Progressão compõem uma proporção contínua. De maneira análoga às Progressões Aritméticas, foi deduzida a expressão do termo geral para o leitor.

Também para as Progressões Geométricas foi apresentada a ideia de interpolação geométrica (proposição n. 198), ou seja, dados o primeiro termo e outro qualquer de uma Progressão, pode-se inserir entre estes termos intermediários, denominados de meios proporcionais. Assim, deve-se achar a razão da Progressão para finalmente conseguir obter os termos a ser inseridos entre os outros dois. As propriedades das Progressões Geométricas apresentadas são análogas as das Progressões Aritméticas já enunciadas (propriedades n. 194 e n. 195).

Ao finalizar o conteúdo, Ottoni fez uma advertência em relação às diferentes nomenclaturas para as Progressões utilizadas em livros mais antigos (sem dizer a quais ele se refere): Progressão por Diferença também poderia ser encontrada em obras como Progressão Aritmética, da mesma forma que Progressão por Quociente poderia denominar-se Progressão Geométrica, ou ainda por Proporção Aritmética e Geométrica.

No item subsequente às Progressões, o autor iniciou os estudos de Logaritmos. De fato, as Progressões serviam como assunto essencial para a abordagem dos Logaritmos, começando com a sua definição.

Em geral, entende-se por logarithmos, numeros em progressão por differença, correspondendo termo a termo aos de uma progressão por quociente; cada termo desta terá por logarithmo o termo correspondente na outra progressão. Na progressão por quocientes deve haver um termo igual a 1, e o correspondente na progressão por diferenças, deve ser zero (OTTONI, 1855, p. 202).

Assim, notamos que a concepção aritmética dos Logaritmos foi apresentada, e na sequência do desenvolvimento do conteúdo, o autor enunciou a sua primeira propriedade: “O logarithmo do produto de dous números a, b, é igual à somma dos logarithmos dos factores” (OTTONI, 1855, p. 203). Para demonstrar esta propriedade, Ottoni recorreu mais uma vez às Progressões, utilizando inclusive, a segunda propriedade de Progressões Geométricas.


Figura 4
Primeira propriedade dos Logaritmos
(OTTONI, 1855, p. 203)

Outro uso das Progressões em Logaritmos foi na construção das “Taboas de logarithmos” cujo objetivo era facilitar os cálculos, pois dado um número inteiro poderia ser obtido seu logaritmo e vice-versa, bastando consular tal tabela. Feita a construção da Tábua de Logaritmos, o autor esclareceu que com o auxílio desta, poder-se-ia aplicar as propriedades de logaritmo de um produto e logaritmo de uma raiz de qualquer grau, por ele já demonstrados. No fechamento do capítulo, o autor apresentou as “Applicações da theoria dos logarithmos” e identificamos mais relações entre Progressões e Logaritmos. As “aplicações” nada mais são do que uso das fórmulas de interpolação já trabalhadas.

Em seu livro de Aritmética, Ottoni retratou toda a teoria das Progressões sem esclarecer ao estudante a utilização deste conteúdo. Apresentou as definições e propriedades, mas não revelou no início do estudo aos alunos seu objetivo final, ou seja, utilizar as Progressões para desenvolver a teoria dos Logaritmos. Otonni era um autor que trazia em suas obras poucos exemplos e nenhum exercício, exigindo do professor um domínio do conteúdo a ser ensinado ao propor mais exemplos de fixação de conteúdos e sendo necessária a elaboração de exercícios para seus alunos. Além disso, possuía um discurso coeso, estruturado em tópicos que articulava os conteúdos, proporcionando uma obra sequencial. Isso pode ser percebido pela enumeração dos itens que pressupõe um encadeamento lógico e sintético para o ensino. Não há, entretanto, imagens, ou referências a situações ditas “contextualizadas”.

Ottoni aborda também as Progressões em seu livro Elementos de Algebra, dedicando ao assunto o capítulo seis intitulado “Applicação dos princípios da Algebra às progressões e logarithmos”, que, segundo comentário do autor, “[...] completa os conhecimentos de Algebra absolutamente indispensáveis ao estudo da Trigonometria e da Applicação da Álgebra à Geometria” (OTTONI, 1893, p. 273).

