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Burla, controle de si e disfarce da comensalidade: as maneiras de comer sem glúten e sem lactose em Porto Alegre
Revista TOMO, núm. 38, 2021
Universidade Federal de Sergipe

Artigos

Revista TOMO
Universidade Federal de Sergipe, Brasil
ISSN-e: 1517-4549
Periodicidade: Semestral
núm. 38, 2021

Recepção: 31 Julho 2020

Aprovação: 16 Novembro 2020

Resumo: A alimentação contemporânea é marcada pela afirmação de preferên- cias alimentares que tensionam e transfiguram as práticas tradicionais de refeição compartilhada. Este artigo tem por objetivo investigar os sentidos atribuídos às práticas alimentares e os marcadores sociais em narrativas de indivíduos adeptos de dietas livres de glúten e/ou lactose residentes em Porto Alegre. Foram realizadas 13 entrevistas em profundidade, além da observação assistemática de blogs e fanpages de celebridades referenciadas pelos entrevistados. Uma economia psíquica, de caráter disposicional e contextual, vigora nas sociabilidades por meio de intenso autocontrole e de mecanismos de burla. Estes são mobilizados a fim de escapar das convenções sociais, pesando sobre juízos de gosto, nos quais por vezes também operam marcadores de distinção social.

Palavras-chave: Gosto, Estilos de vida, Consumo alimentar, Glúten, Lactose.

Abstract: The affirmation of food preferences in contemporaneity contends and transfigures traditional practices of sharing food. This article aims to investigate the meanings attributed to food practices and the social markers in narratives of individuals with adherence to gluten-free and / or lactose-free diets living in Porto Alegre. Thirteen in-depth inter- views were carried out and an unsystematic observation of blogs and fan pages of celebrities referred by the interviewees. A psychic economy acts in sociabilities with dispositional and contextual aspects through intense self-control and spoof, aiming to escape social con- ventions, with an impact on judgments of taste, in which also operate social distinction markers.

Keywords: Taste, Lifestyles, Food consumption, Gluten, Lactose.

Resumen: La alimentación contemporánea está marcada por la afirmación de las preferencias alimentarias que rivalizan y transfiguran las prácticas de comidas compartidas tradicionales. Este artículo tiene como objetivo investigar los significados atribuidos a las prácticas alimentarias y los marcadores sociales en las narraciones de personas que se adhieren a las dietas sin gluten y / o sin lactosa que viven en Porto Alegre. Se llevaron a cabo trece entrevistas en profundidad, además de la observación no sistemática de blogs y fanpages de celebridades referidas por los entrevistados. Una economía psíquica, de carácter disposicio- nal y contextual, prevalece en la sociabilidad a través de mecanismos intensos de autocontrol y burla. Estos se movilizan para escapar de las convenciones sociales, que pesan sobre los juicios de gusto, en los que también funcionan los marcadores de distinción social.

Palabras clave: Gusto, Estilos de vida, Consumo de alimentos, Gluten, Lactosa.

Introdução

Desde tempos remotos, há registros de que comer e beber juntos gera e potencializa alianças, reforça relações de domi- nação entre senhores e vassalos, encurta o tempo de constru- ção da intimidade, ameniza conflitos e dissociações (Flandrin e Montanari, 1998). No espaço doméstico, a hospitalidade é enaltecida como prova de amizade (Caillé et al., 2018), a co- mida desempenha a função social de cultivo do afeto cotidiano e a promoção de refeições compartilhadas constitui estratégia agregadora. As práticas culinárias conduzem frequentemente à demonstração de devoção à família e ao fortalecimento de vínculos, sendo atribuída à mulher a responsabilidade pela alimentação cotidiana, enquanto a profissão de cozinheiro é majoritariamente masculina (Mennell, Murcott e Van Otterloo, 1992; Previatti, 2019).

A comensalidade1 desempenha papel primoroso no estabeleci- mento e no fortalecimento de relações sociais, ao mesmo tem- po que manifesta distinções sociais e hierarquias simbólicas. A despeito disso, nas últimas décadas, algumas dietas individua- lizadas vêm crescentemente sendo incentivadas em diferentes países por meio da imprensa, por atividades de educação nutri- cional e via campanhas de saúde pública (Fischler, 2011). Tais preferências alimentares tensionam e transfiguram as práticas tradicionais de refeições compartilhadas e, em meio a tais trans- formações, pesquisadores se indagam se a comensalidade esta- ria fadada ao fim (Fischler, 2013). Outros se interrogam a res- peito de sermos ou não ainda capazes de receber pessoas, uma vez diagnosticada a hospitalidade contemporânea em crise, com graves tensões e contradições (Caillé et al., 2019).

A produção e o consumo de alimentos isentos de glúten e de lactose se mostraram em crescimento exponencial no Brasil na última década. Conforme o relatório Euromonitor International (EMI, 2018), o segmento “livre de”2 destacou-se com um cres- cimento médio anual (CAGR) de 7% registrado entre 2011 e 2016, sobretudo devido ao fato de os consumidores encararem tais produtos como “saudáveis”. Pelo mesmo motivo, também na última década, os nichos de alimentação “livre de”, vegana e de orgânicos manifestaram a sua produção e o seu consumo em convergência e em expansão.

A alimentação moderna está sujeita a uma série de mediações. Nas últimas duas décadas, profissionais tais como os chefs de cozinha e os apresentadores de televisão, aliando as credenciais de autoridade e de experts, ocuparam uma posição estratégica de intermediários culturais, atuando diretamente na produção sim- bólica de valor e de gosto (Piper, 2015; Barnes, 2017; Previatti, 2019). Paralelamente, entram em cena mediadores advindos de outros espaços, incluindo músicos, atores, modelos e autores re- nomados, que passaram rotineiramente a falar sobre comida (Jo- hnston e Goodman, 2015). Em um quadro que Fischler (1995) de- nominou de “cacofonia alimentar”, o excesso de tais mediadores e da difusão de informações sobre a alimentação no mundo con- temporâneo suscitou a fusão e a confusão entre discursos dietéti- cos e discursos gastronômicos, entre livros de dietas e de receitas e entre manuais de nutrição e guias gastronômicos.

Este artigo tem por objetivo investigar os sentidos atribuídos às práticas alimentares e os marcadores sociais em narrativas de indivíduos adeptos de dietas livres de glúten e/ou lactose resi- dentes em Porto Alegre. Inicialmente analisamos as representa- ções dos entrevistados sobre o convívio social após a adoção da dieta, caracterizado por alto nível de autocontrole, constrangi- mentos sociais e contenção de pulsões. Discutimos de que ma- neiras os indivíduos respondem a diferentes tipos de coerção, com destaque a mecanismos de burla bem arquitetados em prol de um equilíbrio mais ou menos estável das relações de troca e da dissolução de conflitos. Em seguida, examinamos como a recusa de convites e presentes alimentares suscita tensão social, desafeto e um quadro que se pode designar de “débito inter e transgeracional”, a partir da interpretação de tal recusa como ne- gação da tradição e da herança cultural familiar. Posteriormente, enfatizamos aqueles casos nos quais a adesão à alimentação “livre de” é atribuída a uma “escolha”, responsável por conferir um estilo de vida “raro”, por meio do qual seria possível posicionar-se “além da média”, aparecendo em tais narrativas como fonte de distin- ção social. Por fim, discutimos sobre as menções de inspiração em celebridades, debatendo acerca da mediação da alimentação desempenhada por “influenciadores digitais”, apresentadores te- levisivos e chefs de cozinha que, ao ganharem notoriedade, torna- ram-se indivíduos autorizados a falar em nome da “boa comida”, mas também da nutrição, da gastronomia e da “boa forma”.

