Secciones
Referencias
Resumen
Servicios
Descargas
HTML
ePub
PDF
Buscar
Fuente


O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL E A RELAÇÃO ENTRE RAÇA E POLÍTICA NO BRASIL: REFLEXÕES A PARTIR DE CARLOS HASENBALG
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 15, núm. 2, 2018
Universidade Estadual de Montes Claros

Artigos

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627
ISSN-e: 2527-2551
Periodicidade: Semestral
vol. 15, núm. 2, 2018

Recepção: 29 Abril 2018

Aprovação: 06 Agosto 2018

Resumo: Esse ensaio focaliza a relação entre raça e política no Brasil a partir de uma releitura do livro Discriminação e desigualdades raciais no Brasil, publicado em 1979, por Carlos Hasenbalg. O que ganha destaque na abordagem de Hasenbalg é a dimensão política do racismo, o que permite pensar esse fenômeno em termos estruturais, isto é, enquanto um sistema de opressão e de dominação. Interessa-nos recuperar essa discussão com o objetivo de explicitar a importância do mito da democracia racial para a elite brasileira e refletir sobre os impasses que os movimentos negros encontram para empreender a luta antirracista no Brasil, no período atual. Esse mito tornou possível ocultar o conflito racial, o que permitiu relegar o racismo à esfera privada, fazendo com que no senso comum ele exista apenas enquanto casos isolados de preconceito e de discriminação racial.

Palavras-chave: racismo, raça, política, desigualdade racial, dominação racial.

Resumen: Este ensayo se centra en la relación entre raza y politica en Brasil a partir de una relectura del libro Discriminação e desigualdades raciais no Brasil, publicado en 1979 por Carlos Hasenbalg. Lo que se destaca en el enfoquede Hasenbalg es la dimensión política del racismo, lo que permite pensar este fenômeno en términos estructurales, es decir, como un sistema de opresión y de dominación. Nos interesa recuperar esa discusión con el objetivo de explicitar la importancia del mito de la democracia racial para la elite brasileña y reflexionar sobre los impasses que los movimientos negros encuentram para emprender la lucha antirracista en Brasil en el período actual. Este mito hizo posible ocultar el conflicto racial, lo que permitió relegar el racismo a la esfera privada, haciendo que en el sentido común sólo exista en cuanto casos aislados de prejuicio y de discriminación racial.

Palabras clave: racismo, raza, política, desigualdad racial, dominación racial.

Abstract: This essay focuses on the relationship between race and politics in Brazil based on a re-reading of the book Discriminação e desigualdades raciais no Brasil, published in 1979, by Carlos Hasenbalg. What stands out in Hasenbalg's approach is the political dimension of racism, which allow sustothink of this phenomenon in structural terms, that is, as a system of oppression and domination. It is interesting to recover this discussion with the purpose of explaining the importance of the myth of racial democracy to the Brazilian elite and to reflect on the impasses that the black movements find to undertake the antiracist struggle in Brazil in the current period. This myth made it possible to conceal racial conflict, which allowed relegation of racism to the private sphere, making it common sense only as isolated cases of racial prejudice and discrimination.

Keywords: racism, race, politics, racial inequality, racial domination.

Apresentação

Esse trabalho focaliza a relação entre raça e política no Brasil a partir de uma releitura do livro Discriminação e desigualdades raciais no Brasil, publicado em 1979, por Carlos Hasenbalg. A publicação dessa obra abre caminho para a construção de um quadro interpretativo das relações raciais, que coloca no centro da discussão a importância da discriminação racial e do racismo. Trata-se menos de evidenciar o caráter corriqueiro dos casos de discriminação que atingem os não-brancos, independentemente de suas classes sociais; mas, acima de tudo, de chamar a atenção para os mecanismos societários que viabilizam a reprodução das desigualdades sociais. Guimarães (2006b) destaca o pioneirismo desse autor no estabelecimento de uma relação causal entre discriminação racial e desigualdades sociais ou entre racismo e desigualdades sociais. Ao mesmo tempo, Hasenbalg foi um dos pioneiros a apontar o mito da democracia racial como algo que não apenas mascara a dura realidade do racismo e da discriminação racial, mas também como um elemento que produz desigualdades raciais (FRY, 2005-2006). Cabe ainda destacar, que esse autor consolidou o campo de estudo sobre desigualdades raciais no Brasil e atuou simultaneamente na construção de uma agenda acadêmica e política (LIMA, 2014).

O que ganha destaque na abordagem de Hasenbalg é a dimensão política do racismo, o que permite pensar esse fenômeno em termos estruturais, isto é, enquanto um sistema de opressão e de dominação. Interessa-nos recuperar essa discussão com o objetivo de explicitar a importância do mito da democracia racial para a elite brasileira e refletir sobre os impasses que os movimentos negros encontram para empreender a luta antirracista no Brasil, no período atual. Esse mito tornou possível ocultar o conflito racial, o que permitiu relegar o racismo à esfera privada, fazendo com que no senso comum ele exista apenas enquanto casos isolados de preconceito e de discriminação racial. O trabalho está organizado em três etapas. Na primeira parte, explicita-se as razões que levam Hasenbalg a conceder primazia ao fator racial na explicação das desigualdades entre brancos e não-brancos. Na segunda etapa, discute-se a importância do mito da democracia racial para a relação entre raça e política no Brasil. Na terceira etapa, tendo por referência a análise de Hasenbalg, apresenta-se de forma sucinta as etapas da luta dos movimentos negros para promover a politização do racismo e os impasses que se apresentam no momento atual.

A primazia da raça na explicação das desigualdades entre brancos e não-brancos

Um dos elementos principais que diferencia o estudo de Hasenbalg de outros trabalhos sobre a questão racial é a primazia que esse autor outorga a ?raça? como fator explicativo para as desigualdades entre brancos e não-brancos. Nessa etapa, procurarse-á colocar em evidência os argumentos que levam o autor a defender essa posição, sublinhando que há no livro Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil Contemporâneo uma importante ênfase nas relações de poder que foram engendradas durante o período de colonização.

O estudo de Hasebalg apresenta um distanciamento em relação às perspectivas marxistas ortodoxas. Para o autor (1979, p. 109), tais perspectivas reduzem o antagonismo racial a relações de classe, sendo o racismo e o preconceito compreendidos como epifenômenos das relações econômicas. Uma das objeções principais que Hasenbalg faz a essa abordagem é que os negros não são monoliticamente uma classe trabalhadora e a população negra nas antigas sociedades escravistas das Américas tem estado na retaguarda do capitalismo industrial. Além disso, pontua que no mercado de trabalho brasileiro especificamente não houve antagonismos raciais, dado que esse jamais foi segmentado racialmente. Mesmo quando parte da população negra foi incorporada ao trabalho industrial, após 1930, não houve reação organizada dos trabalhadores brancos. Outro fator importante destacado pelo autor é que a justificação da dominação racial coloca problemas de legitimação diferentes daquele da dominação de classe. A justificação dessa última reside na ideologia da troca de equivalentes na sociedade civil, que tem como contrapartida o conceito liberal de Estado e a noção abstrata de contrato entre vontades individuais, livres e iguais. Já a primeira ? dominação racial ? justifica-se pela exclusão dos nãobrancos do universalismo burguês, tendo por base uma alegação de humanidade incompleta desse grupo.