O autor inicia os estudos das Progressões Aritméticas fazendo referência ao que já foi trabalhado em Aritmética, retomando de que forma podem ser calculados quaisquer termos de uma “[...] progressão por differença [...] a.b.c....h.i.l.. pela fórmula l = a ± (n–1) r” (OTTONI, 1893, p. 273). Nesta notação simplificada, o sinal positivo era aplicado às Progressões crescentes, enquanto o sinal negativo utilizado para as decrescentes. Mas, como a razão pode ser positiva ou negativa, o uso dos sinais algébricos simplificaria esta fórmula, sendo apresentada somente com o sinal positivo, satisfazendo assim, todas as Progressões Aritméticas.

O autor não apresentou exemplos e partiu para a dedução da expressão da soma dos termos de uma Progressão por Diferença (proposição n. 170), tema ao qual não se dedicou em seu livro de Aritmética.


Figura 5
Dedução da expressão da soma dos termos de uma Progressão por Diferença
(OTTONI, 1893, p. 274-275)

As fórmulas apresentadas serviram para anunciar o que Ottoni chamou de “problema geral”, ou seja: “Das cinco quantidades, primeiro e ultimo termo de uma progressão, razão, numero de termos, e a sua somma, sendo dadas três, calcular as duas restantes” (OTTONI, 1893, p. 275). O autor mencionou que dez expressões poderiam ter origem nesse “problema geral”. Ottoni alertou que estes problemas recaíam em equações do primeiro grau, com exceção dos casos em que as incógnitas fossem a e n ou l e n, sendo obtidas equações do segundo grau e apresentou os exemplos para estas questões. Tal ressalva não é mencionada no compêndio de Aritmética.


Figura 6
Exemplos do “problema geral”
(OTTONI, 1893, p. 276-277)

Ottoni explica como calcula-se a soma dos termos e a razão (proposição n. 173), dados o primeiro, o último termo e o número de termos da Progressão. Para isso, isolou a incógnita r da fórmula do termo geral, podendo ser utilizada para inserir meios diferenciais, conforme a Figura 7.


Figura 7
Demonstração da proposição n. 173
(OTTONI, 1893, p. 277-278)

Semelhantemente às Progressões por Diferença, para as Progressões por Quociente são retomados os conhecimentos anteriormente utilizados em Aritmética, apresentando em seguida, a fórmula do termo geral como “l = a. r n-1” para a Progressão a : b : c: ... :h: i : l.

Para a soma dos termos da Progressão por Quociente, Ottoni utilizou a mesma sequência da definição e deduziu a expressão da soma dos termos de uma progressão finita (OTTONI, 1893, p. 278-279). A seguir tem-se dois exemplos numéricos de aplicação: um tomando uma Progressão crescente em que se pede o 8º termo e a soma dos 8 termos da Progressão “[...] 2:6:18: etc.”; e outro, em que se calcula a soma dos 12 termos da Progressão “[...] 64:16: 4: 1: ¼... etc.” para a Progressão decrescente.

Ottoni também trabalha com a soma dos termos de uma Progressão infinita, em que s é o limite que tendem todas as somas parciais obtidas pela adição de um número cada vez maior de termos da Progressão, conforme podemos observar na Figura 8.


Figura 8
Dedução da expressão da soma dos termos de uma Progressão decrescente infinita
(OTTONI, 1893, p. 281-282)

Dessa forma, se as Progressões por Diferença dependiam de equações do primeiro ou segundo grau, algumas Progressões por Quociente dependiam de equações de graus superiores, podendo recair em casos que se necessitaria de princípios não estudados até então (como por exemplo, a incógnita ser o expoente). Somente para quatro destes problemas, fórmulas poderiam ser utilizadas: quando fosse pedido l e s, ou a e s, ou a e l, ou r e s, como descrito na figura a seguir.


