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O TERRITÓRIO DO FANDANGO CAIÇARA: LUGARES DE VIDA
Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes, vol.. 15, núm. 2, 2018
Universidade Estadual de Montes Claros

Dossiê

Argumentos - Revista do Departamento de Ciências Sociais da Unimontes
Universidade Estadual de Montes Claros, Brasil
ISSN: 1806-5627
ISSN-e: 2527-2551
Periodicidade: Semestral
vol. 15, núm. 2, 2018

Recepção: 01 Outubro 2017

Aprovação: 19 Novembro 2018

Resumo: A partir de exemplos etnográficos retirados de minha pesquisa de campo, realizada entre fandangueiros de Cananéia-SP, na entrada do complexo estuarino Lagamar, no extremo sul do litoral paulista, pretendo demonstrar como o fandango caiçara é ele mesmo criador de determinados territórios, seguindo uma mesma lógica territorial caiçara. Neste trabalho, o foco recairá sobre como o fandango caiçara, ?manifestação? cultural tida como um dos principais marcadores identitários diacríticos caiçaras do Vale do Ribeira é, mais do que um ?produto? das relações sociais, culturais e territoriais caiçaras, um produtor dessas mesmas relações. Tal afirmação, embora não seja exatamente uma novidade em termos antropológicos, não encontra respaldo no corpo de estudos relativos tanto às territorialidades caiçaras, bem como no que diz respeito aos estudos sobre o próprio fandango. No mais das vezes, o fandango ? como pode ser visto nas definições e explicações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que declarou o fandango como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro em 2012 ? é tido como ?expressão?, ?manifestação? de uma Cultura mais abrangente, que por sua vez englobaria estas ditas relações sociais, culturais e territoriais. A intenção, aqui, é avançar com os prolegômenos de uma teoria caiçara que reflita este princípio antropotécnico, o da Cultura como uma Forma de Vida, recusando assim o fluxo de causalidades com o qual o fandango geralmente é compreendido como fenômeno estético-político.

Palavras-chave: fandango caiçara, território, atmosfera, estética-política, expressão cultural.

Resumen: A partir de ejemplos etnográficos retirados de mi investigación de campo, realizada entre fandangueiros de Cananéia-SP, en la entrada del complejo estuarino Lagamar, en el extremo sur del litoral paulista, pretendo demostrar cómo el fandango caiçara es él mismo creador de determinados territorios, siguiendo una " la misma lógica territorial caiçara. En este trabajo, el foco recaerá sobre cómo el fandango caiçara, ?manifestación? cultural tenida como uno de los principales marcadores identitarios diacríticos caiçaras del Valle del Ribeira es, más que un ?producto? de las relaciones sociales, culturales y territoriales caiçaras, un productor de esas las mismas relaciones. Tal afirmación, aunque no es exactamente una novedad en términos antropológicos, no encuentra respaldo en el cuerpo de estudios relativos tanto a las territorialidades caiçaras, así como en lo que se refiere a los estudios sobre el propio fandango. En el más de las veces, el fandango - como puede ser visto en las definiciones y explicaciones del Instituto del Patrimonio Histórico y Artístico Nacional, que declaró el fandango como Patrimonio Cultural Inmaterial Brasileño en 2012 - es considerado como ?expresión?, ?manifestación? de una Cultura más amplio, que a su vez englobaría estas denominadas relaciones sociales, culturales y territoriales. La intención, aquí, es avanzar con los prolegómenos de una teoría caiçara que refleja este principio antropotécnico, el de la Cultura como una forma de vida, rechazando así el flujo de causalidades con el que el fandango generalmente es comprendido como fenómeno estético-político.

Palabras clave: fandango caiçara, territorio, atmósfera, estético-política, cultural expresión.

Abstract: Based on ethnographic examples taken from my field research carried out among fandangueiros of Cananéia-SP, at the entrance to the Lagamar estuary complex at the southern end of the São Paulo coast, I intend to demonstrate how fandango caiçara is, in itself, the creator of certain territories, following a caiçara territorial logic. In this work, the focus will be on how the fandango caiçara, a cultural "manifestation" considered to be one of the main diacritical diacritical markers of the caiçara culture on Ribeira Valley, is more than a "product" of caiçaras social, cultural and territorial relations, being, rather, a producer of these same relations. Such an assertion, although not exactly an anthropological novelty, does not find support in the body of studies related to the caiçaras territorialities, as well as to the studies on fandango itself. More often than not, fandango - as can be seen in the definitions and explanations of the National

Lugares de Vida

1. O que significa pensar o território como um lugar de vida e qual a diferença entre viver em um território e viver um território? Sendo mais preciso, o que significa a distância entre esses territórios da existência, entre as noções de vida e território ou ainda entre a vida (ou uma forma de vida) e o ambiente propício para o livre desenvolver desta(s) vida(s)?

2. Pensar as relações entre território e vida, seja em sentido existencial ou em um sentido mais terreno, digamos, em um sentido mais ?literal?, apesar de não ser nem de perto exclusividade da Antropologia, é um dos nossos objetos privilegiados. Sempre estivemos rodeados pelo território; ele é tema e demanda indispensável quando temos de nos confrontar com pensamentos outros e com formas de vidas distintas (e isto vale tanto para humanos quanto para não-humanos, mesmo que não seja tarefa fácil qualificar e quantificar esse tipo de distinção quando nos imiscuímos em pensamentos e práticas não-ocidentais ou não ?modernas?). Pensar (e viver) o território é um momento crucial para a própria constituição do que é uma forma de viver, dos aspectos mais práticos, inconscientes, aos metafísicos, passando nesse meio indistinto que é a vida, por toda uma série de práticas políticas que determinam mais ou menos o que é este território.