Hasenbalg também contesta a ideia de que as disparidades existentes no pósAbolição eram resultado de diferenças existentes no ponto de partida entre o grupo branco e não-branco. Ao mesmo tempo, há uma ruptura com as análises que enfatizavam a dificuldade de ajustamemto social e econômico da população ex-escrava para ingressar na ordem social competitiva [2]. O autor ressalta que, quando ocorreu a Abolição, uma maioria da população não-branca tinha experiência prévia de liberdade. Os dados do censo de 1872 já demonstravam que 74% da população de cor era livre e, em 1887, essa proporção subiu para aproximadamente 90%. Diante disso, não é possível postular uma mudança abrupta da condição de escravo para a de homem livre. A historiografia recente tem justamente procurado mostrar os homens livres libertos durante o período da escravidão. A pesquisa realizada por Popinigis (2012), por exemplo, demonstra a participação dos indivíduos negros no mercado de trabalho urbano da cidade de Desterro, então capital de Santa Catarina, na metade do século XIX. De forma específica a autora analisa as relações sociais e as disputas que se estabelecem em torno da construção do mercado público da cidade. Antes do seu surgimento havia uma considerável presença africana, sobretudo de mulheres, trabalhando naquele local no comércio ambulante. A construção do mercado estava associada à suposta necessidade de sanear, embelezar os pontos centrais da cidade e de acomodar e organizar o comércio. Assim, a partir da segunda metade do século XIX, foram utilizadas uma série de estratégias de regulamentação, fiscalização e repressão por parte do poder público que afastava ou limitava o acesso desses grupos. A função de saneamento incluía a retirada das barraquinhas e dos escravos e libertos para que as ?famílias? pudessem ocupar aquele espaço (2012, p. 208). São processos como esse que demonstram as desvantagens sociais do grupo não-branco.

Uma segunda crítica que Hasenbalg endereça a abordagem que explica as desigualdades raciais pelos diferentes pontos de partida é que ela não leva em consideração a semelhança entre os pontos de partida das populações imigrante e nãobranca. Os imigrantes que entraram no Brasil na década de 1930 não possuíam habilidades ou qualificações especiais e tampouco dispunham de recursos econômicos ou educacionais particulares. Nesse mesmo sentido, Monsma (2016) observa que a posição social dos imigrantes que chegaram ao Oeste Paulista era ligeiramente superior aquela dos negros, mas com o passar do tempo as desigualdades tornaram-se mais expressivas. Os descendentes de imigrantes europeus da segunda e da terceira geração vivenciaram processos de mobilidade social e adquiriram propriedades agrícolas, lojas ou oficinas ou tiveram a oportunidade de se inserir no ensino médio e superior; esse mesmo processo foi bem menos comum entre os descentes de escravos negros. Ainda segundo o autor (2016, p. 303), uma possível explicação para essa diferença está no fato de que a maior parte das oportunidades de emprego nas cidades estava sob o controle dos imigrantes, e esses favoreciam seus compatriotas e discriminavam os negros. Além disso, o racismo praticado por imigrantes contra os negros em diferentes ambientes, tais como a escola ou outros espaços sociais onde os primeiros eram majoritários, acabou por criar um clima de hostilidade que afastava a população negra.

Tendo isso em consideração, Hasenbalg procura estabelecer uma relação entre a ?raça? e dois componentes básicos da estrutura social: a estrutura de classes e o sistema de estratificação social. O argumento central é que a ?raça? é um critério socialmente relevante para o modo de alocação dos indivíduos na estrutura de classes e nas dimensões distributivas da estratificação social. O autor recorre à teoria colonial ? nomeadamente a de Robert Blauner ? devido a três razões principais: 1) está enraizada nas relações colonizador-colonizado que são geradas pela expansão europeia imperialista durante o final do século XIX e na dinâmica da descolonização, após a Segunda Guerra Mundial; 2) compreende os grupos racialmente subordinados como minorias internamente colonizadas; 3) dirige a atenção para os ganhos cumulativos ? econômicos e não-econômicos ? dos brancos, advindos da dominação racial. Essa mudança epistemológica permite adotar uma perspectiva relacional que focaliza precisamente as relações estruturais e o intercâmbio desigual entre brancos e nãobrancos.

Na análise das desigualdades raciais realizada por Hasenbalg há uma ênfase no fato de que brancos e não-brancos formam categorias sociais distintas. Isso remete à ideia de desigualdades categóricas que podem ser compreendidas como ?formas de beneficio desigual em que conjuntos inteiros de pessoas, de um lado e de outro da fronteira, não recebem o mesmo tratamento? (Tilly, 2006, p.48). As categorias são fundamentais porque moldam tanto as desigualdades quanto as identidades e servem para estabelecer fronteiras entre os grupos, definindo quem está ?dentro? e quem ?está fora?. Quando as transações através das fronteiras estabelecidas entre as categorias geram, de forma regular, vantagens para apenas um dos lados, possibilitando a sua reprodução, as desigualdades tornam-se persistentes. Ainda segundo Tilly, há dois mecanismos geradores de desigualdade: a) exploração ? que se relaciona ao controle de determinados recursos e a sua utilização para subordinar aqueles que não têm acesso a eles; b) reserva de oportunidades ? que limita a disposição de um recurso produtor de valor aos membros de um grupo. Esses dois mecanismos envolvem pares de categorias desiguais e criam barreiras entre dominantes e dominados. Um problema crucial é que a mobilidade não desfaz as fronteiras e tampouco altera a produção das desigualdades, dado que os elementos que a estruturam permanecem intactos.

Ao possibilitar pensar a desigualdade entre brancos e não-brancos de forma categórica, Hasenbalg fornece pelo menos duas contribuições cruciais para os estudos sobre relações raciais: a) a discussão sobre o privilégio branco; b) a demonstração da existência de um ciclo cumulativo de desigualdades. O primeiro elemento envolve uma discussão mais ampla sobre a persistência do racismo, em que o cerne da questão é quem se beneficia do racismo e de que forma. Para o autor essa pergunta conduz às relações de raça e racismo com a estrutura de classes, a estratificação e a mobilidade social. Desse modo, torna-se possível focalizar os ganhos cumulativos ? tanto econômicos quanto não econômicos ? que os brancos obtêm com a dominação racial. ?A presença de privilégio indica que através de processos econômicos, culturais, políticos e psicológicos, os brancos puderam progredir às custas e por causa da presença de negros? (Prager apud Hasenbalg, 1979, p. 111). Esse conceito também permite compreender de modo mais adequado a internalização de um habitus racista para além da elite.

