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Ciências Sociais, Comunicação e Imagem: Aportes Teóricos Sobre a (Re)produção da Diferença (e do Poder) no Jornalismo Hegemônico
Revista TOMO, núm. 33, 2018
Universidade Federal de Sergipe

Artigos

Revista TOMO
Universidade Federal de Sergipe, Brasil
ISSN-e: 1517-4549
Periodicidade: Semestral
núm. 33, 2018

Recepção: 21 Junho 2018

Aprovação: 27 Julho 2018

Resumo: A partir da relação entre ciências sociais, comunicação e imagem, neste artigo apresento algumas reflexões teóricas sobre a reprodução da di- ferença e do poder no jornalismo hegemônico, em diálogo com o pen- samento decolonial, além de outras fontes teóricas como a semiótica e os estudos culturais latino-americanos. O objetivo é colaborar e dialo- gar com as pesquisas que buscam compreender o papel da imagem e da imprensa em nossas sociedades ocidentais contemporâneas. O arti- go está dividido em quatro partes. Na primeira, proponho algumas re- flexões sobre a relação entre comunicação, decolonialidade e poder. Na sequência apresento considerações sobre a relação entre a construção da diferença e a reprodução do poder para, posteriormente, discorrer sobre jornalismo e representação da diferença. Por último, desenvolvo uma análise sobre o uso da imagem como recurso para transmissão de informações e discursos a partir da relação entre ficção e realidade.

Palavras-chave: Comunicação, Decolonialidade, Diferença, Imagem, Poder.

Resumen: A partir de la relación entre ciencias sociales, comunicación e imagen, en este artículo presento algunas reflexiones teóricas sobre la repro- ducción de la diferencia y del poder en el periodismo hegemónico, en diálogo con el pensamiento decolonial, además de otras fuentes te- óricas como la semiótica y los estudios culturales latinoamericanos. El objetivo es colaborar y dialogar con las investigaciones que buscan comprender el papel de la imagen y de la prensa en nuestras socieda- des occidentales contemporáneas. El artículo está dividido en cuatro partes. En la primera, propongo algunas reflexiones sobre la relación entre comunicación, decolonialidad y poder. En la secuencia presento consideraciones sobre la relación entre la construcción de la diferen- cia y la reproducción del poder para, posteriormente, discurrir sobre periodismo y representación de la diferencia. Por último, desarrollo un análisis sobre el uso de la imagen como recurso para la transmisión de información a partir de la relación entre ficción y realidad.

Palabras clave: Comunicación, Decolonialidad, Diferencia, Imagen, Poder.

Abstract: Starting from the connection between social sciences, communica- tion and image, in this article I present some theoretical reflections on the reproduction of difference and power in hegemonic journalism, in dialogue with decolonial thinking, as well as other theoretical sources such as semiotics and Latin American cultural studies. The objective is to collaborate in the research field that seeks to understand the role of image and the press in our contemporary Western societies. The ar- ticle is divided into four parts. In the first, I propose some reflections on the relationship between communication, decoloniality and power. In the sequence, I present considerations about the relation between the construction of the difference and the reproduction of the power to later discuss about journalism and representation of difference. Fi- nally, I develop an analysis about the use of images as resources for the transmission of information considering the relation between fiction and reality.

Keywords: Communication, Decoloniality, Difference, Image, Power.

Introdução

Tanto en aymara como en qhichwa, lo abstracto y lo concre- to coexisten estrechamente y a veces son expresados por el mismo término. El nivel de abstracción se relaciona a menu- do con un juego de pares opuestos y complementarios.

Silvia Rivera Cusicanqui (2015).

A partir da convergência cada vez mais enriquecedora entre imagem, comunicação e ciências sociais, neste artigo desenvol- vo algumas reflexões teóricas sobre a reprodução da diferença, com ênfase nos discursos relacionados aos marcadores sociais1 gênero, raça e trabalho – como também a interseccionalidade entre tais categorias2 –, no jornalismo hegemônico brasileiro, à luz das relações entre decolonialidade, mito e poder. Este traba- lho apresenta alguns argumentos desenvolvidos na minha tese doutoral3, defendida em setembro de 2017. A temática escolhida demandou um estudo transdisciplinar, em que proponho pensar a comunicação desde a matriz da colonialidade4, a partir de um diálogo com as Ciências Sociais, em especial com a Antropologia da Comunicação, o pensamento decolonial5, com as teorias críticas sobre a comunicação e imagem, além da semiótica e os Estudos Culturais latino-americanos6.

Como pondera Lluís Duch (2004), a comunicação é um dado an- tropológico fundamental, imprescindível e imprescritível, por- que, desde o nascimento até a morte, a constituição do ser humano exige inacabáveis processos de transmissão que permitem a conversão da “mera” informação em autêntica comunicação humana. Além disso, seguindo a sugestão de Miquel de Moragas (2011), entendo que a transdiscisplinariedade é essencial para a compreensão dos fenômenos sociais nos estudos sobre comuni- cação, pois esta é, “ao mesmo tempo, uma disciplina e um campo de estudo”. Segundo as palavras desse autor (Moragas, 2011, p. 29 – tradução minha): “Quando os estudos de comunicação par- tem ou desconsideram os fundamentos teóricos fundamentais das ciências sociais e humanas (especialmente em tarefas for- mativas), geram sua própria degradação”.

O encontro entre as Ciências Sociais e Ciências da Comunicação – em contato também com outras áreas – nos fornece grandes possibilidades de análise. Por um lado, temos a comunicação e a importância de refletir sobre ela e suas diferentes disciplinas e perspectivas. Todos os dias surgem inúmeras questões com- plexas e significativas para as nossas sociedades, que são apresentadas como primordiais para a compreensão das relações so- ciais nos mais diversos níveis. No caso específico deste trabalho, por exemplo, voltei minha atenção para o jornalismo desenvol- vido pela mídia hegemônica e corporativa e para a relação entre discurso e realidade, bem como suas ligações com a reprodução e manutenção do poder. Por outro lado, as ciências sociais estão em constante desenvolvimento e em um processo que amplia cada vez mais seus horizontes de pesquisa, que buscam também dar conta dos diversos processos comunicativos que permeiam o social. Neste sentido, a conexão entre as áreas fornece uma pluralidade muito rica de objetos de estudo e caminhos para pesquisas etnográficas, antropológicas e sociológicas, além da possibilidade de desenvolver (ou ampliar) métodos de análises. Como pondera Maria Immacolata de Lopes (2004, p. 4):

O que se nota é um movimento de convergência de saberes especializados sobre a comunicação, entendido mais como movimento de intersecção que não é, em hipótese alguma, uma amálgama ou síntese de saberes. É, antes um produ- to das relações entre o objeto de estudo, a especificidade das contribuições analíticas e a particularidade da evolu- ção histórica entre ambos. São os percursos disciplinares já trilhados nas tradições dos estudos da comunicação que autorizam parafrasear Canclini que diz: “Estudar a (cultu- ra) comunicação requer converter-se num especialista de intersecções” (Canclini, 1999: 69).

