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NADA SOBRE NÓS, SEM NOSSOS CORPOS! O LOCAL DO CORPO DEFICIENTE NOS DISABILITY STUDIES
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 14, núm. 1, 2017
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627
ISSN-e: 2527-2551
Periodicidade: Semestral
vol. 14, núm. 1, 2017

Esta obra está licenciada com Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: Este texto é uma adaptação de partes minha pesquisa de monografia que conduzi observando como a teorização sociocultural sobre a deficiência (disability studies) ganhou novos caminhos a partir de uma possível ?centralidade? analítica dada à materialidade do corpo deficiente a partir dos anos 1990. O artigo faz um breve balanço da constituição euro-americana dos disability studies e discute criticamente como o corpo era amplamente interpretado como um dado orgânico em que se inscreve a cultura. A discussão propõe interpelar histórica e politicamente, através de visões críticas da deficiência, a própria constituição material dos corpos humanos como entidades universalmente biológicas, almejando discutir as bases socioculturais daquilo que atualmente aprendemos a fazer como estudos sobre deficiência.

Palavras-chave: disability studies, corporalidade, teoria feminista, teoria queer, teoria crip.

Resumen: Este texto es una adaptación de mi investigación de monografía, la cual conduje observando como la teorización sociocultural sobre la discapacidad (disability studies) ganó nuevos caminos a partir de una posible centralidad analítica dada a la materialidad del cuerpo deficiente a partir de los años 1990. El artículo hace un breve balance de la constitución euro-americana de los disability studies y discute críticamente cómo el cuerpo era ampliamente interpretado como un dato orgánico en el que se inscribe la cultura. La discusión propone interpelar histórica y políticamente, a través de visiones críticas de la discapacidad, la propia constitución material de los cuerpos humanos como entidades universalmente biológicas, apuntando a discutir las bases socioculturales de aquello que actualmente aprendemos a hacer como disability studies.

Palabras clave: disability studies, corporalidad, teoría feminista, teoría queer, teoría crip.

Abstract: This text is an adaptation of my monograph research that I conducted observing how the sociocultural theorization about the disability (disability studies) gained new pathways from a possible analytical "centrality" given to the materiality of the disabled body from the 1990s on. The article gives a brief overview of the Euro-American constitution of disability studies and critically discuss how the body was widely interpreted as an organic data in which culture is inscribed. The discussion proposes to question historically and politically, through critical visions of disability, the very material constitution of human bodies as universally biological entities, aiming to discuss the sociocultural bases of what we have now learned to do as disability studies.

Keywords: disability studies, corporeality, queer theory, feminist theory, crip theory.

Introdução

Em minha monografia ( GAVÉRIO, 2015a) relatei que a deficiência (disability) desde muito cedo em minha vida fora reiterada como um fato corporal, um dado de determinada natureza orgânica. Seja adquirida ou congênita, a deficiência possuiria a tendência de fazer emergir um quadro de outras debilidades corporais que prejudicarão a considerada dinâmica social ?normal? dos indivíduos se não forem devidamente tratadas. Em outras palavras, durante toda infância e adolescência o entendimento de minha condição física se referiu aos termos dos diagnósticos e prognósticos de uma doença degenerativa, a minha lesão (impairment), bem como às práticas terapêuticas e reabilitativas a qual estive diretamente envolvido durante 15 anos de tratamento.

O termo defeituoso é extremamente cabível no linguajar médico como tecnicamente neutro para explicar a especificidade do meu organismo. Um corpo que, devido a uma falha/defeito genético - a não produção de uma proteína chamada SMN - se torna clinicamente específico sob um rótulo: amiotrofia espinhal (BAIONI; AMBIEL, 2010). O termo defeituoso também ressoava a partir da instituição de assistência e reabilitação a qual fui encaminhado para tratamento aos 4 anos de idade devido ao possível diagnóstico degenerativo, a Associação de Assistência à Criança Defeituosa, a AACD. Fundada em 1950 na cidade de São Paulo, desde os anos 2000 a instituição renomeou-se para Associação de Assistência à Criança Deficiente.

Nesse sentido, a explicitação que fiz de minha condição biomédica ? um traço de informação falha nas traduções de DNA ? se coaduna com a totalidade entre ?pessoa? e ?doença\deficiência? representada pela nomenclatura exemplar indicativa do tipo de paciente que a instituição de assistência tratava: a criança defeituosa; mais tarde, a deficiente. Ter um defeito ou, depois, ter uma deficiência; ser um(a) defeituoso(a) ou, depois, ser um(a) deficiente significa, dentre outras coisas, possuir informações ambíguas, contraditórias sobre si; sobre como seu corpo deveria ser e não é ou como deveria funcionar\reagir de determinadas maneiras que não ocorrem. Informações que, muitas vezes, estão entre as considerações públicas e privadas em que determinados corpos, os deficientes nesse caso, estão imbricados.

Dessa maneira, abordar politicamente a deficiência a partir das experiências do corpo em sociedade é a estratégia que fundamenta suas teorizações socioculturais. Emergentes oficialmente durante os anos 1980 em contexto euro-americano e baseando-se fortemente em referenciais sociológicos, essas teorizações recebem o nome de disability studies, estudos sobre\da deficiência. Tais estudos se conformam após um período de efervescentes movimentações políticas das pessoas com deficiência, a partir dos anos 1960, em busca por igualdade, direitos civis e combate à opressão\segregação institucionalizadas. Principalmente após meados dos anos 1990, os disability studies passam a ter maior proeminência internacional como um circuito teórico em expansão pelas humanidades, ao passo que muitas(os) autoras(es), trabalhando sob esse marco teórico, começaram a rever criticamente os recentes pressupostos estabelecidos nesses estudos (ALBRECHT et al, 2001; SNYDER et al. 2002; BARNES et al., 2002; DAVIS; 2006c; MCRUER, 2006).

