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A participação de professores na elaboração de tarefas matemáticas em um trabalho colaborativo
The participation of teachers in the development of mathematical tasks in a collaborative work
La participación de profesores en la elaboración de tareas matemáticas en un trabajo colaborativo
Revemop, vol.. 1, núm. 1, 2019
Universidade Federal de Ouro Preto

Artigos

Revemop
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil
ISSN-e: 2596-0245
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 1, núm. 1, 2019

Recepção: 21 Outubro 2018

Aprovação: 15 Novembro 2018

Publicado: 01 Janeiro 2019

Copyright Revemop 2019.

Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Compartilhamento Pela Mesma Licença.

Resumo: Neste artigo, apresentamos um trabalho desenvolvido com o objetivo de identificar e analisar como professores participam da elaboração de tarefas matemáticas no projeto Observatório da Educação Matemática (OEM-Bahia). A pesquisa foi de natureza qualitativa e os dados foram coletados por meio da observação de reuniões e da realização de entrevistas com professores responsáveis pela implementação das tarefas. Os resultados apontam que os professores participam da elaboração de tarefas atendendo aos objetivos comuns do grupo e compartilhando modos de elaborar questões investigativas ou exploratórias. Essas formas de participar têm relação com o empreendimento conjunto estabelecido pelo grupo para a elaboração das tarefas e com o repertório compartilhado entre os membros do grupo, que possibilitou indícios de mudanças nas práticas em que os professores participam.

Palavras-chave: Participação de Professores, Trabalho Colaborativo, Tarefas matemáticas.

Abstract: In this paper, we aim to identify and analyze how teachers participate in the development of mathematical tasks in the project Mathematics Education Watch (OEM-Bahia). The research was qualitative and the data was collected through observation of meetings from OEM-Bahia and interviews with teachers responsible for implementing the tasks designed by the group. The results show that teachers participate in the development of tasks complying with common goals of the group and sharing ways to develop investigative or exploratory questions. These forms of participation are related to the joint enterprise established by the group for the elaboration of the tasks and with the shared repertoire among the group members, which provided evidence of changes in the practices in which teachers participate.

Keywords: Participation of Teachers, Collaborative Work, Mathematical Tasks.

Resumen: En este artículo, presentamos un trabajo desarrollado con el objetivo de identificar y analizar cómo los profesores participan en la elaboración de tareas matemáticas en el proyecto Observatorio de la Educación Matemática (OEM-Bahía). La investigación fue de naturaleza cualitativa y los datos fueron recolectados por medio de la observación de reuniones y de la realización de entrevistas con profesores responsables por la implementación de las tareas. Los resultados apuntan que los profesores participan en la elaboración de tareas atendiendo a los objetivos comunes del grupo y compartiendo modos de elaborar cuestiones investigativas o exploratorias. Estas formas de participar tienen relación con el emprendimiento conjunto establecido por el grupo para la elaboración de las tareas y con el repertorio compartido entre los miembros del grupo, que posibilitó indicios de cambios en las prácticas en que los profesores participan.

Palabras clave: Participación de Profesores, Trabajo colaborativo, Tareas matemáticas.

1 Introdução

As práticas que professores que ensinam Matemática incluem a gestão curricular, ou seja, a criação de tarefas matemáticas e a adoção de estratégias de ensino para utilizar na sala de aula. Nessa perspectiva, estudos têm focado em questões relacionadas à elaboração, seleção e implementação de tarefas matemáticas, tendo em vista a natureza das tarefas propostas em aulas e a forma como são conduzidas por professores que ensinam Matemática (PONTE, 2005;SILVER et al., 2009; STEIN e SMITH, 2009; DELGADO, FERREIRA e FERNANDES, 2012; MARGOLINAS, 2013). As tarefas matemáticas são um segmento das atividades de sala de aula em que os estudantes são convidados a resolver problemas, desenvolver conceitos matemáticos e realizar procedimentos, utilizando ideias e estratégias, a fim de proporcionar-lhes oportunidades para a aprendizagem da Matemática (BURKHARDT e SWAN, 2013; MARGOLINAS, 2013).

Para Delgado, Ferreira e Fernandes (2012), a seleção de uma tarefa torna-se tanto mais adequada quanto maior for o conhecimento do professor sobre a natureza da tarefa e suas potencialidades. Assim, a compreensão do professor sobre uma tarefa poderá implicar diferentes ações para os estudantes durante a sua implementação. Esses autores argumentam que classificações de diferentes tarefas podem constituir um guia de orientação para professores durante o processo de análise das tarefas.

Em particular, a análise da natureza das tarefas propostas por professores que ensinam Matemática assume um papel fundamental nos estudos sobre as práticas em que eles participam, dada a sua implicação sobre como os estudantes aprendem a partir do momento que têm contato com diversos tipos de tarefas. As implicações têm relação com a maneira como os estudantes participam, com o modo como eles entendem, com os desafios a que são submetidos, e com a forma como os professores conduzem as tarefas.

Na literatura nacional, ainda têm sido pouco discutidas investigações acerca das etapas referentes ao momento da elaboração de tarefas por professores da educação básica, principalmente por meio de um trabalho colaborativo desenvolvido por professores de diferentes níveis educacionais (básico e superior) e estudantes (graduação e pós-graduação), utilizando o quadro teórico apresentado neste estudo. Compreendemos o trabalho colaborativo como uma prática que não é imposta, mas construída pelos membros participantes de grupos, e que envolve confiança, compartilhamento de ideias e ajuda mútua para atingir objetivos comuns.

Diante disso, investigamos a elaboração de tarefas de Matemática em um trabalho colaborativo realizado no Observatório da Educação Matemática (OEM-Bahia), que é composto por professores, pesquisadores, estudantes da licenciatura em Matemática e de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Para tal propósito analisamos como os professores participam da elaboração de tarefas matemáticas em um trabalho colaborativo. Para isso, utilizamos constructos teóricos apresentados por Lave e Wenger (1991) e Wenger (1998).