Por muito tempo a comunicação foi ignorada pelas Ciências So- ciais (Calhoun, 2012), que não a viam como objeto potencial de estudo. No entanto, hoje as diferentes áreas das Ciências Sociais têm um papel cada vez mais profundo na produção de conheci- mentos sobre comunicação, com um extenso número de investi- gações consolidadas em diferentes partes do mundo: “Trata-se da relação orgânica entre as ciências sociais e a comunicação na medida em que a sociedade moderna foi sendo cada vez mais plasmada nas formas da comunicação moderna” (Lopes, 2004, p. 9). Desde a América Latina, diversas pesquisas podem ser citadas como referências na aproximação entre as ciências sociais e os estudos da comunicação, como aquelas que foram desenvol- vidas pelos Estudos Culturais a partir da construção da concep- ção dialética de comunicação e cultura (Guardia, 2003).

Podemos mencionar nomes como Jesús Martín Barbero e Néstor García Canclini, que desenvolveram reflexões sobre a modernida- de e os meios de comunicação, como também Renato Ortiz, que concebe a relação entre comunicação e globalização. Hoje temos, igualmente, um grande número de investigações que, a partir das possibilidades que oferecem as ferramentas das ciências sociais, pode ajudar a compreender melhor os diferentes processos re- lacionados com a comunicação, e ainda atua favorecendo a am- pliação do campo, a construção de novos objetos de estudo, novas perguntas, lugares de observação e pontos de partida. Ao mesmo tempo, ao incluirmos a imagem na análise, é possível também ter contato com um grande número de pesquisas que dialoga com as ciências sociais nos mais diversos eixos, sendo esta uma área bas- tante consolidada. Inclusive, ao pensar especificamente na relação entre antropologia e imagem, por exemplo, é possível afirmar que esta começa com o desenvolvimento do trabalho de campo, em que a imagem era utilizada como uma ferramenta complementar da investigação e hoje também é um importante objeto de estudo.

Atualmente, se torna cada dia mais relevante a reflexão sobre as relações que as pessoas têm com os produtos da comunicação e informação, como a imprensa, a internet, a imagem e, inclusive, os smartphones. Pensar na produção e consumo de conteúdos comunicativos e informativos pode nos levar a questões que nos ajudem a entender melhor as pessoas e suas formas de relacio- nar-se. Vídeos, filmes, fotografias, reportagens, livros, anúncios e, até mesmo, a própria comunicação, em sua acepção mais ini- cial, merecem atenção especial de todos os campos das Ciências Sociais, bem como de outras disciplinas que visam entender nosso entorno através de pesquisas comprometidas com a com- preensão e transformação sociais.

O jornalismo, como objeto de estudo, é um exemplo do ponto de encontro entre as ciências sociais e a comunicação. Como lem- bra Christa Berger (2015, p. 682), Max Weber pode ter sido um dos primeiros a destacar essa relação ao apresentar um projeto, não concretizado, no Primeiro Congresso dos Sociólogos Ale- mães, em 1910: “O poder da imprensa, diz Max Weber, ao justifi- car a importância de tal investigação, advém da sua condição de transformar determinadas questões, que ela escolheu, em tema público, e por poder manter no anonimato as razões da escolha e as fontes da informação”. Outros autores, além dos já citados, merecem destaque, como Pierre Bourdieu (1996) e a análise so- bre a televisão e o “campo jornalístico”; Raymond Williams, seu olhar para a cultura e proposta de uma sociologia da comuni- cação e arte (1971; 1981; 2008); John Thompson (1998) e Pe- drinho Guareschi (1983) e os estudos sobre a relação entre co- municação, imprensa e poder; ou ainda a tese de doutorado de Isabel Travancas, “O mundo dos jornalistas”, defendida em 1993, que apresenta uma etnografia de jornalistas de São Paulo e Rio de Janeiro, sendo este um importante estudo para a ampliação e desenvolvimento de uma antropologia de e para a comunicação.

Nesse sentido, entendo os meios de comunicação como um impor- tante campo social de formação de opiniões sobre o mundo que nos rodeia e de grande influência para a criação e reprodução de tradi- ções, memórias, estereótipos, poder e mitos sociais. Desta forma, as narrativas míticas sobre os marcadores sociais da diferença que são produzidas e reproduzidas pelos meios de comunicação atuam nos processos identitários e na manutenção das diferentes relações de poder. Parto do pressuposto de que a repetição de diferentes re- presentações relacionadas à diferença contribui para que diversas desigualdades sociais sejam naturalizadas e para a formação de um imaginário baseado em estereótipos que influencia a forma como reconhecemos a nós mesmos e aos demais. Tal percepção estimula uma lógica que simplifica a vida, as pessoas e suas relações, estimu- lando o embate binário entre aquilo que se construiu como o “bem” e o “mal” e mantendo a reprodução de sistemas de poder.

No caso deste trabalho, direciono meu olhar para os meios de comunicação hegemônicos e corporativos, especificamente para os discursos produzidos pelo jornalismo, e para o modo como são construídas as narrativas relacionadas com a diferença, com ênfase em gênero, raça e trabalho, a partir da relação entre tex- to e imagem em diferentes formatos7. O artigo está dividido em quatro partes. Na primeira, trago algumas reflexões sobre a re- lação entre comunicação, decolonialidade e poder. Na sequência apresento considerações sobre a relação entre a construção da diferença e a manutenção do poder para, posteriormente, dis- correr sobre jornalismo e representação da diferença. Por últi- mo, desenvolvo uma análise sobre o uso da imagem como recur- so para transmissão de informações (e pontos de vista) a partir da relação entre ficção e realidade.

Sobre comunicação, decolonialidade e poder

Para Raymond Williams (1971), o significado mais antigo para comunicação pode ser resumido como a transmissão de ideias, informações e atitudes de uma pessoa para a outra. Já os meios de comunicação, como pontuam Noam Chomsky e Edward Her- man (1990, p. 21), atuam como sistemas de transmissão de mensagens e símbolos com a função de divertir, entreter, infor- mar, como também orientar os indivíduos dos valores, crenças e códigos de comportamentos que os integraram nas estruturas institucionais da sociedade. Entretanto, os autores lembram que a concentração de riqueza nas mãos de poucos e os grandes con- flitos de interesse de classe precisam de uma propaganda siste- mática para o cumprimento de tal papel.

Segundo Chomsky e Herman, o domínio dos meios de comunica- ção por parte de um mesmo grupo social, no caso a elite, baliza as premissas dos discursos, sua interpretação e a definição de o que é jornalismo e do que é digno ou não de ser publicado, de tal modo que se naturaliza a autoridade do jornalismo e de suas corporações. Desta forma, em uma sociedade capitalista, o jornalismo é entendido como um produto que participa das lógicas dos objetos de consumo (Guareschi, 1981). No caso, a linguagem e o próprio conteúdo, embutidos de sentidos conota- dos e denotados, são os produtos mercantilizados pelos meios de comunicação. A produção desse conteúdo depende do domí- nio do conhecimento tecnológico – e de poder econômico para mantê-lo – e de que as corporações sejam compreendidas pela sociedade como autônomas e livres de ideologias e interesses políticos e econômicos.

Nesse sentido, a escolha por analisar o jornalismo está pauta- da em sua importância para a construção social sobre o mun- do, realizada também através do domínio das linguagens icóni- cas, escritas e auditivas. Além disso, foi construída ao longo das últimas décadas uma autoridade do fazer jornalístico a partir da ideia de credibilidade e neutralidade dos meios, que os relaciona à verdade e à imparcialidade. Entretanto, a análise das narra- tivas desenvolvidas pelo jornalismo carrega a possibilidade de trazer um olhar mais atento para a relação existente entre rea- lidade e ficção e suas implicações na vida prática dos diferentes grupos sociais, que inclui a reprodução do poder.