3. Nossos problemas começam, então, quando tentamos determinar, definir, delimitar, delinear, desenhar este território e como as pessoas o vivem. O peso correspondente a cada um desses verbos varia de acordo com a instituição por trás da ação: a Universidade, o Estado, o Mercado. Varia, também, com o grau de existência e consistência dessas mesmas instituições e a influência exercida na vida das pessoas. E aqui já temos uma proposição: a precedência dessas atitudes determinadas (delimitar, definir, delinear) são sempre responsabilidades de algum tipo de instituição, sendo que, na maioria dos casos, as três citadas acima são as mais presentes (porém, nunca onipresentes e muito menos onipotentes).

4. Nós, antropólogos, portanto, se quisermos estabelecer uma relação de verdade ? i.e. de produção de uma verdade ? com o pensamento ?outro?, i.e., aquele que está além e aquém dos limites impostos pelas instituições, devemos partir dos próprios limites e imprimir uma relação de distância (e, desse modo, de diferença, cf. Malabou, 2010: 55) com as ideias de territorialidades constituídas nas relações políticas com as instituições. Isto não significa ignorar, subtrair ou passar ao largo das questões fundiárias, dos conflitos de posse e usufruto da terra, questões de propriedade e afins, ao contrário; se trata de mais de pensar uma ideia de territorialidade que ultra-passe, em sentidos múltiplos, a noção ontologicamente encerrada de territorialidade como uma função puramente política para uma função da vida, refundando assim os próprios termos das questões políticas.

5. Este movimento implica, assim, voltar nossos olhares para outras instâncias da constituição e formação do Território. Nossas etnografias vem demonstrando isso há muito tempo, ao trazer à baila as questões que subscrevem não necessariamente as limitações da terra, mas questões e problemáticas que envolvem a relação com a água e o ar. Ou seja, para além de ressaltar que a formação de Territórios tradicionais e indígenas segue uma lógica diferente daquela subscrita na lógica das instituições, trazer para o centro do debate toda uma ordem de grandeza diferente, resultando assim em análises mais envolventes no que diz respeito não apenas a constituição de territórios políticos mas, também, em sentido mais abrangente, na constituição de lugares de vida.

Território Caiçara

As cinco proposições precedentes servem como uma introdução a uma exploração, a um exercício de pensamento a ser realizado neste artigo. A partir de minha etnografia realizada entre músicos e artesãos do fandango caiçara, gênero e expressão musical tradicional caiçara do litoral sul paulista e norte paranaense, pretendo aqui pensar questões sobre a constituição do Território Caiçara voltando os sentidos para aspectos menos ressaltados no que diz respeito ao Território, um ponto de constituição de vida diferente, por assim dizer: partiremos da terra e do território, de suas articulações, talvez o ponto de partida mais comum[3]; e, apesar de não passar pelas análises das relações dessa territorialidade com a água, através dos rios, dos mares e dos seres vivos que ali habitam, ou ainda da constituição dessas mesmas questões a partir de sua relação com as plantas; o objetivo é focalizar a constituição de uma atmosfera específica como produtora de um Território, nesse caso, o Caiçara. E, para tanto, argumento aqui que a constituição e criação de determinada atmosfera é afetada por um ritmo cultural determinado e, dessa maneira, é, do início ao fim, vinculada ao fandango caiçara, tida majoritariamente na bibliografia temática como expressão e manifestação cultural, ou seja, como culturalmente determinadas e não culturalmente determinantes. A intenção, aqui, é avançar com uma teoria caiçara que reflita este princípio antropotécnico, o da Cultura como uma Forma de Vida, recusando assim o fluxo de causalidades com o qual o fandango geralmente é compreendido como fenômeno estético-político. O ?truque? antropológico aqui seria de falar de territorialidades para além (ou aquém) do território, ou melhor, tratar a terra apenas como (uma das) superfície(s) limítrofe(s) de uma atmosfera sonora estético-política.

Estética-Política

Usualmente, quando se tratam os fenômenos estético-políticos, como poderíamos ?classificar? peremptoriamente o fandango caiçara, em suas relações com as problemáticas políticas[4], as questões sobre territorialidade sobressaltam-se: por um lado, ressaltam-se as questões da origem e sua relação com os mutirões[5]; sendo uma contraparte do trabalho colaborativo da comunidade, o baile de fandango aparece assim como um momento de reforço das conexões comunitárias, reflexo das movimentações e interconexões, pessoais e familiais, que constituem um senso de comunidade e, por conseguinte, a própria noção de um Território Caiçara: sendo mais que a localidade geográfica em que essas comunidades se estabeleceram, é o espaço onde as pessoas ? e as comunidades como um todo ? circulam. O fandango é, dessa perspectiva, um acontecimento que exprime um momento de catarse coletiva, que institui a comunidade como tal, sendo a expressão da reciprocidade por excelência, que comprime as possíveis tensões existentes entre as relações de trabalho, dádiva e parentesco6. Ou seja, uma expressão de gratidão, amizade e parentalidade. O fandango, como expressão dessa comunidade, é expressão também do território que essa comunidade forma, ao formar novos laços de parentesco e compadrio e manter os existentes, deslocando as famílias e tecendo novas relações entre os sujeitos, assim como é o responsável por reforçar as relações de boa vizinhança[6].