Um dos pressupostos dos disability studies, problematizado após os anos 1990, foi a natureza e individualidade do ?corpo deficiente?. Até então falar de ?corpo? na teoria da deficiência era se referir ao imperativo da lesão. Lesão\impedimento (impairment) seria a realidade biológica do organismo individual e a deficiência (disability) a consequência social, ou socializada, dessa lesão. Essa cisão sociológica deflagrou a formalização epistemológica do ?modelo social da deficiência? entre os anos 1980 e 1990. O que se sucedeu entre os anos 1990 e 2000 nos disability studies foi a reapropriação crítica dessa dicotomia entre corpo e sociedade, discutindo que a própria lesão também não é uma natureza em si mesma. Nas palavras dos teóricos norte-americanos Sharon L. Snyder e David T. Mitchell (2006: 6-7)

A tendência nos disability studies há anos tem sido a de distinguir entre deficiência [disability] e lesão\impedimento [impairment], argumentando que este último termo é um designador neutro da diferença biológica, enquanto o primeiro representa um processo social denominado "deficientização" [disablement]. [...] Os adeptos de um estrito modelo social referem-se muitas vezes às manifestações biológicas e cognitivas da diferença como "lesão\impedimento" [impairment] para situar o fenômeno fora das preocupações dos estudos sobre a deficiência. Da mesma forma, as terapias também procuraram reter o uso do termo "lesão\impedimento", porque permite que exista um espaço interacional entre os corpos e a sociedade, ao mesmo tempo que continuam a permitir que a deficiência seja referenciada como disfunção em necessidade de intervenção.

Neste artigo, explorarei como o ?corpo deficiente? (disabled body) e a própria categoria médica da ?deficiência? deixa de ser somente um ?problema? anatomofisiológico\morfofuncional individual e se torna, de certa maneira, um ?problema? da teoria social através de um novo léxico político que se formava nas mobilizações político-identitárias das pessoas deficientes. Para isso, apresentarei pontos fundamentais encontrados em minha pesquisa bibliográfica sobre a emergência do campo teórico dos disability studies e sua relação teórica com o corpo lesionado. No segundo momento do texto adentro em partes da literatura feminista dos disability studies para estabelecer conexões com o atual debate sobre a ?natureza? do corpo (a)normal provocado pela teoria aleijada (crip theory). Finalizo o texto com algumas observações a partir da possibilidade de considerarmos que lesão e deficiência são, ao mesmo tempo, produtos materiais e discursivos que se alimentam um do outro.

1. Os movimentos deficientes e a emergência dos disability studies

O editor de um dos primeiros manuais sobre disability studies, o teórico literário e pesquisador da deficiência Lennard J. Davis (2006a, p. XVI), argumenta que

[?] há uma conexão recíproca entre as práticas políticas das pessoas com deficiências e a formação de uma categoria discursiva dos disability studies. Ou seja, pessoas com deficiência existiram ao longo da história, mas é somente nos últimos vinte anos [2] que as pessoas de um braço só, tetraplégicos, o cego, pessoas com doenças crônicas, e daí por diante, se viram como única, aliada, unida, minoria física? (ênfases minhas)

De maneira análoga a essa colocação de Davis a antropóloga Débora Diniz (2003), que traduz a expressão disability studies para estudos sobre deficiência no Brasil (DINIZ, 2003), argumenta que ao ?assumir uma positividade discursiva? sobre deficiência, esses estudos a postulam não ?Mais [como] uma simples expressão de uma lesão que impõe restrições a participação social de uma pessoa. Deficiência é um conceito complexo que reconhece o corpo com lesão, mas que também denuncia a estrutura social que oprime a pessoa deficiente? ( DINIZ, 2007, p. 7) (ênfase minha).

Os escritos supracitados de Davis e de Diniz auxiliam a demonstrar a emergência dos disability studies segundo referenciais teóricos e políticos localizáveis de duas maneiras didaticamente distintas. A primeira localização é referente aos estudos norte-americanos sobre deficiência, um desenvolvimento teórico com bases em uma sociologia da medicina crítica e nas reinvindicações político-identitárias dos movimentos deficientes por direitos civis (Disability Rights Movements) ( ALBRECHT et al, 2001; ALBRECHT, 2002; SNYDER et al, 2002; DAVIS, 2006a, 2006b; PALACIOS, 2008; MELLO, 2009; HARLOS, 2012). A segunda localização teórico-política se refere aos estudos britânicos sobre deficiência, uma proposta inicialmente sociológica e histórico-materialista para deficiência influenciada pelos movimentos deficiente ingleses, sendo a Union of the Physically Impaired Against Segregation (UPIAS; Liga dos Fisicamente Lesados contra a Segregação) uma das mais conhecidas [3] ( BARNES et al, 2002; DINIZ, 2003; 2007; PALACIOS, 2008; MELLO, 2009; HARLOS, 2012; COSTA C. ANDRADA, 2013).

Essas ?duas tradições de disability studies? ( MEEKOSHA, 2004) produziram, cada uma, modelos analíticos que, mais especificamente a partir de meados dos anos 1980, foram considerados grandes influências para pensar a deficiência como uma construção social: O modelo minoritário\de direitos estadunidense e o modelo social inglês ( TITCHKOSKY, 2000; MEEKOSHA, 2004; SHAKESPEARE, 2006)

Nos EUA, seguindo a movimentação política alavancada pela luta de direitos civis do movimento negro a partir dos anos 1950 ( ADELMAN, 2009), o modelo minoritário\de direitos da deficiência surge como contraponto político ao considerar que as pessoas deficientes são, antes de mais nada, cidadãos destituídos de direitos e liberdades civis. Segundo um dos teóricos deficientes considerado um dos precursores desse modelo ( TREMAIN, 2010), o cientista político Harlan Hahn (1985), pontua que