Metodologia de pesquisa

Esta pesquisa utiliza-se de método qualitativo, o qual se justifica quando se tem por objetivo apreender as realidades segundo a perspectiva dos atores sociais (Poupart, 2010). O principal eixo consiste na realização de 13 entrevistas individuais em profun- didade com moradores do município de Porto Alegre e região metropolitana, totalizando dez mulheres e três homens3. Uma diversificação dos métodos foi adotada a fim de subsidiar uma análise mais aprofundada, com possibilidades de comparação e objetivação (Combessie, 2004). Assim, foram consultados blogs, sites, fanpages, canais e perfis em redes sociais das celebridades mencionadas nas narrativas como incentivadoras ou reforçado- ras da adoção de dietas livres de glúten e/ou lactose.

As entrevistas ocorreram presencialmente nos meses de setem- bro e outubro de 2017 no município de Porto Alegre. O tempo médio de duração foi de uma hora e trinta minutos, sendo que todas elas foram gravadas e transcritas. Os indivíduos foram re- crutados mediante a técnica “bola de neve” via WhatsApp. Todos eles assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foi respeitado o anonimato de todos os entrevistados durante todo o desenvolvimento da pesquisa. O critério para a defini- ção da quantidade de informantes foi o da saturação empírica, princípio de construção do corpus que se baseia na interrupção do processo de seleção ao se tornar claro que novos casos não apresentarão novidades (Bauer e Gaskell, 2012). A entrevista do tipo qualitativo, apesar de suas limitações, constitui instrumen- to privilegiado de acesso às experiências dos atores e à reconstituição de acontecimentos do passado, permitindo apreender os sentidos atribuídos às suas práticas em suas narrativas (Pou- part, 2010). Contudo, é de conhecimento das pesquisadoras que a narrativa de vida não equivale à história de vida dos indiví- duos, na medida em que estes procuram dar coerência e uma ordem cronológica à sua trajetória, tratando-se de uma “ilusão biográfica” (Bourdieu, 1996).

O critério para a seleção dos informantes consistiu em recrutar uma parcela do universo de indivíduos residentes em Porto Alegre e região metropolitana que aderiram a dietas livres de glúten e/ou lactose. Portanto, a pesquisa não é derivada de um recorte de classe social ou gênero. Tal critério foi complementado pela coleta de indicadores como idade, profissão, bairro de moradia, local de nascimento e nível de escolaridade. Foram analisada as condições de produção das fontes, atentando-se a como e em que medida o conteúdo das narrativas se articulava com as propriedades sociais dos entrevistados (Miceli, 2001). Foi também conferida importância à posição social ocupada pelos entrevis-tados, uma vez que é fundamental situar o ponto de vista a par- tir do qual as informações e as representações são produzidas (Combessie, 2004).

A economia psíquica da refeição compartilhada: concessão sob medida, burla e interiorização de coerções

Norbert Elias (1994a, 1994b), influenciado por Sigmund Freud, confere à economia psíquica e ao autocontrole um papel primo- roso para explicar o processo civilizador no Ocidente, ao longo do qual a violência física e o prazer antes comumente exterio- rizados foram convertidos no controle das pulsões e desejos individuais. O controle de si surge assim como condição vital ao convívio social. Analisaremos a seguir como tal controle de si é narrado pelos informantes da pesquisa como efeito de constran- gimentos sociais. Integra essa economia psíquica uma “concessão sob medida”, aspirando-se ao equilíbrio entre prazer e controle. É também relatada a mobilização de um conjunto de mecanismos de burla, a fim de contornar as coerções depois de interiorizadas, muitos deles inspirados em discursos de celebridades.

“Então, eu… na balança, faço a minha análise de riscos, sabe?” Sabrina4 declara que em viagens, festividades, reuniões familia- res, em todo e qualquer tipo de convívio social em que se pre- vê o compartilhamento de refeições ela se vê movida a ceder, fazer adaptações e improvisos, criar bodes expiatórios, tomar decisões rápidas e que, em muitos momentos, isto envolve cor- rer riscos à manutenção da dieta sem glúten e sem lactose. Tal como Sabrina, Ângela também relativiza a manutenção de suas preferências alimentares em determinadas situações. Todavia, os parâmetros adotados pelas duas são bem distintos. Enquanto a primeira segue à risca uma alimentação “livre de” em função de um diagnóstico, cedendo apenas com vistas a não desagradar a quem ofertou ou preparou uma refeição, a segunda almeja um equilíbrio entre motivações estéticas e hedonísticas. A periodicidade com que Ângela ingere determinados alimentos e bebi- das é mensurada de acordo com a importância a qual remete a pessoas, à comida, ao lugar ou ao evento: “Uma vez por ano eu me permito tomar cerveja. Em situações como grandes shows”. Abre também grandes exceções à mesa quando quem a convida é de muita estima. Por sua vez, encontramos no relato de Clara uma postura ainda mais permissiva para driblar a dieta: “Quando eu saio... vou em aniversários ou jantar com amigos”. Temos ainda o exemplo de Denise: “Tenho que pensar o que posso comer e o que não posso. Minhas escolhas em relação à saúde, prazer ou sa- bor dependem do momento”. Em todos esses casos, é como se vi- gorasse uma “racionalidade prática”, de “caráter disposicional” e “contextual” (Lahire, 2013), a partir da qual o indivíduo “escolhe”5 quando, onde e de que maneiras a dieta deve ser mantida ou transgredida. Outro exemplo disso verifica-se na fala de Pedro:

Saio da dieta quando sou convidado e as pessoas preparam alimento, porque fico meio com vergonha. As pessoas hoje em dia ainda se ofendem se tu não come o que elas estão preparando. Então nesses momentos eu me forço [...] pra socializar, principalmente com pessoas mais velhas, tu aca- ba consumindo “por livre e espontânea pressão”. (Pedro, 26, estudante de Nutrição).

Vemos a partir da fala de Pedro e também de outros entrevista- dos que indivíduos de gerações mais novas cedem sempre que possível a práticas alimentares convencionais, a fim de evitar embaraços familiares decorrentes da afirmação de suas “esco- lhas”. A despeito da maior susceptibilidade dos indivíduos mais jovens à subversão das convenções alimentares6, os constrangi- mentos sociais manifestados como estratégias de conservação da cultura legítima no espaço familiar culminam muitas vezes na supressão de preferências alimentares particulares.

Conforme Poulain (2002), a moral alimentar pela qual os indiví- duos são guiados é constituída de uma “norma social” – conjunto de convenções sujeito às condições e aos contextos de consumo

– e uma “norma dietética” – conjunto de prescrições respalda- das em conhecimentos científicos nutricionais. A tomada de de- cisões do indivíduo no ato de alimentar-se é resultado de sua submissão a ambas as normas, considerando-se o contexto de ação no qual é introduzido. Podemos dizer que uma “regulação cognitiva” (Poulain, 2013, p. 22) vigora nesses momentos, opon- do-se à regulação estabelecida pelas normas sociais.