Por outro lado, o fandango é hoje, em seu contexto atual, tido também como expressão e meio da luta caiçara frente a especulação fundiária, às rígidas e incoerentes leis ambientais que afetam o chamado modo de vida tradicional ? extensamente baseado em roças e no uso de matéria-prima nativa da Mata Atlântica[7] e o turismo predatório. É assim considerado pois, através de seu fandango, Caiçaras tentam dar visibilidade a essas questões, expor ao público, seja ele composto por turistas, pesquisadores ou agentes dos governos municipais e estaduais, as dificuldades pelas quais passam para garantir seu direito ao Território. Esse aspecto, na verdade, não deve soar como novidade, na medida em que toda moda de fandango tem como tema aspectos cotidianos da vida caiçara[8]. Nesse sentido, a forte relação com a terra e as transformações nas relações de trabalho e a (c)recente monetarização[9] que afetam esta relação são temas que podem ser considerados tradicionais no sentido estrito do termo, na medida em que expõe os fatos que os afetam no dia a dia.

Porém, para além da relação com a terra que é ressaltada quando se trata a problemática do território sob o ponto de vista fandangueiro, a própria noção de território é alargada, não sob uma comparação direta entre diferentes concepções de território, mas de uma perspectiva crítica da autoridade das instituições no que dizem respeito a este tema. Assim, temos a Moda da Força Verde, composta por Mestre Aorélio Domingues, do grupo Mandicuera, de Paranaguá-PR:

Moda da Força Verde

Mestre Aorélio Domingues
Coitado do pescador
Que precisa de pescar
Atrás da nota de cem
Pro pão não deixar faltar
A turma da força verde
Estão saindo pro mar
A turma da força verde
Se dizem de autoridade
Chegando na embarcação
Eles multam de verdade
Se a malha não der certo
Eles mandam pra cidade
Eles vêm de voadeira
E prendem nosso pescado
Depois vão com a família
Almoçar lá no mercado
Depois comem com cerveja
O peixe que foi pescado
Eles prendem malha cinco
E prendem meu gerival
Não deixam mais dar um cerco
Não deixam cortar um pau
Liberam a pesca lá fora
Dizendo que não faz mal
Companheiro Chico Mendes
Revira no seu caixão
Vendo o que o ICMBio
Tá fazendo com o povão
Usando seu nome ilustre
Pra acabar com a tradição
Coitado do Chico Mendes
Que está lá no cemitério
Tá vendo a razão do povo
De gente que fala sério
Vê o caiçara sofrendo
Com a turma do ministério Nem mesmo o meu fandango
Eu posso mais tocar
Pra viola de fandango
Caxeta não retirar
Os fabriqueiros desistiram
De tanta multa levar
Vamos dar por despedida
Bem na beirinha da praia
Antes que o IBAMA venha
Proíba tomar Cataia
Só falta eles proibirem
De ter um rabo de saia

Fonte: Mestre Aorélio Domingues

A letra que compõe esta moda fora escrita por Mestre Aorélio Domingues, fandangueiro do Grupo Mandicuera, de Paranaguá-PR. Mestre Aorélio é reconhecido em todo o Território Caiçara como uma das mais importantes figuras, no que diz respeito à luta política pelo fandango e pela cultura caiçara. É um reconhecido artesão, construtor de instrumentos tradicionais caiçaras, e um dos mais proeminentes músicos de fandango, tendo gravado com diversos grupos e lançado um Cd ? intitulado Amanhece ? junto ao grupo Mandicuera, onde se encontra esta moda.

Essa moda[10] de fandango expressa claramente a luta caiçara com as autoridades ambientais e aqui temos já uma primeira linha de fuga em relação à terra: na letra, Mestre Aorélio ressalta mais os conflitos marítimos, por assim dizer, que fundiários[11], trazendo para a superfície da problemática o fato de que o Território Caiçara é muito mais amplo que as concepções limítrofes[12] das instituições (nesse caso, ambientais). Sejam esses limites territoriais relacionados à terra ou ao mar, eles são aliens em relação às concepções de comunidade e do espaço concernente a essa comunidade, ressaltando assim o sofrimento causado pela imposição dessas concepções ao modo de vida tradicional. A territorialidade caiçara mais que ultrapassar os limites, os deslocam constantemente, os tornam móveis, flexíveis, ou, melhor dizendo, tornam os limites em acontecimentos, circunscritos pelo fandango como fenômeno estético-político[13]: é no fandango ? como momento da socialidade ? que esses limites se deslocam e formam o território em movimento caiçara. E é a autoridade outorgada a essas instituições, que através de uma série de proibições, (re)modelam, se não as concepções, a própria materialidade do território caiçara. Impõe-se limites fixos, uma verdadeira objeção à concretização do ser-estar caiçara.

Mudanças na Atmosfera

De certa maneira, o argumento que tento sintetizar ao trazer a estética-política fandangueira para o centro do debate sobre território é que a diferença entre concepções talvez não seja propriamente definida em torno da diferença entre a concepção dos territórios, mas revolve-se em torno da diferença entre os limites.