Muitas dessas mudanças podem ser atribuídas a um deslocamento de definição de orientação médica, que se concentra nos impedimentos funcionais, e uma abordagem econômica, que destaca as limitações de formação profissional, para uma perspectiva sócio-política que considera a deficiência como produto da interação entre indivíduo e ambiente. A última perspectiva levou a nova ênfase em medidas contra discriminação e a um modelo minoritário de deficiência, que reconhece que o ambiente é moldado pelas políticas públicas e que a política é um reflexo de atitudes e valores sociais dominantes [4]

Na Inglaterra, durante os anos 1980, o modelo social da deficiência passa a ser desenvolvido primariamente pelo sociólogo inglês e ativista deficiente Mike Oliver ( 1983, 1990; DINIZ, 2003, 2007; SHAKESPEARE, 2006; MELLO, 2009; HARLOS, 2012) como contraponto ao chamado modelo individualista da deficiência, amplamente embasado, segundo a caracterização teórica de Oliver, nas noções medicalizadas dos corpos deficientes. É em torno da crítica a esse modelo individual\médico de compreensão da deficiência que o modelo social operará sua distinção mais conhecida entre as(os) teóricos socioculturais da deficiência: a separação teórico-analítica entre deficiência (disability) e lesão (impairment). Para a antropóloga Anahí Guedes de Mello (2009: 26-27)

O modelo social da deficiência, em oposição ao paradigma biomédico, não se foca nas limitações funcionais oriundas de deficiência, mas sim a concebe como o resultado das interações pessoais, ambientais e sociais da pessoa com seu entorno. [...] Neste sentido, as experiências de opressão vivenciadas pelas pessoas com deficiência não estão na lesão corporal, mas na estrutura social incapaz de responder à diversidade (ênfase minha).

Colocando de maneira muito simplificada, portanto, o modelo social retira radicalmente a causa da deficiência das configurações corporais de determinados indivíduos (lesionados) e a coloca como fruto de uma organização social opressiva sobre os corpos lesionados, os configurando, e os totalizando, como deficientes. Essa clivagem, além de fazer ressonância à separação entre sexo e gênero amplamente conhecida na epistemologia feminista ( DINIZ, 2003; 2007; MELLO, 2009; MELLO, NUERNBERG, 2012), é um desdobramento teórico e crítico de um dos fundamentos datados de 1976 da já citada UPIAS (1975, p. 4) ao argumentar que ?[...] é a sociedade que desabilita pessoas com lesões físicas. A deficiência é algo imposto sobre nossa lesão, pela forma como somos desnecessariamente isolados e excluídos da plena participação social. Assim pessoas deficientes são um grupo oprimido na sociedade? (ênfase minha).

2. Corpo e deficiência: tensões e aproximações

Como busquei minimamente expor, os disability studies se inserem em um contexto histórico-social em que emerge uma ampla produção em língua inglesa, predominantemente estadunidense e britânica, que busca reinscrever socialmente a causa da deficiência ao retirá-la da única explicação aceita até então: que deficiência é o resultado de falhas\defeitos corporais biomedicamente enquadrados.

É preciso considerar que os ativismos deficientes do pós segunda guerra mundial estão dentro de uma série de movimentações políticas e teóricas efervescentes a partir dos anos 1960 que fundamentalmente respondiam ao esgotamento do sujeito político em voga até então: o proletário embasado pela luta de classes ( ADELMAN, 2009). A socióloga feminista Miriam Adelman, ao evocar as mudanças causadas na teoria sociológica pelo pensamento feminista, relembra que a movimentação por direitos civis do movimento negro nos EUA, ?o primeiro grande movimento social do pós-guerra? (ADELMAN, 2009: 33), possibilitou compreender que muitas desigualdades não seriam resolvidas somente pela via de uma distribuição de riquezas geradas pelo capitalismo.

Os ?novos movimentos sociais? ( ADELMAN, 2009, p. 25), como ficaram conhecidos aqueles que passaram a articular novas linguagens e ferramentas teóricas para compreensão de determinadas opressões e desigualdades ? como por exemplo as de gênero, raça e sexualidade (e deficiência) ? salientam, dentre outras coisas, que o corpo e suas fixações biológicas não mais seriam um destino e causa inevitável de hierarquizações e opressões sociais. Assim, podemos considerar que o modelo minoritário\de direitos e o modelo social da deficiência fazem parte daquilo que o sociólogo deficiente e teórico da deficiência britânico Tom Shakespeare (2006, p. 34) chama de ?abordagens sócio contextuais? ou sócio construcionistas da deficiência.

Esses ?modelos sociais? da deficiência, o norte-americano e o inglês, operam de maneira semelhante uma distinção entre indivíduo e sociedade quando buscam responder sociologicamente às ?origens? da desigualdade e opressão das pessoas deficientes. Mike Oliver ( apud BARNES, 2012: 18), ao se referir ao que seria conhecido como modelo social, argumentou que ?Este novo paradigma envolve nada mais ou menos fundamental do que um distanciamento do foco sobre as limitações físicas de indivíduos em particular para a forma como o ambiente físico e social imposta limitações sobre certas categorias de pessoas?. Hahn (1985) argumentou, como citado acima, que a mudança foi da direção de um entendimento orientado por uma noção médico-econômica ?[...] para uma perspectiva sócio-política que considera a deficiência como produto da interação entre indivíduo e ambiente?. Resumindo, para as duas das mais mencionadas abordagens sociais da deficiência, esta, antes de mais nada, se aloca na estrutura social e não no indivíduo em si.

