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Tendências da Atuação Sindical no Brasil de Hoje
Revista TOMO, núm. 31, 2017
Universidade Federal de Sergipe

Artigos

Revista TOMO
Universidade Federal de Sergipe, Brasil
ISSN-e: 1517-4549
Periodicidade: Semestral
núm. 31, 2017

Recepção: 02 Junho 2017

Aprovação: 09 Outubro 2017

Resumo: Este artigo procura demonstrar que a intensificação do processo de internacionalização dos mercados - globalização da economia -, conjugada à reestruturação produtiva, isto é, à modernização tecnológica e organizacional das empresas, como condição para a elevação de sua competitividade, desestruturam os mercados de trabalho e tendem a prescrever a negociação permanente como nova orientação política dos sindicatos para a defesa dos interesses dos trabalhadores, seja empresa por empresa, por setor, seja articulada entre governo x sindicato x empresários. Trata-se de uma verdadeira revolução na regulamentação das relações de trabalho, pois o negociado tende a se sobrepor ao legislado sempre que a manutenção dos empregos estiver ameaçada e desde que respeitadas as garantias fundamentais asseguradas aos trabalhadores pela CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas -, estratégia adotada antes mesmo da reforma trabalhista recentemente aprovada.

Palavras-chave: Reestruturação produtiva, globalização da economia, movimento sindical, nova orientação política, negociações permanentes.

Abstract: This article seeks to demonstrate that the intensification of the process internationalization of markets – globalization of the economy – coupled with productive restructuring, that is, the technological and organizational modernization of enterprises, as a condition for lifting its competitiveness, disorganize labor markets and tend to prescribe permanent negotiation, company by company, by sector, either articulated between government x trade unions x entrepreneurs as a new political orientation of trade unions to defend worker´s interests. There is, thus, to a real revolution of labour relations, that the negotiated tends to overlap the legislated whenever the maintenance of jobs are threatened and since respected the fundamental guarantees provides to workers by CLT.

Keywords: productive restructuring, globalization of the economy, labor movement, strikes, workers claims.

Resumen: Este artículo busca demostrar que la intensificación del proce- so de internacionalización de los mercados –globalización de la economía–, relacionada a la reestructuración productiva, es decir, a la modernización tecnológica y organizativa de las em- presas, como condición para la elevación de su competitividad, desestructuran los mercados de trabajo y, tienden a prescribir la negociación permanente como nueva orientación política de los sindicatos para la defensa de los intereses de los trabajado- res, sea empresa por empresa, por sector, sea articulada entre gobierno x sindicato x empresarios. Se trata de una verdadera revolución en la regulación de las relaciones de trabajo, pues el negociado tiende a superponerse al legislado siempre que el mantenimiento de los empleos esté amenazado y siempre que se respeten las garantías fundamentales aseguradas a los tra- bajadores por la CLT - Consolidación de las Leyes Laborales -, estrategia adoptada antes de la reforma laboral recientemente aprobada.

Palabras clave: Reestructuración productiva, globalización de la economía, movimiento sindical, nueva orientación política, negociaciones permanentes.

Introdução

A reestruturação produtiva teve início nas três últimas décadas do século passado com a implementação de uma nova lógica organizacional cujos pilares são as tecnologias de base microeletrônica - tecnologias da informação - e as novas técni- cas gerenciais do processo de trabalho - toyotismo. Permitiu o aumento da produtividade do trabalho, inundou os mercados de novos produtos, acirrou a competição internacional, ao mes- mo tempo em que provocava a desestruturação dos mercados de trabalho ao dispersar o processo de produção pelo mundo, cujas consequências imediatas se expressaram no aumento do desemprego e do mercado informal de trabalho; no desapare- cimento de muitas ocupações e surgimento de outras para as quais se exigem novas competências profissionais; no estabe- lecimento de novas e precárias relações de trabalho (terceiri- zação, contrato temporário de trabalho, banco de horas, jorna- da parcial de trabalho); na redução do poder de barganha dos sindicatos; no aprofundamento da desigualdade entre regiões, países e continentes, dada a desigualdade na apropriação do co- nhecimento científico e tecnológico. Enfim, a reestruturação do processo produtivo e o avanço da internacionalização da econo- mia de mercado, graças ao desenvolvimento das tecnologias de informação, revolucionaram o mundo do trabalho e causaram enorme sofrimento humano, pois a desestruturação dos merca- dos de trabalho desestrutura vidas e famílias inteiras, excluindo-as do mercado formal de trabalho e das possibilidades de ob- tenção de renda. Os problemas sociais que daí advêm, sobretudo nos países em desenvolvimento, são de extrema gravidade (au- mento da pobreza, miséria, violência) e enredam os governos em quebra-cabeças de difícil solução nos curto e médio prazos.