A questão da visibilidade buscada pelos fandangueiros para a sua luta por direitos relativos ao seu território passa por toda uma discussão que ressalta menos os limites territoriais entendidos em sentido literal, como limites geo-localizados, do que limites impostos sobre o modo de vida tradicional: o impedimento da pesca, do cerco, da roça, da caça[14]. Por isso, se desejamos compreender mais sobre a questão do Território Caiçara para além dos limites impostos pelas instituições em suas relações de poder, precisamos voltar nosso olhar e nosso escutar para elementos que, não raramente, passam batidos aos nossos sentidos (talvez justamente por estarmos focados demais na visão). Voltar a atenção para a estético-política fandangueira pode ser, assim, um movimento que amplie o escopo sensível da antropologia para um entendimento mais afinado com os nativos sobre o que é esse Território e como ele pode ser um meio propício para uma determinada Forma de Vida: nesse caso, o Modo de Vida Tradicional caiçara ou ainda a Cultura Caiçara.

Desse modo, voltemos nossa atenção para o que os fandangueiros julgam ser as principais transformações ocorridas no fandango caiçara.

Muito se diz, entre os fandangueiros, que o fandango mudou, que já não é o mesmo que antigamente[15]. Porém, mesmo quando eles avaliam o que exatamente mudou na forma de se praticar e tocar o fandango, a maioria dos apontamentos diz respeito à substituições dos instrumentos fabricados artesanalmente por construtores locais, com materiais locais, por outros de mais fácil acesso (embora de nem sempre de menor valor), em vez de mudanças na estrutura rítmica e melódica do fandango. Os adulfos são substituídos por pandeiros, as violas de caixeta por violas de construção industrial. Caixas-de-Folia dão espaço a tantãs, machetes são trocados por cavaquinhos. Embora seja raro, até a tradicional rabeca caiçara dá lugar a violinos, ou até mesmo tem sua função melódica realizada por um violonista[16].

Porém a principal mudança ressaltada por fandangueiros e fandangueiras se localiza na forma de apresentação do fandango, ou até mesmo no surgimento de algo que se possa chamar de apresentação de fandango. Se o fandango reflete o modo de vida tradicional caiçara ele bem reflete também suas transformações e, como não poderia deixar de ser, se transforma. Passa, assim, de um baile que era tido como a contrapartida do trabalho comunitário, momento de reforço simbólico do que é mesmo viver em comunidade e se torna a exposição de uma cultura para sujeitos de origens (e objetivos) culturais e sociais diversos, tendo, por vezes, esses sujeitos vindos de fora como foco.

Apresenta-se o fandango em festivais de cultura popular, eventos realizados pelos poderes públicos, excursões de escolas particulares aos municípios da região. Criam-se Grupos de fandango, reunindo os tocadores de maneira mais ou menos fixas, que trabalham sob pagamentos de cachês pontuais, boa parte das vezes sem nenhum apoio dos poderes públicos locais para suas manutenções. Diferente dos bailes, onde os tocadores disponíveis se revezavam até o fim do baile (i.e. até o raiar do dia), na apresentação os grupos se revezam como unidades, mesmo que a dinâmica de mistura e separação destes grupos seja algo acelerada, especialmente em eventos, como a Festa do Fandango, onde se encontram muitos grupos de diferentes localidades. Apresentase o fandango em CDs, DVDs, livros (teses, dissertações?). Uma boa parte das apresentações e registros audiovisuais realizados, até eventos de maior porte, como encontros de fandangueiros, são realizados a partir de editais e prêmios públicos, onde, através de documentos de variados tipos, se apresenta o fandango ainda sob outra forma, como discurso e como papel.

A principal consequência da apresentação do fandango, do meu ponto de vista, é uma mudança na atmosfera em que ele é posicionado e, mais importante ainda, o tipo de transformações na atmosfera que ele (o fandango) pode gerar e suas relações com os diferentes públicos. Tudo, das peculiaridades dos instrumentos tradicionais de serem captados e amplificados, a dificuldade que os técnicos encontram para equalização desses instrumentos (sendo a rabeca, a voz e a viola geralmente os mais prejudicados), a quantidade e animação do público presente, e quantas dessas pessoas conhecem e dançam fandango, a iluminação, todos esses fatores contribuem para a criação de uma atmosfera que pode ser mais ou menos adaptada para a performance do fandango e a influência possível de ser exercida no público presente, assim como o movimento contrário, sendo assim um movimento em looping, que alguns chamariam de afeto ou afecção.

Atmosfera e Território

Ressalto aqui que a forma estética do fandango, seja através de suas letras ou sua exposição, é eminentemente política, não apenas em relação ao seu conteúdo, marcadamente cotidiano, mas como meio discursivo de se espalhar o discurso de luta pelos seus direitos que, não à toa, são classificados por caiçaras em geral como sendo direitos territoriais e culturais. Isto porquê essa estética fandangueira é tida como um dos principais meios pelos quais esse discurso político é veiculado e que pode, assim, criar condições para que essas demandas sejam efetivadas. Assim como as ondas sonoras se propagam pelo ar, a força política de seu discurso depende de um afeto, de uma influência causada pela sua música para que sua luta também se propague. É, portanto, necessária a criação de uma atmosfera adequada para que seu discurso ?capte? a atenção de determinada maneira, para determinado público.