O que as movimentações político-identitárias buscaram mostrar ao longo da segunda metade do século XX foi que o corpo lesionado\incapacitado está inserido em contextos socioculturais que o revestem com naturalizações que almejam explicar suas desigualdades sociais com respostas biomédicas. Historicamente falando foi com o discurso cientifico em ascensão a partir do século XIX que

A diferença corporal/mental paulatinamente deixa de ser entendida como um castigo divino e passa a ser vista como um erro da natureza, um acidente natural a ser corrigido pela ciência. A transformação desta identidade da deficiência na de um ?defeituoso? ou ?retardado? decorre de um deslizamento conceitual que captura o indivíduo como objeto do saber médico. O poder de normalização passa, então, a se exercer pela via terapêutica, incidindo sobre o corpo/mente anormal (COSTA C. ANDRADA, 2013, p. 18)

É amplamente reconhecida a posição de Mike Oliver ( Apud. PATERSON & HUGHES, 1997, p. 32) de que a ?Deficiência não tem nada a ver com o corpo? e que a ?lesão é de fato nada menos do que uma descrição do corpo físico?. Os teóricos da deficiência norte-americanos Susan Snyder e David Mitchell (2001: 374)parecem nos contextualizar da radicalidade do argumento de Oliver ao dizerem que

Desde que os corpos deficientes enfrentaram historicamente classificações debilitantes, os disability studies propositadamente se abstiveram de formular as experiências corporificadas das pessoas deficientes. Esta negligência foi intencional e estratégica: ela explicitamente procurou deixar uma entidade sobre-analisada misericordiosamente sozinha. Em vez disso, o olhar crítico estava ligado às práticas avaliativas físicas, ocupacionais e psicológicas e sobre as instituições que autorizavam tal olhar [?]

Dessa maneira fica nítido que os entendimentos dos(as) teóricos(as) dos disability studies tinham mais fortemente sobre o corpo eram muito semelhantes aos seus referenciais sociológicos que o entendiam como uma matriz simbólica universal em que os significados sócio culturais são demarcados ( TURNER, 2001; HOWSON & INGLIS, 2001; SHILLING, 2007; CINTRA & PEREIRA, 2010).

Se ao longo dos anos 1970-80 a deficiência se torna uma identidade positivada politicamente, ela se positiva perante a vontade de participar da ordem que a excluía/oprimia como uma experiência legítima. O discurso da construção social da deficiência até os anos 1990 alocou essa experiência socialmente e desconsiderou a dimensão de determinadas experiências corporais. As análises que colocaram a deficiência como construções sociais operaram uma distinção metodológica e conceitual importante: a separação entre lesão e deficiência.

Respectivamente os termos traduzem impairment (impedimento\lesão) e disability (deficiência). Impairment é um substantivo que também pode ser traduzido como lesão, impedimento, dano, prejuízo, diminuição e significa o fato ou o estado de estar lesado/lesionado; danificado; impedido (impaired). Impaired é relativo a uma condição corporal debilitada que causa impedimento/incapacidade/impossibilidade de exercer determinadas funções físicas, sensoriais e cognitivas de acordo com uma norma fisiológica e anatômica; disability, em contraponto, é aquilo que não está no corpo individual em si e traduz a desvantagem social de se viver em uma sociedade que não respeitaria a neutralidade da variabilidade corporal humana. Separar a deficiência da lesão é evidenciar a opressão estrutural que determinadas pessoas sofrem por causa de seus corpos disfuncionais.

Basicamente, o corpo é visto por essas teorizações como um receptáculo de simbologias sociais e culturais. Entretanto, o corpo lesionado do construcionismo social da deficiência, paradoxalmente, não é causa nem consequência da deficiência ( TREMAIN, 2006; FREMLIN, 2011). Dessa maneira podemos considerar tanto a vertente britânica desse construcionismo social, fortemente baseado na dicotomia lesão/deficiência, quanto o construcionismo social norte-americano, baseado no modelo minoritário ou de direitos, estão ligados a noção geral do debate entre corpo e sociedade, no qual o corpo, deficiente ou não, é matéria orgânica, objetivo exclusivo do saber biomédico, dos modelos clínicos; e, socialmente falando, esse corpo é somente ancoragem de simbologias e interpretações que variam de acordo com os preceitos de cada sociedade ou cultura. O corpo seria o suporte do signo, um fato biológico que varia de acordo com percepções culturais inscritas em sua materialidade orgânica universal.

A psicóloga Maria Elisa Rizzi Cintra e o antropólogo Pedro Paulo Gomes Pereira (2010, sem páginação) abordam como nas ciências sociais alguns autores e autoras têm centrado suas perspectivas a partir do corpo, mas que não necessariamente contestam as bases mais deterministas de se pensar a corporalidade:

O corpo vem se firmando como um terreno privilegiado para se entender as disputas em torno de novas identidades, da preservação de identidades históricas, da ascensão de híbridos culturais ou das recontextualizações locais de tendências globais. As polêmicas análises sobre a temática afirmam seu caráter essencial para a compreensão das sociedades contemporâneas. Todavia, diante dessas questões e da multiplicidade de análises, talvez devêssemos, para replicar aqui uma indagação de Miguel Vale de Almeida, insistir numa simples pergunta: de que falamos quando falamos de corpo?? (Ênfase minha)

Dessa maneira, ao falarmos de ?corpo deficiente? (disabled body) estamos sempre nos remetendo à noção de um corpo organicamente defeituoso? Um corpo que necessita, para ser compreendido como oprimido\segregado na dinâmica social, estar dissociado de noções de doenças\debilidades\deficiências ? tidas, por sua vez, somente como vetores biomédicos? De que corpo deficiente falamos então?

3. Lesão x Deficiência: Dicotomia sob Suspeita

A descrição estritamente biológica do que seria o corpo deficiente conecta-se à visão médica e anatômica de um organismo morfofuncional determinado e reconhecível sob o olhar objetivo do saber biomédico. Para essa maneira de pensar deficiência, o corpo deficiente é aquele que possui uma lesão, um déficit, perante uma norma estabelecida, seja efeito de variadas naturezas e causas. O corpo, então, é receptáculo da deficiência, de um atributo, congênito ou adquirido, defeituoso que o impede de funcionar e comportar-se de acordo com o considerado ?normal? do corpo humano. O corpo deficiente do discurso biomédico, portanto, é aquele que desvia de sua integralidade orgânica perante uma norma biológica-funcional; é esse desvio da norma que torna a deficiência, e o indivíduo que a possui, um problema a ser corrigido/tratado/reabilitado e devolvido ao convívio social.