Figura 9
Fórmulas para os problemas de Progressões por Quociente
(OTTONI, 1893, p. 284-285)

Na sequência do conteúdo, Ottoni também tratou de como “[...] inserir meios proporcionaes entre dous números a e 1, isto é, formar uma progressão de numero dado de termos, em que a e 1 sejam os extremos” (OTTONI, 1893, p. 285), para a qual apresentou o exemplo de “[...] inserir 6 meios proporcionaes entre 3 e 384”

Findo o conteúdo de Progressões, o autor deixa a diferença entre suas duas obras e de como os conteúdos são tratados em uma e na outra, a partir do seguinte comentário:

Algumas questões que acabamos de tratar já foram resolvidas na Arithmetica. Aqui, porém, ter-se-há occasião de notar quanto os princípios da Algebra simplificam a sua resolução, e ao mesmo tempo generalisam os resultados e consequências (OTTONI, 1893, p. 285).

Essa potencialidade da Álgebra para simplificar os cálculos é percebida também na abordagem da “Theoria dos exponenciais e dos logarithmos” em que Ottoni explora a resolução da equação ax = b. Ottoni afirmou então que “[...] os logarithmos offerecem meio commodo de resolver as equações exponenciais. Somente, para evitar o circulo vicioso, era preciso mostrar sem dependência dos logarithmos ha possibilidade de resolver aquellas equações; e para isso bastam as noções expendidas” (OTTONI, 1893, p. 290).

Notamos que a concepção algébrica dos Logaritmos foi abordada no desenvolvimento do conteúdo e na proposição n. 185, na qual o autor se preocupou em mencionar a diferença entre as duas (aritmética e algébrica) na definição dos Logaritmos:


Figura 10
Uso das Progressões em logaritmos
(OTTONI, 1893, p. 293)

Antes de demonstrar algebricamente as propriedades dos Logaritmos, Ottoni fez importante consideração mencionando o uso das Progressões nos Logaritmos em Aritmética:

A noção ultima é muito mais analytica e característica; dela com mais facilidade que da outra se deduzem as propriedades dos logarithmos. Mas, a utilidade destes, para simplificar os cálculos, fez nascer o desejo de os incluir na Arithmetica, e em falta de conhecimento das equações, especialmente das exponenciaes, não havia outro meio de estabelecer a doutrina senão o das progressões (OTTONI, 1893, p. 293).

As Progressões não foram utilizadas nas propriedades dos Logaritmos e construção das tábuas, mas em juros propostos, para o qual Ottoni propôs dois problemas. Na resolução de um deles: “[...] Pede-se a quantia que deve ser empregada a juro composto de 9 por cento ao anno, de modo que, recebendo-se 700 $ réis annualmente, no fim de 15 annos fique embolsado capital e juros” (OTTONI, 1893, p. 305), os conhecimentos de soma dos termos de uma Progressão por Quociente foram requisitados em sua resolução

3.2 Os livros de José Adelino Serrasqueiro: Tratado Elementar de Arithmetica e Tratado de Algebra

Nos anos de 1892 e 1893 o compêndio indicado nos Programas de Ensino do Colégio Pedro II foi o Tradado Elementar de Arithmética de José Adelino Serrasqueiro (1835-?), que nasceu em Portugal, formou-se em Medicina e Filosofia pela Universidade de Coimbra e foi professor de Matemática do Liceu Central da mesma cidade (MIORIM e MIGUEL, 2002). Baseado nas obras do francês Joseph Bertrand, escreveu compêndios que começaram a ser publicados a partir de 1869. Valente (1999) afirmou que, comparativamente a Ottoni, em relação aos conteúdos não havia notável diferença, entretanto, “[...] a evolução didática trazida por Serrasqueiro, como está em Bertrand, é a colocação de um conjunto de exercícios para os alunos ao final de cada item de conteúdo apresentado” (VALENTE, 1999, p. 160). Analisaremos um exemplar referente à 20ª edição para o compêndio de Aritmética, de 1919, e da 12ª edição, do de Álgebra, de 1918.


Figura 11
Folha de rosto do livro Tratado Elementar de Arithmetica
(SERRASQUEIRO, 1919)


Figura 12
Folha de rosto do livro Tratado de Álgebra Elementar
(SERRASQUEIRO, 1918)

O Tratado Elementar de Arithmetica é dividido em seis “livros”, subdivididos em “capítulos”. É o capítulo dois do livro quinto, que Serrasqueiro dedica para o estudo das Progressões.