Há um vinculo intrínseco entre privilégio branco e a existência de um ciclo cumulativo de desigualdade. A noção de ciclo de desvantagens cumulativas é empregada para chamar a atenção para as várias condições negativas que estão associadas ao pertencimento a uma classe social baixa; condições essas que se reforçam mutuamente e têm efeitos adversos cumulativos nas oportunidades sociais como um todo. O grupo não-branco apresenta uma desvantagem inicial associada à sua baixa origem social e também a sua adscrição racial. Consequentemente, no que se refere às possibilidades de mobilidade social ascendente, os não-brancos estão presos a um circulo vicioso, se comparado aos brancos. A explicação para a menor realização ocupacional desses indivíduos, por exemplo, está em dois processos: 1) os não-brancos obtêm menos educação que os brancos de mesma origem social; portanto, os primeiros entram no mercado de trabalho com menos nível educacional; 2) efeitos da discriminação racial na admissão e promoção das pessoas dentro da estrutura ocupacional. O ciclo de desvantagem cumulativa dos não-brancos também pode ser evidenciado através da comparação dos retornos ocupacional e de renda à educação adquirida por brancos e não-brancos. Dado o mesmo nível ocupacional, por exemplo, os homens brancos têm uma vantagem substancial com relação aos não-brancos, no preenchimento de posições ocupacionais superiores. Os não-brancos sofrem uma desvantagem competitiva em todas as fases do processo de transmissão de status.

Ao dirigir sua análise para uma demonstração do impacto do racismo na estrutura de classe e na evolução das desigualdades Hasenbalg torna explícito que a adscrição racial não interfere apenas nas desigualdades iniciais; bem pelo contrário, ela tende a influenciar de modo contínuo e persistente o destino dos indivíduos brancos e não-brancos. Nesse sentido, o racismo é ao mesmo tempo causa e efeito das desigualdades, isto é, esse fenômeno explica as desvantagens iniciais e também a persistência das desigualdades. Diante disso, o autor postula que uma modificação no padrão de relações raciais que se instituiu na sociedade brasileira depende de que haja uma interferência dos movimentos negros na esfera política.

Na etapa seguinte, colocaremos em discussão a relação entre raça e política.

Raça e política no Brasil: a centralidade do mito da democracia racial

Hasenbalg analisa a relação entre raça e política no Brasil com o objetivo de compreender os mecanismos sociais criados pela sociedade brasileira para garantir a subordinação aquiescente da população negra. Interessa ao autor explicar porque a afiliação racial não possibilitou o laço coletivo para estimular as demandas dos negros por mobilidade social grupal e pela diminuição das desigualdades raciais. Nessa etapa, recupera-se a discussão apresentada, sobretudo, na obra Discriminação e desigualdades raciais no Brasil [3]com um objetivo um pouco distinto. Trata-se de fazer uma releitura de Hasenbalg para refletir sobre o espaço de ação dos movimentos negro, tendo em vista a natureza das relações raciais no Brasil e a importância do mito da democracia racial.

A contribuição crucial da discussão sobre raça e política apresentada por Hasenbalg consiste em chamar a atenção para a existência de mecanismos societários ? e, portanto, de natureza estrutural ? que tornaram possível reduzir o nível de conflito inter-racial e, consequentemente, bloquear a emergência da questão racial. O autor enfatiza a existência de mecanismos desmobilizadores que agiam sobre a população negra, tais como a cooptação social por meio da mobilidade ascendente controlada, de parte da população de cor; as formas sutis de manipulação ideológica, através da ênfase em formas simbólicas de integração; e o uso da repressão ou a ameaça de emprega-la. Esses mecanismos operavam em consonância com um sistema político bastante rígido. Para além disso, uma série de características associadas ao desenvolvimento estrutural, político e ideológico do nosso país provocava a invisibilidade política da questão racial.

Entre os elementos de natureza estrutural, Hasenbalg cita a ausência de antagonismos raciais no mercado de trabalho brasileiro, dado que esse jamais foi segmentado racialmente; a constituição de um sistema multirracial de categorização social, que provocou uma diluição das categorias raciais em um contínuo de cor e deu origem a um sistema de classificação bastante ambíguo, dificultando a percepção de barreiras sociais; a condição existencial dos não-brancos, que além de não favorecer uma ação política organizada ainda se assemelhava àquela de muitos brancos e mestiços, conduzindo ao fortalecimento de uma identidade de classe social e propiciando contatos amistoso e até relacionamentos sociais mais íntimos entre os dois grupos raciais; a dinâmica mais geral da política brasileira, que era marcada pela ausência de cismas entre os grupos dominantes e a consequente restrição na definição da cidadania política e dos atores políticos legítimos (1979, p.267 ), o que permitiu a continuidade das relações de poder engendradas durante o regime de escravidão e bloqueou o desenvolvimento da democracia.

No que se refere às relações raciais, foi construído um padrão de sociabilidade inter-racial bastante singular e paradoxal. Telles (2003) considera que para a classe média a sociabilidade inter-racial é apenas ideológica, prevalecendo apenas nas relações hierárquicas nas quais os brancos tratam os negros de forma cordial. Contudo, o autor considera que se as relações raciais forem divididas em uma dimensão vertical ? que se relaciona à discriminação e à desigualdade ? e uma horizontal ? vinculada à fluidez e à sociabilidade inter-racial ? constatar-se-á que há uma coexistência desses dois aspectos na sociedade brasileira. É importante sublinhar que esse padrão de relação se estende para as instituições sociais e culturais. Assim, espaços religiosos e recreativos criados e organizados pelos negros raramente praticam uma política de exclusivismo racial. A evolução dessas instituições, pondera Hasenbalg, está marcada por uma transição. Se inicialmente eram objeto de desconfiança dos brancos, sofrendo dura repressão e chegando a ser invadidas por policiais; paulatinamente, elas foram cooptadas culturalmente e passaram a ser controladas muitas vezes pelo grupo dominante branco. Nesse sentido, Gonzales (1982, p. 27) chama atenção para o fato de que a partir do Golpe de 1964, houve uma integração das entidades de massa, a partir de uma perspectiva capitalista. As escolas de samba, por exemplo, vão se transformando em empresas da indústria turística.

Os antigos mestres de um artesanato negro, que antes dirigiam as atividades nos barracões das escolas, foram sendo substituídos por artistas plásticos, cenógrafos, figurinistas etc. e tal. O cargo de presidente de alas transformou-se numa profissão lucrativa com a venda de fantasias. Os sambas foram simplificados em sua estrutura, objetivando não só o fato de serem facilmente aprendidos, como o de poderem ser gravados num mesmo disco. Os ?nêgo véio? da Comissão de Frente foram substituídos por mulatas rebolativas e tesudas. Os desfiles transformaram-se em espetáculos tipo teatro de revista, sob a direção de uma nova figura: o carnavalesco. Levantaram-se arquibancadas para ricos, pobres e remediados, autoridades e povos, nacionais e estrangeiros, com a venda de ingressos nos respectivos preços. Tudo isso com a presença de jornalistas, fotógrafos, cinegrafistas e câmeras de TV durante os desfiles. Estes, por sua vez, passaram a se dar segundo novas regras e horários rigorosos. Afinal, tempo é dinheiro ...? (Gonzales, 1982, p. 28).