Nesse sentido, o corpo sempre figurou como um dos pontos chaves para se teorizar e problematizar socialmente a deficiência. Como vimos, a estratégia inicial dos disability studies foi desvincular o corpo ?deficitário? e ?lesionado? (do discurso biomédico) como causa da segregação e opressão social sofrida pelas pessoas deficientes - que por sua vez eram reduzidas às representações medicalizadas de suas supostas ?disfunções?. Em outro instante, durante o fim do século XX, as posições políticas das pessoas deficientes ganhavam maior visibilidade e o movimento teórico nos disability studies buscou resignificar o ?corpo deficiente? das representações normativas biomédicas. Essa retomada estratégica do corpo retirou as aspas do termo ao afirmá-lo como lócus de disputas políticas e culturais e não mero receptáculo cultural de noções de doenças e falhas orgânicas que imediatamente causam sofrimento e angústia. O próprio corpo possui uma história e uma ontologia disputada politicamente.

Quando iniciei minhas pesquisas buscava compreender como a deficiência se constituiu como um problema sociológico aparentemente desprovido de corpo. Ou seja, nas primeiras leituras sobre disability studies que tive contato, deficiência se ?desvinculava? do corpo para ser constituída como um problema político e depois teórico. Porém, o que se começou a argumentar nas teorias sociais durante os anos 1990 foi que o próprio corpo deficiente não é anterior as práticas e saberes que o delimitam como saudável, completo, funcional ou não ( ABBERLEY, 1987; ZOLA, 1991; HUGHES & PATERSON, 1997; TREMAIN, 2000; 2005; SNYDER & MITCHEL; 2001; BRECKENRIDGE & VOGLER, 2001).

De acordo com a socióloga australiana Raewyn Connel (2011, p. 1368)

A abordagem sócio-construcionista de deficiência que desafiou o modelo biomédico nos anos 1980 e 1990 foi parte de uma ampla reformulação dos corpos e da sociedade. Ideias semelhantes estavam sendo trabalhadas no feminismo, sociologia, estudos da ciência e tecnologia, estudos culturais, saúde pública, pesquisa sobre sexualidade e outros campos. Surgiram desafios para modelos biomédicos de causalidade, para classificações a-históricas de corpos e para o poder profissional sobre grupos marginalizados. A capacidade das estruturas sociais e discursos culturais para distribuir e especificar corpos, e para moldar a experiência corporal, foi reconhecida?.

Então, não é considerar o corpo deficiente como um espaço de ausências, como não é só criticar o discurso biomédico como simples normalizador de corpos, mas tentar alocar historicamente determinados conhecimentos e discursos como mediadores dos entendimentos sobre os corpos e não meros descritores neutros do que seriam as diferentes formas, culturais ou não, de possuí-los. Através do discurso biomédico, por exemplo, alguns corpos puderam ser hegemonicamente reconhecidos e caracterizados como deficientes, ou seja, o conhecimento médico, anatômico e fisiológico do corpo humano estabeleceu uma norma, uma estatística mensurável de como o corpo humano deveria ser e se comportar ( ORTEGA, 2008). O ideal de um corpo a ser alcançado é substituído por uma norma mensurável de lógicas orgânicas e populacionais. Essa norma é uma descrição estatística da morfologia e cognição humanas que passa a ser considerada média em uma população. Todos os desvios desse ponto normal passam a ter que ser examinados e classificados ( DAVIS, 2006c).

Grande parte da atual amplitude histórica e crítica entre corpo e deficiência se dá quando os disability studies se interferem, ao longo dos anos 1990 e 2000, com o feminismo e com a teoria queer? [5], permitindo outras possibilidades metodológicas, analíticas e teóricas, principalmente a partir de um foco crítico maior na corporalidade [6]. Essa junção teórica trouxe à baila do conhecimento sociocultural que estava se produzindo sobre deficiência, outras perspectivas de percepção e compreensão teóricas do corpo deficiente que viam entrelaçadas com as discussões culturalmente críticas e históricas sobre raça, gênero e sexualidade.

Foi no palco da crítica feminista aos paradigmas sociais, culturais e científicos daquele período, que a corrente teórica dos disability studies pode construir também seus debates, principalmente por suas posições críticas com relação às considerações construcionistas sobre deficiência. Rosemarie Garland-Thomson (2005) propõe um ensaio de revisão bibliográfica sobre as obras feministas nos disability studies. Para a autora, ao investigarem os

[...] significados culturais atribuídos aos corpos que as sociedades consideram deficientes, os feminist disability studies fazem vasta obra crítica cultural. Primeiro, entendem a deficiência como um sistema de exclusões que estigmatiza as diferenças humanas. Em segundo lugar, revelam as comunidades e as identidades que os corpos que consideramos deficientes têm produzido. Em terceiro lugar, mostram atitudes e práticas discriminatórias dirigidas a esses corpos. Em quarto lugar, expõem a deficiência como uma categoria social de análise. Em quinto lugar, enquadram a deficiência como um efeito das relações de poder. Feminist disability studies mostram que a deficiência- similar à raça e gênero - é um sistema de representação que marca corpos como subordinados, ao invés de uma propriedade essencial dos corpos que, supostamente, têm algo de errado ( GARLAND-THOMSON, 2005, p. 1557 -1558). [ênfases minhas]

É dessa perspectiva crítica dos disability studies feministas com relação a materialidade do corpo humano que emergem as alianças queer-crip ( MCRUER, 2002, 2006; KAFER, 2003, 2013; MELLO, 2014; GAVÉRIO, 2015b). Essas alianças têm permitido, basicamente, colocar em consonância crítica e tensão histórica a dicotomia deficiência\corpo deficiente. Dessa forma o corpo deficiente tem sido foco de ?desconstruções? em sua condição de dado neutro e universal, tanto como elemento teórico, quanto material (seja no senso de um corpo ?cultural?, como no senso de um corpo ?biológico?).