Ao investigarmos as etapas relacionadas à elaboração das tarefas matemáticas, trazemos para análise o material curricular. Esse material é componente de um material curricular educativo composto por tarefas de Matemática; planejamentos de tarefas; tarefas comentadas, direcionadas ao professor; possíveis soluções das tarefas; narrativas que descrevem como as tarefas foram implementadas; trechos de vídeos; e registros dos estudantes. Materiais curriculares educativos possibilitam a aprendizagem do professor, pois envolvem o desenvolvimento e a integração de informações sobre conteúdos, ensino, decisões a serem tomadas pelo professor durante a implementação de tarefas, discussões a serem propostas, ou seja, informações que instruem o professor para a prática de sala de aula (DAVIS e KRAJCIK, 2005).

Nas seções que seguem, serão apresentadas e discutidas algumas pesquisas que focam a colaboração entre professores que ensinam Matemática e a participação. As discussões sobre participação serão realizadas a partir dos constructos teóricos apresentados por Lave e Wenger (1991) e Wenger (1998). Em seguida, apresentaremos o método e o contexto. No contexto, abordaremos questões específicas sobre as tarefas matemáticas elaboradas no grupo, a dinâmica de elaboração estabelecida pelo OEM-Bahia e questões específicas sobre as dimensões das tarefas matemáticas, a fim de auxiliar na compreensão da apresentação e discussão dos dados da pesquisa. Assim, pretendemos elaborar teoricamente insights acerca da elaboração de tarefas matemáticas e de como professores participam dessa prática durante um trabalho colaborativo.

2 Colaboração entre professores que ensinam Matemática e participação

No cenário nacional e internacional, estudos sobre a formação de professores apontam para o fato de o trabalho colaborativo ser um fator importante para o desenvolvimento profissional dos professores da educação básica, visto que propicia a troca de experiências e a busca por inovações no desenvolvimento de atividades e de soluções para os problemas que são encontrados nas práticas em que eles participam (SARAIVA e PONTE, 2003; MISKULIN et al., 2005;NACARATO, 2005;FERREIRA, 2009;FIORENTINI, 2004,2009; NACARATO, GRANDO e ELOY, 2009).

Questões relacionadas às formas de trabalho de grupos colaborativos vêm se constituindo em temáticas de pesquisas que mostram uma dispersão semântica na literatura nacional e internacional em relação aos termos colaboração e cooperação (MISKULIN et al., 2005). O trabalho colaborativo pressupõe ajuda mútua, decisões partilhadas e conjuntas, negociações cuidadosas, reciprocidade, equidade e a inexistência de relações hierárquicas. No trabalho cooperativo, as participações dos membros de um grupo não são questionadas, as pessoas cooperam umas com as outras na realização de ações determinadas, mas as decisões não são conjuntas e existem papéis hierarquizados (BOAVIDA e PONTE, 2002).

Entretanto, neste momento, nos parece importante uma ponderação acerca das discussões sobre hierarquia em grupos de trabalho colaborativos. Essa questão pode ser discutida tomando-se como exemplo um grupo de professores que discute sobre o ensino de Matemática, composto por professores da educação básica com diferentes experiências, professores da educação superior, e estudantes de graduação e pós-graduação. Nesse caso, os discursos e a posição de determinados membros do grupo podem ter uma maior repercussão e não ser equivalentes aos dos demais membros. Além disso, em grupos de trabalho colaborativo, alguns membros podem exercer papéis de coordenação, para fins institucionais. É importante ressaltarmos que, em algum momento, a hierarquização e a posição desse membro pode afetar o trabalho colaborativo. Por isso, compreendemos que a colaboração é construída a partir do interesse voluntário de determinados indivíduos de atingirem objetivos comuns por meio da ajuda mútua, do compartilhamento de experiências, da negociação e da reciprocidade (BOA VIDA e PONTE, 2002; FIORENTINI, 2004), não havendo imposições devido aos papéis definidos no grupo, embora esses papéis, definidos para relações institucionais, possam, em algum momento, afetar nas práticas de grupos de trabalho colaborativo, o que não interfere no termo colaboração, visto que as características-chave dessa prática permanecem, em geral.

O trabalho colaborativo entre professores, pesquisadores, formadores e estudantes tem surgido como apoio ao professor da educação básica, devido às diversas experiências, competências e perspectivas diferenciadas, além da possibilidade de estabelecimento de vínculos entre o acadêmico e escolar. Entretanto, poucos são os estudos que discutem trabalhos colaborativos de professores, em parceria com pesquisadores, formadores e estudantes de graduação e pós-graduação, durante a elaboração de tarefas matemáticas.

Diante disso, investigamos a elaboração de tarefas de Matemática em um trabalho colaborativo realizado no Observatório da Educação Matemática (OEM-Bahia), que é composto por professores, pesquisadores, estudantes da licenciatura em Matemática e de pós-graduação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Analisamos como os professores participam da elaboração de tarefas matemáticas em um trabalho colaborativo. Para isso, utilizamos constructos teóricos apresentados por Lave e Wenger (1991) e Wenger (1998).

Neste estudo, a participação tem relação com o envolvimento de indivíduos em determinadas práticas. Ao olharmos a participação, focamos nas maneiras como os sujeitos se engajam nas práticas, ao invés de nos debruçarmos sobre as consequências da prática, como o aprendizado, por exemplo. O conceito de participação, conforme apresentado na literatura por Lave e Wenger (1991) e Wenger (1998), consiste no ato de tornar-se participante ativo em alguma prática social, num processo em que os sujeitos compartilham, discutem e negociam significados sobre o que produzem coletivamente com outras pessoas em comunidades sociais. As práticas sociais nas quais ocorrem as participações dos sujeitos se referem a um “fazer, mas não apenas um fazer por si só. Eles estão fazendo em um contexto social e histórico que dá estrutura e significado ao que fazem” (WENGER, 1998, p. 47). Assim, incluem tanto o explícito quanto o tácito, o que é dito e o que não é dito, além de relações implícitas, convenções, sinais sutis, visões de mundo compartilhadas. Para Wenger (1998, p. 47), “o conceito de prática destaca o caráter social e negociado tanto do explícito quanto do tácito em nossas vidas”.