Para Calvo (1980, p. 385), a alimentação “é uma ação cotidiana submetida ao passado individual e coletivo e vinculada aos sis- temas de produção, consumo e comunicação nos quais se inse- re”. Segundo Lahire (2018), as práticas são resultado de nossas disposições (passado incorporado) as quais são moldadas em um contexto de ação. De um lado, há as experiências de sociali- zação (p.ex. familiar, sentimental, profissional, escolar, política, religiosa ou esportiva) que, quando incorporadas, formam-se esquemas e disposições de crer, ver, sentir e agir. No contexto de ação, o indivíduo se vê diante de constrangimentos, os quais advêm das redes de interdependência (Elias, 2001), de modo que as condições sociais de formação do gosto e os constrangi- mentos pesam sobre os juízos de gosto (Saint-Martin, 2019). O gosto depende de uma série de fatores, como a posição ocupa- da pelo indivíduo em um dado espaço social, sendo que quanto mais elevada na hierarquia social, maiores são as exigências e os constrangimentos (Bourdieu, 2011).

Como fuga dos constrangimentos oriundos da afirmação das preferências alimentares, uma série de mecanismos de burla é ativada a fim de subverter as convenções sociais. O escape mais corriqueiro entre os entrevistados é alimentar-se antes da ida a festas, restaurantes e reuniões familiares. Outro deles consiste em anunciar um diagnóstico médico quando, em vez disto, trata-se de uma “escolha”. Por meio do relato de Ângela temos um exemplo de como mecanismos de burla como esses são mobilizados em diferentes situações e inspirados por cele- bridades:

Se eu chegar no restaurante e disser “sou celíaca, eu tenho uma doença”, na hora o cara vai correr pra atender. Agora é só se eu falar “eu não como, tira isso e aquilo”, ele vai dizer que não pode [...] Uma vez eu fui num happy hour porque era uma colega indo morar em São Paulo. Fui, comi só o buffet de salada e tomei uma tacinha de vinho, pra não dizer que eu não ia. [...] No fim é muito mais fácil tu omitir as coisas do que explicar. É melhor mentir, uma das coisas que eu aprendi lendo com personalidades, atrizes e tal. Geralmente são pessoas que cuidam mais do corpo. Eu lembro uma vez que a Deborah Secco comentou que ela chegava às vezes num aniversário, ela dizia “Bah... eu acabei de sair de uma churrascaria”. [grifos nossos] (Ângela, 34).

Como nos mostra o relato de Ângela, os mecanismos de burla, por vezes bem arquitetados, permitem a adaptação de tais indi- víduos a diferentes circunstâncias: evitam ou aliviam o desapon- tamento de quem oferta comida; por meio deles, os indivíduos obtêm informações sobre um alimento preparado e uma boa interação, especialmente com os funcionários de bares e restau- rantes. A burla propicia uma maneira mais “equilibrada” de re- solução de problemas relacionados à adoção das dietas livres de glúten e/ou lactose.

Krukowska e Rancew-Sikora (2018, p. 4) investigam as estraté- gias mobilizadas por indivíduos “excludentes de alimentos” em lojas, à mesa e em sua própria cozinha. Tais estratégias incluem a alternância de hábitos alimentares distintos a depender de com quem o entrevistado convive e uma priorização da participação em rituais comensais sempre que possível, a fim de evitar-se uma completa destradicionalização da estrutura das refeições e o risco da exclusão social em práticas alimentares cotidianas. De acordo com Frysztacki (2005 apud Krukowska e Rancew-Sikora, 2018), é de se esperar que indivíduos que optem por dietas radicalmente diferentes, quando comparadas aos padrões alimentares vigentes em uma época e local particulares, provoquem espanto ou desa- provação e sejam alvo de diferentes formas de exclusão social.

Alguns informantes alegaram terem feito um movimento de interiorização das coerções vivenciadas. Em determinados casos, tal interiorização é acompanhada de isolamento social, como vemos no relato de Benjamin: “Minha vida social alterou bastante, pra quase nula, num primeiro momento [...] paulatinamente, tem revertido e tenho voltado a ter vida social, mas eu não voltei a ter a mesma...”. Por sua vez, Carola descreve um sentimento de constrangimento ao informar-se sobre a comida a ser ingerida nos estabelecimentos, sendo que após a interiorização das coerções teria passado a se expressar com maior facilidade:

Eu achava que tava criando constrangimento pra mim e para os outros [...] Então, assim, no início era mais difícil, porque eu não tinha ainda liberdade, eu não me sentia naquele direito de perguntar e investigar. Hoje, eu não tô nem aí, eu falo com o Papa se precisar saber se eu posso comer ou não [...] Já está muito interiorizado pra mim... [grifos nossos] (Carola, 30).

Uma saída para enfrentar as coerções foi desenvolvida por Sa- brina como estratégia de “disfarce da comensalidade”. Esta con- siste no pedido ao esposo para ingerir sua comida em festas às escondidas, em um faz de conta de que ela participou da refeição compartilhada. Por vezes, o disfarce ocorre também pelo com- partilhamento de bebidas, sobretudo as alcoólicas:

Porque eu não pude comer a comida que ela me chamou, en- tão foi um constrangimento para mim entender que eu tava deixando ela constrangida [...] Então eu tinha que disfarçar que eu comi, dava para o marido: “Come aí!” E aí a pessoa voltava na festa: “Comeu?” [Ela responde] “Tava uma delícia!” E saía de lá com fome. Então você é obrigado a ter atitudes, porque você precisa gerenciar tudo isso que as pessoas sentem em relação à comida [grifos nossos]. (Sabrina, 54).

A expressão “jogo de cintura” é utilizada por Pedro para sinte- tizar o que julgaria ser uma reação equilibrada aos constrangi- mentos sociais. Quando o equilíbrio não é alcançado, o quadro pode evoluir à estigmatização e à exclusão social. Em alguns casos, o indivíduo evita qualquer convívio social para não pre- cisar lidar com constrangimentos. Pedro narra acerca de como se adapta a situações em que se sente mais coagido, buscando participar o máximo possível do compartilhamento de bebidas e evitar conversas sobre a alimentação “livre de”:

Com os amigos é um pouco mais difícil, principalmente na questão de quando tu vai sair e surge aquela pressão [...] Então normalmente elas não me convidam pra jantar e encontro elas depois na festa [...] Tu tens que se preocupar em ter o jogo de cintura, não só se preocupar com o que tu vai comer e como garantir teu hábito alimentar. Tem que se preocupar com o que a pessoa tá pensando e como ela vai se sentir com a tua opção de se alimentar [...] Porque daí parece que as pessoas têm um composto social pra querer te fazer consumir os alimentos. Se tu não tá bebendo na festa por exemplo, vai aparecer bebida de tudo que é lado, porque as pessoas querem que tu participe daquilo [...] Eu não levo minha comida, porque já é meio ruim tu falar pras pessoas que não vai comer, e quando tu tira tua comida gera certo desconforto [...] gera os mais diversos tipos de interpretações [...] Então é não fazer muito estardalhaço [...] Diz: “Já jantei, obrigado! [grifos nossos] (Pedro, 26).