Para pensar as estruturas de poder, utilizo o conceito de “colo- nialidade do poder”, de Aníbal Quijano (2009,), entendido como um padrão que influencia a construção de relações sociais ba- seadas na exploração, dominação e conflito articulado, princi- palmente, em função das disputas pelo controle de importan- tes meios da existência social. São eles: o trabalho, a natureza,

o sexo, as subjetividades (que incluí o conhecimento) e a au- toridade. Através da reprodução da colonialidade do poder se busca manter os padrões vigentes das relações sociais e, assim, assegurar a manutenção dos privilégios daqueles poucos grupos que estão no topo da pirâmide, o que inclui a naturalização das classificações e dos significados construídos relacionados aos marcadores sociais da diferença, como é o caso dos estereótipos de gênero, raça e trabalho. Assim, a representação entre “ven- cedores” e “vencidos”, “visíveis” e “invisíveis”, “bons” e “maus” são responsáveis por ajudar a distinguir de qual lado da linha “abissal ” (Santos, 2009) se deve ocupar.

A naturalização das instituições e a separação das categorias he- gemônicas e subalternas, através da produção de um imaginário mitológico é, para Aníbal Quijano (2009), um dos mecanismos mais utilizados para reprodução do poder. Aqui, os meios de co- municação de massas – incluindo o jornalismo – ganham uma especial importância, já que são entendidos como uma das prin- cipais formas com as quais as pessoas se informam, contribuin- do para a percepção sobre a realidade ao redor.

A forma como as relações políticas, econômicas, raciais e étnicas, de gênero e sociais são compreendidas hoje pode ser pensada a partir do conceito da diferença colonial, que nasce com o sistema-mundo8 (Wallerstein, 1988) moderno/colonial – com o nascimento e in- venção do Outro/Outra – e que, para Walter Mignolo (2003, p. 39, tradução minha), consiste em “classificar grupos para identificá-los por suas faltas ou excessos, os quais marcam a diferença e a inferioridade com respeito a quem classifica”. A diferença colonial mantém as mesmas matrizes iniciadas no século XVI, que constrói um imaginário – e relações de poder concretas – fundamentado na perspectiva branca-patriarcal-civilizada-desenvolvida como supe- rior às demais, porém, reformulando-se com base nos momentos históricos particulares. Deste modo, vemos a construção de um ser e de um não ser. Tais discursos hegemônicos buscam silenciar as falas do Outro/Outra que foi construído como inferior, assumindo a diferença e o lugar de enunciação subalterno como premissas des- tes sujeitos da alteridade (Rivera, 2014).

Mignolo (2000, p. 63) reflete que o imaginário do mundo mo- derno/colonial surgiu da complexa articulação de forças de vo- zes ouvidas ou apagadas, de memórias reveladas ou silenciadas, desde a dupla consciência que gera a diferença colonial. Vale re- fletir sobre a tensão que existe entre essas vozes e memórias, em que diferentes grupos buscam espaços para apresentarem novos pontos de vista sobre outros modos de entender o mun- do. Neste sentido, se trata de um campo político tenso, que está localizado na luta pela hegemonia, que pode ser compreendida a partir da reformulação que Stuart Hall (2003) desenvolveu do conceito de Antonio Gramsci, observando o caráter multidimen- sional que envolve as diversas áreas da hegemonia9.

Nesse sentido, manter o controle dos meios de comunicação he- gemônicos é uma das principais ferramentas para a manuten- ção das relações de poder e das lógicas impostas pela diferença colonial, através da (re)produção de imaginários mitológicos que criam estereótipos e homogeneízam identidades diferentes e plurais. Como lembra Yuri Torres (2006, p. 364), o acelerado crescimento dos meios na sociedade e a adoção de novas tecno- logias contribuíram para a produção de transformações socio- culturais, econômicas e políticas que colocaram os mass medias num lugar de preeminência nas sociedades contemporâneas. Desta forma, os grandes grupos de comunicação podem ser con- siderados como um dos principais responsáveis pela manuten- ção de pontos de vistas dominantes, que atuam na construção do Outro/Outra e de nós mesmos. Segundo o autor:

Desde a imprensa, os pasquins ou as crônicas da época colo- nial até os meios de comunicação atuais na América Latina, a comunicação se mantem inalterada em seu papel de legi- timador colonial que assenta nos processos discursivos de civilização/barbárie com o objetivo de justificar uma ordem enquadrada na lógica de progresso ocidental. Quer dizer, os meios vão propagando/articulando os discursos de cunho colonial. (Torres, 2006, p. 373 – tradução minha).

Seguindo a sugestão de Torres, entendo que os protótipos coloniais de construção de representações do Outro/Outra estão fortemente modelados pelos meios de comunicação. Num pri- meiro momento, podemos lembrar a forma “exótica” que são re- presentados, pelo cinema e pela televisão, todos aqueles que são diferentes ao ocidente. Porém, as representações falam também do Outro/Outra que está próximo a “nós” utilizando do mesmo discurso moderno/colonial10 da diferença, estabelecendo ide- ologias racistas, classistas e de gênero. Como pontua Claudio Rivera, pensar os meios de comunicação como instituições que exercem dominação social, principalmente a partir da constru- ção de significados que vão sendo instalados em espaços públi- cos midiáticos, aponta que as práticas discursivas geradas por atores situados no espaço privilegiado da diferença colonial bus- cam “assegurar um ordenamento estrutural da população base- ada em narrativas que legitimam sua identidade, contrapondo a esta as identidades/alteridades que historicamente foram situa- das no espaço subalterno do sistema mundo moderno/colonial” (Rivera, 2014, p. 170 – tradução minha).

Rivera (2014, p. 170) assinala que estabelecer o racismo, como também o gênero, a classe, ou outros marcadores sociais da diferença, como uma ideologia de controle social presente nos discursos dos meios de comunicação hegemônicos demonstra que esta ideologia funciona como um modelo de dominação por parte das elites culturais que governam os meios de produção simbólica a modo de “reproduzir as condições que permitem exercer este poder sobre a(s) classe(s) dominadas” (van Dijk apud Rivera, 2014, p. 170 – tradução minha). Porém, voltando à definição de hegemonia de Hall, o poder não é algo estático e definido e é necessário utilizar diversas ferramentas para a sua manutenção. Neste sentido, para que o conteúdo seja dissemi- nado e assimilado, é importante que ele seja compreendido pela sociedade como verdadeiro.

Entretanto, parto do pressuposto que qualquer produção de conteúdo requer uma escolha e um ponto de vista. Se trata de uma representação. É uma ficção, no sentido original de fic- tio, conforme nos lembra Clifford Geertz (1978, p. 11), em que se trata de “algo construído”, isto é, de um discurso factício11. Tal ideia de realismo, relacionado com a “verdade”, esconde o sentido fabricado que as narrativas transmitidas pelo jornalis- mo conotam, tornando-as naturais. Por conseguinte, entendo que a naturalização impossibilita que elas sejam vistas como sistema de valores. Além disso, os meios ainda contam com a imagem como ferramenta narrativa, que auxilia ainda mais na construção do contexto da notícia e a torna ainda mais próxima ao “real”.