Não é incomum, nesse sentido, relatos de apresentações de fandango em que os fandangueiros se sentem deslocados ou pouco apreciados. Em geral, em suas apresentações, especialmente quanto mais distantes forem de suas localidades originárias ? i.e. o Território Caiçara ? pouca ou nenhuma atenção especial é dada para a equalização, iluminação, posicionamento dos músicos e, não raro, eles mesmos preferem assumir essa produção, para adequar da melhor maneira possível a criação desse ambiente propício para o fandango e para a veiculação de seus discursos.

Essa ambientação atmosférica-cultural, se posso dizer assim, depende, uma vez analisados os discursos veiculados, da abertura e captação da atenção dos públicos para dois aspectos que, com efeito, são os dois lados de uma mesma moeda. O primeiro seria uma ultrahistória do fandango, uma espectrologia das origens do fandango e da cultura caiçara, na medida em que tenta captar a atenção do público para uma ancestralidade do fandango em, pelo menos, dois aspectos: o primeiro, as ancestralidades concernentes a criação de um gênero musical específico que é o fandango, suas origens em sentido estrito com sendo o resultado do encontro cultural-musical de colonizadores, indígenas nativos e negros escravizados; e a segunda em relação a uma ancestralidade em relação à cultura regional (e, por vezes, nacional[17]). Essa ancestralidade pode ser considerada uma espectrologia se considerarmos que ela não está em uma relação de equivalência nem com o fato histórico rígido de uma historiografia já ultrapassada, (que, no entanto, não deixa de ser factual, nem histórica, na medida em que é real) nem exatamente com o tempo mítico (embora guarde suas relações com esse tipo de entendimento histórico). Mas, antes, consiste em um povoamento, um fazer habitar a imaginação do público ouvinte com os fantasmas do passado caiçara: um passado repleto de violências físicas e simbólicas, de desapropriações culturais e territoriais em contraposição direta com um outro passado de fraternidade, alegria, comunhão, como refletido nos mutirões, gerando assim um efeito de ruptura e noções sobre a cultura caiçara, encarnadas nas noções de pureza e nostalgia.

Essa espectro-história do fandango consiste em sintetizar as mudanças históricas e estruturais da modernidade[18], a um só tempo, em oposição a um discurso de origem sempre presente, uma origem que não se localiza linearmente apenas como fato histórico passado, mas como acontecimento presente. Isto pode ser evidenciado na articulação entre essas problemáticas na fala de Beto Galã, um dos mais conhecidos fandangueiros de Cananéia-SP, município do extremo sul do litoral paulista:

Todo fandango é baseado num fato. Num fato acontecido, que acontece no dia a dia aqui da gente. Toda estória de desilusão amorosa? A do ladrão de galinhas, a da velha mexeriqueira. É tudo acontecido, é tudo fato[19].

Ataliberte Lauro Pereira, ou simplesmente Beto ?Galã?, é uma das mais antigas, reconhecidas e controversas figuras do fandango de Cananéia. Isto porque ele caminha, digamos, na contramão da postura política que poderíamos considerar majoritária entre os fandangueiros: como líder do Grupo Esperança, sua conduta em relação aos cachês pagos pela prefeitura local gera um certo desconforto em outros grupos, na medida em que cobra muito menos do que esses grupos consideram justo, levando sempre a melhor na ?concorrência?. Isso acaba por gerar uma desvalorização por parte da prefeitura com relação ao fandango, tratando os cachês como ?ajuda de custo?. Em todo caso, ainda assim, Beto é uma das vozes mais ativas com relação às alegações de que ?faltam recursos? por parte dos poderes públicos, destinados à valorização da cultura caiçara, sendo este um dos pontos mais repetidos em sua fala.

Beto explicava para uma pequena estudante em excursão pelo litoral as origens das letras e estórias contadas no fandango. Mas o que chama atenção nessa fala não é tanto o caráter de trivialidade que embebe a lírica fandangueira, mas uma outra fala, destinada ao mesmo público, sobre as origens históricas do fandango e a quem eles (no caso, o Grupo de Fandango Esperança), deveriam agradecer pelo fato de ainda acontecerem fandangos.

O fandango é do sítio, de quando a gente vivia em sítio, antigamente. Todo esses fato contado é de como a gente vivia lá na roça, de como a gente cantava as coisa do dia a dia, estória de vara canoa, de pescaria, de namoro. É um pouquinho de como a gente vivia lá no sítio. Mas a gente tem de agradecer a vocês, jovens. Agradecemos a vocês, o público presente aqui, pelo acontecimento desse fandango. Sem vocês, o fandango não é possível, não tem como acontecer. O fandango vem lá dos sítios, de antigamente, mas se não tem interesse das pessoas jovens de fazer fandango, ele não acontece. Então a gente agradece primeiramente a vocês por tá aqui prestigiando e dançando fandango.

O fandango, então, nas palavras de Beto Galã, é sempre baseado em fatos acontecidos (a vida nos sítios) mas é um fato sempre em acontecimento, suas propriedades factuais vêm do agora e não da força do passado que, no entanto, habita o fandango como força imaterial; mas essa força não é uma força causalística, sendo o fato necessário para o acontecimento do fandango o interesse atual, presente, em fazêlo.