Quanto ao mito da democracia racial, Hasenbalg salienta que a interpretação da natureza das relações raciais no período da escravidão tornou possível o desenvolvimento inicial desse mito [4]; e, no pós-abolição, a integração simbólica, com sua ênfase na mestiçagem racial e cultural, viabilizou a sua permanente atualização. Esse mito possui um caráter estrutural e pode ser considerado como ?o símbolo integrador mais poderoso criado para desmobilizar os negros e legitimar as desigualdades raciais vigentes desde o fim do escravismo? (1979, p. 241). Ainda segundo o autor, o mito da democracia racial é um mecanismo de contenção de conflito que atua em um duplo sentido: 1) impede que as diferenças inter-raciais sejam problematizadas na arena política; 2) encobre a polarização objetiva de classes, limitando o seu potencial de conflito.

A falta de discriminação legal, a presença de alguns não-brancos dentro da elite e a ausência de conflito social declarado contribuíram para sustentar esse mito. A comparação frequente dessa realidade com a de outras sociedades, sobretudo com os Estados Unidos, ajudou a moldar uma autoimagem favorável dos brasileiros no que se refere às relações raciais. Wade (2000, p. 62) explica que definir o significado de ser brasileiro não se relacionava apenas a uma questão introspectiva, mas dizia respeito também a uma representação no cenário internacional. A comparação estabelecida por Gilberto Freyre entre Brasil e Estados Unidos tinha por finalidade construir uma autoimagem que enfatizava a um só tempo a mestiçagem e a tolerância. O brasileiro seria um homem cordial, sendo a cordialidade a contribuição brasileira para a civilização, tal como postulou Holanda (1995). Esse traço da personalidade tem um papel crucial para a afirmação da ideia de democracia racial: a cordialidade teria possibilitado a solução dos problemas raciais de modo democrático, dado que permite a convivência pacífica e a consequente assimilação dos grupos negros e indígenas.

Diante do exposto, pode-se postular, tal como propõe Fry (2005-2006), que o mito da democracia racial precisa ser pensando desde uma perspectiva antropológica, em que essas narrativas são algo que exprimem percepções fundamentais sobre a vida social. Nesse sentido, a democracia racial é ?uma afirmação ritualizada de princípios considerados fundamentais à constituição da ordem social? (Fry, 2005-2006, p. 164). Isso não implica que haja uma relação direta entre mito e realidade; tampouco indica que os elementos sublinhados nas narrativas correspondam a valores e ideais a serem perseguidos. O ponto fundamental é que ele permite construir uma visão de mundo, apoiando-se em diversas práticas e rituais de atualização, que passa a ser compartilhada. No Brasil, o mito permitiu que se institucionalizasse uma retórica de inclusão, que cria um efeito de verdade tanto pela via da incorporação da cultura negra, quanto por um padrão de mobilidade social ascendente desse grupo populacional que, apesar de altamente seletivo e excepcional, não deixa de existir. Em relação a esse último aspecto, tem-se uma inversão de termos dado que é a exceção que confirma a regra.

Em termos analíticos, pode-se postular que o mito possui diferentes dimensões e cada uma delas interfere de modo específico para a amortização dos conflitos interraciais e para a despolitização do racismo. A tabela 1 apresenta uma sistematização dessa ideia.

Tabela 1 ? Mito da democracia racial: amortização dos conflitos inter-raciais e despolitização do racismo

Tabela 1
Mito da democracia racial: amortização dos conflitos inter-raciais e despolitização do racismo

Elaboração da autora

Elaboração da autora

Cabe sublinhar que a distinção apresentada na tabela 1 é de natureza apenas analítica e busca explicitar os vários elementos contidos na ideia de democracia racial. A negação do preconceito e da discriminação costuma ser tomada como fator explicativo para ausência de conflito inter-racial. Por outro lado, como bem chama atenção Hasenbalg (1979, p. 242), esses dois princípios estão claramente vinculados à afirmação de que brancos e não-brancos têm as mesmas oportunidades econômicas sociais. Já a dimensão subjetiva que permite pensar o efeito do mito sobre os dois grupos, ou seja, na sociedade brasileira como um todo, o elemento mais notório é a predominância no senso comum de que os negros estão em desvantagem social em razão da pobreza que atinge a maior parte desse grupo e não devido à existência de barreiras raciais. Por fim, a dimensão política tem um caráter mais eminentemente contencioso, pois possibilita simultaneamente sufocar tanto os atos de discriminação racial explícitos quanto às formas mais radicais de expressão de descontentamento.

Como destaca Hasenbalg, a elite brasileira construiu uma forma sofisticada para dirimir o conflito inter-racial. Consequentemente, o racismo foi reduzido a práticas cotidianas difusas de preconceito e de discriminação racial. O ocultamento da dimensão política e estrutural do racismo constitui-se em importante obstáculo de ação para os movimentos negros. Como observa Bairros (1996), esse movimento constitui-se à revelia de todas as correntes de pensamento e de práticas políticas. Agindo desse modo, determinados setores conseguiram construir perspectivas contrárias ao interesse dominante, que enfatiza a harmonia racial brasileira. Ainda segundo Bairros, o movimento tem tensões e dissensões internas; no entanto, isso não bloqueou a capacidade do grupo de transformar e de abrir espaço no espectro político contra a vontade dos setores à direita e à esquerda. O movimento negro foi, portanto, abrindo brechas:

[...] o monopólio (branco) sobre a representação do negro no Brasil foi quebrado ao final dos anos 70, quando reemergiram projetos que interpretavam as relações raciais diferentemente, estabelecendo modos alternativos de ser negro, de entender o significado de raça, e questionando padrões racializados de distribuição de poder e riqueza (Bairros, 1996, p. 183).

A interpretação de Bairros contradiz a ideia de subordinação aquiescente de Hasenbalg e nos convida a refletir, tal como sugere a autora (1996, p. 176), como foi possível para os movimentos negros lutar por igualdade racial em um país descomprometido com a garantia da cidadania para a maior parte da população e, ao mesmo tempo, lutar contra uma ideologia que afirma a inexistência de discriminação racial. Cabe ainda indagar, como essa luta se constrói no momento atual, dado que a disputa em torno da representação do negro no Brasil e o conflito racial sofreram importantes transformações. Essa questão será abordada na última etapa desse texto.