A filósofa canadense Shelley Lynn, Tremain (2000) foi uma das primeiras a teorizar no marco dos disability studies as possíveis intersecções entre ?identidades e sexualidades queer? e a sexualidade dos e das deficientes abordadas em estudos recentes (na época) denominados pela autora como ?estudos da sexualidade deficiente? (disabled sexuality studies). Sua proposta não é somente afirmar a positividade das ?experiências de deficientes queer? [experiencies of disabled queers], mas ?[...] produzir um trabalho que seja mais astuto teórica e politicamente do que o feito no passado? em que ?teóricos(as) e pesquisadores(as) no campo dos estudos da sexualidade deficiente (e nos disability studies de maneira geral) revisem as concepções de sexo e gênero que assumem em suas análises? ( TREMAIN, 2000, p. 292).

Segundo Tremain tais discussões estão fixadas no sistema binário de interpretação do sexo/gênero operacionalizado primeiramente nas ciências sociais pela feminista e Antropóloga norte americana Gayle Rubin ( TREMAIN, 2000, p. 293). Nesse sistema, sexo e gênero são opostos em que o primeiro termo é pré-discursivo, atributo ou propriedade intrínseca e natural aos corpos, enquanto o segundo é uma interpretação ou expressão cultural específica e variável. Em suma, o sexo está para a natureza como o gênero estaria para a cultura.

Nesse sentido, como parte de suas críticas, Shelley Tremain relembra que Foucault no seu livro História da Sexualidade ? A Vontade de Saber (2005) indica que ?[...] a categoria fantasmática do ?sexo? facilita a inversão de relações causais pelo qual ?sexo? (um efeito das relações de poder hegemônicas) efetivamente passa como causa de um desejo humano heterossexual naturalizado? ( TREMAIN, 2000: 296).

A proposta de Michel Foucault serve para a autora reconstituir minimamente parte das críticas a essa divisão binária insurgente no feminismo de segunda onda, enquanto lança mão da filósofa feminista Judith Butler (2003) para questionar duas coisas: 1) a materialidade pré-discursiva do sexo e que 2) o próprio corpo não é independente e anterior aos discursos autorizados e regulatórios sobre ele. Segundo Tremain (2000: 297) ?Butler argumenta que ?sexo? não pode ser pensado como antecedente ao gênero como a distinção entre sexo-gênero indica, uma vez que o próprio gênero é exigido a fim de pensar o ?sexo??.

A intenção da pesquisadora canadense é mostrar para os teóricos dos disability studies o caráter específico, político e histórico da própria lesão. Como vimos, a dicotomia deficiência X lesão foi o que propiciou toda a reconfiguração epistemológica das causas sociais da deficiência. Entretanto a lesão permaneceu como a própria substância incontestável da realidade dos corpos. Em poucas palavras, lesão está para ?natureza? como a deficiência estaria para ?cultura?. Tremain (2006, p. 192) busca rediscutir a própria ontologia da lesão e a elege como espécie de realidade a ser explicada:

Como efeito de um discurso político historicamente específico (ou seja, o biopoder), as lesões [impairments] são materializadas como atributos universais (propriedades) dos sujeitos através da iteração e reiteração de normas e ideais de regulação culturalmente específicos sobre (por exemplo) a função e estrutura humana, competência, inteligência e capacidade. Como atributos universalizados de sujeitos, e além disso, as lesões são naturalizadas como uma identidade interior ou essência em que a cultura age de forma a camuflar as relações de poder historicamente contingentes que as materializaram como natural. Em suma, lesão tem sido deficiência o tempo todo.

Nesse sentido, o foco e a análise da normalidade (normalcy) indica um movimento critico análogo entre teoria queer, ativismo deficiente e disability studies. Por um lado, a proposta queer é pensar que a normalidade, nesse caso a heterossexualidade, se torna compulsória ao ser colocada como uma aparente escolha individual em que o contraponto em não ?escolhe-la? é ser ?anormal, desviante?, homossexual. Por outro, a normalidade focalizada no debate crítico sobre deficiência refere-se à naturalidade e neutralidade com que o corpo ?não-deficiente? (able body) é posicionado. Em resumo, ambos movimentos teórico-políticos estão preocupados em articular críticas às supostas naturalidades da normalidade que acabam a configurando como compulsória, como uma não escolha [7].

Segundo Robert Mcruer (2006, p. 7) ?ter um corpo capaz/apto? é estar ?livre de deficiências físicas, e ser capacitado para os esforços físicos que [um corpo livre de deficiências] requer; em boa saúde corporal; robusto? ( MCRUER, 2006, p. 7) Able-bodiedness é, em última instancia, oposta a deficiência ? e conceitualmente definida pelas instituições que a contém. A compulsão pelo corpo capaz (compulsory able-bodiedness) se dá pela contenção de existências deficientes, também consideradas ?anormais? e naturalmente ?desviantes?.

De maneira geral, a teoria queer causa fissuras nos debates construcionistas e disciplinares sobre sexualidade, argumentando que o próprio desvio é fruto de condições de normalidade. Em outras palavras, os desviantes sexuais só existem devido a regulações que produzem determinados indivíduos como naturalmente normais. Assim, não é só uma questão de rótulo, de estigma social, ser um desviante, mas um constante jogo daquilo que é ou não considerado natural e saudável. A teoria crip (aleijada) se inspira na crítica queer e passa a questionar às cristalizações (binárias) identitárias no seio dos próprios movimentos e teorias deficientes. Isto é, a crítica ?aleijada? se volta tanto a naturalização dos indivíduos deficientes quanto a dos indivíduos ?não-deficientes?, ?capazes? (ablebodied).