Este conceito de prática social, apresentado por Wenger (1998), oferece uma forma de análise da atividade humana que reúne aspectos cognitivos e sociais da existência humana. Em vez de focar apenas nas estruturas de pensamento, nos fornece uma forma de compreender a natureza socialmente situada de uma prática humana.

A participação em uma prática social é concebida por Wenger (1998) como algo “tanto pessoal quanto social, e concebida como um processo complexo que combina o fazer, o falar, o pensar, o sentir e o pertencer; isso envolve nossos corpos, mentes, emoções e relações sociais” (p. 56). O que caracteriza a participação é a possibilidade de um reconhecimento mútuo. Essa perspectiva muda o foco analítico do “indivíduo enquanto alguém que aprende para o aprender como participação no mundo social, e do conceito de processo cognitivo para a visão de prática social” (LAVE e WENGER, 1991, p. 43). Assim, a participação, vista sob uma perspectiva sociocultural, traz uma dimensão nova, em que a aprendizagem é constituída social e culturalmente.

As comunidades sociais apresentadas por Wenger (1998) são constituídas por pessoas engajadas em uma prática social, que compartilham significados relativos aos objetivos comuns do grupo, por meio das interações e ações compartilhadas com os membros da comunidade. As comunidades podem ser entendidas como um conjunto de relações entre os membros que trabalham em conjunto, seja por contato presencial ou virtual, com a finalidade de compartilhar experiências, resolver problemas e elaborar tarefas por meio de um aprendizado diário na prática social.

O ponto de partida para a ideia de comunidades sociais é a reunião de pessoas em grupos para a realização de atividades de suas vidas diárias, do trabalho, ou seja, de interesse comum dos membros das comunidades, as quais se caracterizam por meio de três dimensões, que associam a prática da própria comunidade. Na primeira, os membros interagem uns com os outros, o que Wenger (1998) denomina de engajamento mútuo (mutual engagement). Na segunda, eles têm um esforço comum, denominado empreendimento conjunto[1](joint enterprise). E, por fim, na terceira, esses membros desenvolvem um repertório compartilhado (shared repertoire) com elementos comuns de linguagens, ferramentas, estilos, rotinas, ações ou conceitos que a comunidade produz, durante a sua existência, e que se tornam parte da sua prática.

Assim, as práticas sociais podem ser diversas, porque são muitas as formas de atuar e significar o mundo, e cada forma de engajamento está vinculada às relações estabelecidas nas comunidades sociais. Desta forma, o grupo de trabalho colaborativo OEM-Bahia, onde o estudo foi realizado, pode ser compreendido como uma comunidade social, já que os professores, ao elaborarem tarefas matemáticas colaborativamente, participam de ações cujo significado negociam coletivamente, e tem um objetivo comum. Para alcançar o objetivo, os professores precisam se engajar no trabalho colaborativo. Assim, durante a prática social, ocorrem modos e estilos de fazer específicos de cada um.

3 Contexto da Pesquisa

O contexto do presente estudo foram as reuniões do Observatório da Educação Matemática (OEM-Bahia), sediado na Universidade Federal da Bahia, que vem desenvolvendo um projeto de pesquisa e desenvolvimento com o propósito de analisar as características de um material curricular educativo[2] que possa potencializar a aprendizagem do professor e apoiar as práticas de sala de aula no ensino de conteúdos da Matemática dos anos finais da Educação Fundamental. Esse projeto se desenvolve a partir da parceria entre a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), sendo o grupo composto por professores da educação básica e superior e por estudantes da graduação e pós-graduação da UFBA e UEFS.

Para o desenvolvimento desse projeto, foi negociada a criação de subgrupos, a fim de estabelecer uma dinâmica de elaboração de materiais curriculares educativos. Dessa forma, após a elaboração dos materiais pelos subgrupos, ocorria a socialização da produção em reuniões compostas por todos os subgrupos, a qual foi denominada “Reunião do Grupão”. Durante essas reuniões, as produções eram apresentadas, para que os outros subgrupos e os pesquisadores pudessem colaborar para a consolidação do material curricular educativo. Para este estudo, entretanto, as investigações voltaram o foco para os momentos relacionados à elaboração do material curricular nos subgrupos, ou seja, ao momento anterior à socialização das tarefas matemáticas no Grupão.

Os subgrupos analisados neste estudo foram os de Vanildo e Cecília. Os nomes desses subgrupos são referentes aos nomes dos professores responsáveis pela implementação das tarefas matemáticas, pois alguns subgrupos ainda são compostos por outros professores da educação básica e nível superior. Além disso, a autorização para apresentação dos nomes dos professores na pesquisa ocorreu a partir de termos de consentimento.

O subgrupo de Cecília era composto por Cecília (professora da educação básica), Lúcia[3] (professora da educação superior), Roberta (professora da educação superior e estudante da pós-graduação) e Nonato (estudante da graduação). O segundo subgrupo era composto por Vanildo (professor da educação básica), Fabiana e Priscila (ambas estudantes da graduação), e Thiago (professor da educação básica e estudante da pós-graduação).