A construção social da diferença e a (re)produção do poder

Neste tópico proponho pensar na diferença colonial como o principal padrão de diferenciação (re)produzido pela mídia hegemônica no Brasil. Os paradigmas da colonialidade do poder, do ser e do saber (Castro-Gomez, 2005; Quijano, 2009; Mignolo, 2013; Walsh, 2013) são reafirmados a partir de discursos tex- tuais e icônicos, presentes diariamente nos rituais relacionados à imprensa e à produção de notícias. Para Rivera (2014, p. 164 - tradução minha): “a colonialidade é expressa em nossas socie- dades ocidentais por meio de quadros significativos que organi- zam o universo social e cultural a partir da lógica de legitimar a mesmice e deslegitimar a diferença”.

A perspectiva da colonialidade busca demonstrar como a construção do Outro/Outra, inferiorizado por sua diferença (a princípio racial), a partir da chegada dos europeus à América, ajudou na formulação do imaginário ocidental, do conhe- cimento compreendido como válido e das relações concretas de poder que persistem até hoje. Neste trabalho, proponho olhar para as estruturas de poder que através do domínio da produção de conteúdo noticioso agem e justificam as diferen- ças e, deste modo, as desigualdades, bem como os processos de inclusão e exclusão relacionados com a intersecção entre gênero, raça e trabalho, que podem ser traduzidos em ques- tões políticas, econômicas, como também nas pequenas relações cotidianas.

Vale destacar que os conceitos de gênero e raça são compreendi- dos como construções sociais que se relacionam com as estrutu- ras de poder12. Quando me refiro à trabalho, quero falar das di- ferentes posições que as pessoas ocupam no sistema produtivo, que influenciam e são influenciadas pelos fatores econômicos e sociais. As classificações geradas a partir dos conceitos de raça e gênero ajudam a definir a posição dos sujeitos na divisão social do trabalho, que engloba também as possibilidades de acesso a distintos conhecimentos (Delgado, 2007) e de maior ou menor inserção econômica. Certas profissões são mitificadas como su- periores a outras e colocam os sujeitos em posições de privilé- gios, não apenas econômicos, mas também simbólicos.

Nesse sentido, entendo que a diferença social é uma construção. Em muitos casos, questões genéticas e biológicas, como o sexo ou a cor da pele, influenciam a compreensão de certas diferenças, que também são constituídas a partir da linguagem. Ou seja, são o re- sultado de interpretações culturais e discursos contextualizados. A diferença é construída na relação entre identificação, reconheci- mento e estranhamento, quando percebemos a nós mesmos e ao Outro/Outra. Desta forma, a compreensão do que essa diferença significa é alcançada através da fala e dos discursos sociais. Po- demos dizer que nas sociedades ocidentais modernas/coloniais a diferença é entendida dentro de um contexto de normalidade e anormalidade, através de marcadores sociais da diferença, alguns influenciados pelas características biológicas, e outras sociais, cul- turais, políticas, econômicas, etc., bem como locais de nascimento, idiomas, entre outras características.

No contexto do mundo atual, a compreensão e o respeito à dife- rença se apresentam como importantes campos de pensamento e ação, porque a diferença (e a alteridade) é um conceito-chave para a construção de um mundo “onde caibam muitos mundos”13. Nas palavras de Santos (1997, p. 30 – tradução minha): “os po- vos têm o direito de serem iguais, quando a diferença os torna inferiores, mas também têm o direito de ser diferentes quando a igualdade põe em perigo sua identidade”.

A questão central é que a diferença, em grande medida, é utili- zada para oprimir, invisibilizar e dominar aqueles que não se- guem (e de certa forma também aqueles que seguem) as normas formuladas e impostas como padrões da normalidade. Por um lado, a construção do Outro não-europeu foi baseada na negação de sua alteridade (por questões étnicas, raciais e culturais) e na compreensão da diferença como característica de inferioridade. Por outro, a construção do sistema-mundo moderno/colonial foi consolidada sobre a premissa da superioridade da cultura europeia, que difundiu para o resto do mundo também suas di- ferenças internas e implementou alguns padrões de poder (en- tendidos como colonialidade do poder, do ser e do saber), que estabelecem limites para o imaginário e para as relações – tanto locais quanto globais –, como o patriarcado, a heteronormativi- dade e o adultocentrismo, além de influenciar a configuração de valores e instituições. Tais padrões são moldados e reconfigu- rados dentro de cada cultura em particular, o que gera práticas coloniais e outras opressões internas, grupos hegemônicos e su balternos, heterarquías (Kontopoulos, 1993) diferentes e outras lógicas que seguem e exercem tais padrões.

A separação das culturas sob uma divisão de raças (e etnias) e por suas práticas culturais, através da compreensão de seu grau de civilização14, gerou uma lógica de divisão entre os po- vos – do passado e logo do presente – que os constituem como hegemônicos ou subalternos. Entretanto, desde uma pers- pectiva decolonial, entendo que as diferenças entre pessoas e culturas não devem ser usadas para criar, manter ou justificar desigualdades sociais, porque as diferenças, a priori, não pre- cisam ser boas ou más, portanto as desigualdades não devem ser um reflexo das diferenças. Porém, o discurso valorativo é responsável por transformar as diferentes características em categorias maniqueístas, que passam a influenciar que a dife- rença seja usada para determinar e fundamentar as desigual- dades. No Brasil, por exemplo, existe uma grande relação entre diferença e desigualdade social, na qual é possível fazer um paralelo entre cor e classe social, classe social e posição de trabalho, posição de trabalho e gênero, entre muitas outras possibilidades e intersecções.

A diferença é usada para explicar as distintas tanto as posi- ções sociais entre indivíduos e grupos como a forma como os recursos são distribuídos no planeta. Se busca justificar os di- versos níveis de poder através da naturalização da diferença, à luz de um discurso que promove uma suposta igualdade de oportunidades para todas as pessoas. Canclini (2004) acredita que o mundo está hegemonizado por um programa neoliberal que exibe toda a sua incapacidade de gerar crescimento e es- tabilidade para todos. Ao pensar sobre a questão da diferença na América Latina, o autor propõe relacionar três direções teó- ricas que estão sendo desenvolvidas desde as Ciências Sociais, pois correspondem a temporalidades distintas que coexistem na região simultaneamente: a diferença (étnica, de gênero, de região), a desigualdade (provenientes destas diferenças e outras distribuições desiguais de recursos) e a desconexão (relaciona- da com a tecnologia e a influência nos processos que envolvem a saúde, informação, trabalho, etc.), que devem ser investigadas desde as particularidades de cada região e têm a ver com a dinâ- mica de inclusão e exclusão gerada a partir da maior ou menor acesso a tecnologias, tanto social como individualmente. Essas distinções relacionadas com a diferença ocorrem, então, no cam- po do imaginário, pelo modo como percebemos quem somos e quem são os Outros/Outras. Também surgem desde os âmbitos práticos, de ações e relações concretas nos mais distintos pontos de ser/estar social.

Para concluir este tópico, destaco que o Brasil é um país extrema- mente desigual. Em 2014, o índice de Gini, o mais utilizado para medir a desigualdade global, foi de 0,490. Convém recordar que o índice varia de 0 a 1: quanto mais próximo de 0, menos con- centrada é a distribuição de renda. O número brasileiro é muito distante dos países europeus e mais próximo de outros países latinos, como México, Paraguai e Guatemala. O Relatório sobre a Distribuição da Renda e da Riqueza da População Brasileira, baseado na declaração fiscal de 2014, apontou que 0,1% das pessoas mais ricas (27 mil pessoas), que fizeram a declaração, possuem 6% da renda bruta do país, o que significa que elas têm uma renda 3.101% superior ao rendimento médio dos outros entrevistados, além de ter uma quantidade de bens e direitos 6.448% superior à média. E os 5% mais ricos são responsáveis por 28% da receita bruta. Na próxima seção, proponho uma re- flexão sobre o assunto, baseada no papel da mídia. Como afirma Georges Balandier (1994, p. 29 – tradução minha): “a linguagem do poder necessariamente contribui para que se manifestem as diferenças sociais”.