Progressão foi definida como “[...] uma série de termos cada um dos quais tem para seu antecedente uma razão constante” (SERRASQUEIRO, 1919, p. 236), dividindo-se em Aritméticas e Geométricas. A aritmética “[...] é aquella em que a razão se avalia pela differença entre qualquer termo e o seu antecedente” (SERRASQUEIRO, 1919, p. 236). Assim, [...] os números 3, 5, 7, 9, 11, 13 ... formam uma progressão arithmetica, cuja razão é 2 e que se escreve do seguinte modo: ÷ 3. 5. 7. 9. 11. 13 ...” (SERRASQUEIRO, 1919, p. 236). Já a Progressão Geométrica foi anunciada como “[...] aquella em que a razão se avalia pelo quociente de um termo pelo seu antecedente” (SERRASQUEIRO, 1919, p. 236). O exemplo oferecido é da sequência de razão 3, “[...] ÷÷ 2: 6: 18: 54: 162: ...” (SERRASQUEIRO, 1919, p. 236)

As Progressões classificadas em crescentes ou ascendentes eram aquelas em que a razão é positiva, já as decrescentes ou descendentes, tem a razão negativa, no caso das Progressões Aritméticas. Analogamente, para as Progressões Geométricas, as crescentes ou ascendentes são aquelas nas quais a razão é maior que a unidade e as decrescentes ou descendentes, quando a razão é menor que a unidade.

As Progressões Aritméticas foram definidas detalhadamente na proposição n. 286:

Um termo qualquer de uma progressão arithmética é egual ao primeiro mais a razão multiplicada pelo numero dos termos antecedentes; ou egual ao último menos a razão multiplicada pelo numero de termos seguintes (SERRASQUEIRO, 1919, p. 237).

Após a demonstração, Serrasqueiro apresentou um exemplo numérico para explicitar a Progressões anteriormente definidas.


Figura 13
Exemplo de Progressão Aritmética
(SERRASQUEIRO, 1919, p. 237)

Serrasqueiro tratou também de interpolação aritmética (proposição n. 287) sendo que para inserir determinada quantidade de meios entre dois termos dados, bastava conhecer a razão, pois, adicionando a razão ao primeiro termo, seria obtido o segundo e assim sucessivamente (SERRASQUEIRO, 1919, p. 238).

Na proposição n. 290 Serrasqueiro tratou da soma de dois termos equidistantes dos extremos, que resulta no mesmo valor da soma dos extremos , e da soma dos termos de uma Progressão Aritmética, enunciada na proposição nº 291: “[...] a somma dos termos de uma progressão arithmetica é igual a semisomma dos termos extremos, multiplicado pelo numero de termos” (SERRASQUEIRO, 1919, p. 240).

O estudo das Progressões Geométricas foi iniciado com sua definição (proposição n. 293), seguida da demonstração e um exemplo numérico:

Um termo qualquer de uma progressão geométrica é egual ao primeiro multiplicado pela razão, elevada a um expoente egual ao numero dos termos antecedentes; ou egual ao ultimo dividido pela razão, elevada a um expoente egual ao numero dos termos seguintes (SERRASQUEIRO, 1919, p. 242).

Assim como nas Progressões Aritméticas, o autor trabalhou com a interpolação geométrica (proposição n. 294), ou seja, de que forma inserir meios entre dois elementos conhecidos da Progressão, bastando para isso obter a razão.


Figura 14
Interpolação geométrica
(SERRASQUEIRO, 1919, p. 243)

Na proposição n. 297, foi enunciado mais um resultado: “Em uma progressão geométrica, o producto de dois termos, equidistantes dos extremos, é egual ao producto dos extremos” (SERRASQUEIRO, 1919, p. 245).

Serrasqueiro ainda tratou do produto dos termos de uma Progressão Geométrica, que é igual à raiz quadrada do produto dos extremos, elevado a uma potência dada pelo número de termos da Progressão (proposição n. 298); e da soma dos termos de Progressão Geométrica crescente e decrescente (proposição n. 299) e das Progressões infinitas (proposições n. 300 e n. 301).