A factualidade do fandango, a esse respeito, sintetiza essas mudanças históricoestruturais em uma dialética do visível e do invisível. Sendo um dos principais meios pelos quais sua luta por direitos políticos se propaga para fora de suas próprias comunidades, essa espectro-história do fandango busca tornar visível o que de outro modo não é perceptível (sensível) aos sentidos das pessoas: os fantasmas que habitam sua história e sua comunidade como acontecimento (epitomizado pelo fandango). Esses fantasmas são justamente os fantasmas da espoliação de seus territórios em sentido amplo, fantasmas esses que continuam a assombrar suas comunidades na forma das autoridades ambientais, por exemplo: não foi ?apenas? a terra que se perdeu, o Território Caiçara compreende um uso da terra específico, uma vegetação, acesso à água do mar e dos rios e lagoas, todos ao modo caiçara, que, de certa maneira, fora desmantelado pelo que chamam de modernidade; nesse sentido, o sentimento de perda em relação à cultura tem como paralelo o desmanche de uma atmosfera própria, mas não apenas como o ar que circunda um ambiente, mas antes como o meio de imersão que propicia a criação e desenvolvimento da cultura caiçara.

Porém, estas condições de possibilidades de desenvolvimento da cultura caiçara não devem ser pensadas como uma adaptação ou adequação, pura e simplesmente, em relação a um mundo diferente daquele em que suas comunidades e culturas cresceram. Por certo, as coisas ? o mundo, o ambiente, a cultura ? mudaram para eles, e aquilo que se chama tradicional tenta dar conta dessa diferença primordial, entre um modo de vida autônomo que começa a ser influenciado por fatores extramundanos ? no sentido de que são exteriores ao mundo caiçara. Mas o mundo é mistura e ?é sempre uma totalidade?[20], na medida em que todos esses elementos se relacionam com todos os outros: logo, só podem haver, na constituição de um mundo específico (como aquele circundado pelo Território Caiçara), misturas de mundos e alterações atmosféricas, alterações na ?dinâmica do mundo, seu ritmo imanente?22 nesse meio partilhado que, no entanto, não configura identidade. É a atmosfera (esfera do sopro [pneuma]) ?que permite a todo objeto se misturar ao resto das coisas? em um estado de imersão. A atmosfera é

essa forma de intimidade e de unidade que se define não pela homogeneidade da substância ou da forma, mas pela partilha do mesmo sopro, de um ar de família a propósito de uma coleção de elementos que não é a simples combinação de objetos disparatados. A Atmosfera, o clima, é essa unidade que não precisa de redução à unidade de qualidades e formas

e prosseguindo:

O que confere unidade confere também forma, visibilidade, consistência. É esse mesmo ar de família que nos permite reconhecer a real identidade de uma coleção e é a atmosfera que torna para nós um lugar visível em sua totalidade, para além dos objetos que ocupam. O sopro não é apenas o ar em movimento: é clarão, desvelamento, meio de revelação. Se o mundo é unificado por um sopro comum e universal é porque o sopro é a essência originária do que os gregos denominavam de logos, linguagem ou razão[21].

Porém, recorramos mais uma vez a uma fala caiçara para evidenciar a importância desse clima, dessa atmosfera da cultura caiçara. Certa vez, estava conversando com Dona Antônia, antiga moradora do município de Cananéia. Diz que mora na região central do município ?desde quando não tinha asfalto, mercado, peixaria, tinha nada, só as casas e a igreja?. Mas que, antes disso, ?nos sítios? onde cresceram, já sentia a presença do fandango em sua vida, na infância, e desde que se mudara para a cidade, procura não perder um baile sequer, fato pelo qual é de certo modo famosa, sendo uma das damas e dançarinas mais prestigiada nos bailes. Então, pergunto-lhe sobre o fandango e tenho como resposta este curioso relato:

Olha? vou te contar a verdade. Não gosto muito de fandango. É que na verdade? me lembra a infância, os tempos de moça sabe? Aquele clima de festa! A primeira vez que fui num fandango eu fui escondida de papai, porque ele não deixava. Fui, mas não gostei muito da música, nem da dança. Mas continuava indo né, mesmo escondida, porque era o acontecimento que a gente tinha, o momento de encontrar amigos, de namorar. Hoje eu ainda prefiro dançar um forró, mas vou em todo baile de fandango que posso, porque me lembra aquele clima de festa que a gente tinha, era tão gostoso. Pra manter a memória viva, lembrar dos tempos de moça[22].

Conclusão

Vimos, com a fala de Dona Antônia, como a (re)constituição de um clima de festa, de uma atmosfera específica (repleta de sons, movimentos, com uma iluminação específica) é uma forma de manter a memória viva, porque não, através do ar, de algo imaterial, mas, ao mesmo tempo, muito concreto. Impalpável, mas sempre presente, o sopro, ar, pneuma, espírito do fandango constituía e constitui o seu Território, tanto quanto a terra, o mar e as plantas. Esse território existencial corresponde a uma localização específica da formação de um Lugar de Vida, no sentido mais abrangente possível. Ela corresponde, portanto, a ambientação, ou melhor dizendo, ao meio de imersão necessária para o surgimento de uma antropotecnia[23], isto é, do surgimento de tecnologias que determinam (a posteriori, e isto é importante) o que é ser (estar?) humano; tecnologia social por excelência, essa antropotecnia é a ?primeira? técnica de constituição comunitária e, portanto, política.

Mas no que poderia a ideia de atmosfera, como introduzida neste breve artigo, contribuir tanto para a questão da luta política através do território, quanto para as questões antropológicas, sejam elas em contexto mais específico como o apresentado aqui, o do fandango caiçara, ou de maneira mais ampla? A conexão e a relação entre as noções de território e cultura, além de ser um dos temas mais clássicos da literatura antropológica é também um dos principais meios pelos quais a atividade disciplinar exerce influência como atividade política. Seria difícil ? ou, pelo menos, ingrata ? a tarefa de se propor uma leitura totalizante ou, por outro lado, uma proposta que realmente se configuraria como ?nova? em relação a essas noções ou à relação entre elas.