O papel do jornalismo nas representações das diferenças

As questões envolvidas no tema da diferença foram e conti- nuam a ser uma das principais preocupações da antropologia para compreender a complexidade do mundo de hoje. Neste caso, minha premissa é que através das representações base- adas na diferença, (re)produzidas pela imprensa, se naturali- zam múltiplas desigualdades sociais que contribuem para a manutenção do poder social, que proponho pensar em termos políticos, econômicos e simbólicos. Aqui, os meios de comuni- cação são entendidos como sistemas de mediação e (re)produ- ção (Rivera, 2014).

Para desenvolver o tema, uma das perguntas que faço é: como o jornalismo hegemônico contribui para a construção do Outro/Outra? Diante do exposto, como as representações da diferença colaboram para a percepção social da realida- de, justificativa e manutenção (ou mesmo transformação) das desigualdades sociais? Neste caso, seguindo a sugestão de Rivera (2014), a diferença é um fator de conflito? Então, como a mídia hegemônica aborda os conflitos relacionados às diferenças?

Primeiro, a partir de sua compreensão como um artefato cultu- ral, a principal missão do jornalismo é produzir e distribuir in- formações. Sua construção como produto no âmbito do sistema capitalista neoliberal é desenvolvida a partir da relação entre tecnologia, técnica e linguagem, fundamentada e possibilitada, em maior ou menor grau, pelas relações imbricadas de poder político, econômico e simbólico. Então, sua importância é deter- minada pela mediação exercida entre a “realidade social” – cons- truída –, que inclui a representação de várias áreas e agentes da vida social, e as próprias pessoas.

O jornalismo pode ser entendido como uma ferramenta que é usada de maneiras distintas para alcançar objetivos diferentes. Pode ser usado para manter o status quo, manipular ou como um mecanismo de crítica e transformação social. É feito por pessoas, sobre pessoas e para pessoas. Em resumo, podemos dizer que a base do jornalismo é a produção de discursos, que têm duas características fundamentais, que explicam sua importância nas sociedades ocidentais contemporâneas. A primeira é o signifi- cado social do que é o jornalismo, construído e cotidianamente reafirmado no imaginário, que o consolida como um importan- te dispositivo social da vida atual; a segunda é a construção de enunciados factícios, nos quais reside a copresença de mitos e logos, isto é, o jornalismo pode promover, ao mesmo tempo, tan- to funções racionais como funções imaginativas (Duch, 2004).

Através do jornalismo, é possível reproduzir desigualdades, al- teridades e diferenças desde múltiplas perspectivas. De tal for- ma que, levando em conta os interesses econômicos e políticos por trás da mídia hegemônica e corporativa, é possível supor que estes interesses atuem como contrapontos importantes no momento de (re)produzir representações sociais e informações diversas. Dito isto, é possível refletir sobre como o jornalismo hegemônico corporativo é responsável por reproduzir e natura- lizar diferenças e desigualdades. Isto não significa que a mídia hegemônica não relate problemas sociais ou que não forneça espaços para que diferentes grupos apareçam e se manifestem, mas é importante analisar em que contextos isto acontece. En- tão, vale a pena perguntar: como o jornalismo hegemônico aborda a questão das desigualdades sociais? Quais palavras e significados são evidenciados? Como o racismo e o machismo são reproduzidos ou combatidos? E como se constrói o discurso dualista sobre o bem e o mal?

Como reflete Rivera (2014), os meios de comunicação são entendidos como instituições que exercem a dominação social, principalmente pela construção de significados que são colo- cados no espaço público de consumo midiático. De acordo com suas palavras:

As práticas discursivas geradas por atores situados no espaço privilegiado da diferença colonial do sistema-mundo moderno/colonial buscam garantir ordenamento estrutural da população a partir de narrativas de legitimação de sua identidade, contrapondo-se às identidades / alteridades que historicamente têm sido situadas no espaço subalterno do sistema-mundo moderno/colonial (Rivera, 2014, p. 170 – tradução minha).

Para o autor, a comunicação está sujeita ao controle do mercado, que está acima dos princípios deontológicos ligados ao respeito e valorização do plural. Para analisar o tema, Rivera (2014, p. 164) apresenta a teoria da mediação social de Manuel Martín Serrano, que entende a mídia como um dos sistemas institucionais “que constroem o social e, ao mesmo tempo, estabilizam o modelo so cial dominante de controle social através de mecanismos de me diação”. Para Martín Serrano (1976, p. 179 – tradução minha):

Os indivíduos e a própria sociedade desenvolvem e usam sistemas regulatórios institucionalizados para reduzir a dis- sonância. Quando esses sistemas operam no nível cognitivo, os chamamos de modelos de ordem ou modelos mediadores. Do ponto de vista formal, a mediação é equivalente ao sistema de regras e operações aplicadas a qualquer conjun- to de fatos, ou de coisas pertencentes a planos heterogêneos da realidade, para introduzir uma ordem.

Para abordar a questão da mediação exercida pela mídia, Martín Serrano (1985, p. 141) fala sobre mediação cognitiva e mediação estrutural. A cognitiva “opera em relatos, oferecendo aos públi- cos modelos de representação do mundo. Já a mediação estru- tural dos meios opera sobre os suportes, oferecendo modelos de produção de comunicação ao público”. Para o autor, as duas atividades resultam do esforço para construir uma identidade que sirva de referência ao grupo social, com o objetivo de pre- servar sua coesão dos efeitos desintegradores que tem a mudan ça social, assim como, posso acrescentar, para a manutenção de relações de poder.

Segundo Serrano, a mediação cognitiva, ao elaborar uma repre- sentação do mundo, é confrontada com o conflito entre o acon- tecer/acreditar e, desta maneira, produz mitos, atuando no nível do conteúdo. Como explica Rivera (2014, p. 165), a mediação cognitiva está relacionada à produção de sentidos “capazes de delimitar os campos da percepção mental dos sujeitos que in- teragem com os sistemas de mediação, mitificando crenças so- bre os eventos que surgem no social”. E a mediação estrutural, quando se elabora um produto comunicativo, é confrontada com o conflito entre acontecer/prever e, assim, produzir rituais, atu- ando no nível das formas de produção. “É a implementação de formatos estáveis de produção de significados desde os meios de comunicação de acordo com sua especificidade técnico-es- trutural” (Rivera, 2014, p. 166 – tradução minha).

O tema da mediação mudou e ganhou outras dinâmicas com o estabelecimento da “sociedade em rede” (Castells, 2005) e da “globalização” que, entre outras coisas, gerou a extensão da realidade em que vivemos com outro universo virtual, que “amplia para uma escala até então desconhecida nossas capacidades intelectuais e instrumentais de criar e utilizar informações” (Martín Serrano, 2008, p. 22 – tradução minha) e, deste modo, (re) produzir e consumir informações diferentes sobre o mundo.