O que Pedro expressa acima tem a ver com o fato de que na maio- ria das sociedades comer sozinho é um ato consensualmente re- provável (Fischler, 2011). A recusa da refeição compartilhada é frequentemente interpretada como afronta. Assim, levar um “kit festa”, tal como sugere Benjamin, pode ser visto como ofensa a quem preparou e aos demais convidados. Godin (2011) analisa que os indivíduos se encontram imersos em ambientes norma- tivos paradoxais, estabelecendo um sistema de práticas alimen- tares mais ou menos estável, estruturante de sua existência co- tidiana. Segundo o autor, é a partir do equilíbrio que a oposição entre prazer e controle é organizada. Quando há forte propen- são ao controle, isto pode perturbar a vida social do indivíduo, causando isolamento e estigmatização. No comentário de Carola a seguir, ela descreve seu comportamento padrão em festas: “Eu fico meio, sabe… espiada, sabe. Sempre cuidando o meu copo, sempre olhando ao redor, a colher que serviu [...] Mas isso foi um mecanismo meu, sabe?” Aqui encontramos um exemplo do que é relatado por todos os informantes: a inevitabilidade do controle de si e da contenção das pulsões, sendo que para quase metade deles uma característica central do novo estilo de vida “livre de” é um grau de controle que julgam eles próprios acima da média.

A tensão social da recusa de convites e presentes alimentares

Se comer e beber juntos na maior parte das vezes fortalece os la- ços sociais, isto não significa que a comensalidade está isenta de riscos, inconvenientes e da criação de ambivalências (Corbeau e Poulain, 2002), podendo por vezes evocar efeitos centrífugos e desintegrativos (Fischler, 2011). A reciprocidade em dar, rece- ber e retribuir comidas e bebidas sela alianças entre as pessoas, porém quando tal ciclo é rompido pode constituir um problema (Mauss, 2003). Conforme Fischler (2015), em sociedades muito diferentes a recusa da oferta de um alimento preparado equivale à recusa da interação, figurando uma demonstração de descon- fiança, afronta ou mesmo grande ofensa.

Enquanto americanos e anglo-saxões vinculam o ato de co- mer à nutrição, à intimidade, à liberdade e à responsabilidade individual, para os latino-americanos a alimentação é sobre- tudo coletiva, marcada pela sociabilidade, pela convivialida- de e pela comensalidade (Fischler, 2010). Por esse motivo, a afirmação de preferências alimentares, tal como a que vemos na fala de Ângela a seguir, tende a ser interpretada com pou- ca naturalidade: “Eu acho tranquilo... Tu pede a tua pizza, eu peço o meu sashimi, a gente senta na mesma mesa e come”. É como se, ao expressar as suas preferências, o indivíduo ten- sionasse as normas sociais do meio em que se encontra. A tensão social emerge ao serem colocadas em xeque as práti- cas tradicionais de comensalidade. A flexibilização das regras alimentares na alimentação moderna culminaria assim no fe- nômeno designado por Fischler (1995) de “gastro-anomia”. Vemos no trecho da fala de Sabrina um exemplo de tal tensão no espaço familiar:

[...] minhas tias são italianas e fazem massa caseira. E virava uma festa o dia que elas faziam [...] E chamam a gente. E nós íamos e elas não tinham como oferecer pra nós… Tá, elas não sabiam o que fazer, elas não tinham acesso à farinha de arroz como se tem hoje, mas elas queriam a nossa presença lá, e nós íamos, pra não comer nada, porque era só aquele prato, né? Mas não ir era pior do que estar lá e não comer. Então a gente ir e falar: [...] “Não, eu já jantei em casa” dava menos problema do que se recusar a ir [...] Então eu acho que quem tá em determinadas famílias vai se isolar, porque vai ser difícil. [...] Uma tia velhinha, de 80 anos, passou a manhã fazendo um prato pra mim, e ela falou “come só o recheio”, “mas eu não posso”. Eu senti que ela ficou chatea- da. [...] Então, às vezes, você encontra situações que a dieta te joga, assim, em um lugar que você não queria estar [...] Então você é obrigado a ter atitudes, porque você precisa ge- renciar tudo isso que as pessoas sentem em relação à comida. [grifos nossos] (Sabrina, 54).

A recusa de um alimento preparado é narrada por dez dos 13 informantes como se fosse vista por quem oferece como ex- pressão de desafeto, na medida em que não se corresponde à reciprocidade esperada, de resposta à hospitalidade. Podemos dizer, nos termos de Mauss (2003), que se estabelece nesse momento a não devolução da dádiva, a qual deve proporcio- nar o estabelecimento e a manutenção de alianças, sejam elas religiosas, matrimoniais, econômicas, sejam políticas. A troca de gentilezas, amabilidades, sorrisos, convites para almoços ou festas, faz parte do contrato social entre indivíduos e grupos, atenuando conflitos. A dádiva está relacionada às ações de dar, receber e retribuir. Nos casos em que analisamos é como se o ciclo fosse interrompido no momento em que o indivíduo rejeita a comida e, por consequência, não a retribui da maneira esperada, com elogios, agradecimentos e outras demonstrações de afeto e satisfação. De acordo com Contreras e Gracia (2011), o ato de dar alimentos e bebidas como presentes possui aceitação universal. Por meio da troca, afirma-se uma infinidade de relações, de parentesco, de compromisso, de simpatia ou gratidão.

A negação da tradição é uma interpretação possível a partir da recusa de consumir a “bebida símbolo” do estado do Rio Grande do Sul, o chimarrão. Ao lado do “prato típico” churrasco, simbo- liza a “autenticidade” da tradição e da cultura gaúcha, do tradicionalismo e do gauchismo (Maciel, 2005). Assim, a denominada “roda de chimarrão” é um ritual de troca e sociabilidades do Sul do País, gerando ou potencializando laços sociais e reforçando a tradição e a cultura gaúcha (Maciel, 2007). Entre os nossos informantes, o problema se instaura não a partir da bebida em si, a qual é naturalmente isenta de glúten e de lactose, mas, sim, da maneira como é consumida, pela possibilidade de haver contaminação cruzada7. A “roda de chimarrão” possibilita a partilha e usualmente o consumo da bebida ocorre concomitantemente com a ingestão de snacks, em muitos casos contendo glúten e/ou lactose. É como se ao recusar a bebida fosse gerado um impasse, devido a tal ato poder ser interpretado como ofensa e rejeição à tradição, à cultura gaúcha, bem como ao próprio grupo com o qual o chimarrão é compartilhado, ou ainda a quem o prepara ou o serve. Vemos um exemplo desse imbróglio no relato de Sabrina:

Tem uma coisa aqui no Sul, por exemplo, o chimarrão. As pessoas tomam chimarrão em roda e, às vezes, comendo. Você não aceitar o chimarrão, ter o seu só, que você não passa, vai ofender de uma forma tão profunda algumas pessoas, que é preferível você falar que não toma, não gosta ou sair da roda, pra não virar objeto de discórdia ali [...] Pra gente que tá na cidade, é mais fácil, porque a gente se isola desses grupos, mas se você tá no interior, você tá em lugares que as famílias moram muito perto. [grifos nossos] (Sabrina, 54).

Na fala de todos os entrevistados a tensão social aparece a par- tir da afirmação das preferências alimentares e, na maioria dos casos, ela é narrada atrelada a um sentimento de violação da tra- dição. Esta tem nas gerações anteriores – pais e avós – os seus “guardiões”, os quais se sentem sob ataque quando em contato com as novas práticas, comuns entre os mais jovens. No estudo de Beardsworth e Keil (1992), com foco na análise de trajetó- rias de adeptos de dietas vegetarianas, a rejeição do alimento ofertado pelos pais é por vezes interpretada como uma rejeição aos próprios pais. Tal fenômeno observamos também entre os adeptos de dietas sem glúten e/ou sem lactose de nosso estudo. A declaração de Ângela é um exemplo disso:

Minha mãe até já chorou, chateada porque ela fez um negócio especialmente pra me esperar, e aí eu olhei pra ela e eu disse: “Não vai dar, eu não posso mais comer isso”. E eu falei: “Olha, eu não quero te magoar, mas eu não vou comer”. [...] Pra minha mãe aceitar que é sábado de noite, que a família vai pedir pizza, vai fazer uma pizza e eu não vou comer, foi difícil... No começo eu comia, mas eu me arrependia. Eu não queria magoar as pessoas [...] Então isso afasta as pessoas. Minha mãe sempre agradou muito com comida [...] Tu quer agradar alguém: “Ah, vou levar um chocolatinho”. Aí a pessoa diz: “Ah, obrigada, eu não como”. Tu desagradou alguém. (Ângela, 34).