Nas reuniões que foram acompanhadas para este estudo, os subgrupos encontravam-se reelaborando ou elaborando tarefas matemáticas. O subgrupo do professor Vanildo reelaborou[4]uma tarefa que tinha como objetivo o reconhecimento de um feixe de retas paralelas (como um conjunto de duas ou mais retas paralelas entre si) e de suas propriedades, bem como a compreensão do Teorema de Tales. Já o subgrupo de Cecília[5] elaborou uma nova tarefa, que tinha como objetivo reconhecer as relações métricas da circunferência, em específico, o fato de o produto de duas cordas da circunferência ser igual ao produto de outras duas.

O OEM-Bahia estabeleceu como primeira meta de trabalho a elaboração de tarefas que envolvessem apenas o bloco Espaço e Forma. Assim, após a escolha dos descritores, os professores elaboraram ou reelaboraram tarefas matemáticas a partir de um Quadro de Análise de Tarefas Matemáticas (Quadro 1), organizado pelo Grupão por meio de discussões e negociações, que permitiu estabelecer um perfil de tarefas matemáticas a serem produzidas pelos subgrupos. Esse quadro foi baseado no estudo apresentado por Ponte (2005) que propõe um quadro de dimensões de tarefas matemáticas, como apresentado abaixo.

Quadro 1
Quadro de análise de tarefas matemáticas do Observatório da Educação Matemática

OEM-Bahia

Este quadro é composto pelas seguintes dimensões de tarefas matemáticas: tipos de tarefa, estrutura, referência, desafio, tempo, possibilidade geral de comunicação e background (familiaridade com o conteúdo). A decisão de elaboração do quadro, tomada em conjunto, ocorreu a partir da necessidade de apoiar os professores na elaboração de tarefas que pudessem demonstrar um repertório comum do grupo. Outro fator que pode ser analisado, relativo a essa decisão conjunta do grupo, é a noção de produção coletiva, desenvolvida a partir do que foi deliberado e compartilhado, que se tornou comum a todos os subgrupos.

4 Método

Na abordagem qualitativa, “buscam-se soluções para as questões que realçam o modo como a experiência social é criada e adquire significado” (DENZIN e LINCOLN, 2006, p. 23). Segundo esses autores, a pesquisa qualitativa é uma atividade situada que localiza o observador no mundo, consistindo em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo. Por isso, como o presente estudo se preocupou em gerar compreensões teóricas a respeito de como os professores participam da elaboração de tarefas matemáticas durante uma prática social de caráter colaborativo, tal método qualitativo mostrou-se mais adequado.

Assim, foram utilizados, como procedimentos de coleta de dados, a observação não estruturada e a entrevista por lembrança estimulada (Stimulated recall). De acordo com Alves-Mazzotti (2002), na observação não estruturada, os comportamentos a serem observados não são predeterminados, eles são observados e relatados da forma como ocorrem — o objetivo é descrever e compreender o que está ocorrendo numa dada situação, nesse caso, as reuniões dos subgrupos do OEM-Bahia para elaboração de tarefas matemáticas.

Durante as observações, foram realizadas captações de vídeo, com uma filmadora, a fim de registrar as participações dos professores durante a elaboração das tarefas matemáticas no trabalho colaborativo. A necessidade deste tipo de gravação decorreu da possibilidade de que a análise ocorresse diversas vezes, na busca por particularidades das participações desses sujeitos.

A fim de permitir que os professores falassem sobre as participações encontradas por meio da observação, utilizamos ainda, como procedimento de coleta de dados, a entrevista por lembrança estimulada (Stimulated recall). A utilização desse procedimento foi baseada em um estudo de Reitano (2006), no qual os sujeitos da pesquisa são estimulados com ferramentas de provocação, como vídeos e fotos, com a finalidade de reavivar as memórias e provocar relatos sobre as situações apresentadas durante a entrevista. Neste estudo, foram apresentados recortes de vídeos dos momentos de participação dos professores no trabalho colaborativo de elaboração das tarefas, para que pudessem discutir sobre como participaram e compreendiam aqueles momentos.

A análise dos dados neste estudo foi inspirada nos guias analíticos da Grounded Theory(CHARMAZ, 2009), que consistem em orientações para a codificação e categorização dos dados que auxiliam na elaboração de constructos teóricos.

A codificação é mais que um modo de selecionar, classificar e sintetizar os dados transcritos; consiste na unificação das ideias, porque leva em consideração os possíveis significados teóricos dos dados. Após a criação dos códigos, os dados foram agrupados em categorias e discutidos por meio do diálogo entre a teoria e a revisão de literatura, o que trouxe compreensões sobre como os professores participam da elaboração de tarefas matemáticas em um trabalho colaborativo

5 Apresentação dos dados

Nesta seção, apresentamos duas categorias referentes à forma como os professores participaram da elaboração de tarefas matemáticas em um trabalho colaborativo, bem como suas respectivas análises. As categorias foram construídas após a transcrição dos dados, a partir de trechos das gravações das reuniões dos subgrupos e da entrevista com os professores.

Os dados transcritos foram organizados por linhas, na ordem das discussões que os membros dos subgrupos realizaram durante a elaboração das tarefas e no momento da entrevista com o professor. A cada apresentação dos dados, faremos uma contextualização da atividade realizada pelo subgrupo durante a elaboração da tarefa, para então realizarmos uma discussão mais detalhada. Os dados da observação receberam os códigos (O1), (O2), (O3), ..., (On) e as entrevistas são apresentadas com recuo, para torná-los mais organizados e auxiliar durante a discussão.

5.1 Atendendo aos objetivos comuns do grupo

Essa categoria representa momentos em que os professores, ao participarem da elaboração das tarefas matemáticas, tinham, como objetivo comum do subgrupo, a criação de tarefas inovadoras. O subgrupo de Cecília tinha como foco elaborar uma nova tarefa que tivesse como objetivo reconhecer círculos/circunferências, seus elementos e suas relações (Descritor 11). Para esse propósito, foram utilizadas três reuniões, sendo uma para escolha do objetivo e duas para a elaboração da tarefa.