No Brasil, a reestruturação produtiva intensificou-se nos anos 90 como consequência da abertura dos mercados durante o governo Collor e sua consolidação como nova lógica organi- zacional ainda enfrenta enormes dificuldades, devido, dentre outros fatores, à baixa escolaridade de seus trabalhadores e à baixa qualidade da educação em todos os níveis, apesar das inúmeras tentativas de reverter esta situação. Com efeito, se- gundo os dados fornecidos pela Pesquisa Nacional por Amos- tra de Domicílios (Pnad), publicada pelo IBGE em outubro de 2012 e referente aos dados de 2011, 19.2 milhões de pessoas com mais de dez anos (11.5% da população nesta faixa etá- ria) não têm nenhuma instrução ou estudaram menos de um ano. A mão de obra ocupada tem, em média, apenas 8.4 anos de estudo; somente 12.5% dos trabalhadores têm ensino su- perior completo, e o ensino médio só foi concluído por 46.8% dos trabalhadores. 8 milhões de estudantes estão matricula- dos no ensino médio tradicional e somente 1.2 milhão estão matriculados em cursos técnicos, em que o Mapa do Trabalho Industrial, publicado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI – em setembro de 2012, prevê que o país terá de formar 7.2 milhões de trabalhadores em nível técnico e em áreas de média qualificação para atuar em 177 ocupações industriais até 2015. Apenas 6.6 milhões de brasileiros estão cursando uma universidade e 73.2% deles estão na rede priva- da. 53.6% dos desempregados não têm nível médio de ensino.

Os analfabetos somam 12.9 milhões de pessoas, representando uma taxa de 8.6%. Dos 27.3 milhões de jovens, com idade entre 18 e 25 anos, 7.1 milhões não estudam e nem trabalham; 1.8 milhão procurava emprego no momento da pesquisa, mas 5.3 milhões (19.5% do total) estavam fora da escola, longe do trabalho e sem buscar emprego. Ainda, segundo a Confedera- ção Nacional da Indústria, há um déficit de 150 mil engenhei- ros nas diferentes áreas da atividade econômica industrial.

Apesar desse quadro, avança a reestruturação produtiva no Brasil graças, sobretudo, aos investimentos das empresas em universidades corporativas voltadas para o público interno e para o público em geral, a fim de garantir a formação e treina- mento da força de trabalho, como ilustram os cursos oferecidos pela Petrobrás, Votorantim, Vale e Ambev, e graças também a algumas iniciativas governamentais, principalmente o aumen- to de vagas nos institutos federais, escolas técnicas vinculadas às universidades federais, redes estaduais e ao Sistema S – Se- nai, Sesi e Senac da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, e à multiplicação de cursos técnicos de nível médio e de nível superior que fazem parte da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica - Escolas de Ensino Médio Técnico Profissionalizante; Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia; Centros Federais de Educação Tecnoló- gica e outras. No entanto, os seus resultados são pífios e a in- dústria brasileira não avança. Ao contrário: em 2013, cortou 1.1% de seus assalariados, o número de horas pagas diminuiu 1.3% e a sua participação no PIB também diminuiu nos últimos três anos, pois, para enfrentar a competição internacional em tempos de crise nas maiores economias do mundo, é preciso ser altamente competente e trabalhar em ambiente com po- líticas econômicas altamente competentes. Em contrapartida, cresceu o emprego nos serviços; em 2013, o desemprego mé- dio ficou em torno de 5.4%, a mais baixa taxa desde 2002; o rendimento real médio continuou a crescer (aumentou 1.8% em 2013) até o início de 2015; no setor privado, 50.3% das pessoas ocupadas eram trabalhadores com carteira assinada e 74.4% de todos eles eram contribuintes da Previdência, se- gundo os dados do IBGE de fevereiro de 2014. Já em 2015, ano do início da crise econômica, a indústria brasileira demitiu mi- lhares de trabalhadores: no acumulado de janeiro a agosto/15, a indústria de transformação fechou 275.566 vagas, segundo o IBGE (Pnad Contínua publicada em 29 de setembro/15), e em comparação com agosto de 2014, a contração da produção industrial foi de 9%, enquanto no acumulado de 13 meses, o declínio foi de 5.7%. Nos oito primeiros meses de 2015, a in- dústria reduziu sua produção em 6.9%, segundo a Pesquisa In- dustrial Mensal publicada pelo IBGE em 2 de outubro de 2015.

O cenário positivo do mercado de trabalho no Brasil dos últimos oito anos, até 2015, possibilitou o ressurgimento do movimen- to sindical, contabilizando vitórias na maioria de suas reivindi- cações. Em 2012, o número de greves foi o maior em 16 anos: 873 contra 554 paralisações em 2011, um aumento, portanto, de 58% e muito maior em relação aos anos de 2005 (299), 2006 (320), 2007 (316), 2008 (411), 2009 (518) e 2010 (446), segundo os dados do DIEESE - Departamento Intersindical de Estatís- tica e Estudos Socioeconômicos - que também registrou 87 mil horas paradas, maior nível desde 1990, quando os trabalhado- res deixaram de trabalhar por 117 mil horas.

Segundo o mesmo instituto de pesquisa, as reivindicações dos trabalhadores foram por reajuste salarial (40.7%), alimentação (26.9%), plano de cargos e salários (23%), participação nos lu- cros (19%), salários atrasados (18.3%) e piso salarial (16.2%), explicando-se que os números somam mais de 100% porque pode haver mais de uma reivindicação numa mesma greve. 75% das reivindicações foram atendidas, pelo menos parcialmente, ao mesmo tempo em que medidas patronais, como desconto das horas paradas ou ameaça de demissão, foram mínimas, perfa- zendo apenas 8% do total. No setor privado, o percentual das reivindicações atendidas eleva-se para 85% dos casos, enquanto no funcionalismo público 65% das mobilizações tiveram resul- tados satisfatórios.

Considere-se, no entanto, que o número de horas paradas, isto é, a duração da greve, em 2013, foi maior no setor público: 65.4 mil contra 21.2 mil no setor privado, muito embora este setor te- nha registrado 461 greves (53% do total), o que significa que as greves de servidor público duram 248% mais e sua mais impor- tante reivindicação é o reajuste salarial que representa 49.1% das mobilizações. Das 101 greves com paralisação superior a 30 dias, 87 ocorreram no setor público.