Portanto, uma análise queer-crip levaria em conta elementos do discurso crítico sobre gênero, sexualidade e sobre deficiência. Análises que já consideravam essas três categorias em suas bases sociais, passaram a se mobilizar em torno da criação naturalizada da anormalidade, do desvio, a partir da neutralização histórica do que era considerado normal ( WARNER, 1993; DAVIS, 1995; MISKOLCI, 2005; 2009). Nesse caso uma distinção entre deficientes (anormais) e não-deficientes (normais) depende da consideração de que os segundos também nascem assim, normais e, por isso, são também naturais. Essas ideias têm levado a pensar que as considerações sobre a materialidade que informa e cria as noções ocidentais de corpo (cultural ou biológico) não podem ser separadas das noções de corpo que informam e criam o saber sobre a materialidade que as baseia.

Conclusão: A produção do corpo problemático

Uma das questões que meu corpo facilmente suscita quando transito publicamente é: o que você tem? Geralmente essa pergunta se liga à imediata percepção de meu corpo como "diferente". Só o fato de usar cadeira de rodas já não me permite seguir corporalmente os padrões estéticos estabelecidos como naturalmente desejáveis para a maioria de meus interlocutores. Junto com a pergunta do que eu tenho, segue-se outra: você nasceu assim?

A deficiência, principalmente aquela que se liga a uma estética e funcionalidade corporal dissonante (CAMARGO, 2012), gera efetivamente uma série de dúvidas e curiosidades com relação à origem desse corpo fora dos 'padrões'. O corpo dissonante, exatamente por causar fissuras tão perceptíveis nas expectativas das interações pessoais, acaba por gritar silenciosamente sua diferença. Muitas vezes já me peguei respondendo quase que automaticamente às questões mais efusivas com um 'sim, é de nascença'. Mas, como tentei mostrar ao longo desse texto, por mais que epistemologicamente a deficiência seja ainda dominada por uma ampla lógica biomédica, os disability studies colocaram dúvidas fundamentais sobre suas certezas orgânicas.

No começo do texto disse que um dos primeiros termos com o qual me reconheci 'diferente' foi 'defeituoso'. Esse termo gera muita controvérsia nos círculos militantes das pessoas com deficiência no Brasil por ser considerado extremamente ofensivo e discriminatório. As pessoas com deficiência não são 'defeituosas'. Concordo extremamente com essa posição do movimento político, exatamente por quê ela deflagra a não naturalidade dos defeitos humanos. Entretanto não podemos, com isso, deixar de prestar atenção nas disputas e resignificações políticas que termos ofensivos tem sofrido por parcelas de ativistas com deficiência.

Dessa forma, por mais que a deficiência seja vista como uma terminologia 'politicamente correta', as pessoas deficientes ainda são consideradas corriqueiramente como 'defeituosas', 'problemáticas'. Durante muito tempo de minha vida como alguém com uma doença muscular degenerativa eu considerei que minha deficiência era meu organismo defeituoso. Lesão e deficiência, para retornarmos os conceitos dos disability studies, ainda eram sinônimos de natureza para mim. Ao longo de minha interação com os conhecimentos socioculturais críticos sobre deficiência fui percebendo que nem minha deficiência, tampouco meu organismo defeituoso, eram simples dados da natureza. Eu não havia simplesmente nascido assim.

Nesse sentido, percebemos que uma posição teórica, política e militante que se faça sob termos controversos, como a própria ideia do aleijado (crip) provocativamente faz, suscita que passemos a desconfiar da neutralidade de qualquer forma de nomeação. Assim, comecei a me questionar enquanto pessoa deficiente e defeituosa, não para confirmar facilmente uma positivação, um orgulho de ser uma ?pessoa com um problema? e que não se rende às adversidades da vida, mas para pensar como um ?regime de visibilidade? identitária se entrelaça com um ?regime de verdade? [8] científico ( FOUCAULT, 1979), enquanto determinadas nomenclaturas que carregam consigo disputas históricas e semânticas anteriores aos sujeitos discriminados.

Por isso temos que pensar como a identidade, quando atrelada a certa ?evidência da experiência? ( SCOTT, 1998), acaba sendo erroneamente o ponto de partida, o dado que significará todas as outras coisas. Para a historiadora Joan Wallach Scott não são os indivíduos que possuem experiências que lhes agregam o ser, antes são as experiências que modulam sujeitos e, devido a isso, a identidade e a experiência se tornam uma série de constantes produções socioculturais imersas em relações históricas de poder:

Por isso precisamos nos referir aos processos históricos que, através do discurso, posicionam sujeitos e apresentam suas experiências. Não são indivíduos que têm experiência, mas sim sujeitos que são constituídos pela experiência. Experiência nesta definição torna-se, então, não a origem de nossa explanação, não a evidência legitimadora (porque vista ou sentida) que fundamenta o que é conhecido, mas sim o que procuramos explicar, sobre o que o conhecimento é apresentado. Pensar sobre a experiência desse modo é historiciza-la, bem como historicizar as identidades que ela produz. ( SCOTT, 1998, p. 304)

Assim, a deficiência vem sendo cada vez mais problematizada como ?articulações? (assemblage) ( PUAR, 2012) contingente a muitos contextos socioculturais e históricos, em que os corpos se constituem como deficientes e não-deficientes em momentos de sobreposição de relações de saber\poder [9]. Essa articulação categórica mais generalizada, pode ser analogamente pensada a partir de determinadas relações especificas em que se considere o que Kelly Fritsch (2015, p. 52) chama de ?intracorporalidade? (intracorporeality). A autora, ao analisar possibilidades de se almejar formas diferentes de se desejar a deficiência, e nesse sentido a própria deficiência seria uma possibilidade de existência, diz que a ?intracorporalidade?