Inicialmente, o subgrupo discutiu sobre qual conteúdo abordar na tarefa. Nesse momento, os membros da equipe de trabalho sugeriram a ideia de trabalhar com as “relações entre o comprimento da circunferência e o diâmetro”, a fim de encontrar o número pi (π), como é indicado nos trechos abaixo:

O1- Roberta: Ô Cecília, me diz aqui uma coisa... Essa ideia de dividir, de fazer várias circunferências e de dividir o comprimento da circunferência pelo seu diâmetro e estabelecer essa relação é uma coisa muito batida?

O2 - Lúcia: Não!

O3 - Roberta: Já. Para gente fazer e colocar isso como uma tarefa no Observatório?

O4 - Lúcia: Eu acho que a gente tem que se preocupar em fazer uma tarefa inovadora.

O5 - Roberta: Essa parte é muito legal.

O6 - Lúcia: Aqui, eu gostei, porque aqui, quando você trabalha com estimativas, você está fazendo também um pouco de tarefa exploratória.

O7 - Roberta: Deixa eu olhar isso. Eu acho essa ideia de dividir o comprimento pelo diâmetro que vai dar o pi (π) interessante, porque independe do tamanho da circunferência. E aí sim é uma tarefa que tem cunho investigativo, entendeu Lucia? [...][6]

O8 - Lúcia: É, a gente quer é isso! [...]

O9 - Cecília: A questão é essa, os professores já fazem.

O10 - Lúcia Comprimento e circunferência.

O11- Cecília: Todo professor que vai trabalhar comprimento e circunferência vai trabalhar com essa ideia aí, da pequena com a grande, entendeu? E claro, uns usam cordãozinho, outros usam outras coisas, com outros argumentos, entendeu? E se a gente quer inovar, não vai inovar com isso ai não!

A fala O1 da estudante da pós-graduação retoma a intenção inicial de elaborar uma tarefa matemática que trabalhe com a divisão do comprimento da circunferência pelo seu diâmetro, a fim de encontrar o número pi (π). Essa ideia é apresentada ao subgrupo para que possa ser avaliada. Para a professora Lúcia, essa proposta não é trabalhada constantemente (O2). Para ela, o importante é trabalhar com uma tarefa inovadora (O4). Em seguida, a professora Lúcia e a estudante da pós-graduação Roberta demonstram ter gostado da ideia, tendo em vista que essa tarefa seria exploratória, atendendo a um dos objetivos comuns dos membros do subgrupo (O5, O6 e O7).

Mesmo depois de a estudante e a professora terem visto a proposta como algo interessante, a professora Cecília argumenta que outros professores já a utilizam constantemente, diferenciando somente na abordagem e nos instrumentos utilizados (O9 e O11).

Essa mesma preocupação da professora, de elaborar tarefas inovadoras, pôde ser observada na 2ª reunião do subgrupo, em que já haviam decidido abordar na tarefa o conteúdo “Área da circunferência”. Nessa tarefa, a intenção era trabalhar com a generalização da fórmula da área da circunferência a partir de uma sequência de medições de diferentes circunferências, como podemos ver no trecho abaixo:

O12 - Roberta: Essa ideia de ficar pegando isso aqui ó (Mediu o comprimento de uma circunferência).

O13 - Cecília: Veja! A gente aqui queridinha, não pode inventar a roda, a roda já foi inventada. A gente está tentando medir o tamanho da roda (risos). Que também já foi inventada por Arquimedes. [...] A gente vai criar uma tarefa inovadora que facilite para o aluno o entendimento disso e o conhecimento da fórmula. A tarefa é inovadora como? Ao método que você está usando.

O14 - Roberta: É isso ai.

O15 - Cecília: A inovação é na metodologia. [...] Venha cá, você ensina o menino o Teorema de Pitágoras? Não! O teorema é de Pitágoras, você está ensinando a ele como chegar ali, como foi que Pitágoras chegou, entendeu?

O16 - Roberta: Pronto! Vamos pensar em juntar as duas coisas?

O17 - Nonato: Ah, então por esse lado...

O18 - Cecília: Eu achei que essa daqui ainda não tem objetividade.

Nesse trecho, a professora Cecília retoma sua participação na prática, reforçando a ideia de elaborar tarefas inovadoras (O13 e O15). E a fala O18 mostra indícios de que ela ainda acreditava que a ideia de generalizar a fórmula da área da circunferência não era algo inovador, pois a tarefa planejada durante o trabalho colaborativo parecia não ter objetivo.

Na entrevista, a professora explica esse movimento de mudança dos objetivos da tarefa, com vistas à elaboração de uma tarefa matemática inovadora:

Foi o que eu falei aí, lá no momento com relação à primeira tarefa, já está em tudo que é livro, [...] a gente tinha que bolar uma tarefa envolvendo essas definições, de maneira inovadora, que não tivesse em livro nenhum, que ninguém tivesse experimentado. Eu achei difícil fazer isso. Por isso que eu falei que era inventar a roda de novo. Por quê? Porque várias experiências já foram feitas de várias formas, de vários métodos, então no dia do Grupão, que eu levei o meu outro método, aquela circunferência meladinha de girar. Aí todo mundo falou: “Isso aí já tem!”. Por quê? A única diferença do que já existia era porque girava em cima de uma almofada de carimbo, mas continuava sendo um processo idêntico que já tinha acontecido. Aí resultado... Esse trabalho exige de você uma criatividade muito grande, temos que ser muito inventivos, muito criativos, para bolar alguma coisa que não tenha sido feita ainda. [...] Daí eu tive que chamar o subgrupo para a real, pois, o que a gente está querendo aqui é criar uma nova forma de explorar o conteúdo que já existe, que está em todo canto, mas que seja inédita, que seja diferente, porque o conceito não é nosso. A gente não vai desenvolver uma história nova, um conceito novo, a gente vai pegar aquilo que existe e fazer com que o aluno consiga perceber de uma forma investigativa, que ele vá descobrindo sozinho, é como se o aluno naquele momento fosse Pitágoras lá atrás, ele não sabe, ele não conhece, ele vai conhecer. A questão é essa.