A análise desses números confirma o fato de que as mobiliza- ções sindicais se intensificam tanto nas conjunturas econômicas altamente desfavoráveis quanto altamente favoráveis para os trabalhadores nos mercados de trabalho. Nas conjunturas desfa- voráveis, são muitas as greves nas mais diferentes categorias pro- fissionais e as reivindicações têm caráter defensivo, pois tratam de reaver direitos ou garantias perdidas, pagamento de salários atrasados, pagamento do 13º salário e protestar veementemen- te contra o desemprego e a política econômica que inibe a gera- ção de empregos e obtenção de renda. Explica-se, assim, a média anual de 1.105 greves durante os anos de 1985 a 1995, quando o país passou por diferentes planos econômicos para conter os altos índices de inflação que corroíam os salários, impediam os investimentos e desestruturavam os mercados de trabalho, ao mesmo tempo em que consolidavam suas instituições democrá- ticas. Hoje, a ameaça de demissão de milhares de trabalhadores, devido à crise econômica e política que se iniciou em 2015, pro- vocou uma onda de greves no setor metalúrgico com uma única reivindicação: a defesa do emprego, pois a desindustrialização do país tem se agravado muito nos últimos anos (em agosto de 2015, a produção industrial foi 9% menor do que em 2014, que corres- ponde a apenas 10.9% do produto interno bruto (PIB), segundo o IBGE, e o desemprego em vários setores da economia atingiu 9% da população economicamente ativa (PEA) em 2015 e não parou de crescer, pois em 2017, no primeiro semestre, chegou a atingir 14 milhões de brasileiros e a provocar deflação.

Nas conjunturas favoráveis, as reivindicações tornam-se pro- positivas, pois é maior o poder de barganha dos sindicatos para reivindicarem, como vimos acima, aumento real de salá- rio, plano de cargos e salários, participação nos lucros, etc. Ao mesmo tempo, a população em geral sente-se mais segura para expressar sua insatisfação com as políticas públicas e exigir das autoridades responsáveis a melhoria de todos os serviços públicos para o efetivo exercício de seus direitos de cidadania, tal como ocorreu nas manifestações de junho de 2013.

Muito embora tenha havido aumento considerável do número de greves no setor privado, os números acima mostram que as horas paradas corresponderam a apenas 1/3 do total de horas paradas no setor público e as reivindicações apresentadas fo- ram atendidas em porcentagem maior do que no setor público, indicando a tendência à uma nova orientação: a da negociação permanente, seja empresa por empresa, seja por setor, seja arti- culada entre governo x sindicato x empresários na tentativa de garantir a rápida solução do conflito.

Assim, de combativos ao longo do século passado, organizando movimentos grevistas de confronto aberto ao capital, com os quais reivindicavam aumentos salariais, diminuição da jornada de trabalho, aposentadoria plena, participação efetiva na ela- boração de políticas públicas para a melhoria das condições de trabalho e de vida de todos os trabalhadores, os sindicatos hoje têm outra orientação política, pois as transformações do mundo do trabalho propiciam a institucionalização das negociações di- retas entre empresas e trabalhadores, empresa por empresa, e a sobrepor o negociado ao legislado, dando início ao processo de transformação do padrão regulatório das relações de trabalho no Brasil e do padrão de ação sindical. Vejamos as razões.

Condições de trabalho e orientação política do movimento sindical

Enquanto predominaram o taylorismo e o fordismo como formas de organização do processo de trabalho, as empresas obtiveram importantes ganhos de produtividade e puderam incorporar uma parcela destes ganhos aos salários, principalmente expandindo os salários indiretos, seja para aumentar o consumo de massa, seja por força do sucesso dos movimentos sindicais cujas con- sequências foram mudanças significativas na regulamentação do mercado de trabalho e no desenvolvimento de políticas de bem-estar social, seja pela conjugação desses fatores. Aumentos salariais eram necessários não só para aumentar o consumo, como também, e sobretudo, eram um meio de se tentar vencer a vigorosa resistência do trabalhador às condições de trabalho impostas pelas técnicas de racionalização, em combinação com a introdução de novos esquemas de gestão e de organização do trabalho conhecidos sob a denominação de “enriquecimento de cargos” e de “grupos semiautônomos”.

Ressalte-se aqui o fato de que o aumento da produtividade de- pendia da rígida obediência do trabalhador às normas ditadas pela gerência no caso do taylorismo, ou da cadência do trabalho regulada de forma mecânica e externa ao trabalhador no caso do fordismo, isto é, nos dois casos dependia do desempenho in- dividual de cada um dos trabalhadores, expresso na capacidade de acompanhar o ritmo imposto pela gerência ou pela linha de montagem. O volume da produção tinha limites apenas determi- nados pela capacidade humana de trabalho. Trabalhadores ine- ficientes, neste sentido, eram facilmente demitidos porque eram facilmente substituíveis graças ao processo de desqualificação profissional consolidado por aquelas formas de organização e gestão do trabalho e, por isto, não ameaçavam necessariamen- te o ritmo do trabalho em seu conjunto. Paralisações, greves ou sabotagem não significavam enormes prejuízos como os provo- cados nos dias de hoje devido à integração tecnológica nacional/internacional do processo de trabalho pela formação de redes empresariais; à acirrada competição nos mercados nacionais/ internacionais; aos elevados capitais imobilizados no maquiná- rio de ponta, muito sensível à utilização indevida; aos direitos do consumidor, etc., pois que nas formas anteriores de organização do trabalho:

1º) as horas trabalhadas podiam ser compensadas por horas ex- tras e o volume da produção programado pela gerência restabe- lecido em poucos dias graças à centralização da produção numa só empresa;

2º) o custo da produção tinha relação direta com o custo da mão de obra, bem como o controle da produção tinha relação direta com o controle do trabalho;

3º) a mão de obra, apesar dos aumentos salariais e da expan- são do salário indireto, era barata devido à forte competição no mercado de trabalho entre trabalhadores profissionalmen- te desqualificados, em oposição aos salários diretos e indiretos dos trabalhadores remanescentes das empresas de ponta que, por isto mesmo, terceirizam as suas atividades-meio ao redor do mundo;

4º) o maquinário era relativamente simples mesmo nas gran- des plantas industriais e sua paralisação não tinha implicações técnicas que pudessem vir a inviabilizar o seu funcionamento, como, por exemplo, nas indústrias de automação rígida e flexível (robótica);

5º) a competição nos mercados nacionais/internacionais se dava entre um restrito número de corporações e países ainda não atingidos pelos efeitos da nova divisão internacional do tra- balho.

Esses fatores combinados diminuíam o poder de barganha dos trabalhadores e, de certa forma, obrigaram a intervenção do Es- tado na regulamentação do mercado de trabalho com a promul- gação de novas formas juridicamente institucionalizadas de re- lação salarial que garantiram ao trabalhador aumentos salariais em conformidade com os ganhos de produtividade e a inflação, como também uma relativa estabilidade no emprego, além de proteção no desemprego. Afirma David Harvey:

os governos também buscavam fornecer um forte comple- mento ao salário social com gastos de seguridade social, assistência médica, educação, habitação etc. Além disso, o poder estatal era exercido direta ou indiretamente sobre os acordos salariais e os direitos dos trabalhadores na produ- ção.” E mais adiante: “... governos nacionais de tendências ideológicas bem distintas - gaullista, na França, trabalhista, na Grã-Bretanha, democrata-cristão, na Alemanha Ociden- tal etc. - criaram tanto um crescimento econômico estável como um aumento dos padrões materiais de vida através de uma combinação de estado do bem-estar social, admi- nistração econômica keynesiana e controle de relações de salário. É claro que o fordismo dependia da assunção pela nação-Estado – como Gramsci previra – de um papel muito especial no sistema geral de regulamentação social (Harvey, 1992, pp. 129-130).

No Brasil, apesar de rigidamente regulamentadas desde a pro- mulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1943, hoje constituída de 922 artigos, que a tornam a mais volumosa legislação trabalhista dentre todos os países industrializados do mundo, as relações de trabalho foram sempre precárias, mes- mo nos períodos de significativo crescimento econômico como aqueles marcados pela ditadura militar. Porém, foi durante o regime autoritário, sobretudo na década de 1970, que os sindi- catos, embora sofrendo intervenções do Governo Federal, inicia- ram uma onda de greves nos setores mais dinâmicos da econo- mia, como o setor metalúrgico e o bancário, por exemplo, em 15 diferentes locais do Brasil, num confronto aberto com o Estado e o patronato, apresentando muitas e variadas reivindicações, tais como: reposição salarial de acordo com os altos índices de inflação que solapavam o poder de compra dos salários; melho- res condições de trabalho; ampliação da representação política dos trabalhadores no interior das empresas, com a organização de comissões de fábrica, e na sociedade, com a participação na elaboração de políticas públicas para a melhoria das condições de vida do conjunto da população; políticas que atendessem a demanda por direitos de moradia, de melhorias salariais e de justiça social. Em 1979, foram mais de 400 greves, envolvendo mais de 3 milhões de trabalhadores, que inauguraram uma nova fase na história do sindicalismo brasileiro, denominada de “o novo sindicalismo”, e abriram o caminho para a consolidação da abertura do processo democrático, em 1985.

Hoje, paradoxalmente, as transformações tecnológicas e organi- zacionais que se iniciaram nas últimas décadas do século XX e que se intensificaram nas duas primeiras do novo século, aliadas à globalização da economia, impuseram e continuam a impor a flexibilização das relações de trabalho com a regulamentação de novas relações de trabalho, tais como: o contrato temporá- rio de trabalho, o banco de horas, a jornada parcial de trabalho, a terceirização, o trabalho em domicílio, o contrato de presta- ção de serviços (pejotição), o lay off (suspensão do contrato de trabalho por no máximo cinco meses), e a aceitação de progra- mas como o PPE - Programa de Proteção ao Emprego, além de revisão de acordos coletivos, como estratégias de manutenção dos empregos, numa clara demonstração do agravamento da si- tuação dos trabalhadores no mercado de trabalho, agora muito mais estreito e exigente devido à reestruturação produtiva, cuja lógica organizacional se fundamenta na redução dos custos da produção com a introdução da mais sofisticada tecnologia e, em decorrência, com a redução de postos de trabalho, e submeti- dos ao processo que se convencionou denominar de precariza- ção das relações de trabalho, que chama atenção não por sua novidade, mas por sua dimensão e pela falta de perspectiva de sua reversão. Com efeito, com exceção do banco de horas, do lay off e do Programa de Proteção ao Emprego, as demais formas de trabalho precário sempre existiram no Brasil, disfarçadas seja como compra e venda de serviços entre produtores inde- pendentes, seja como contratação de trabalhadores por tempo indeterminado, razão pela qual sempre foram muito altos os ín- dices de rotatividade da força de trabalho em todos os ramos da atividade econômica.