Os movimentos negros e a perturbação do discurso da democracia racial

Nessa última etapa, tem-se por objetivo apresentar, em linhas gerais, as fases da luta dos movimentos negros no Brasil para que a questão racial ganhasse visibilidade maior e, consequentemente, o problema racial fosse visto como um problema político. Em seguida, destaca-se alguns impasses importantes com os quais se depara esse movimento atualmente.

Desde o término da escravidão, foram organizadas diversas entidades em defesa dos direitos da população negra. Destaca-se a Frente Negra Brasileira (FNB), criada em 1930, que chegou inclusive a ser transformada em partido político, mas foi extinta durante o regime ditatorial de Vargas; e o Teatro Experimental Negro (TEN), que tinha como um de seus objetivos elevar o status do negro na sociedade, por meio da abertura de oportunidades reais de ascensão econômica, política, social e cultural (Nascimento ; L. Nascimento, 2000). No ano de 1945, em São Paulo, essa entidade organizou a Convenção Nacional do Negro e durante a Assembleiafoi votado um Manifesto à Nação Brasileira com seis reivindicações concretas, incluindo a criminalização da discriminação racial e por cor; a admissão subvencionada de estudantes negros nas instituições de ensino secundário e universitário; o combate ao racismo através de medidas culturais e de ensino e o esclarecimento da verdadeira imagem histórica do negro (Nascimento ; L. Nascimento, 2000, p. 210). Esse Manifesto foi enviado a todos os partidos políticos, sendo que três enviaram carta de apoio à Convenção: União Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Comunista (PC). Porém, tanto os partidos de esquerda quanto os de direita acusavam o grupo de racismo às avessas, dificultando a implementação de medidas concretas. Ao mesmo tempo, havia pouca aceitação da existência do racismo no Brasil, sendo que uma lei antidiscriminação era rejeitada sob a alegação de falta de ?exemplos concretos? [5].Com o início do regime ditatorial varguista houve o enfraquecimento dos movimentos negros.

A FNB e o TEN conseguiram dar maior visibilidade aos problemas enfrentados pela população negra e ampliar o espaço para discussão da questão racial no campo político. Com o processo de redemocratização, o movimento negro ressurge. Em 1978, em ato público realizado no dia 07 de julho de 1978, nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, ocorreu a fundação do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MUCDR). De acordo com Domingues (2007), estiveram presentes cerca de 2 mil pessoas, representando um importante avanço político na luta antirracista. O protesto recebeu moções de apoio de alguns Estados e de várias associações negras. Uma das estratégias de ação do MNU foi encaminhar uma Carta Aberta à população, incitando os indivíduos negros a formarem ?Centros de Luta? em diversos espaços, tais como bairros, vilas, terreiros das religiões afro-brasileiras, prisões, locais e de trabalho e escola; o objetivo era lutar contra a opressão policial, a violência policial, o subemprego, o desemprego e a marginalização social do grupo (Domingues, 2007, p. 115). Já o Programa de Ação, apresentava as seguintes reivindicações ?mínimas?:

[...] desmistificação da democracia racial brasileira; organização política da população negra; transformação do Movimento Negro em movimento de massas; formação de um amplo leque de alianças na luta contra o racismo e a exploração do trabalhador; organização para enfrentar a violência policial; organização nos sindicatos e partidos políticos; luta pela introdução da História da África e do Negro no Brasil nos currículos escolares, bem como a busca pelo apoio internacional contra o racismo no país (Domingues, 2007, p. 115)

O ato de fundação do MNU ?tornou-se um marco referencial na história do país, porque marcou a entrada de uma nova campanha política de cunho antirracista com projeção nacional? (Rios, 2012, p.50). Desde então há uma proliferação de entidades alinhadas com esse discurso. Para Araújo (2007, p. 238?239) ao menos quatro características diferenciam o movimento negro contemporâneo das organizações que existiam até a década de 1970: 1) denúncia permanente do ?mito da democracia racial?, isto é, negação de que as relações de raça no Brasil seriam harmoniosas; 2) aproximação predominantemente com as organizações de esquerda, que acabou por ter forte influência na constituição das primeiras entidades; 3) cultura e política influenciada pelo chamado ?Atlântico Negro?, ou seja, pelas lutas de libertação em países africanos e pelos direitos civis dos Estados Unidos; 4) a demarcação do dia 20 de novembro (data da morte de Zumbi dos Palmares) em substituição ao dia 13 de maio (data da Abolição da escravatura) como dia a ser comemorado pela população negra. A celebração da morte de Zumbi incorpora a discussão sobre a valorização da cultura, da política e da identidade negra e, ao mesmo tempo, leva a uma revisão do papel da população negra na formação da sociedade brasileira, buscando destacar o seu protagonismo em relação ao processo de abolição.

O movimento contemporâneo se beneficia de um cenário internacional em que se apresenta uma transformação importante em dois paradigmas: o de nação e o de direitos civis (Guimarães, 2006). No que concerne à Nação entra em cena o debate em torno do multiculturalismo, que diz respeito tanto à pluralidade cultural e étnica da população quanto aos problemas relacionados à gestão dessa diversidade por parte do Estado (Hall, 2003, p. 52). No campo dos direitos há uma contestação do modelo de cidadania universal, emergindo demandas em torno de direitos coletivos e de igualdade de oportunidades. Além disso, nesse período ocorre o processo de redemocratização de vários países latinos, incluindo o Brasil, e novas cartas constitucionais são estabelecidas, reconhecendo o seu caráter plural e multiétnico. A Constituição Brasileira de 1988 traz uma série de elementos que viabilizam a luta contra o racismo: o artigo terceiro estabelece entre os objetivos fundamentais da nação promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação; o artigo quarto define que o país rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio de repúdio ao racismo; o artigo quinto afirma que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. No quinto artigo da constituição também fica definido que a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais e que a prática do racismo é crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão. A importância de tais artigos é notória, porém do ponto de vista das demandas por novos direitos o elemento mais importante da carta constitucional foi a criação da figura jurídica dos remanescentes de quilombo, abrindo a possibilidade de que esse grupo obtenha a posse legal de duas terras.

Do ponto de vista interno, nesse contexto há o surgimento e o fortalecimento de vários movimentos sociais, bem como o renascimento da esfera civil. Assim, ao longo dos anos 1980 e 1990 foram obtidas vitórias significativas, tais como a criação da Fundação Cultural Palmares em 1988 e a criação do Grupo de Trabalho Interministerial População Negra (GTI) em 1995 [6]. Esse grupo foi formado por militantes do movimento negro de diferentes regiões do país e por representação de vários ministérios ? saúde, trabalho, educação, relações exteriores, esportes, justiça, cultura e planejamento ? além de Secretarias de Comunicação Social e de Assuntos Estratégicos. Dentro do GTI foram organizados quinze grupos temáticos: informação sobre quesito cor, trabalho e emprego, terra, comunicação, educação, relações internacionais, políticas de ação afirmativa, mulher negra, racismo e violência, saúde, religião, esportes, estudos e pesquisas, legislação, ciência e tecnologia e cultura negra. Constitui-se desse modo a base para a atuação do governo federal para a construção de políticas públicas para os negros (Ribeiro, 2014, p. 226). Esse grupo de trabalho desenvolveu uma série de ações no âmbito do governo federal e deu iniciou a uma importante reflexão sobre as políticas de ação afirmativa [7]. A partir de então, tem-se um novo tipo de intervenção do movimento negro junto ao Estado.