Nesse trecho, a professora fala sobre o desafio de elaborar tarefas matemáticas inovadoras, ao mesmo tempo em que relembra uma tarefa elaborada pelo subgrupo, que, durante a reunião do Grupão, foi sinalizada como uma tarefa não inovadora, visto que a mudança que apresentaria, em relação aos demais materiais curriculares, seria no tocante à abordagem desenvolvida. Além disso, a professora relata a dificuldade de corresponder à exigência de ser criativa, e reforça a necessidade de que os professores do subgrupo o sejam, para que possam elaborar uma tarefa matemática inovadora, de cunho investigativo, por exemplo.

Esses trechos demonstram que, durante o trabalho colaborativo, os professores desse subgrupo participaram da elaboração de tarefas inovadoras, atendendo aos objetivos comuns do grupo. Essa forma de participação dos professores demonstra a preocupação deles com os professores da educação básica que terão contato com o material curricular educativo e com o aprendizado dos estudantes.

5.2 Compartilhando modos de elaborar questões matemáticas investigativas ou exploratórias

Esta categoria se refere aos momentos em que os professores, durante o desenvolvimento das questões das tarefas matemáticas, compartilhavam de um mesmo modo de fazer, neste caso, respondendo à necessidade de elaborar questões investigativas ou exploratórias. O subgrupo de Vanildo, que tinha como foco reelaborar uma tarefa com a finalidade de identificar as propriedades de triângulos pela comparação das medidas dos lados e ângulos (Descritor 3), apontou essa necessidade.

O processo de reelaboração ocorreu porque o grupo já tinha elaborado a tarefa em um momento inicial do OEM-Bahia. Entretanto, após a criação do Quadro de Análise de Tarefas Matemáticas, os materiais curriculares produzidos pelos subgrupos foram reelaborados e refinados, a fim de que fossem obtidas tarefas matemáticas com o perfil decidido conjuntamente pelos membros do grupo de trabalho.

A tarefa do subgrupo de Vanildo tinha como objetivo reconhecer um feixe de retas paralelas e suas propriedades, bem como compreender o Teorema de Tales. Durante o processo de reelaboração das questões, os membros do subgrupo decidiram sobre como estruturar as questões da tarefa. Isso pode ser observado no trecho abaixo:

O19 - Vanildo: A gente poderia estabelecer na questão a distância.

O20 - Priscila: A distância.

O21 - Vanildo: Um valor tal, que desse sempre um número inteiro positivo, entendeu?

O22 - Thiago: Mas aí perde a ideia de pluralidade da sala, [...], vamos dizer assim.

O23 - Vanildo: Beleza.

O24 - Thiago: [...] Mas aí se for todo mundo igual, ah deu todo mundo igual porque tem a mesma medida, eles não vão perceber que vai ser proporcional com qualquer medida, perde a ideia da...

O25 - Vanildo: Da investigação.

O26 - Thiago: Da exploração.

O27 - Vanildo: Exploração. É verdade! Perde a pluralidade. Só sinalizar um único valor quebra a exploração.

Nas linhas (O19) e (O21), o professor Vanildo sugere a elaboração de uma questão que estabeleça a distância, nas retas transversais, dos pontos de encontro com as retas paralelas, de modo que os valores recaiam sempre em números inteiros positivos, com a finalidade de reduzir o desafio da questão, por conta das dificuldades dos estudantes com a operação de divisão com números racionais. Entretanto, o estudante da pós-graduação, Thiago, argumenta que a ideia sugerida ocasionaria a perda da pluralidade de respostas diferentes e do caráter exploratório durante o desenvolvimento da questão (O24 e O26).

O professor Vanildo observa, então, que não estabelecer os valores dos pontos de encontro das retas paralelas e transversais possibilitaria um maior número de soluções e, por fim, a exploração por parte dos estudantes. Sobre essa análise, o professor Vanildo comentou, na entrevista:

Com isso, você agora pensa suas atividades da sua vida normal, já com outra ideia. Por exemplo, eu penso em elaborar questões que tenham muito mais um cunho exploratório do que de resolução de problemas. Eu penso em uma tarefa que tenha muito mais... Penso em tarefas que sejam muito mais próximas de uma exploração do que de uma resolução de exercício. Muito embora eu ache que todos esses tipos de tarefas são importantes. [...] Então, o exercício tem seu papel, a resolução de problemas tem o papel dela e a exploração, não existe aquela coisa de você estar o tempo todo explorando, explorando, investigação, investigação, entendeu? [...] Eu já trago alguma coisa nas minhas atividades a partir desse contato com o grupo.

Nesse trecho, o professor Vanildo fala sobre sua ideia de elaborar tarefas de caráter exploratório. Entretanto, explica que cada tipo de tarefa tem seu papel no ensino, ou seja, o professor de Matemática não precisa adotar apenas um tipo de tarefa durante sua prática de sala de aula. Portanto, ao participar da elaboração de questões e tarefas exploratórias em um trabalho colaborativo no subgrupo, o professor demonstrou apresentar alguns padrões de mudanças nas práticas de que ele participa.

Essa prática pôde ser observada também no subgrupo de Cecília, durante a 3ª reunião. Nesta ocasião, os membros do subgrupo decidiram mudar pela segunda vez o objetivo da tarefa, estabelecendo como conteúdo as “Relações métricas na circunferência”, mais especificamente, o cruzamento entre duas cordas[7]. A tarefa tinha como objetivo identificar as relações entre duas cordas de um mesmo círculo. No momento da elaboração das questões, iniciaram-se discussões sobre quais perguntas poderiam ser feitas na condução da tarefa, de modo que os questionamentos não conduzissem os estudantes no momento da resolução, possibilitando-os fazer a investigação.