A crise econômica e política vivida pelo Brasil desde o início do segundo mandato da Presidenta Dilma Rousseff obrigou os tra- balhadores da Volkswagen do Brasil na fábrica de São Bernar- do do Campo, no ABC paulista, a aderirem ao Programa de Pro- teção ao Emprego e os trabalhadores da unidade de Taubaté, no interior de São Paulo, a negociarem o plano de redução de 20% da jornada de trabalho e dos salários com duração de seis meses. O trabalhador, no entanto, perde apenas 10% de seu sa- lário, pois os outros 10% são pagos pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) no limite de até R$900.84. Trabalhadores da Scania em São Bernardo do Campo aprovaram a revisão do acordo coletivo assinado em 2014 em troca de estabilidade no emprego até 2016. Pelo acordo anterior, os trabalhadores te- riam um reajuste salarial de 12% acima da inflação; pelo novo acordo, o reajuste será de 5% retroativo à data base da catego- ria (1º de setembro), mais um abono de R$ 6 mil para ser pago em janeiro de 2016 e não incorporável ao salário. Até outubro de 2015, cinco fábricas de grandes montadoras aderiram ao PPE, como também a Caterpillar, fabricante de máquinas agrí- colas em Piracicaba (SP). Até fevereiro de 2016, face ao agrava- mento da crise econômica, 52.876 trabalhadores haviam sido beneficiados pelo Programa e o Ministério do Trabalho e Pre- vidência Social publicou mais 17 termos de adesão que vão be- neficiar 6.123 empregados dos setores fabril, automobilístico, comercial, de educação e serviços de cinco Estados: Amazonas, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo. O número de empresas que celebraram a adesão ao Programa chega a 89, segundo o site do Ministério do Trabalho e Previdência Social, Portal Brasil, publicado em 24 de fevereiro de 2016 e a última modificação realizada em 02 de março de 2016. É fundamen- tal ressaltar que nenhum sindicato e nenhuma central sindical se opôs veementemente, isto é, com decretação de greve, ao Programa de Proteção ao Emprego neste contexto de crise da economia brasileira que reduz consideravelmente o poder de barganha dos sindicatos. Evidentemente, sindicatos, centrais sindicais e trabalhadores não são e nem podem ser entusiastas do Programa, embora reconheçam a sua importância como al- ternativa para a manutenção do emprego, razão pela qual a ele têm aderido, pelo menos temporariamente.

A primeira categoria de trabalhadores a aderir ao Programa foi a dos metalúrgicos do setor automotivo, categoria profissional muito vulnerável a crises econômicas, e a crise de 2015 já provo- cou uma retração de mais de 34% no consumo de produtos au- tomotores. No entanto, o recrudescimento do desemprego - em outubro de 2015 de mais de 9% da PEA - obrigou trabalhadores de outros setores da vida econômica a aceitarem não só as novas relações de trabalho, como também, e sobretudo, os programas de proteção ao emprego e a revisão dos acordos coletivos.

Por isso, a precarização das relações de trabalho é fenômeno que independe do estágio de desenvolvimento do capitalismo por ser um de seus traços característicos, considerando-se que o mercado de trabalho jamais alocou toda a força de trabalho dis- ponível, registrando sempre níveis significativos de desemprego ou subemprego; os salários sempre foram insuficientes para ga- rantir a satisfação de todas as necessidades da grande maioria das famílias dos trabalhadores; as tarefas realizadas no emprego não ofereceram a oportunidade de crescimento pessoal e profis- sional ao maior número de trabalhadores, permitindo-lhes a sa- tisfação de suas necessidades de autoestima e autorrealização; a aposentadoria, após décadas de trabalho, nunca foi suficiente para sustentar a qualidade de vida na velhice, etc.

É inegável que as transformações tecnológicas e organizacionais do mundo do trabalho e a globalização da economia, ao provoca- rem o acirramento da competição internacional e nacional, im- puseram aos trabalhadores a mudança de seu comportamento, de seu discurso, de suas reivindicações: compreenderam que a sobrevivência de seus empregos depende da sobrevivência das empresas que os mantêm, cujo sucesso depende dos altos índi- ces de produtividade, qualidade do produto e inovação do pro- cesso para diminuição dos custos de produção, além da inovação do produto. E, da mesma maneira, as empresas compreenderam que a sua sobrevivência depende do tipo de parceria que esta- belecerem com os trabalhadores, o que significa permitir a par- ticipação não só nas decisões operacionais como também nos lucros obtidos pelo aumento da produtividade, a partir da fixa- ção, em conjunto, das metas a realizar. Hoje, um número con- siderável de empresas adota o sistema formal de remuneração variável que, via de regra, significa intensificação do trabalho na medida em que, como o próprio nome o indica, vincula o mon- tante da remuneração à produtividade das equipes de trabalho.

Remuneração variável e participação nos lucros alteram as rela- ções de trabalho e rompem a relação salarial, isto é, “o conjun- to das condições jurídicas e institucionais que regem o uso do trabalho assalariado, como também a reprodução da existência dos trabalhadores” (Boyer, 1986, p. 18), justificando, em parte, a flexibilização das relações de trabalho.