No âmbito federal, durante o governo do Fernando Henrique Cardoso, a questão racial também foi contemplada no I Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) instituído no dia 13 de maio de 1996 [8]. Nesse documento, foi reconhecida a necessidade de definição de políticas públicas para a população negra e o governo federal apresentou algumas propostas de ações de médio prazo, que incluíam ações afirmativas para o acesso dos negros aos cursos profissionalizantes e às universidades, e de longo prazo, que preconiza a formulação de políticas compensatórias capazes de promover social e economicamente a comunidade negra. A inserção da questão racial nesse documento pode ser vista como resultado das demandas apresentadas pra o governo após a ?Marcha Zumbi dos Palmares Contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida?. O próprio Presidente da República, no prefácio do Programa Nacional de Direitos Humanos, informava: ?Participei pessoalmente das comemorações relativas ao terceiro centenário da morte de Zumbi. Naquela ocasião criei um Grupo de Trabalho

Interministerial para a Valorização da População Negra? [9] (Mello e Santos, 2016, p. 122). O II Plano Nacional de Direitos Humanos, que foi implementado a partir de 2002, apresentava um importante avanço, pois definia a implementação de planos de ação anuais, nos quais deveria constar as medidas a serem adotadas, os recursos orçamentários destinados a financiá-las e os órgãos responsáveis pela sua execução [10].

Cabe ainda citar que foram criados o Conselho Nacional de Combate à Discriminação, que tinha por objetivo propor políticas públicas afirmativas, o Programa Diversidade na Universidade e o Programa Brasil Gênero e Raça, do Ministério do Trabalho.

Do ponto de vista de construção da agenda e da apresentação de proposta podese mencionar que a década de 1990 e o início dos anos 2000 foi um período bastante frutífero. No entanto, Segundo Jaccoud e Beghin (2002), o Brasil não chegou a definir uma política racial se assim entendermos um conjunto bem coordenado e orientado de ações. As ações encontravam uma série de obstáculos e acabavam sendo esporádicas e pontuais. Leite e Souza (2010), por exemplo, que analisaram o processo de implementação de políticas de igualdade de gênero e raça na área do emprego chamam a atenção para o fato de que essas políticas públicas por serem bastante recentes, encontravam uma série de dificuldades que englobam não apenas a reação dos setores mais conservadores da sociedade, mas também a falta de experiência dos gestores e da sociedade civil organizada para desenvolver propostas mais efetivas para o atingimento desses objetivos. Um dos problemas mais sérios estava na ausência de transversalização das políticas.

Na década seguinte, tem-se um aprofundamento da institucionalização da luta antirracista. A realização da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em Durban, em 2001 constitui um marco fundamental. A participação de ativistas e militantes dos movimentos negros e de integrantes do governo tanto nas conferências preparatórias quanto no encontro final foi bastante expressiva. Segundo Ribeiro, após essa Conferência, o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR) adotou por tarefa acompanhar e encaminhar ações junto aos Estados Membros. Houve uma série de desdobramentos: foi criada a Unidade Antidiscriminação; o Grupo de Trabalho Intergovernamental; o Grupo de Trabalho de Especialistas sobre Afrodescendentes; o Grupo de Especialistas Eminentes Independentes Sobre a Implementação da Declaração e Plano de Ação de Durban; a Relatoria Especial Sobre Formas Contemporâneas de Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata (Ribeiro, 2014, p. 196). Para a autora, a Declaração e o Programa de Ação de Durban (DDPA) e as estruturas criadas para o seu acompanhamento estimularam os Estados signatários a adotar medidas para implementação de políticas de igualdade racial, sendo possível identificar uma resposta ativa, através da criação e/ou potencialização de órgãos governamentais dedicados ao tratamento das questões raciais nos países latinos.

A partir de então, tem-se um novo tipo de intervenção do movimento negro junto ao Estado.

Chegamos aqui após percorrermos um longo caminho e acreditamos que a partir desse momento a questão racial deixar de ficar no confinamento do cultural, onde o Estado intervém no carnaval liberando verbas para o desfile de bloco. O que a marcha veio exigir da representação política do Estado brasileiro é que o orçamento da união defina recursos explicitamente para superar as desigualdades raciais no campo da educação, no campo da saúde, da comunicação e do emprego (Edson Cardoso apud Rios, 2012, p. 61). (grifo meu)

Com o início do governo de Luis Inácio Lula da Silva, em 2003, há uma mudança importante no modo de tratamento da questão racial. Em primeiro lugar, como afirma Lima (2010, p. 82), o movimento negro torna-se um ator envolvido na formulação de políticas públicas, passando a ocupar cargos e a representar a sociedade civil nos espaços de controle social instituídos pelo governo. Em segundo lugar, houve a criação da Secretária Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial ? SEPPIR, que foi responsabilizada por: a) acompanhar e coordenar políticas de diferentes ministérios e de outros órgãos do governo federal para a promoção da igualdade racial; b) articular, promover, acompanhar a execução de diversos programas de cooperação com organismos públicos e privados, nacionais e internacionais; c) acompanhar e promover o cumprimento de acordos e convenções internacionais assinadas pelo Brasil relativas à promoção da igualdade racial e ao combate ao racismo. Uma das ênfases dessa secretaria era fazer com que todos os agentes incorporassem a política nacional de promoção da igualdade, seja através da ação direta, seja através de incentivos, convênios e parcerias. Em termos de atuação institucional, estava prevista a articulação da SEPPIR com os demais Ministérios, e suas respectivas secretárias e órgãos, e com os governos estaduais e municipais. Havia também parcerias com a sociedade civil organizada e com organismos internacionais.

Apesar de todos esses avanços, é preciso sublinhar que a luta antirracista encontra uma série de empecilhos. A tentativa de promoção de igualdade racial no sistema de ensino, por exemplo, é um caso paradigmático dos limites da politização do racismo e do tratamento da questão racial no Brasil. Apesar da adoção do sistema de ações afirmativas nas universidades públicas brasileiras representar uma importante vitória dos movimentos negros, a forte rejeição e as disputas que envolveram a sua adoção acabaram por criar uma política com viés nitidamente classista. Atualmente, os principais beneficiários da reserva de vagas são os egressos de escolas públicas e dentro desse público os indivíduos negros. Não apenas se ignora a pertinência do racismo para a produção das desigualdades, mas também se favorece que no ambiente acadêmico haja uma hierarquia de classe entre brancos e negros, dado que esses últimos são recrutados majoritariamente entre a população de menor renda relativa.