No entanto, alguns indivíduos contam que houve uma transformação das práticas alimentares dos mais antigos com o passar do tempo, incorporando os novos conhecimentos advindos dos mais jovens8. Se, por um lado, a recusa de convites e presentes alimentares pode ser vista como desafeto, de acordo com a mes- ma lógica, a reciprocidade é retomada de ambas as partes da re- lação entre pai/mãe e filho/filha no momento em que os primei- ros aceitam a mudança comportamental dos segundos na esfera alimentar. Isso se desenvolve em meio a uma relativa abertura às novas práticas, pela qual a reciprocidade se materializa por meio da oferta de alimentos compatíveis com as preferências das novas gerações:

E aí eu cheguei em casa e como a gente tava com visita em casa, minha mãe fez uns cachorrinhos e deixou um monte de ovo pronto pra mim. Aquilo pra mim é uma prova de amor. Ela deixou ovos cozidos pra quando eu chegasse... [grifo nosso] (Ângela, 34).

O estudo de Wolff, Adamiec e Fidolini (2019) constatou que as práticas alimentares dissidentes normalmente envolvem a ne- gociação de normas familiares. Alguns autores também têm trabalhado no sentido de apreender pormenores da adaptação familiar com adeptos de dietas veganas e vegetarianas (Asher e Cherry, 2015). De modo semelhante, vemos nas declarações de alguns informantes de nossa pesquisa um ajustamento dos pais posterior à adoção de dietas livres de glúten e/ou de lactose pelos filhos. Tal adequação é descrita como fruto de laboriosa negociação, gradual e permanente, entre os mais jovens e as ge- rações anteriores.

O conflito ou desafeto entre pais e filhos a partir da inclusão das novas práticas alimentares por parte dos segundos é também reflexo do que Lahire (1998) narra sobre a multiplicidade de so- cializações possíveis por meio da família, as quais podem con- duzir a disposições conflitantes que entram em contradição com as gerações anteriores. Há também, de acordo com o autor, uma variedade de esquemas de ação a serem ativados pelo indivíduo em cada contexto de ação em que é colocado. À luz do trabalho de Fischler e colaboradores (2019), podemos dizer que pelo fato de as gerações mais recentes cada vez mais adotarem dietas res- tritivas, pode se instaurar um quadro que pode ser nomeado de “débito inter e transgeracional” na relação entre pais e filhos. Em nosso estudo, tal débito pode ter a sua origem na não reci- procidade, suscitado no momento em que o indivíduo recusa o alimento preparado, o qual é carregado de grande investimento afetivo. Nos termos de Lahire (1998), tal débito pode ser oriun- do da não transmissão intergeracional de algumas disposições, em especial, daquelas referentes ao gosto9 em matéria de ali- mentação de origem familiar.

“Acima da média”

Conforme Bourdieu (2011), há três maneiras fundamentais de se distinguir na classe dominante. A primeira delas é a alimen- tação, a segunda, a cultura e, por fim, as despesas dirigidas à apresentação de si e à representação – cuidados de beleza, hi- giene, vestuário, etc. Cinco do total dos 13 informantes atribuem a sua adesão a dietas alimentares livres de glúten e/ou lactose a uma “escolha”. Os demais referem possuir alguma motivação de saúde, porém nem todos derivaram de diagnósticos médicos. Dentre as pessoas que alegaram seguir a dieta partindo de uma “escolha”, Pedro e Clara, ambos estudantes de nutrição, dizem que a principal motivação foi a busca por uma vida mais sau- dável; Izabel e Lourdes, respectivamente farmacêutica e artesã, relacionam ao seu objetivo de emagrecimento e; por fim, Ângela, administradora, remete a seu apreço e sentimento de pertença ao mundo fitness e do bodybuilding.

No estudo de Pulici (2019) sobre o estilo de vida das elites pau- listanas, foram analisados os discursos acerca do que, como e quanto comer, assim como o papel destas visões na legitimação de comportamentos socialmente discriminantes. Foi conferida a atenção às maneiras com que indivíduos guiavam as suas ações visando uma nova apresentação de si, ao mesmo tempo em que reivindicavam a sua superioridade em relação aos que se recu- savam transformar as suas preferências alimentares. Segundo Contreras e Gracia (2011), com exceção de momentos críticos, as classes altas sempre puderam escolher o que comem, de modo que a classe social é variável fundamental para a compreensão da adesão a certos tipos de dieta. De acordo com Bourdieu (2011), o valor que as mulheres atribuem a seus corpos e a si próprias está intimamente associado à posição ocupada no espaço social. O mesmo se aplica à preocupação com a apresentação de si e a investimentos em privações, esforços, tempo e cuidados, de modo que estes são mais frequentemente valorizados por mulheres de classes burguesas em relação às de classes populares.

Para as classes superiores, “como” alimentar-se é tão ou mais im- portante quanto “o que”. Alimentar-se sem glúten e sem lactose e, de preferência, de alimentos orgânicos10, por vezes, veganos, pode representar para alguns dos entrevistados um estilo de vida “raro”. Em relação a “quanto” comer, algumas narrativas apre- sentam descrições de determinados comportamentos à mesa e o alimentar-se em grandes quantidades como alvos de reprovação. A falta de “civilidade”, a gula e o glutonismo aparecem em algumas declarações como disposições ou práticas condenáveis. Podemos ter um exemplo disso no trecho da fala de Ângela que segue:

A gente deveria comer, simplesmente, como se o corpo fosse uma máquina e como se tu desse uma ração pra ele. Tu come pra ele funcionar. E o que eu vejo é que não, a gente come por gula, o que é errado [...] Talvez [minha dieta] iniciou, sim, pela moda. Mas eu já era uma pessoa que me cuidava [...] Talvez eu era aquele ser humano mediano, que nos finais de semana se permitia mais [...] E agora tá ficando um pouco pior, eles querem incluir aquelas modelos plus size. Modelo é modelo. Tem que ter gente lá com o corpo bonito e tal. Eu entendo o outro lado, que as pessoas se sentem excluídas, mas é mais fácil tu se adequar à maior. E a nossa cultura tá indo pra um lado que eles preferem mostrar que a média é ok e tão querendo excluir aqueles que estão querendo se destacar. [grifos nossos] (Ângela, 34, administradora).