O28 - Cecília: O tiro inicial para a questão é qual? Por que eu que vou virar para o aluno e perguntar a ele “eu multiplicando esse por esse vai ser do mesmo tamanho?”.

O29 - Roberta: Eu acho que não é perguntar “o porquê”. É pedir a ele que vá observando, para ele perceber... [...] A gente tem que tomar cuidado com as perguntas diretas. Nas outras tarefas a gente não colocou perguntas diretas.

O30 - Lúcia: Olha! Quando operamos com as partes da corda você percebe alguma regularidade?

O31 - Cecília: Eu acho que está direcionando.

O32 - Lúcia: Daí o aluno vai operar... Aí o aluno vai operar com a soma, subtração, multiplicação e divisão. E na multiplicação...

O33 - Cecília: Olha! Se eu mexer na circunferência o que vai acontecer com o meu diâmetro? Está aumentando ou diminuindo. E qual a relação entre essas duas partes? [...] Se eu somar dá o quê? E se eu multiplicar? Mas quando eu perguntei e se eu somar, e se eu... Vocês estão achando que o Grupão vai cortar os “e se”.

O34 - Roberta: Mas o investigar é “e se”. [...]

O35 - Lúcia: A gente extrapolou. Isso não é nem uma tarefa de exploração, é de investigação.

O36 - Cecília: É o produto. Daí vamos para o outro ‘e se’. E se a circunferência for maior. Vale também?

O37 - Roberta: Ah... Pronto Cecília, fechou!

Na discussão sobre a elaboração das questões da tarefa, a professora Cecília inicialmente questiona o grupo (linha O28) sobre qual poderia ser o ponto de partida das questões a serem postas na tarefa, visto que as questões não poderiam ser iniciadas com a ideia da multiplicação, pois a relação métrica escolhida pelo subgrupo era referente ao produto das medidas das duas partes das cordas.

Após esse questionamento (linha O29), Roberta alerta sobre a necessidade de cautela na elaboração de perguntas diretas. A professora Lúcia então sugere uma questão (linha O30). No entanto, a professora Cecília a considera como uma questão que conduz o estudante durante a resolução. Diante disso, Cecília apresenta uma possível questão de caráter investigativo, sugerindo o uso da expressão “e se”. Roberta concorda, argumentando que essa expressão possibilita a investigação.

Para a professora Lúcia, a ideia da professora Cecília contemplou o objetivo do subgrupo por ser uma tarefa investigativa (O35). Assim, as contribuições da professora Lúcia, em parceria com a professora Cecília, possibilitaram a elaboração de questões investigativas para a tarefa matemática.

Durante a entrevista, a professora Cecília falou sobre as características da tarefa:

Agora, no caso dessa tarefa, para mim tinha sido um avanço extremo quando fizemos no subgrupo, quando elaboramos, colocamos esse monte de perguntas, e achamos: “pronto, está explorando”. Aí quando a gente vê não acabou sendo isso. Então, é uma coisa que muda a sua visão de sala de aula, sua visão de... Eu acho que hoje em dia trabalhar com investigação depois desses anos lá no OEM, eu acredito assim que dá uma outra perspectiva. Você vê que o aluno é capaz de sozinho desenvolver, de buscar, de investigar, infelizmente o tempo é escasso, a quantidade de assunto é muito grande, e nem todas as aulas cabem uma investigação, nem todos os conteúdos, mas deveria, eu acho que dá para fazer em algumas situações a investigação.

Com base no trecho acima, percebe-se que a professora Cecília considerou que a elaboração da tarefa foi um progresso, porque, a princípio, os professores do subgrupo entenderam que a tarefa possibilitava uma exploração do conteúdo por parte dos estudantes, e que a tarefa poderia estar sujeita a mudanças. Além disso, esse trecho demonstra que, para a professora, a participação no OEM-Bahia permitiu mudanças na forma de ver as tarefas investigativas, nesse caso, como uma oportunidade dos estudantes buscarem, investigarem e desenvolverem conceitos sobre determinados conteúdos de Matemática. Apesar disso, destacou as limitações de tempo para lidar com a demanda de conteúdos a serem abordados na prática de sala de aula.

Nesse sentido, esses trechos demonstram que os professores participaram compartilhando conhecimentos sobre modos de elaborar questões matemáticas, ao projetarem questões investigativas ou exploratórias durante a elaboração das tarefas matemáticas em um trabalho colaborativo. Essa forma de engajamento dos professores parte da necessidade de trabalhar com questões que possibilitem aos estudantes uma maior exploração e descoberta dos conteúdos matemáticos.

6 Discussão dos dados

Ao elaborar tarefas matemáticas em um trabalho colaborativo, os professores participam de uma prática social específica no contexto em que se encontram, participam do processo de experienciar o mundo e estabelecer um compromisso com a prática como algo significativo (WENGER, 1998). De acordo com Espinosa e Fiorentini (2005), em trabalhos colaborativos encontramos um espaço de troca, compartilhamento e significação mútua de saberes, ideias e práticas. Nesse caso, os professores que elaboraram tarefas matemáticas saem ganhando, quer porque tornam explícitos seus saberes que dão significado à prática social, quer porque compartilham dúvidas e dificuldades durante a elaboração das tarefas.

A partir das análises, percebemos duas formas distintas de participação: o atendimento aos objetivos comuns do grupo e o compartilhamento de modos de elaborar questões matemáticas investigativas ou exploratórias.

Em relação à primeira forma de participação, apresentada nos trechos da seção anterior, é possível afirmar que os professores demonstraram participar da elaboração de tarefas matemáticas projetando tarefas inovadoras. Nesses trechos, eles mostraram uma preocupação em elaborar tarefas inovadoras, por exemplo, ao explicarem que a ideia de dividir o diâmetro pelo comprimento da circunferência já era utilizada. Assim, se o foco do subgrupo era elaborar tarefas inovadoras, a proposta apresentada não seria socializada com a comunidade de professores da educação básica, visto que não era algo inovador.