Nesse sentido, entendo os discursos noticiosos da mídia hegemônica como um sistema de mediação que busca construir identidades através da (re)produção de narrativas e ideologias, com significados conotados e denotados, que representam aos Outros/Outras e a nós a partir das diferenças construídas como boas ou más, normais ou anormais, para atuar na manutenção de uma determinada ordem social associada ao poder. Tais discursos, em geral, operam sob uma suposta igualdade que, na realidade, não contribui para o reconhecimento das diferenças, mas, sim, para sua supressão e invisibilização. Além disso, inclui valores hierárquicos que assumem um papel decisivo na cons- trução dos imaginários sociais e das práticas das pessoas na es- fera privada e coletiva.

Além disso, grande parte da narrativa busca construir a ideia de que todos nós podemos ter acesso a melhores condições sociais, de maneira que aqueles que estão em posição de desvantagem o estão por demérito próprio. Como escrevem Quijano e Wal- lerstein (1992), “o racismo refugiou-se em seu aparente oposto, o universalismo e seu derivado: o conceito de meritocracia”. Os discursos midiáticos baseados no mito da meritocracia natura- lizam as desigualdades como uma questão individual, mas que, na realidade, são o resultado de construções sociais coletivas que entendem a diferença como justificativa para que sejam ocupados os papéis subalternos ou hegemônicos. A participação da imprensa está nessa dinâmica. Segundo Teun van Dijk (2003 apud Rivera, 2014, p. 170 – tradução minha), isso se deve a que:

O falante tenta influenciar a mente de seus ouvintes ou leito- res, de tal forma que suas opiniões ou atitudes permaneçam ou se aproximem das do comunicador. Desta forma, o ora- dor ou escritor pode justificar ou legitimar suas cognições ou ações específicas ou de outros membros do grupo local, ou desqualificar aqueles dos membros do grupo externo.

Nesse sentido, Rivera (2014, p. 171 - tradução minha) diz que a manifestação do racismo, e podemos estender o raciocínio para a questão do machismo e dos diferentes significados associados com o patriarcado, “no contexto das sociedades que surgem a partir de uma perspectiva pluralista democrática, expõe, ao con trário, sociedades etnocêntricas e racistas, produto da prolife- ração de um discurso social associado a essas categorias con- ceituais”. Além disso, van Dijk afirma que nessas sociedades o racismo mudou sua manifestação explícita para uma “forma de democracia que concebe a alteridade dentro de formas de ra- cismo simbólico de caráter multicultural” (apud Rivera, 2014, p. 171 – tradução minha), que atua não apenas por questões relacionadas à aparência física, mas também pela intersecção com outras características ou marcadores sociais de diferença, como idioma, religião, costumes, valores, trabalho, etc. “O ra- cismo, desde esta perspectiva, é uma prática de exclusão para aqueles “outros” que são diferentes de “nós”. O racismo é uma estratégia de dominação fundamental para organizar a diferen- ça colonial” (Rivera, 2014, p. 172 – tradução minha).

A partir dessas considerações, proponho assumir que o mito da igualdade racial no Brasil15 é outra ferramenta para a manutenção da opressão e de certos significados hegemônicos sobre o que é ser diferente, da mesma forma que a associação de certas práticas aos diferentes gêneros atua na construção de pa- péis sociais e também justifica desigualdades sociais. Tais con- siderações remetem à relevância da construção de estereótipos pelos discursos midiáticos, que operam como promotores de re- conhecimento entre nós e os Outros/Outras. Neste sentido, Ri- vera (2014, p. 164 – tradução minha) aponta que: “a alteridade, quando colocada como uma força de tensão do sistema dominante, é representada pelos sistemas de mediação como sujeitos estereotipados, como fontes de irrupção do projeto civilizador da modernidade”.

A importância da imagem como ferramenta narrativa

A transmissão de significados e informações pelo jornalismo tem a imagem, e seu “efeito de real” (Barthes, 2004), como uma importante ferramenta. A imagem possibilita, por meio do visu- al (e auditivo, quando é o caso), o contato com diversos signifi- cados que foram previamente negociados nos campos simbólico e cultural de uma sociedade. A imagem pode criar uma repre- sentação da realidade, fornecendo uma ideia sobre o real, que possibilita a construção de um discurso imaginativo.

Ao compreender os meios de comunicação como instituições dotadas de “poder sancionador e explicativo” (Duch e Chillón, 2012, p. 382), com amplo espectro de difusão em relação à (re) produção de fatos sociais e à construção da realidade, neste tó- pico vou refletir sobre o papel do jornalismo neste processo e sobre o uso de imagens – fotografias e vídeos – como recurso narrativo e como um instrumento auxiliar na disseminação de discursos. A fotografia e o vídeo são percebidos como textos vi- suais, que possuem características próprias de produção, reprodução e interpretação e um papel consolidado e independente no campo do jornalismo.

Como exemplo, os quatro formatos midiáticos analisados na minha pesquisa de doutorado apresentam diferentes práticas quanto à produção e disseminação de imagens, devido as espe- cificidades dos formatos de cada um e, da mesma forma, a relação e interpretação do público. A televisão possui movimento e áudio para complementar o visual, o que a transforma em uma produtora de conteúdos ainda mais “realistas”, já que a montagem possibilita a continuidade espacial de diferentes tempos e espaços (Menezes, 1996), que são colocados no mesmo lugar no tempo presente. Além disso, sua produção é mais complexa, pois geralmente necessita de um grupo maior de pessoas desde a produção, passando pela captação das imagens até sua transmissão final e, desta forma, fica ainda mais imbricada com o do mínio, no sentido amplo, estético e tecnológico.

A montagem de uma reportagem audiovisual prioriza certos pontos de vista e recortes, com uma escolha cuidadosa de tudo o que aparecerá em quadro. Enquanto as imagens passam diante dos olhos, o repórter narra o que aconteceu, a partir da seleção de palavras e verbos, com a suposta intenção de apenas relatar objetivamente, sem julgamento de valor, o que ocorreu. Os per- sonagens e testemunhas que aparecem nas reportagens dão ain da mais veracidade às notícias, porque não é o repórter ou o jor- nal que estão dizendo – mesmo sendo eles os responsáveis por escolher as pessoas que irão falar, que parte de suas palavras vai aparecer e em que momento da reportagem, o que interfere, indica e constrói essa realidade. O conteúdo de uma reportagem televisiva, na qual múltiplos sentidos estão envolvidos, se corre laciona com o texto – e isto inclui a expressão facial, os gestos e a entonação do que é dito por todos que fazem parte da matéria, como os âncoras do telejornal –, além do contexto em que foi exibido em relação às outras matérias, ou seja, a edição do noti- ciário como um todo.

As fotografias estáticas de jornais, revistas e online são um campo próprio, extremamente importante para a consolidação de jornais impressos na época de crescimento do formato e, até hoje, são fundamentais para a elaboração do jornalismo e sua eficiência como construtor de fatos sociais e realidades. O fotojornalismo é um campo amplo, que possui diversas verten- tes e possibilidades estéticas e técnicas, mas, em geral, tem as características documental ou testemunhal como uma de suas bases. Uma das funções das fotografias nos jornais é apresentar um relato fiel ao reportado. Além disso, um dos grandes méritos da fotojornalismo é que a sua interpretação ocorre, primeiro, por reconhecimento visual do conteúdo presente na imagem, antes mesmo que o leitor tenha contato com qualquer texto ou explicação. Quando relacionamos a imagem com o título corres- pondente, os sentidos da imagem costumam ser direcionados pelo texto, e só depois são compreendidos dentro do contexto de toda reportagem, mas que ocorre apenas quando as pesso- as leem todo o conteúdo produzido, o que pode não acontecer em todos os casos. Outra função é ilustrar a reportagem e, neste caso, não é necessário que a fotografia esteja diretamente rela- cionada ao momento passado narrado no texto; ou seja, não se trata mais de relatar de forma confiável um fato, mas enfatizar e direcionar o significado a partir do contato visual e, deste modo, atuar no imaginário e na memória social.