Portanto, quando me refiro a territórios existenciais aqui, de certa maneira evocando os escritos de Deleuze e Guattari (1997), busco inserir essa reflexão no que pode ser chamado plano das expressividades, e entender o território como um movimento limítrofe, um movimento constituído de relações expressivas cuja dinâmica não se limita ao movimento dos agentes (idem, 1997; cf Guattari, 1992 para noção de ?plano de expressividades?) e nem mesmo aos movimentos que os sujeitos são circunscritos pela noção de ambiente, por exemplo. O território existencial, aqui, se refere ao processo constitutivo de sujeitos, comunidades, regiões e populações através de um agenciamento de elementos expressivos que faz emergir os próprios sujeitos e objetos de expressão. Se trata, assim, de uma conceitualização sobre a formação do que se pode chamar de território em sentido amplo e não ?trivial?, que busque refletir sobre a própria emergência de um vínculo entre pessoas, coisas, lugares, naturezas e culturas, que seja ele mesmo anterior às pessoas, coisas, lugares, naturezas e culturas (a relação antecedendo os termos, como no bom e velho estruturalismo levi-straussiano). Tratase de pensar, como afirmei, a diferença entre viver em um território e viver um território.

Perpendicularmente à constituição do território existencial, trago, então, os elementos a respeito do fandango e da cultura caiçara de forma a ?dar corpo?, digamos assim a esses territórios existenciais. A cultura como corpo do território (e não o contrário, como geralmente é entendido pelas análises ditas ?materialistas?): a implicação de pensar que se existem formas de vidas específicas, como aquelas expressas pelo fandango caiçara, estas se dão, nascem diretamente dessas dinâmicas expressivas constitutivas do território. Essa noção de cultura dialoga com as tendências mais recentes em antropologia, de (re)pensar a relação entre terra e vida, cultura e natureza de uma perspectiva distinta daquela implicada pelas instituições de controle ?democrático? encarnadas pelo Estado e pelo Mercado e a partir das próprias e diferentes Formas de Vida que estudamos[24]. E aqui, creio, tocamos e um ponto importante.

As possíveis vantagens que uma noção como a de atmosfera pode nos trazer dizem respeito justamente a esse movimento duplo de vinculação entre terra e vida e seu (indevido) tratamento institucional. Pois se há uma constância no que diz respeito a esse tratamento é a separação, a distinção de elementos que, para essas Formas de Vida específicas são indiscerníveis ? como terra e água, expressão e cultura, e a relação entre esses termos, apenas para ficarmos nos exemplos citados neste texto. Como afirmei, as instituições de controle impõe limites estranhos à própria ontogênese dos elementos que julga lidar: a terra como uma substância ou elemento isolável (e comercializável e passível de ser explorado e/ou conservado) da vida que primeiramente foi capaz de lhe dar existência, e vice-versa: a cultura caiçara ? como o fandango ? passível de ser

?reproduzido? apesar da destruição dos vínculos existenciais que tem com a ?natureza?. Ao trazer os elementos do sopro e do ar para a discussão, estes costumeiramente negligenciados dos nossos estudos ?territoriais?, busco trazer justamente ?a cola?, a dinâmica da mistura e da indiscernibilidade ? sem, no entanto, a submissão à lógica unitária, ou seja, sem se tornar ?a mesma coisa? - que não nos permite pensar esses elementos constitutivos como algo separáveis. O Ar como o meio que conecta a tudo e a todos ? o padrão que conecta batesoniano - inclusive as diferenças incontestáveis entre as concepções, isto é: o que conecta até mesmo as diferenças irreconciliáveis entre as concepções de território institucionais e as concepções de Formas de Vida e conceptualizações culturais dos diversos povos do mundo sobre suas próprias vidas e culturas. O Ar ? metaforicamente e literalmente, se é que essa é uma distinção útil aqui ? como o meio relacional da vida.

As relações entre o surgimento dessa Forma de Vida específica que é a Cultura (humana) e esse meio que, no entanto, a compõe de antemão ? o Ar ? começaram apenas a ser esboçadas aqui. Espero poder manter o fôlego em uma outra oportunidade.