De acordo com Poulain (2015), há na alimentação moderna um fe- nômeno denominado de nutricionalização, o qual consiste na difu- são de conhecimento nutricional por diferentes canais, tais como a imprensa e a televisão, mas também por campanhas de educação sanitária. O fenômeno pode ocorrer ao tratar de uma patologia precisa ou sem haver uma doença diagnosticada, neste caso o indiví- duo deliberadamente altera a sua alimentação cotidiana com base em razões nutricionais cientificamente legitimadas. Vemos um exemplo disso na fala de Izabel a seguir. Ao questionarmos acerca das transformações de suas práticas alimentares, a entrevistada as descreve de maneira racionalizada, a partir de componentes bio- químicos. Sugere que os produtos para a manutenção de sua dieta, em seu caso atribuída a uma “escolha”, deveriam ser comercializa- dos em farmácias e não em supermercados, um indicador do que Poulain (2015) denomina de “medicalização da alimentação”:

Teve uma palestra de um italiano que veio pra cá, que eu assisti também, que ele explicou muito sobre os aminoácidos que trocaram por causa da mutação provocada no trigo, e que causa uma reação cruzada com o colágeno… E aí uma vez eu peguei, meio que resolvi: “vou parar para ver, né?” [...] Eu acho que es- ses produtos deveriam vender na farmácia. Na farmácia pode vender alimentos especiais: alimentos sem açúcar, alimentos tipo barrinha que for especial, assim, alguma coisa light, diet. [...] Antes eu comia pão com frios, aí de repente eu parei de comer embutidos, porque comecei a pensar muito nos nitritos e nitratos. Aí passou só pra queijo e depois queria diminuir o leite, aí não comprava mais leite… Então hoje, o que eu como é: ovo e café preto ou chá preto [...] Aí comecei a comer ovo, que eu detestava ovo, e hoje eu como ovo várias vezes. Até fui perguntar para as pessoas normais quantos ovos que podia se comer, que não fosse um exagero... (Izabel, 44, farmacêutica).

A distinção entre a alta cultura e a cultura média, para Ângela e Izabel, as duas entrevistadas com os maiores níveis de escola- ridade, passa pelas “boas maneiras” à mesa11. O ato de servir a comida frequentemente “em fartura” e “sem formalidades” por familiares é representado em algumas falas como se eles não ti- vessem outra preocupação a não ser comer, sobretudo em gran- des quantidades. Comportamentos e pratos são denunciados com aversão, em termos de uma “falta de cultura”, “falta de gosto” ou de controle, quando não há a compreensão ou a aceitação de preferências alimentares “livres de”. Tal distinção também é expressa em algumas narrativas pela representação hierárquica entre campo e cidade, com uma demarcação de distanciamento do gosto do campo, do gosto médio e do gosto geracional em matéria alimentar, os três representados unanimemente entre os informantes como um “gosto tradicional”, como se fosse um gosto homogêneo e ultrapassado, majoritariamente também visto como de caráter mais irrefletido e pulsional.

Mas na família não tem cultura de nada assim. Agora que tem uns primos meus mais novinhos [...] que não estão co- mendo carne. A minha tia disse que não tem o que fazer pra eles, só massa com molho branco. Que eles não comem nada, só existe isso, não sabe mais o que vai fazer pra eles [...] Existe tanta verdura, tanta coisa que não é carne! “Ah, pois é, mas não sei…”. Dificuldade! [...] Acho que aqui no Rio Grande do Sul as pessoas não têm muita noção [...] É essa coisa de ser grosso, de ser guasca de fora [...] O prazer da pessoa é só comer [...] Estão mais preocupados em ficar bem gordos! [grifos nossos] (Izabel, 44).

Entrevistador: Culturalmente, como tu encaras o que as pes- soas dizem sobre a tua dieta?

Ângela: É um insulto, é um absurdo. No fundo, eu tenho a visão de que quem não gostaria de ter um corpo bonito? Ninguém fala “eu quero ser gordo, eu quero me sentir mal, quero me sentir indisposto, eu quero fazer uma corrida e me sentir indisposto”. Não. “Eu quero ser magro, disposto, saudável”. Mas poucas pessoas estão dispostas a passar por isso, porque dói, é privação [...] A cultura é horrorosa, atrapalha [...] Cultura alemã é só porcaria. Tu já viu o que é uma torta alemã? Um absurdo! Eu tava na janta e falei pra minha irmã: “Tu vai comer isso? Vai ter coragem de comer isso?”. Era tanta nata! Hoje, graças a Deus, em todo lugar tem uma opção de um franguinho. [grifo nosso] (Ângela, 34).

Conforme Bourdieu (2011), as preferências alimentares e as maneiras de comer à mesa refletem o desejo ou a afirmação de pertencimento a um estrato ou classe social. Vemos um exemplo disso no estudo de Pulici (2019), no qual o “comer sem medida”, o “comer sem cerimônia” e a voracidade popular foram condenados pelos in- formantes em associação à forte apologia ao autocontrole e à “pulsão denegada”, figurando como marcador de distinção social. Como vemos nos extratos de fala anteriores de Ângela, a promessa da “boa forma”, da beleza “além da média” e da aparência física “de desta- que” constituem grandes motivadores de sua privação e da adesão a um estilo de vida livre de glúten e de lactose, bem como o sentimento de pertença ao mundo do bodybuilding, incluindo tais elementos em suas práticas esportivas e alimentares cotidianas. Outro fator que integra o estilo de vida de Ângela e de alguns entrevistados é a exigência quanto à seleção e à frequência de restaurantes, condição a ser respeitada também por seus parceiros amorosos:

Hoje eu não deixo de ir em nenhum lugar, até porque assim, não conheço ninguém que queira me levar num xis, tipo o [restaurante] Cavanhas, sei lá. Se a pessoa me convidar pra ir no Cavanhas, eu vou perder o interesse por ela [...] Não existe amor pra isso. Se existe, eu ainda não conheci. Se ele me convidar pra ir no Cavanhas, eu nem vou ter chance de conhecer o amor. (Ângela, 34, administradora).

Conforme Bourdieu (2011, p. 226), o gosto adapta-se, formando “casais bem-ajustados” em termos de gostos, de modo a garantir uma endogamia de classe. Um eventual convite à entrevistada Ângela, por um improvável parceiro amoroso para frequentar um restaurante famoso em Porto Alegre por servir sanduíches encobertos por uma porção generosa de batatas fritas, seria cer- tamente recusado e tratado com aversão. O restaurante, com o lema “Do lanche leve a ogrisse12, passando por pizzas e pratos prontos”, possui em seu website uma peculiaridade, a ausência de fotografias dos pratos, aparentando uma despreocupação em ter- mos de apresentação, sendo uma das raras imagens justamente a do afamado sanduíche encoberto por um morro de batatas fritas. A explicação atribuída à disposição da comida é funcional: “Isso começou num dia de muito movimento. Faltaram pratos para ser- vir as batatas fritas e a solução foi usar o xis como base para as fritas”. Outro exemplo do enaltecimento das maneiras de servir o alimento, acompanhado da aversão ao descaso com a disposição estética, encontramos na declaração de Lourdes:

.. odeio comida atirada no prato, meu prato tem que ser bem colorido e bem bonito. Tem que ter tudo que eu tenho direito. Posso cozinhar o que for, mas tem que estar bem-arranjado no prato [...] Eu vivo procurando utensílios diferentes. Gosto de dar uma apresentação no meu prato. Se eu vou num aniversário, eu costumo comer o que tem de melhor na mesa do evento. [grifos nossos] (Lourdes, 59, artesã).

Todos os entrevistados relatam que a nova dieta acompanhou uma maior racionalização do consumo alimentar, abrangendo a leitura pormenorizada de cardápios e maior preocupação com os rótulos dos produtos industrializados nos supermercados. Benjamin discorre a seguir conferindo indícios da presença de capital cultural em seu círculo e acerca de sua boa condição financeira para a aquisição de alimentos orgânicos e para frequentar restaurantes dirigidos por chefs de cozinha, favorecendo o resguardo de suas preferências alimentares.