A internet tem como característica fundamental uma relação di ferente com o espaço e o tempo, que, inclusive, beneficia os for- matos mais clássicos da imprensa, já que, através de suas versões online, podem manter armazenado todo o conteúdo e reproduzi-lo em uma dimensão antes inimaginável. A internet constrói uma nova gramática em relação à produção de notícias e novas formas de consumo e interação com o público, que agora pode se conec tar ao mundo das notícias a qualquer momento e em qualquer lu- gar, com mais fluidez, mas, talvez, de forma mais superficial. Uma notícia em um site é uma janela para outras reportagens relacio nadas, álbuns de fotos, gráficos e conteúdos interativos, vídeos, comentários e diálogos com o público – apenas para mencionar algumas características dos processos midiáticos da sociedade em rede. Através da internet é possível produzir diversos conteúdos, que inter-relacionam diferentes formatos narrativos, com muita ênfase em imagens, fotografias e vídeos, além de possibilitar o contato com produções de diferentes partes do mundo, realizadas não apenas por profissionais do fotojornalismo, por exemplo, mas também por amadores e pelo próprio público.

Para Barthes (1986, p. 11) “a fotografia de imprensa é uma mensagem” contínua e complexa, que aqui também amplio para as imagens em movimento, constituída por: 1) uma fonte emis- sora, como ele chama as pessoas que fazem parte dos grupos editoriais, como fotógrafos e operadores de câmera – e, nes- te caso, suas referências anteriores, tanto em termos técnicos como estéticos –, os editores, os repórteres, etc.; 2) um canal de transmissão, que é o próprio veículo de comunicação no qual a imagem será reproduzida; e 3) um meio receptor, que é o públi- co que lê [ou assiste] o (tele)jornal (assim como qualquer outro produtor de notícias, como um portal na internet ou uma revis- ta). Da mesma forma, também incluo (pensando que a produção de uma imagem é coletiva) outro elemento: 4) uma fonte de re- presentação, que se refere ao que está sendo representado, que pode ser lugares, objetos, pessoas, etc.

Com esse raciocínio, Barthes quer dizer que as mensagens presentes na imagem estão relacionadas às outras mensa- gens que a permeiam, como o título da notícia, a legenda, o layout e até o meio em que foi divulgada. A mesma imagem pode ter diferentes conotações – e denotações –, dependendo de onde foi disseminada. Segundo o autor, ao olhar especificamente para as mensagens que compõem as imagens, a fo- tografia, “além de ser um produto e um meio, é também um objeto dotado de uma autonomia estrutural” (Barthes, 1986, p. 12 – tradução minha). No caso do jornalismo, esse objeto está sempre em diálogo com um texto, o que provoca os senti- dos óbvios e obtusos existentes nas mensagens visuais (e nas mensagens midiáticas em geral).

A leitura das imagens é sempre histórica e cultural e depende do conhecimento pré-existente do público. Sua compreensão passa pelo processo de verbalização e empalavramento (Duch e Chillón, 2012) da realidade representada, que, em contextos específicos, é promotora de significados simbólicos e conceituais, apresentados e indicados. As imagens presentes no jornalismo, sempre ligadas às suas referências, apresentam um discurso factício porque têm a característica de se expressar através da pretensão historiadora ou documental, ao mesmo tempo em que apresentam um direcionamento de sentido, previamente negociado e construído.

Tais direcionamentos de sentidos estão relacionados aos siste- mas e ideologias de valores presentes no discurso, às tentativas de ressignificá-los e aos padrões culturais e de pensamento que transformam sentidos e realidades construídos em sentidos e realidades naturalizados. Isso não significa que tudo seja pre- meditado, mas os padrões, os sistemas ideológicos e de valores, os estereótipos, etc., os interesses comerciais e políticos dos gru- pos de comunicação também estão presentes naquelas pessoas responsáveis por captar as imagens, escrever os textos ou editar, já que estas também fazem parte do mesmo contexto social e são influenciados por ele. Neste sentido, muitas vezes continu- am reproduzindo o mesmo, sem qualquer reflexão crítica.

Pensando na perspectiva da autoridade da imagem16, um texto ganha muito mais valor documental quando pode ser verifica- do através de um vídeo ou uma fotografia, pois de algum modo o momento pode ser “vivenciado” mesmo por aquelas pessoas que não puderam estar fisicamente presentes quando ele de fato ocorreu. Desta forma, quando ilustramos e representamos o texto com uma imagem, estamos moldando e dando um rosto às palavras, uma forma, um significado, e agimos assim no ima- ginário e nas percepções sobre o mundo. Além disso, uma notí- cia, quando acompanhada por uma fotografia, geralmente atrai muito mais atenção.

Como mencionei, um fato social é desenvolvido por pessoas, para pessoas e, em grande medida, refere-se às pessoas. Assim, para pensar o tema das representações e tipificações sociais construídos pelos meios de comunicação, a imagem é um instru- mento fundamental. As imagens permitem que os sentidos pretendidos tenham faces específicas, escolhidas e reconhecidas, na maioria das vezes, sob os estereótipos, narrativas míticas e sentidos comuns, que são sustentados pelo padrão hegemônico da diferença colonial. Tais representações revelam preconceitos, desigualdades, invisibilidades e relações de dominação vincula- das aos campos da produção cultural e simbólica, bem como aos campos e processos políticos e econômicos que buscam perpetuar a colonialidade do poder, do ser e do saber.

A pluralidade do mundo acaba sendo simplificada em algumas categorias que são etiquetadas de uma maneira maniqueísta e apontam para o que é bom e para o que é ruim. Ao agir sobre as estruturas e instituições que mantêm a ordem da produção de fatos sociais que constroem a realidade individual e coletiva, os meios de comunicação são mecanismos básicos porque ope- ram na formulação de imagens, de sentidos e, posteriormente, de reconhecimento. Dito isto, a ideia de reconhecimento parece fundamental para entender o processo de produção do Outro/ Outra e de “nós” e a naturalização dos respectivos papéis sociais. Para Immanuel Lévinas (2005), tais discursos e maneiras de interpretá-los (e reconhecê-los) impedem a admissão da al- teridade e a tentativa de nos colocar no lugar do Outro/Outra para poder refletir para além dos estereótipos e compreender a complexidade social e as diferentes relações de poder. Existe uma correlação entre a produção cultural, simbólica e midiáti- ca e a vida prática de todas as pessoas, seres mediados (Duch e Chillón, 2012), comunicativos e culturais.

O modo como nos relacionamos e reconhecemos a nós mesmos em relação a questões relacionadas à gênero, raça e etnia, e classe, bem como as posições ocupadas no mundo laboral, são, então, influenciadas por todos esses discursos desde que somos crianças e aprendemos a verbalizar nosso entorno. Como seres de mediações – comunicativos e culturais –, a partir do momento em que nos apresentam nosso círculo de possibilidades, baseado no sexo, gênero, condição econômica e cor da pele, começamos a reconhecer quem somos em relação a quem não somos. Neste sentido, as dominações simbólicas, que incluem os saberes e a memória, através de discursos e imagens, foram e são essenciais para a construção e manutenção das estruturas de poder do sistema-mundo moderno/colonial.