Para achar a somma dos termos de uma progressão geométrica: se ella for crescente, do producto do ultimo termo pela razão subtrahe-se o primeiro, e divide-se o resto pelo excesso da razão sobre a unidade; e se for decrescente, do primeiro termo subtrahe-se o producto do ultimo pela razão, e divide-se o resto pelo excesso da unidade sobre a razão (SERRASQUEIRO, 1919, p. 246).

Fechando o capítulo, Serrasqueiro propôs 23 exercícios diversos sobre Progressões. Constam 18 exercícios em que deveria ser utilizada a expressão do termo geral e fórmulas da soma de Progressões. As 5 últimas questões, consistiam em “situações-problema” nas quais o estudante poderia perceber possíveis “aplicações” de Progressões do seu cotidiano, que fogem ao contexto estritamente numérico.


Figura 15
Exercícios sobre Progressão Aritmética e Geométrica
(SERRASQUEIRO, 1919, p. 249-250)

O capítulo três, Serrasqueiro destinou para o estudo dos Logaritmos definido-os como “[...] os termos de uma progressão arithmética começando por zero, correspondentes aos termos de uma progressão geométrica começando pela unidade” (SERRASQUEIRO, 1919, p. 250). Percebemos que, mais uma vez, as Progressões se mostram importantes na definição de Logaritmo e Serrasqueiro destaca sua abordagem na aritmética, conforme ilustra a Figura 16.


Figura 16
Explicação sobre os logaritmos
(SERRASQUEIRO, 1919, p. 250-251)

O autor esclareceu que como há uma infinidade de sistemas de Progressões que satisfazem as condições citadas, consequentemente havia uma infinidade de sistemas de Logaritmos destacando os conhecidos como neperianos ou hiperbólicos e os vulgares ou de Briggs, estes definidos por meio de uma Progressão Geométrica de razão 10 e por uma Progressão Aritmética de razão 1.

As Progressões também são mobilizadas na explicação das propriedades dos Logaritmos como a que afirma que o logaritmo de um produto é igual à soma dos logaritmos dos fatores; e na construção das tábuas de logaritmos, em que foram empregados os conhecimentos especialmente da interpolação geométrica.

Notamos que Serrasqueiro se preocupou em apresentar as definições e proposições de maneira objetiva, apresentando as demonstrações e articulando os assuntos. No dizer de Henriques, Oliveira e Magalhães (2011), os livros de Serrasqueiro se inserem em um panorama de obras “[...] com grande preocupação na estrutura e escrita da Matemática” (p. 8). Mesmo com poucos exemplos numéricos no interior dos capítulos, havia ao final destes uma considerável quantidade de exercícios, proporcionando ao estudante uma reflexão da matéria e o desenvolvimento de habilidades com os conteúdos.

No Tratado de Álgebra Elementar, Serrasqueiro não reservou um capítulo específico para o estudo das Progressões. Estas só seriam introduzidas na definição de Logaritmo, sem serem abordadas anteriormente. O quarto livro, capítulo três, “Theoria dos Logarithmos”, é dividido em três partes: quantidades exponenciais e equações exponenciais, princípios gerais relativos aos logaritmos e logaritmos considerados como expoentes. Na primeira parte, trabalha-se com a função contínua ax e com a equação exponencial ax = b, como sua forma mais simples.

Em “Princípios geraes relativos aos logarithmos”, estes foram definidos inicialmente partindo da concepção aritmética: “Logarithmos são os termos de uma progressão arithmética começando por zero, correspondentes aos termos de uma progressão geométrica começando pela unidade” (SERRASQUEIRO, 1918, p. 320). O autor fez três considerações acerca de um sistema de Logaritmos formado por Progressões crescentes e apresentou os logaritmos neperianos.

1º Todos os números positivos têm logarithmos; e os números negativos, não fazendo parte da progressão geométrica, não têm logarithmos reaes. 2º Os números maiores que a unidade tem logarithmos positivos; e os números menores que a unidade, têm logarithmos negativos. 3º O logarithmo da unidade é sempre zero; o logarithmo de zero é infinito negativo, e o logarithmo do infinito é o infinito positivo (SERRASQUEIRO, 1918, p. 321).