Porque comer bem não é barato, né? Procuro orgânicos, né, então tomate, cebola, pimentão, alho-poró [...] Eu sei do nível intelectual das pessoas que eu convivo, que estão no meu círculo de amizade [...] Como a gente lê rótulos [...] em todas as linhas, e não só na linha que diz que contém ou não glúten, então eu acho que as pessoas têm como característica buscar uma dieta mais saudável consequentemente. [...] [Faço] planejamento em todos os sentidos, não só de onde comer, mas inclusive financeiro [...] As minhas opções vão ser aqueles restaurantes que têm um chef de cozinha que conheça de gastronomia, que sabe que tem que ter cuidados com contaminação cruzada, que vá aceitar preparar uma comida pra mim. (Benjamin, 45, servidor público federal).

Vemos na fala de Benjamin um relato de que a atenção aos rótulos vai muito além da constatação se o alimento é ou não livre de glúten ou lactose. A leitura minuciosa dos rótulos, “em todas as linhas”, reflete um cuidado de si caro às classes altas, mesmo que em alguns casos existam concomitantemente motivações médicas ou sanitárias. O estudo de Marins (2004), a respeito dos hábitos de leitura e da recepção de informações de rótulos de produtos alimentícios em Niterói-RJ, identificou que 61% dos entrevistados o faziam necessariamente por motivos médicos ou eram membros de classes superiores. No mesmo estudo, quanto mais alto o nível de escolaridade, maior é a atenção dedicada aos rótulos pelos informantes.

A “descoberta” e a manutenção de dietas mediadas por celebridades

Durante muito tempo, as revistas femininas e aquelas voltadas ao espaço doméstico exerceram um papel prescritivo central de gostos e estilos de vida, de “boas maneiras” e padrões de exce- lência corporal (Régnier, 2017; Pulici, 2019; Previatti, 2019), bem como os livros de cozinha e manuais de administração do lar, sendo que estes, sobretudo até os anos 1960, englobavam re- gras de conduta voltadas às donas de casa (Pilla, 2008). Nas últi- mas décadas, chefs de cozinha, designers, arquitetos, apresenta- dores de programas televisivos culinários e, mais recentemente, os intitulados “influenciadores digitais” – estes mencionados sobremaneira pelos entrevistados desta pesquisa – passaram também a atuar na prescrição de gostos e estilos de vida (Pre- viatti, 2019). Tais indivíduos, alçados à posição de celebridades, adquiriram um tipo de capital novo, um “capital de celebridade”, tornando-se porta-vozes autorizados a falar sobre comida e ou- tros temas da vida cotidiana. O estudo de Pedroni (2016) anali- sa, a partir do campo da moda, como “influenciadores digitais” surgem a partir das transformações do blog, este se tornando com o passar do tempo mais uma estratégia na qual canais ico- nográficos, sobretudo o Instagram, assumem o controle.

Até a década de 1980, a estética permanecia restrita a profissio- nais ligados à moda e aos publicitários. A estetização, que possui suas raízes no design, difundiu-se para outras esferas da vida. Conforme Lipovetsky e Serroy (2015, p. 246), foi nos anos 1980 que novos designers se manifestaram no sentido de “reencon- trar as raízes perdidas, revisitar a memória e os mitos culturais, restituir à História seu lugar”. No instante em que a estetização ganhou centralidade, outras profissões também ficaram encarregadas desta função, todas aquelas que se mostravam capazes de capitalizar o saber técnico e transformá-lo em bens simbólicos. Ao mesmo tempo, houve uma transformação em diferentes setores da indústria cultural, abrindo espaço para esses novos profissionais (Previatti, 2019). A celebridade engendra uma economia específica, ligada às mídias, à publicidade, ao espetáculo, etc., envolvendo um consumo específico, ao transformar indivíduos em objetos de consumo visual ou sonoro em larga escala (Heinich, 2011).

De acordo com o relatório Euromonitor International (EMI, 2018), entre os motivos centrais para o crescimento exponencial da produção e do consumo de alimentos industrializados livres de glúten e de lactose no Brasil está o fato de terem sido incensa- dos por celebridades. No caso de Ângela, a entrevistada confessa se inspirar em celebridades sobre como escapar dos constran- gimentos sociais para a preservação da dieta fitness e livre de glúten e de lactose. Para Johnston e Goodman (2015), há uma dimensão ao mesmo tempo empírica e normativa-aspiracional pela qual tais celebridades atuam ao comunicar instruções sobre a comida, podendo ser por meio de receitas, mas também de prescrições de “boa comida”. A despeito da imensa quantidade de receitas publicadas na internet sem autoria e de autores anônimos, alguns indivíduos ganham notoriedade. Neles, o grande público identifica-se e confia, por uma suposta intimidade criada por eles com os seus consumidores, telespectadores e leito- res (Abbots, 2015). Vemos tal relação exemplificada abaixo:

Uma pessoa que tá muito na mídia em relação a isso é a Juju Salimeni, hoje ela é modelo fitness. Ela, Karina Bacchi, a Gabriela Pugliese, a Gracyanne Barbosa são embaixadoras do evento Arnold Classic13. A Pugliesi faz um tipo mais seco, a Juju e a Gracyanne é músculo. Meu primeiro contato que me chamou a atenção foi a Juju mesmo [...] fui atrás do bodybuilding, fui atrás da alimentação, fui atrás de nutricionistas, ela foi só uma referência [...] o que me chamou a atenção nela é que ela consegue ter um corpo sarado, com músculos e ainda consegue ser feminina [...] Eu conheço tudo através dos halterofilistas. (Ângela, 34, administradora).

Em alguns casos, a sensação de intimidade com celebridades é narrada como determinante para a adesão a dietas isentas de glúten e/ou lactose. Joaquim, por exemplo, atribui como marco temporal à sua mudança de estilo de vida um episódio de série televisiva. Descreve que aos 28 anos de idade, ao assistir ao pro- grama, criou um sentimento de identificação com um dos personagens e a sua intolerância alimentar.

Eu demorei muito tempo pra descobrir que eu tinha problema com lactose e o mais engraçado é que eu descobri quando eu tava morando lá na Austrália, eu tava assistindo The Big Bang Theory. Eu tava olhando e um dos personagens [Leonard Hofstadter] tem problema com intolerâncias, ele é todo intolerante, tem intolerância à lactose, a milho, a glúten [...] E aí eu comecei a me dar conta do que era, comecei a prestar atenção, que era quase instantâneo: eu tomava leite e nossa! Sempre gostei de tomar leite, só que eu me sentia desconfortável e não sabia o porquê. (Joaquim, 34, arquiteto).