Os limites impostos à luta antirracista também ficam evidentes quando se observa o modo de inserção e participação de ativistas e militantes do movimento negro na esfera política. Em pesquisa realizada junto ao Conselho de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra ? CODENE/RS [11] foi possível constatar o fraco poder deliberativo desse órgão. Uma explicação para isso está no fato de que gestores e executores de políticas vinculados a outras instâncias estatais não atribuírem a devida importância ao racismo; soma-se a esse fator a necessidade de estabelecer metas prioritárias, o que dificilmente leva a contemplação do grupo negro. O racismo institucional se faz presente apelando ora para a desqualificação da questão racial ora para a sua despolitização. No tocante a esse último fator, constatou-se que foi criado um locusde atuação específico para os negros no espaço institucional, tal como ocorre no CODENE, o que determina o isolamento desses indivíduos. Há assim uma separação entre a esfera pública política e a esfera de ação dos negros, sendo que praticamente não há comunicação entre ambas (Mello, 2016).

Pesquisa semelhante foi realizada por Giacomini e Terra (2014) que investigaram o modo como representantes de organizações do movimento negro consideram as suas experiências recentes de participação. De forma específica, esse trabalho focalizou a inserção desses indivíduos no Conselho Nacional de Promoção de Igualdade Racial (CNPIR) e constatou que a própria ideia de participação social parece estar sendo colocada em xeque, dado que os participantes veem recusada ou invisibilizada sua alteridade. Os entrevistados afirmaram que o governo não reconhece as especificidades do movimento social e militantes são vistos e tratados como gestores do Estado. Essa mesma crítica também foi verbalizada pelos ativistas que participam (ou participaram) do CODENE/RS. Coincide também a visão de que a participação nesses espaços demanda a aquisição de uma série de conhecimentos que permitam de fato atuar na esfera política de forma mais propositiva e deliberativa e não apenas consultiva. Os autores também pontuam que o racismo institucional opera através do descaso em relação às demandas do grupo negro.

Crítica ao processo de institucionalização da luta antirracista também é realizada por Pereira (2013) que aponta para um paradoxo: em diversos setores do Estado têm ocorrido uma proliferação de respostas para as reivindicações do movimento negro, seja através da criação de espaços políticos e institucionais, seja através de políticas capazes de enfrentar o preconceito, a discriminação e as desigualdades raciais; todavia, há uma responsabilização dos militantes negros.

É preciso ?se virar?: garimpar aliados, esquemas, recursos. Não é fácil encontrar alguém, um caminho, jeitos e se fazer ?alguma coisa? ... Vai se tentando ... São demais os perigos: de obstáculos camuflados, invisíveis a sedutoras oportunidades de cooptação, passando pela ?razão cínica?, burocracia, inexperiência, ?carência geral?... (Pereira, 2013, p. 213).

Cria-se assim um falso protagonismo dos ativistas e militantes negros, dado que eles são responsabilizados por uma série de ações e programas políticos sem possuir a mínima infraestrutura necessária para desempenhar tal tarefa e sem que lhes seja fornecido o conhecimento técnico necessário. É possível que isso leve inclusive ao fortalecimento do racismo.

A grande conquista da luta antirracista foi conseguir que a questão racial tenha ingressado na esfera pública política. Isso proporciona uma disputa mais equilibrada, dado que permite a ativistas e militantes um maior conhecimento da política e da burocracia Estatal. Ao mesmo tempo, a inserção nas estruturas do Estado é tida como estratégica para que se encontre a melhor forma possível de levar adiante as reivindicações. Não por acaso, apesar de todas as críticas realizadas por ativistas e militantes, de forma majoritária é atribuída muita importância a esses espaços.

Considerações finais

O principal legado de Hasenbalg relaciona-se ao fato desse autor destacar a importância da raça como fator explicativo para as desigualdades entre brancos e nãobrancos. Na visão do autor, o modo de alocação dos indivíduos na sociedade não está relacionado somente à classe social, mas também ao pertencimento racial. Essa perspectiva permite pensar as desigualdades sociais desde uma perspectiva relacional, incorporando questões sobre privilégio branco, estrutura de oportunidades e desvantagens relativas. O que a abordagem de Hasenbalg permite concluir é que os indivíduos negros estão sujeitos a um ciclo cumulativo de desigualdades e, além disso, possuem oportunidades de ascensão social relativamente desiguais.

O nível de desigualdade entre brancos e negros é ocultado pelo mito da democracia racial, pois no imaginário coletivo a questão racial não emerge como um fator explicativo para essas desigualdades. Ao mesmo tempo, esse mito cria uma série de impasses para que os movimentos negros possam empreender uma luta contra o racismo e a discriminação racial no Brasil.

Bibliografia

AZEVEDO, Thales de. As Elites de cor numa cidade brasileira. Um estudo de ascensão social e classes sociais e grupos de prestígio. Paris: Unesco, 1953.

AZEVEDO, Thales de. Democracia racial: ideologia e realidade. Petrópolis: Vozes, 1975.

BAIRRO, Luiza. Orfeu e o Poder: uma perspectiva afro-americana sobre a política racial no Brasil. Revista Afro-Ásia, n. 17, p. 173 ? 186, 1996.

DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo (online). vol.12, n.23, p.100-122, 2007.

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Ática, 1978. Volume I.

FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972.

FRY, Peter. Ciência social e política ?racial? no Brasil. Revista USP, São Paulo, n. 68, p. 180 ? 187, dezembro/fevereiro, 2005 ? 2006.

GIACOMINI, Sonia Maria; TERRA, Paulo. Participação e Movimento Negro: os desafios do ?racismo institucional?. In: LOPES, José Sérgio L.; HEREDIA, Beatriz Maria. (orgs.). Movimentos Sociais e esfera pública: o mundo da participação. Burocracia, confrontos, aprendizados inesperados. Rio de Janeiro: CBAE, 2014. p. 187 ? 210.

GONZALES, Lelia. O movimento negro na última década. In: GONZALES, Lelia; HASENBALG, Carlos A. Lugarde negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982. p.9 ? 66.

GUIMARÃES, Antônio Sérgio A. A questão racial na política brasileira (os últimos quinze anos). Tempo Social, Revista de Sociologia USP, v. 13, n. 2, p. 121-142, novembro, 2001.

GUIMARÃES, Antônio Sérgio A. Depois da democracia racial. Tempo Social, Revista de Sociologia USP, v. 18, n. 2, p. 269 ? 287, novembro, 2006.

GUIMARÃES, Antônio Sérgio A. Entrevista com Carlos Hasenbalg. Tempo Social, Revista de sociologia da USP, v. 18, n. 2, p. 259 ? 268, novembro, 2006b.

HALL, Stuart. Questão multicultural. In: Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG; Brasília: Representações da UNESCO no Brasil, 2003. p. 51-100.