As Progressões foram utilizadas na explicação do cálculo do módulo do sistema de Logaritmos, ou seja, a “[...] quantidade constante pela qual se tem de multiplicar os logaritmos neperianos para passar para esse systema” (SERRASQUEIRO, 1918, p. 323) e por fim, na última proposição dessa parte do conteúdo, o autor propôs que a definição de Logaritmos poderia ser desvinculada da ideia de Progressões:

[...] um termo de qualquer progressão arithmetica é precisamente o expoente a que é necessário elevar a base a para produzir o termo correspondente da progressão geométrica. Portanto, podemos desembaraçar a definição de logarithmos da ideia de progressão, considerando os logarithmos como expoentes [...] SERRASQUEIRO (1918, p. 324)

Assim, em “Logarithmos considerados como expoentes”, tem-se uma nova definição a partir da função exponencial: “Logarithmos de um numero é o expoente da potencia a que é necessário elevar uma quantidade positiva chamada base, para produzir um numero. Assim, sendo x = log y (base a), por definição teremos y = ax(SERRASQUEIRO, 1918, p. 325).

Nessa parte do livro, os Logaritmos foram caracterizados e tiveram suas propriedades deduzidas com base nas propriedades de potenciação, entretanto, Serrasqueiro não abandonou a definição aritmética de Logaritmo “[...] com propósito de compará-la com a algébrico-funcional e mostrar a identidade de ambas” (MIGUEL e MIORIM, 2002, p. 73). Dessa forma, o autor afirmou que “[...] as definições de logarithmos, dadas na arithmética e na álgebra são equivalentes” (SERRASQUEIRO, 1918, p. 326) e chamou a definição aritmética de “definição primitiva dos logaritmos”. No capítulo quatro, “Applicação dos logarithmos”, as Progressões ainda aparecem em situações que tratam de anuidades e na fórmula de amortização de dívidas.


Figura 17
Equivalência entre a concepção algébrica e aritmética dos logaritmos
(SERRASQUEIRO, 1918, p. 326)

No final do quarto capítulo o autor propôs exercícios que tratavam de definição de logaritmos, equações logarítmicas e exponenciais e problemas que envolviam aplicação destes em juros compostos e anuidades.

4 Considerações

Ao tomar livros didáticos de Matemática atuais, percebe-se a presença das Progressões como conteúdo a ser ensinado na primeira ou segunda série do Ensino Médio, localizadas logo após as Funções Logarítmicas. As Sequências Numéricas, especialmente as Progressões Aritméticas e Geométricas, são conteúdos considerados relevantes no atual Ensino Médio na medida em que propiciam aos alunos a descoberta de padrões e a realização de generalizações.

Ao olhar para as obras de Ottoni e Serrasqueiro, pudemos constatar que a abordagem das Progressões, como pré-requisito para o ensino dos Logaritmos, se mostrou em transformação, ora enfatizando-as como sequências com determinadas características, mas sem aplicações em outros contextos, ora com um tratamento que tendia a explorar o conceito em outras situações. Na maioria dos Programas de Ensino do Colégio Pedro II, as Progressões e Logaritmos estavam inseridos no campo da Aritmética, sendo que no Programa de 1892 (ano em que o livro de Serrasqueiro é adotado), tem-se o estudo de Progressões e Logaritmos no programa de Álgebra pela primeira vez, consolidando-se somente em 1915 (BELTRAME, 2000) e prevalecendo assim nos livros didáticos até os dias atuais.

Ao considerar a concepção Aritmética dos Logaritmos como definição primitiva dos mesmos, Serrasqueiro talvez quisesse relacionar ao próprio significado da palavra Logaritmo, como esclarecem Miguel e Miorim (2002):

A palavra logaritmo, criada por Napier para denominar o novo objeto matemático forjado com base nas propriedades correlativas entre os termos de uma PA e de uma PG, traz subjacente o modo como ele explorou essas propriedades a fim de dotá-las do caráter operatório explicativo do seu aproveitamento na simplificação de cálculos aritméticos. De fato, logaritmo é uma combinação de duas palavras gregas - logos e arithmos -, a primeira significando razão e a segunda número. Assim, o significado etimológico da palavra logaritmo é o número de razões, sendo que o termo razão refere-se à razão da PG, e número de razões, ou seja, o logaritmo de um termo n da PG refere-se ao número n de vezes em que a razão (1 – 1/107) da PG deveria ser sucessivamente aplicada ao primeiro termo – 107 - dessa mesma PG a fim de se obter o número 107 (1 – 1/107)n. Assim, se a razão da PG for aplicada uma única vez ao seu primeiro termo, temos que o logaritmo neperiano desse produto (que constitui o segundo termo da PG) é 1; se for aplicada 2 vezes, então, Nlog107 (1 – 1/107)2 = 2, e assim sucessivamente (MIGUEL e MIORIM, 2002, p. 43, grifos dos autores).