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Notas

[1] Este artigo é fruto de pesquisa de doutorado financiada pela CAPES/CNPQ
[2] Doutorando em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de São Carlos (PPGAS/UFSCAR). Bolsista CAPES/CNPQ. E-mail: gabrielbertolo38@gmail.com
[3] cf. Rodrigues (2014); Bazzo (2010); Martins (2006).
[4] cf. IPHAN (2011); Coelho e Diegues (2014).
[5] Os mutirões são momentos em que, diante de um trabalho mais árduo, como a varação de uma canoa para o mar, a feitura de uma roça ou a colheita do arroz, eram feitos por toda a comunidade envolvente, constituindo um momento de criação de socialidades pautadas em relações de trabalho não monetizadas. O fandango, originalmente, é o nome dado à festa em retribuição ao trabalho realizado nos mutirões, sendo um baile ?até o raiar do dia?, com o oferecimento, por parte do núcleo familiar favorecido, de comidas e bebidas típicas. 6 cf. Bazzo (2010); Costa (2015).
[6] Este momentum social fora o ponto de partida de minha própria dissertação, cf. Bertolo (2015)
[7] Diegues (2005, 2006) discorre sobre os processos de enrijecimento das leis ambientais e sobre os efeitos dessas leis sobre as comunidades caiçaras.
[8] cf. Costa (2015: 127).
[9] cf. Costa, op. cit.
[10] Modas são os nomes pelos quais não apenas de cada música de fandango ? um compositor de fandango compõe uma moda de fandango ? mas também de sub-gêneros de fandangos, também conhecidos como marcas. Para uma definição mais apurada das modas de fandango ver Bertolo, (2015: 18)
[11] Costa (2015:137) afirma que, nas letras de fandango, evidencia-se que o território atualmente tem voltado ao centro das questões caiçaras, a despeito de um foco excessivo nas questões ?marítimas?, por assim dizer. Porém, partindo da minha experiência etnográfica, diria que é mais uma questão cosmopolítica, onde o Território Caiçara não se submete até mesmo a separações entre terra e mar. Tudo é mistura, sem perder, com isso, suas qualidades particulares, como veremos.
[12] Os itálicos são utilizados nesse texto apenas como recurso de identidade, sem distinções entre conceitos e categorias filosóficas, antropológicas e ?nativas?.
[13] Jean Jacques Rancière (2000) afirma que a discussão dos vínculos entre estética e política deve ser posicionada ?no nível das delimitações sensíveis do que é comum à comunidade, suas formas de visibilidade e de sua organização? (2000: p. 26). A noção de estética-política lançada aqui tem certas afinidades com a conceptualização de Rancière, especialmente na questão da definição de estética como ?um sistema de formas a priori que determina o que se apresenta a si mesmo para a experiência sensorial. É uma delimitação dos espaços e do tempo, do visível e do invisível, do discurso e do barulho, que simultaneamente determina o lugar e o que está em jogo na política? (idem: p. 14-5). No entanto, o esquema de Rancière me parece um tanto classificatório demais, e, por ora, seguimos outro caminho. Agradeço, no entanto, a valiosa sugestão do parecerista deste artigo, sobre a relação entre as noções de estética e política.
[14] Almeida, Castro e Rezende (2015) descrevem em minucia os métodos de coerção das instituições responsáveis pela ?preservação? ambiental em áreas de sobreposição de Reservas Ambientais e Comunidades Tradicionais Caiçaras, trazendo dados sobre a Estação Ecológica Juréia-Itatins.
[15] Para uma análise da Nostalgia Fandangueira sob um ponto de vista do Pessimismo Estrutural, i.e. sob uma perspectiva do fim do fandango, ver Bertolo (2015).
[16] Sobre os instrumentos tradicionais do fandango, ver Côrrea, Gramani, Pimentel (2006)
[17] Este tipo de discurso, que ?conecta? a história local com uma suposta formação cultural da identidade nacional vêm, no entanto, perdendo força e dando lugar a discursos mais regionais. Apenas especula-se o quanto que o des-uso deste tipo de discurso tem relação com as mudanças nas políticas públicas desde as políticas implementadas pelo Programa Cultura Viva, criado no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
[18] Ressalto que, modernidade, para meus parceiros de campo, corresponde as revoluções tecnológicas dos últimos 40 anos (como o surgimento do rádio, televisão e, recentemente, da internet), bem como o enrijecimento das leis ambientais e o avanço das Igrejas Evangélicas, três fatores costumeiramente relatados quando interpelados sobre a possibilidade de o fandango ?acabar-se?.
[19] Todas as estórias que Beto Galã se refere são temas de alguns dos fandangos que seu grupo executa.
[20] Coccia (2018: 51). 22 ibidem, 52.
[21] Id ibidem, 53. Apenas chamo atenção que a metafísica da mistura de Emanuelle Coccia não corresponde a nenhum desenvolvimento cultural feito pela humanidade; ao contrário, sua teoria passa ao largo da cultura humana, buscando uma cosmologia que ultrapasse o antropocentrismo filosófico. O uso que fazemos aqui de seu ensaio é um tanto livre e, muito provavelmente, não teria o apoio do próprio autor. É significativo que o autor esteja focado, nessa obra, em escrever um tratado sobre a vida das plantas que saia da obsessão filosófica pela terra, que julga ser o mote da filosofia de Deleuze e Guattari.
[22] A fala de Dona Antônia também explicita que a relação entre a memória caiçara (e sua manutenção) tem uma relação intrínseca com a formação dessa atmosfera cultural. Contudo, refletir sobre a noção de memória caiçara nos parece trabalho demasiado abrangente para ser abordado aqui.
[23] Para os desenvolvimentos mais rigorosos, em filosofia, da espectrologia e da antropotecnia, ver Ludueña Romandini (2010, 2012).
[24] Trata-se, portanto, de uma concepção de cultura de certo modo até convencional (nos dias de hoje), no sentido de que trata de sua multiplicidade e dinâmica inter-relacional e não tanto como unidades cerradas em si mesmas e (no máximo) conectadas umas às outras por noções como ?contato?. A literatura sobre o tema é, obviamente, muito extensa, mas referencio apenas aqui o clássico antropológico de Manuela Carneiro da Cunha, ?Cultura com Aspas? (2009) como indicativo do (longo) caminho pelo qual segui até chegar às noções apresentadas neste artigo.


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