A relação salarial não mais se estabelece, como antes da reestruturação produtiva, com o mercado de trabalho (procura e oferta de trabalhadores), com o aumento da produtividade a partir do desempenho individual dos trabalhadores ou ainda com o controle institucional sobre o trabalho (legislação). A relação salarial hoje se estabelece com a capacidade de produção das empresas determinada pela tecnologia empregada; a efici- ência do conjunto dos trabalhadores; a qualidade do produto; a competência para a inovação do processo e dos produtos e, sobretudo, a capacidade de administração dos negócios que, juntos, definem a capacidade de competir no mercado interna- cional e, em decorrência, a obtenção de lucros, garantindo, ao mesmo tempo, a manutenção do emprego e a elevação dos salá- rios ou a participação nos lucros que supõe o desenvolvimento de novas estruturas organizacionais e de gestão do pessoal. A lógica a-histórica e universal inerente à categoria “mercado de trabalho” em sua concepção neoclássica para a análise da de- terminação dos níveis salariais e de emprego não tem mais ne- nhum sentido quando estas questões se referem à atual etapa de desenvolvimento tecnológico e organizacional do processo de trabalho.

Assim, a participação nos lucros interessa tanto à empresa quanto aos trabalhadores. À empresa, a participação nos lucros significa garantir o esforço dos trabalhadores para atingir as me- tas estabelecidas, evitando paralisações ou produção defeituosa por negligência ou irresponsabilidade. Significa também com- partilhar com os trabalhadores não só os lucros, mas também possíveis prejuízos decorrentes, seja da situação do mercado local, nacional ou internacional, seja da política industrial e eco- nômica do país, seja da incapacidade de acompanhamento das inovações tecnológicas, seja da má administração dos negócios, seja do mau desempenho de seus trabalhadores, etc. E, sobretu- do, significa desmobilizar o movimento sindical na medida em que os interesses dos trabalhadores, agora parceiros ou sócios do capital, estariam interligados aos interesses de sua empresa e sua realização não mais dependeria das conquistas dos tra- balhadores do seu setor ou dos trabalhadores em seu conjunto, mesmo porque as empresas tratam de individualizar os contra- tos de trabalho. A saúde econômica e financeira de sua empre- sa define a sua própria e, como ela deles depende como nunca, concessões mútuas dentro da especificidade da situação empre- sarial tendem a tornar-se a regra. Com isso, a empresa fica livre de paralisações ou greves promovidas pelo movimento sindical por razões salariais, de melhoria nas condições de trabalho, ou de natureza política. O movimento sindical para esses trabalha- dores perde importância ou deixa de ter sentido como estraté- gia para a promoção de seus interesses econômicos imediatos, pessoais ou coletivos. Suas funções tendem a deslocar-se para o campo das políticas econômicas que alcançam os trabalhado- res em geral e não mais deveriam estar vinculadas à discussão e negociação dos interesses dos trabalhadores de uma categoria profissional ou de uma empresa particular. Nesta, os próprios trabalhadores discutem e negociam diretamente com os diri- gentes. O sindicato, portanto, tende a ter um novo papel, como já previa há mais de vinte anos José Pastore (1992, pp. 52-53):

Na definição de seu novo papel, desponta a importância dos sindicatos nas negociações dos princípios gerais das políticas de internacionalização da economia, estabilização da moeda, geração de empregos, políticas de rendas e mo- dernização tecnológica. Se essa tendência vingar, será raro, daqui para a frente, ter o sindicato na porta da fábrica ou confrontando chefias em nome de reivindicações específi- cas dos trabalhadores daquela empresa. Por sua vez, os di- rigentes sindicais serão demandados em um nível de com- petência técnica bem diferente da capacitação em técnicas de confrontação.

Aparentemente paradoxal é o fato de que, apesar de os traba- lhadores terem consciência de que a reestruturação produtiva e mesmo a globalização da economia são responsáveis pelo recru- descimento do desemprego e pela redução do poder de barga- nha de seus sindicatos, eles não têm reagido desfavoravelmen- te ao esforço de reestruturação produtiva porque sabem que a tentativa de preservação de empregos em empresas tecnológica e organizacionalmente atrasadas é uma receita eficaz para o au- mento do desemprego, tal como o é a tentativa de proteger a economia nacional fechando-a para o mercado internacional.

Sabem também que o capital caminha pelo mundo à procura de condições favoráveis, as mais favoráveis, para a obtenção e realização de lucros. Intransigências dos trabalhadores, que impe- çam as empresas de obter lucros dentro dos patamares por elas fixados como satisfatórios, implicam o perigo do desinvestimen- to que, como já nos ensinava Buraway na década de 1980, é hoje uma nova forma de controle da força de trabalho, isto é, um novo tipo de despotismo hegemônico: “O novo despotismo é a tirania racional da mobilidade do capital sobre o trabalhador coletivo” (Buraway, 1985, p. 150).

No interior das empresas, os trabalhadores remanescentes logo perceberam que os limites de seu poder foram ampliados comparativamente à fase taylorista e fordista de organização do processo de trabalho, por mais paradoxal que isto possa pa- recer. No entanto, basta atentar para o fato das consequências econômicas e financeiras do acirramento da competição para se verificar que as empresas são muito mais dependentes do que nunca foram da estreita colaboração de seus trabalhadores. Com tecnologia sofisticada que representa, na grande maioria dos casos, a imobilização de vultosos capitais; com enormes dificuldades para ganhar e fidelizar mercados; obrigando-se a oferecer produtos de qualidade a preços baixos e, sobretudo, obrigando-se a oferecer novos e diversificados produtos para lançar a moda ou acompanhar rapidamente a moda, as empre- sas dependem sempre mais de trabalhadores confiáveis por serem muito sensíveis e vulneráveis, em termos econômicos e tecnológicos, a greves, paralisações, sabotagens, etc., isto é, aos mecanismos de defesa dos trabalhadores elaborados nas etapas anteriores ao desenvolvimento das tecnologias de informação e ao desenvolvimento da globalização da economia.