Segundo Abbots (2015), a crescente exposição na mídia dos cha- mados “chefs-celebridades” – o que estendemos aqui, em certa medida, aos demais mediadores – lhes permitiu simular uma re- lação de intimidade com os seus consumidores, leitores e teles- pectadores, caracterizada pela apresentação de estilos e pela ex- posição de aspectos de suas vidas pessoais. Esses consumidores, telespectadores e leitores passaram a seguir recomendações de consumo de produtos e aconselhamentos relativos a estilos de vida de tais mediadores. Temos um exemplo do que estamos tra- tando no relato de Ângela:

Tirar aquilo ali [o glúten] foi um up e foi influenciado pela Juju. Ela é a celebridade que fala sobre isso, eu me identifico total- mente. Ela é uma pessoa que é feliz, disciplinada, e eu sou assim [...] Tem outras celebridades que eu sigo no Instagram como Roberta Zuniga. Porque no meu dia a dia não tem ninguém. Tem sido muito condenado pelos estudantes de nutrição essa produção de conteúdo por parte de blogueiras fitness, porque elas não estudaram sobre o assunto. Mas eu não vejo dessa forma, elas não tão te dando uma dieta, elas estão te dando um estilo de vida pra tu seguir. Serve como referência, tu sa- ber que alguém tá fazendo é legal [...] Eu acho que é muito vá- lido seguir essas pessoas, eu sigo economistas, como Ricardo Amorim, sigo a Superinteressante, por exemplo [...] Eu sem- pre fui fã do Arnold Schwarzenegger... pela questão da disci- plina. Não sei como eu não entrei nessa onda de bodybuilding antes, por ver as pessoas e de ver como elas faziam. Eu sigo o máximo de pessoas possíveis no Instagram, porque eu não consigo mensurar, mas tu vendo isso todo dia, vai plantando uma sementinha do que fazer do que não fazer. [grifos nos- sos] (Ângela, 34, administradora).

Tal como vemos no exemplo narrado de Ângela, as chamadas “food celebrities” ou “food personalities” podem parecer verdadeiros amigos de confiança, sendo com frequência referenciados por seus fãs pelo primeiro nome ou apelido. A mediação da produção e do consumo alimentares, por meio de setores da indústria cultural14, lida com gostos inconscientes, desejos e a internalização de padrões construídos socialmente de “bom gosto”, “boa forma”, “saúde ideal” e “consumo responsável” (Johnston e Goodman, 2015). Com efeito, a alimentação livre de glúten e/ou lactose insere-se na fabricação de estilos de vida particulares prescritos em tais espaços, agregando valor às práticas sociais de seus mediado- res e consumidores, possibilitando a estes o compartilhamento de um sentimento de pertença ligado a tais estilos de vida.

Considerações finais

A recusa de refeições compartilhadas ou ofertadas a partir da afirmação de dietas livres de glúten e/ou lactose incita uma sé- rie de maneiras de comer no convívio social de seus adeptos. Há uma interrupção da relação de troca pela não devolução da dádiva, suscitando um conflito inter e transgeracional, quando interpretada como negação da tradição, da cultura e da heran- ça familiar. Um equilíbrio dessa dissociação pode se estabelecer com o passar do tempo, por meio de uma negociação das nor- mas familiares e de escape das convenções sociais. Tais trans- formações têm impacto direto nas sociabilidades, em relação às quais há o relato de um sem número de mecanismos de burla em prol de um disfarce da comensalidade, a fim de contornar cons- trangimentos sociais e preservar preferências alimentares. Im- plica em uma racionalidade específica, de caráter disposicional e contextual, marcada por alto grau de controle de si, contenção das pulsões e interiorização das coerções.

Os mecanismos de burla possibilitam que os indivíduos simulem a refeição compartilhada, permitindo-os participar de eventos festivos e familiares nos quais a alimentação desem- penha papel fundamental. Boa parte de tais mecanismos, bem como a adoção e a preservação das dietas são declarados como sendo inspirados por mediadores culturais, dentre eles perso- nagens de programas televisivos e “influenciadores digitais”, com os quais é originado um sentimento de identificação e de suposta intimidade. A despeito das motivações médicas e sani- tárias, racionalizar o que se come evidencia um cuidado de si e consiste em marcador de distinção social. Este trabalho, no entanto, se ateve às preferências alimentares, sendo que uma análise de correspondências, mobilizando em profundidade dados oriundos de outras dimensões do espaço dos estilos de vida dos entrevistados, deverá ser contemplada em trabalhos futuros.

De modo mais amplo, este estudo contribui, a partir do exemplo da adoção de dietas livres de glúten e/ou lactose em uma capital do Sul do País, para a compreensão das maneiras as quais indi- víduos e grupos sociais se valem da alimentação para exercer práticas socialmente excludentes. Com efeito, a defesa de prá- ticas alimentares tradicionais no espaço familiar e em outros espaços de sociabilidade, em prol das quais decorre uma série de constrangimentos, produz por vezes segregação e exclusão social daqueles que aderem à alimentação sem glúten e/ou sem lactose por motivações médicas ou sanitárias. Ao mesmo tempo, dietas e estilos de vida “livres de” são reivindicados como fon- te de distinção social pelos que objetivam uma manutenção das distâncias sociais.

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Notas

1 Comensalidade, no sentido literal, significa comer na mesma mesa.
2 Inclui os produtos sem glúten, sem lactose, sem alérgenos e sem laticínios. Exclui aque- les alimentos certificados como “livre de” em um produto específico quando este é base- ado no uso de equipamento esterilizado (EMI, 2018).
3 Parte dos resultados apresentados neste trabalho deriva da pesquisa desenvolvida por Horn (2017).
4 Com exceção das celebridades, os nomes citados no trabalho são todos fictícios, a fim de resguardar o sigilo dos informantes.
5 Utilizamos aqui a palavra “escolha” sempre entre aspas, não para dizer que os indivíduos não escolhem, mas que eles não escolhem como acreditam escolher (Bourdieu, 2016, p. 948).
6 Sobre esse assunto, ver os trabalhos de Pulici (2019) e García-Garza (2010).
7 Nesse caso, o termo se refere a traços de glúten ou lactose em alimentos que original- mente não teriam.
8 Os mais jovens aparecem como os mais suscetíveis a subverter as convenções alimen- tares em estudos anteriores. Sobre esse assunto, ver os trabalhos de Pulici (2019) e García-Garza (2010).
9 Para um panorama mais completo sobre de que maneira o gosto em matéria alimentar se concatena com as demais esferas da vida social, informações provenientes de outras práticas culturais deverão ser investigadas em trabalhos futuros de forma aprofundada, pois “o gosto em matéria alimentar não pode ser completamente autonomizado das ou- tras dimensões da relação com o mundo, com os outros e com o próprio corpo” (Bour- dieu, 2011, p. 184).
10 De acordo com uma pesquisa sobre o consumo de orgânicos no Brasil realizada em 2017, o percentual médio de tais consumidores é de 15%, sendo que a maior barreira relatada pelos não-consumidores é o alto custo destes produtos. Entre as motivações, 63% referem que o fazem porque “é mais saudável” e 15% por ser “indicado na mídia como mais saudável” (Organis e Market Analysis, 2017). Sobre o consumo de alimentos orgânicos como prática socialmente distintiva, ver Barreiros e Mazon (2017).
11 Sobre esse assunto, ver Elias (1994).
12 O termo “ogrisse” aqui deriva do vocábulo “ogro”, o qual por sua vez origina-se da palavra ogre, designação recorrente de personagem equivalente ao “bicho-papão” em histórias infantis francesas. (Previatti, 2019)fonte de distinç”qepertença a tais estilos de vidas. Os:
13 Arnold Classic é uma competição internacional de fisiculturismo anual. Seu nome homenageia ao ator e fisiculturista Arnold Schwarzenegger, idolatrado no mundo dos halterofilistas.
14 A mediação do consumo alimentar passa também pela “escolha” de bares e restau- rantes. Uma parte dos entrevistados relata frequentar esses locais apenas após a consul- ta prévia de avaliações escritas em plataformas, dentre eles o site TripAdvisor. Para uma discussão mais aprofundada sobre tal site como fonte de representações coletivas e de mediação ver trabalhos de Sartore (2017) e Sartore e Coffey (2019).


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