HASENBALG, Carlos A. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1979.

HASENBALG, Carlos A. O negro na indústria: proletarização tardia e desigual. In: SILVA, Nelson; HASENBALG, Carlos A. Relações raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Rio Fundo, Ed. IUPERJ, 1992, p. 101-118.

HASENBALG, Carlos A.; SILVA, Nelson. Notas sobre desigualdade racial e política no Brasil. In: HASENBALG, Carlos A.; SILVA, Nelson; LIMA, Márcia. Cor e estratificação social. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 1999. p. 34 ? 59.

HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia. Das Letras, 1995.

JACCOUD, Luciana; BEGHIN, Nathalie. Desigualdades Raciais no Brasil ? um balanço da intervenção governamental. IPEA: Brasília, 2002.

KERGOAT, Danièle. Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais. Novos Estudos, n. 86, p. 93 ? 103, março, 2010.

LEITE, Márcia de Paula; SOUZA, Silvana Maria. Igualdade de gênero e raça no Brasil: uma discussão sobre a política de emprego. DADOS, Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 53, n. 1, p. 195 ? 231, 2010.

LIMA, Marcia. A Obra de Carlos Hasenbalg e seu legado à agenda de estudos sobre desigualdades raciais no Brasil. DADOS, v. 57, n. 4, p. 919 ? 933, 2014.

LIMA, Marcia. Desigualdades raciais e políticas públicas. Ações afirmativas no governo Lula. Novos Estudos. CEBRAP, n. 87, p..77 -95, 2010.

MELLO, Luciana G. não tá morto quem peleia! Crítica e reconhecimento no processo de institucionalização do CODENE/RS. 40º Encontro Anual da ANPOCS. Minas Gerais: Caxambu, 2016. Disponível em: http://www.anpocs.com/index.php/papers-40encontro/st-10/st28-3/10441-nao-ta-morto-quem-peleia-critica-e-reconhecimentono-processo-de-institucionalizacao-do-codene-rs/file . Acesso em 14 de novembro de 2016.

MONSMA, Karl. A reprodução do racismo: fazendeiros, negros e imigrantes no oeste paulista, 1880 - 1914. São Carlos: EdUFSCAR, 2016.

NASCIMENTO, Abdias; L. NASCIMENTO, Elisa. Reflexões sobre o movimento negro no Brasil, 1938 ? 1997. In: HUNTLEY, Lynn; GUIMARÃES, Antônio Sérgio A. (Orgs.). Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p. 203 ? 236.

ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Editora brasiliense, 1985.

PEREIRA, Amauri Mendes. ?Toma que o filho é seu ...? Políticas públicas pragmáticas e outros desafios na institucionalização da luta contra o racismo. Revista da ABPN, v. 3, n. 7, p. 213 ? 219,mar ? jun. 2012.

PEREIRA, Amilcar Araujo. O ?Atlântico Negro? e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Perseu, ano, 1, n. 1, p. 235 ? 263, 2007.

POPINIGIS, Fabiane. ?Aos pés dos pretos e pretas quitandeiras? : experiências de trabalho e estratégias de vida em torno do primeiro mercado público de desterro ? 1840 ? 1890. Afro-Ásia, 46, p. 193 ? 226, 2012.

RIBEIRO, Matilde. Políticas de promoção da igualdade racial no Brasil (1986 ? 2010). Rio de Janeiro: Garamond, 2014.

RIOS, Flávia. O protesto negro no Brasil contemporâneo (1978 ? 2010). Lua Nova, São Paulo, 85: 41-79, 2012.

SANTOS, José Antônio; MELLO, Luciana G. No topo do mundo: Everest e ações afirmativas na Pós-Graduação. Anos 90, Porto Alegre, v. 23, n. 44, p. 111-138, dez. 2016.

TELLES, Edward. Race in Another America: the significance of skin color in Brazil. Princepton e Oxford: PrincetonUniversityPress, 2004.

TELLES, Edward. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica. Rio de Janeiro: RelumeDumará, Fundação Ford, 2003.

TILLY, Charles. O acesso desigual ao conhecimento científico. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, v. 18, n. 2, p. 47 ? 63, 2006.

WADE, Peter. Raza y etnicidad en latinoamerica. Quito-Ecuador: Ediciones ABYAAYALA, 2000.

Notas

[1] Professora do Programa de Pós Graduação em Sociologia do Departamento de Sociologia da UFRGS.
[2] Nesse ponto há uma crítica a Florestan Fernandes (A integração do negro na sociedade de classes), a Fernando Henrique Cardoso (Escravidão e liberdade no Brasil meridional) e a Octávio Ianni (As Metamorfoses do escravo).
[3] Esse tema é abordado no capítulo VIII, intitulado Raça e política no Brasil ? a subordinação aquiescente dos negros.
[4] A ideia sistematizada por Gilberto Freyre de democracia racial também encontra apoio nos relatos de viajantes que escreviam sobre o Brasil.
[5] A lei Afonso Arinos só foi aprovada quando duas bailarinas americanas foram impedidas de entrar em um teatro no Rio de Janeiro.
[6] Conforme Ivair Alves dos Santos, esse grupo já estava sendo gestado dentro do Ministério da Justiça para que fossem formadas as bases para discutir as ações afirmativas. Ivair destaca que o GTI foi uma proposta do governo e não uma conquista da sociedade civil (Rios, 2012, p. 63). Todavia, é importante destacar que é uma conquista de ativistas do movimento negro que já pertenciam á estrutura do Estado.
[7] Em 1996 foi realizado o Seminário Multiculturalismo e Racismo ? o papel das ações afirmativas nos Estados democráticos contemporâneos (Ribeiro, 2014, p. 227).
[8] Ao adotar esse Programa o Brasil foi um dos primeiros países do mundo a atribuir aos direitos humanos o status de política pública governamental. Essa recomendação havia sido dada na Conferência Mundial de Direitos Humanos realizada em Viena, em 1993. Fonte:

http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direitos-Humanos-no-Brasil/ii-programa-nacional-de direitos-humanos-pndh-2002.html Acesso em 20 de abril, 2017.

[9] Conforme documentos pesquisados em: http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/RACIAL.HTM Acesso, em 20 de jul., 2016.
[10] Fonte: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direitos-Humanos-no-Brasil/ii-programa nacional-de-direitos-humanos-pndh-2002.html Acesso em 20 de abril, 2017.
[11] As principais competências do CODENE/RS são: a) definir diretrizes para a formulação das políticas públicas direcionadas à comunidade afro-descendente do Estado; b) deliberar, acompanhar e fiscalizar a execução das políticas estaduais voltadas para à comunidade afro-descendente do Estado; c) participar da elaboração da proposta orçamentária do governo do Estado no que diz respeito à comunidade afrodescendente.


Buscar:
Ir a la Página
IR
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
Visor de artigos científicos gerado a partir de XML JATS4R