[...] Postula que os corpos são produzidos dentro de uma relação, em vez de formado "através" ou "entre" corpos previamente existentes. Perceber como os corpos emergem dentro de uma relação é enfatizar que qualquer corpo somente emerge de, e é constituído por e dentro de, já emaranhadas relações. Tal surgimento intracorporeal sugere que qualquer decreto [enactment] de um corpo é ontológica e epistemologicamente saturado, nunca estável ou final.

Segundo Butler (1993, p. 247), dizer que algo ?[?] é produzido, construído ou mesmo que tem um estatuto fictício não é sugerir que é artificial ou dispensável?. A filósofa política feminista faz essa argumentação ao pensar um dos pontos mais polêmicos para os construcionistas sociais, a materialidade corporal. Para ela: ?Pensar o corpo como construído exige um repensar do significado da própria construção? ( BUTLER, 1993: XI) [10]. É por isso que Judith Butler focalizará, para se contrapor a algumas noções do construcionismo sobre o corpo, em um ?retorno à noção de matéria, não como sítio ou superfície, mas como um processo de materialização que se estabiliza ao longo do tempo para produzir o efeito de fronteira, fixidez e superfície que chamamos matéria? ( BUTLER, 1993, p. 9) [ênfases minhas; itálico no original].

O próprio corpo lesionado, ou a lesão, se torna um significante instável, pois ele mesmo não pode ser considerado um simples dado, neutro ou universal. O corpo deficiente para existir como tal, não precisa estar vinculado a uma realidade preexistente marcada no corpo, que seria a lesão; o corpo deficiente e suas lesões surgem nos jogos de suas relações sócio culturais. Ou seja, o corpo lesionado e o corpo deficiente perdem sua dicotomia sociológica inaugural entre indivíduo e sociedade, natureza e cultura, ao serem compreendidos como significados produzidos dentro de discursos e práticas especificas, dentro de enquadramentos de inteligibilidade que possibilitam a troca de seus sentidos.

Talvez o desafio dessa geração de pesquisadores, pesquisadoras e ativistas da deficiência, que já nasceram sob a possibilidade de desmistifica-la a partir dos ?modelos sociais? (a qual me incluo), seja a de complicar provocativamente os nossos próprios ?locais de nascimento?. Isto é, quanto mais colocamos a deficiência e os corpos dispostos como deficientes (ou doentes, aleijados, inválidos), em complexos históricos e socioculturais, mais percebemos seus múltiplos ?locais de origem? em espaços e temporalidades, muitas vezes, contraditórias. Nos resta aceitar o desafio de continuar desejando e problematizando diferentes modos de pensar, conceber e viver a deficiência.

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Notas

[1] Cientista Social pela UFSCar, mestre e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos
[2] A referência faz menção à segunda edição do manual The Disability Studies Reader de 2006. Contudo a introdução, da onde esse trecho foi retirado, é a mesma da primeira edição escrita em 1997.
[3] Diniz busca ?apresentar a gênese dos estudos sobre deficiência no Reino Unido nos anos 1970 e as principais críticas feministas e pós-modernas nas décadas de 1990 e 2000? (2007, p. 11).
[4] Essas noções já vinham se elaborando politicamente no bojo de um dos movimentos de pessoas deficientes mais reconhecidos nos EUA, o Independent Living Movement (ILM; Movimento pela Vida Independente, MVI), em ação desde o final dos anos 1960. Esse movimento foi originalmente guiado pelas reivindicações de acesso e cuidado, perante a Universidade da Califórnia e o estado californiano, à época levadas à cabo pelo ativista deficiente Edward Verne Roberts (MELLO, 2009; HARLOS, 2012).
[5] ASCH, FINE, 1981; 1988; MORRIS, 1991, 2001; TREMAIN, 2000, 2005; HALL, 2002, 2011; DINIZ, 2003, 2007; GARLAND-THOMSON, 2002, 2005; MCRUER, 2002, 2006; KAFER, 2003, 2013; MELLO, NUERNBERG, 2012; GAVÉRIO, 2015b
[6] A corporalidade pode se referir ao que propõe o antropólogo David Le Breton (2007, p. 32): ?O Corpo não existe em estado natural, sempre está compreendido na trama social de sentidos, mesmo nas suas manifestações aparentes de insurreição, quando provisoriamente uma ruptura se instala na transparência da relação física com o mundo do ator (dor, doença, comportamento não habitual, etc.)?.
[7] em artigo recente (GAVÉRIO, 2015b) tentei mostrar um pouco dessa específica relação entre disability studies e teoria queer e como ela, de certa forma, propiciou a emergência de teoria crip.
[8] Segundo Michel Foucault (1979: 12) ?Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua "política geral" de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro?.
[9] Segundo Jasbir K Puar (2012: 57) ??Assemblage?? é na verdade uma tradução desajeitada do termo francês agencement. O termo original na obra de Deleuze e Guattari não é a palavra assemblage traduzida para o Francês, mas agencement, que é um termo que significa design, layout, organização, arranjos de relações ? onde o foco não é o conteúdo, mas as relações e seus padrões. [...] Conceitos não prescrevem relações, nem existiam antes delas; em vez disso, as relações de força, conexão, ressonância, e padronização dão origem a conceitos. [...] As definições francesas e inglesas de assemblage, no entanto, referem-se a uma coleção de coisas, uma combinação de itens e o fato de montagem. (ênfases minhas)
[10] É preciso lembrar que nessa obra, Bodies That Matter, Butler faz uma articulação das críticas de sua obra anterior, Gender Trouble. Butler fora acusada de submeter a materialidade corporal à preponderância do discurso, como se este criasse simplesmente o corpo a ser investigado. Butler se defende: "Afirmar que o discurso é formativo não é reivindicar que origina, causa ou compõe exaustivamente o que compões; Em vez disso, é alegar que não há referência a um corpo puro que não seja ao mesmo tempo uma formação posterior desse mesmo corpo." (BUTLER, 1993, p. 10).


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