Dessa forma, a etimologia da palavra Logaritmo expressa a fase aritmética do desenvolvimento na história que, apesar de transformações conceituais, resistiu ao tempo. Miguel e Miorim (2002) citando Naux (1966) nos mostram como a palavra logaritmo teria perdurado pelos séculos, bem como sua vinculação às Progressões:

Esta sólida união da palavra e da idéia não seria desfeita e apagada senão pela potente ação renovadora do cálculo infinitesimal, por volta de 1700; mas, a transformação radical imposta à idéia de logaritmo que se tinha até então, não exerceu qualquer ação dissolutiva da palavra, a qual permaneceu a mesma após tal transformação conceitual. Ela tinha em seu favor o poder do hábito e, sobretudo, a quase impossibilidade de se encontrar uma melhor que a sucedesse e que aparecesse como uma substituta digna de tomar o seu lugar na teoria elementar através das progressões (NAUX apud MIGUEL e MIORIM, 2002, p. 44).

Assim se justifica a separação entre a palavra e a ideia que era expressa nos livros didáticos brasileiros a partir de meados do século XIX, embora desenvolvessem um trabalho baseado na concepção aritmética do Logaritmo. Isso também explica o porquê da maioria dos professores e estudantes atualmente não vincularem a palavra logaritmo à ideia original que esta expressava, ou seja, às Progressões (MIGUEL e MIORIM, 2002, p. 44-45).

Além disso, Miguel e Miorim (2002) defendem que a concepção aritmética do Logaritmo baseada na teoria das Progressões, teve sua constituição pelo desenvolvimento de determinadas práticas sociais (como por exemplo, astronomia e navegação) em que se necessitava de simplificação de cálculos complexos e elaborados. Constataram também que a presença de tópicos algébricos antecedendo e/ou sucedendo o estudo dos Logaritmos, entretanto, não foi suficiente para caracterizar o que denominaram de “concepção algébrico-funcional” destes, pois, em todos os programas de Álgebra do período compreendido entre 1893 e 1912 os conteúdos de Progressão Aritmética e Geométrica “[...] caracterizadores da concepção aritmética, não apenas continuam a aparecer nos programas, como também fazem parte integrante da definição de logaritmo” (p. 72), como pode-se ver, por exemplo, no livro de Álgebra de Ottoni.

Não obstante, percebemos por meio da análise realizada neste trabalho, que esse aspecto identificado por Miguel e Miorim (2002) ainda se manteve durante muito tempo, sendo “[...] somente a partir do início da década de 70 do século XX que outro papel começou a ser desempenhado por eles [os logaritmos] na cultura escolar brasileira” (MIGUEL e MIORIM, 2002, p. 56). Dessa forma, os Logaritmos, concentrados nos estudos da Função Logarítmica como inversa da Função Exponencial passariam a compor os programas de Matemática.

Com isso, a forma como os Logaritmos passaram a ser trabalhados com a concepção algébrica-funcional como a de hoje, alterou também a proposta e a importância do estudo das Progressões. Atualmente, parte-se de uma definição algébrica apoiada na ideia de potência e do estudo das funções. Entretanto, as Progressões Aritméticas e as Geométricas continuam presentes nos livros didáticos de Matemática, mas passaram a ser estudadas por si, isoladamente, sem conexões com nenhum outro assunto e sendo apresentadas, por vezes, mesmo após o estudo dos Logaritmos, ou ainda possivelmente, em anos de escolaridade distintos.

Referências

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Notas

[1] Aqui e em todas as citações referentes aos livros didáticos será mantida a grafia das palavras tal como ocorre no original consultado.

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