A confiabilidade deve ser tratada como um dos pilares de sus- tentação do funcionamento normal, dentro dos padrões de ex- celência, das empresas modernizadas. E para manter trabalha- dores confiáveis em seu interior, evitando-se o absenteísmo, o turnover, a negligência, a irresponsabilidade consciente ou in- consciente - formas de resistência desorganizada, ou mesmo organizada, dos trabalhadores às condições de trabalho, com enor- mes prejuízos para a produtividade e qualidade do produto -, as empresas se veem obrigadas a fazer concessões se quiserem ob- ter a necessária colaboração. E passam a oferecer altos salários, formação profissional, promoções no quadro de carreira, bene- fícios sociais que correspondem a verdadeiros salários, como bolsa educação, fundo de pensão, clube esportivo, colônia de férias, participação nos lucros efetivos, programas de qualidade de vida no trabalho, além de se anteciparem às reivindicações de seus trabalhadores. Ressalte-se também o fato de que traba- lhadores mais capacitados tendem a negociar individualmente suas condições de trabalho e de salário, pois salários e benefí- cios coletivos padronizados não expressam o reconhecimento pela aquisição das novas competências profissionais, adquiridas e atualizadas sobretudo nos bancos escolares e nos cursos de formação sempre mais sofisticados.

São muitos os autores que compartilham dessas análises sobre o comportamento sindical dos trabalhadores das indústrias mo- dernas e sobre as dificuldades dos sindicatos na manutenção de seu papel tradicional de representação e de defesa expressa dos interesses desses trabalhadores. Dentre eles, citem-se Manuel Castells (2012), Leôncio Martins Rodrigues (2002), Iram Jácome Roderigues (1999) e muitos outros. Algumas citações, apesar de longas, devem ser aqui apresentadas:

Entre os fatores de debilitamento da solidariedade dos trabalhadores estão a dispersão da produção (às vezes por países diferentes e distantes), a redução da dimensão das unidades de fabricação e o aumento da produção em pequenas empresas; a maior mobilidade do capital interna- cional; a tendência em direção a acordos por empresas e lo- cais de fabricação; a flexibilização da produção, das normas e regulamentos que regiam tarefas, hierarquias e carreiras dos empregados, a maior heterogeneidade da força de tra- balho em virtude do aparecimento de novas profissões, da maior presença da mulher e dos imigrantes no conjunto da mão-de-obra. O resultado desses novos desenvolvimentos não é apenas o fim (ou o começo do fim) do velho modelo taylorista-fordista, mas também, como dificilmente poderia deixar de ser, da velha classe operária sobre a qual se apoia- ra o sindicalismo como fenômeno de massa (Rodrigues, L. Martins, 1999, p. 177).

São afirmações que se repetem em numerosos outros textos, como no volume I do livro de Manuel Castells, “A Era da Infor- mação: Economia, Sociedade e Cultura”, onde se lê:

Os sindicatos de trabalhadores, principal obstáculo à estratégia unilateral de reestruturação, foram enfraqueci- dos por sua incapacidade de representar os novos tipos de trabalhadores (mulheres, jovens, imigrantes), de atuar em novos locais de trabalho (escritórios do setor privado, indústria de alta tecnologia) e de funcionar nas novas for- mas de organização (a empresa em rede em escala global) (Castells, 2012, p. 350).

No artigo de Iram Jácome Rodrigues, “Sindicalismo, emprego e relações de trabalho na indústria automobilística”, como tam- bém em “Para Além do ‘Novo Sindicalismo’: A Crise do ‘Assala- riamento’ e as Experiências com Trabalho ‘Associado’”, de auto- ria de Jacob Carlos Lima e Neyara Araújo, encontramos análises semelhantes:

... devemos reconhecer que as intensas transformações no mundo do trabalho, inclusive no que concerne aos aspectos da legislação, necessariamente terão que trazer alterações na identidade do movimento sindical. Rodrigues (1997) levanta a suposição de que a atuação dos sindicatos deve- rá estar mais voltada para a negociação e para o fortalecimento da atividade sindical no interior das empresas, em face das mudanças na gestão do trabalho que provocam significativas dispersão, e até mesmo fragmentação, entre os trabalhadores, resultando em um dilema crucial para o sindicalismo” (1999, p. 234).