Além disso, em outro momento, os professores retomaram essa preocupação, ao argumentarem que uma das formas de elaborar tarefas inovadoras seria por meio de mudanças na forma de implementá-las e na forma de apresentá-las para outros professores. A maneira como os professores participam durante a elaboração das tarefas matemáticas tem relação com o objetivo comum que o subgrupo desenvolve em conjunto com o Grupão para a elaboração das tarefas inovadoras.

A construção de tarefas matemáticas, por meio de um empreendimento conjunto do subgrupo, representa o sentido de responsabilidade e atenção ao que é construído na prática social do Grupão. Wenger (1998) explica como o empreendimento conjunto traz, relativamente, contribuições para a prática de uma comunidade social, ao argumentar que esse é um recurso que dá sentido à prática, e possibilita o engajamento mútuo e a experiência compartilhada.

A segunda modalidade de participação na elaboração das tarefas matemáticas é o compartilhamento de conhecimentos sobre modos de elaborar questões matemáticas investigativas ou exploratórias. Trata-se dos momentos em que os professores demonstraram compartilhar a valorização de questões que permitem que os estudantes explorem e investiguem os dados durante a resolução. Nesses trechos, os professores mostraram indícios de uma atenção à possibilidade de os estudantes apresentarem diferentes soluções para as questões. Ao participarem dessa forma, os professores também demonstraram uma atenção para a elaboração das questões da tarefa, de modo que não sejam diretas, pois questões dessa natureza podem induzir os estudantes a resolverem-nas de uma única maneira. Foi observado também que os professores, durante essa forma de participação, compartilharam e aprenderam com as experiências de outros participantes do subgrupo sobre como elaborar questões investigativas ou exploratórias.

Assim, os momentos em que os professores discutiam sobre o repertório compartilhado pelos subgrupos analisados nos possibilitou observar que essa prática social permitiu que eles realizassem mudanças nas práticas em que participam e na forma de ver tarefas investigativas, passando a considerá-las como uma oportunidade para os estudantes investigarem e desenvolverem conceitos de Matemática.

Segundo Wenger (1998), o repertório compartilhado inclui “rotinas, palavras, ferramentas, formas de fazer as coisas, histórias, gestos, símbolos, gêneros, ações ou conceitos que a comunidade produziu ou adotou no decorrer de sua existência, e que se tornaram parte de sua prática” (p. 83).

A partir do repertório compartilhado nos subgrupos, da elaboração de questões investigavas ou exploratórias, os membros reconhecem e dão significado a sua participação. Percebem a valorização do seu engajamento e se envolvem na constituição e sustentação do empreendimento conjunto do grupo, dessa maneira de participar. Assim, iniciam uma forma de apropriação das relações que ocorrem no grupo de trabalho.

7 Considerações

Ao investigarmos como os professores participam da elaboração do material curricular, em conjunto com professores da educação básica e superior e com estudantes da graduação e pós-graduação, analisamos e descrevemos as ações e os objetivos desses professores durante a elaboração dos materiais. Nesse sentido, compreendemos a participação como uma forma de engajamento de sujeitos ativos em alguma prática social em que ocorra reconhecimento mútuo de outras pessoas durante a própria prática nas comunidades sociais (WENGER, 1998).

Observamos duas maneiras distintas de participar: atendendo aos objetivos comuns do grupo; e compartilhando modos de elaborar questões matemáticas investigativas ou exploratórias. Foi possível identificar relações entre essas formas de participação e o que Wenger (1998) apresenta como empreendimento conjunto — identificado na elaboração das tarefas pelos subgrupos — e repertório compartilhado — que possibilitou mudanças nas práticas em que os professores participam.

As compreensões geradas por este estudo podem subsidiar as práticas de professores em sala de aula. No que diz respeito às questões relacionadas à formação de professores, as compreensões abrem horizontes para futuras investigações sobre as práticas de professores de Matemática em comunidades sociais de caráter colaborativo, sejam elas formadas somente por professores ou não.

Além disso, este estudo nos permitiu observar que são necessárias mais investigações sobre a participação de professores em comunidades sociais colaborativas, que permitam que suas experiências de sala de aula sejam reavaliadas e, posteriormente, modificadas.

Referências

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Notas

[1] O “empreendimento conjunto” de comunidades é entendido neste estudo como sinônimo de “objetivo comum” de comunidades sociais.
[2] Os materiais curriculares educativos do OEM-Bahia encontram-se disponíveis em um ambiente virtual denominado Observatório da Educação Matemática, no endereço http://www.educacaomatematica.ufba.br.
[3] No primeiro ano de funcionamento OEM-Bahia, Lúcia era professora da educação básica e lecionava também na educação superior. No final desse ano, ele se aposentou na educação básica e continuou atuando na educação superior.
[4] Os membros do subgrupo de Vanildo decidiram reelaborar uma tarefa que foi elaborada por outro subgrupo no 1º ciclo de trabalho do OEM-Bahia, visto que eles não utilizariam a tarefa para produzir o material curricular educativo.
[5] Na seção Apresentação dos Dados, serão apresentadas as mudanças ocorridas nos objetivos das tarefas que foram elaboradas pelo subgrupo de Cecília, devido às diversas negociações e mudanças nas propostas das tarefas.
[6] As reticências sinalizam pausas curtas no meio das falas; as reticências entre colchetes sinalizam que ocorreram mais falas entre as que foram apresentadas nos dados; as informações entre parênteses destacam as ações dos indivíduos.
[7] O cruzamento de duas cordas na circunferência gera segmentos proporcionais e a multiplicação entre as medidas das duas partes de uma corda é igual à multiplicação das medidas das duas partes da outra corda.

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