O reconhecimento de que os trabalhadores das empresas tecnológica e organizacionalmente modernas tendem a negociar suas condições de trabalho e de salário, seja individualmente, seja empresa por empresa, se expressa nas pesquisas que fundamentaram todas as obras citadas na bibliografia deste artigo e que são também o seu fundamento teórico, ou seja, o fundamento das análises dos dados aqui reportados. Artigos ainda mais recentes têm se dedicado a analisar essa nova orientação política dos sindicatos: a negociação direta e permanente empresa por empresa ou mesmo individualmente. Citem-se os artigos “Para Onde Foram os Sindicatos? Do Sindicalismo de Confronto ao Sindicalismo Negocial”, de autoria de Ricardo Antunes e Jair Batista da Silva, e o artigo “Trabalho e Sindicalismo no Brasil. Para Onde Foram os Sindicatos?”, de Iram Jácome Rodrigues, ambos publicados nos Cadernos CRH, vol. 28, nº 75, issn 1983- 8239 (2015). Afirmam Ricardo Antunes e Jair Batista da Silva no artigo supracitado:

Para onde foram os sindicatos? Esse é o tema proposto para este dossiê. Nossa resposta à hipótese apresentada no início deste artigo é que as últimas décadas parecem empurrar o novo sindicalismo em direção a uma esdrúxula combinação, síntese de, ao menos, três movimentos: a velha prática pele- guista, a forte herança estatista e a forte influência do ideá- rio neoliberal (ou social-liberal), impulsionada, ainda, pelo culto da negociação e defesa do cidadão. Vale dizer que cada um destes elementos pode ter prevalência em diferentes conjunturas (2015, p. 525).

Evita-se a greve: os prejuízos por ela provocados são quase sempre mais elevados do que o montante a ser desembolsado pelo conjunto das reivindicações apresentadas. Daí a tendência para o desenvolvimento das negociações diretas entre as par- tes e o esforço para se chegar rapidamente a um acordo, como também a tendência, por parte dos trabalhadores, à aceitação da flexibilização das relações de trabalho, como recentemente a aceitação do lay off na indústria automobilística em crise, a adesão ao Programa de Proteção ao Emprego e a aceitação de re- visão de acordos coletivos, porque acordos coletivos assinados em conjunturas econômicas favoráveis podem significar a invia- bilidade de muitas empresas, de novos investimentos, de novos empregos e milhares de demissões em outras conjunturas. Mas a greve continua a ser o mais poderoso instrumento de pressão dos trabalhadores na defesa de seus interesses, sobretudo sem- pre que for necessário para evitar demissões.

Aos trabalhadores que permanecem empregados interessam as transformações em curso tanto na estrutura organizacional e estilo gerencial como também nas formas de remuneração que incluem participação nos lucros, apesar dos enormes sacrifícios a que devem se submeter para a manutenção de sua empregabi- lidade: atualização permanente de conhecimentos, enorme res- ponsabilidade e dedicação exclusiva aos interesses da empresa.

Mas, em compensação, a reestruturação produtiva tende a re- volucionar a estrutura de poder no seio das unidades empresa- riais:

1º) ao estabelecer uma política de comunicações abertas de compartilhamento de informações e conhecimentos que possi- bilita ao trabalhador a compreensão da totalidade do processo produtivo e de prestação de serviços;

2º) ao transformar a estrutura de autoridade hierárquica, supri- mindo muitos cargos de chefia intermediária, fontes de conflitos internos;

3º) ao devolver ao trabalhador a responsabilidade pelo proces- so de trabalho, com a formação de equipes multifuncionais com forte consciência profissional e autonomia para tomar decisões em situações não previstas, o que aumenta o seu envolvimen- to pessoal, psicológico, proporcionando-lhe condições para o desenvolvimento do sentimento de autoestima, quase próximo ao daquele da autorrealização. O efeito psicológico desses sentimentos, afirmam os psicólogos das teorias da motivação para o trabalho (Herzberg, Argyris, Vroom), é a satisfação pessoal com repercussões positivas nos níveis de produtividade do trabalho;

4º) ao desenvolver a compreensão da forte dependência mútua entre empresas e trabalhadores, até então forte dependência unilateral, isto é, dos trabalhadores em relação à empresa.

Além disso, como as empresas modernizadas e com adminis- tração eficiente tendem a ser muito bem-sucedidas, seus lu- cros tendem também a ser altíssimos, possibilitando não só aumentos salariais frequentes, como sobretudo o pagamento de salários extras, a título de participação nos lucros, dispensando os trabalhadores do desgaste físico e emocional provocado por movimentos grevistas de natureza reivindicatória.

Assim, as transformações do mundo do trabalho não significaram perda de vitalidade ou dinamismo da vida sindical. Significaram apenas e tão somente mudança de estratégia em condições históricas diferentes daquelas que prevaleceram por muitas décadas do século passado. Os números aqui apresenta- dos confirmam a vitalidade dos sindicatos que souberam mobilizar os trabalhadores brasileiros em 2012 e, mediante negociações rápidas e diretas com as empresas, garantiram conquistas significativas. Além disso, em alguns setores, garantiram a manutenção dos empregos em 2015, apesar da intensidade da crise econômica.

Considerações Finais

Os trabalhadores jamais assistem passivamente ao seu próprio massacre. Sempre reagiram, reagem e reagirão inteligentemente às condições de trabalho e de vida que lhes são perversas e ela- boram renovadas estratégias de defesa de seus interesses, seja no interior das próprias empresas, seja nos movimentos sindi- cais, seja nos movimentos sociais que reivindicam a transforma- ção da situação vigente a partir de decisões governamentais de grande alcance. Sempre compreenderam que suas condições de vida e de trabalho são frutos dos condicionantes tecnocientífi- cos, econômicos, políticos, sociais, culturais - nacionais e inter- nacionais -, isto é, frutos do processo histórico nacional e inter- nacional, razão pela qual suas reivindicações devem extrapolar o mundo da fábrica e dos escritórios, dadas as relações recíprocas que os determinam. Por isso, a nova orientação política do mo- vimento sindical no Brasil, e mesmo no mundo industrializado, não pode ser compreendida apenas como crise da vida sindical, mas como momento de transição para uma nova configuração da luta dos trabalhadores em defesa de seus interesses.

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