Considerações finais

Neste trabalho apresentei algumas considerações teóricas sobre as formas como os discursos e as imagens reproduzidas pela imprensa hegemônica podem atuar para a manutenção das diferenças sociais, através da naturalização de estereótipos base- ados na diferença colonial, principalmente aqueles que se refe- rem aos marcadores sociais da diferença gênero, raça e trabalho, e, consequentemente, colaborar também na reprodução do po- der simbólico, político e econômico. Através de um diálogo entre diferentes fontes teóricas, com especial atenção à perspectiva decolonial, busco também contribuir com a aproximação entre as Ciências Sociais e os estudos sobre Comunicação.

Pensando a comunicação como uma atividade inerente ao ser humano – seres de mediações, comunicativos e culturais – e na condição midiática e imagética de nossa cultura atual, o contro- le da mídia é uma importante estratégia para a manutenção do poder, pois desta forma é possível dominar os significados sim- bólicos de palavras, narrativas e fatos que ajudarão as pessoas a interpretar o mundo ao seu redor, bem como a si mesmos e aos Outros/Outras. Nesse sentido, a mídia atua simultaneamente no racional e no emocional, no imaginário e na vida social prática. Em outras palavras, há uma copresença entre mito e logos nos discursos jornalísticos e nas imagens que os ilustram.

A partir de um olhar decolonial, que identifica, visibiliza e se opõe a alguns dos principais padrões de poder existentes no mundo, a diferença é entendida como um importante mecanismo de clas- sificação para a manutenção das relações de poder. Com o nascimento do sistema-mundo moderno/colonial construiu-se um discurso que transforma e naturaliza certas diferenças, entendi- das aqui como marcadores sociais da diferença, como critério de inferioridade entre as pessoas, que são traduzidas em diversas opressões e desigualdades sociais.

A forma como as representações tipificam grupos e atores so- ciais de forma acrítica, a partir da naturalização de símbolos e imaginários comuns, muito próximos de um dualismo entre o “bem” e o “mal”, não são capazes de apresentar a pluralidade e os tantos percursos e detalhes existentes na formação dos in- divíduos dentro de uma sociedade, nos seus mais distintos e complexos meios. As desigualdades e diferenças que os meios de comunicação deixam transparecer são apenas uma parte do movimento de exclusão em que uma grande parcela da popula- ção está inserida, já que as desigualdades abarcam perspectivas muito mais amplas relacionadas, inclusive, ao acesso básico à educação, saúde, moradia, etc.

Devido a amplitude de tema, este artigo não esgota as possibili- dades de reflexão, que ainda deve incluir questões como a com- preensão do contexto em que a produção do fazer jornalístico está inserida, a organização das estruturas e dos sistemas de comunicação e informação, o papel dos jornalistas, ou ainda as tensões existentes com outras formas mais plurais e diversas de produzir informação, além das mudanças e possibilidades de- senvolvidas a partir da internet. Neste sentido, este artigo é um primeiro passo para propor novas formas de pensar as dinâmi- cas atuais relacionadas à comunicação e à informação, além da própria diferença, que passam pela promoção de práticas de de- colonização do conhecimento, da informação e da comunicação.

Referências

Balandier, Georges. El poder en escenas – De la representación del poder al poder de la representación. Barcelona: Paidós, 1994.

Notas

1 Conforme o Núcleo de Estudos sobre os Marcadores Sociais da Diferença (Numas), da Universidade de São Paulo, os marcadores sociais da diferença são um campo de estudo das ciências sociais que buscam explicar como as desigualdades e hierarquias são social- mente constituídas entre pessoas e grupos. Tais diferenças são construções sociais, mas, em geral, entendidas como naturais. Aqui também podemos pensar em classe social, ge- ração, religião, raça e etnia, gênero, corpo e sexualidade, bem como o modo de se vestir ou conversar, que, baseado na interseccionalidade entre algumas (ou mesmo todas) as categorias, atuam nos processos de identidade e subjetividades individuais e coletivas 2 Sobre interseccionalidade, ver Lugones (2008) e Crenshaw (1989).
2 Sobre interseccionalidade, ver Lugones (2008) e Crenshaw (1989).
3 Tese defendida na Universitat Autònoma de Barcelona, intitulada “Representaciones de la diferencia: género, raza y trabajo en la prensa hegemónica brasileña”, orientada pelo professor Dr. Albert Chillón.
4 Para Maldonado-Torres, o “colonialismo denota uma relação política e econômica, a qual a soberania de um povo reside no poder de outro povo ou nação, o que constitui a tal nação em um império. Distinto desta ideia, a colonialidade se refere a um padrão de poder que emergiu como resultado do colonialismo moderno, mas que em vez de estar limitado a uma relação formal de poder entre dois povos ou nações, se refere à forma como o trabalho, o conhecimento, a autoridade e as relações intersubjetivas se articulam entre si, através do mercado capitalista mundial e da ideia de raça” (Maldonado-Torres, 2007, p. 131 – tradução minha).
5 Seguindo a sugestão de Catherine Walsh (2009, pp. 14-15 – tradução minha) suprimir o “s” e nomear “decolonial” é marcar uma distinção com o significado do castelhano e do português do pré-fixo “des”. Não é objetivo dos estudos decoloniais desarmar ou des- fazer o colonial. “A intenção é assinalar e provocar um posicionamento – uma postura e atitude continua – de transgredir, intervir, insurgir e incidir. O decolonial denota, então, um caminho de luta continuo no qual podemos identificar, visibilizar e alentar “lugares” de exterioridade e construções alternativas”.
6 Não é o objetivo deste trabalho discutir amplamente sobre o tema, mas acredito que é importante mencionar que, pautada na sugestão do grupo modernidade/colonialidade, a perspectiva decolonial possibilita ampliar a ideia de sistemas de significações culturais como “sobre determinantes” das relações econômicas/políticas do sistema capitalista, proposta pelos estudos culturais, já que entende a cultura como algo que está sempre entrelaçada aos – e não derivada dos – processos da economia e política (Castro-Gómez e Grosfoguel, 2007).
7 Na tese eu realizo uma análise dos meios de comunicação: jornal impresso O Estado de S. Paulo, telejornal Jornal Nacional, portal de notícias online UOL e revista imprensa Veja.
8 Sobre a construção do sistema-mundo moderno/colonial, ver Quijano e Wallerstein (1992).
9 Para Hall, a hegemonia não pode ser sustentada apenas por uma frente de luta, já que representa o grau de autoridade exercido de uma só vez sobre uma série de posições. Neste sentido, o domínio não é simplesmente imposto: “resulta da conquista de um grau substancial de consentimento popular. Representa, portanto, o estabelecimento de uma enorme capacidade de autoridade social e moral, não dirigida simplesmente aos partidá- rios imediatos, mas a sociedade como um todo” (Hall, 2003, pp. 311-312). Para Boaven- tura de Sousa Santos (2009), a negação e, ao mesmo tempo, a criação dos sujeitos que estão do outro lado da linha abissal fazem parte dos princípios e práticas hegemônicos.
10 Conforme pontua Mignolo (2013), modernidade e colonialidade são conceitos inseparáveis. Para ele: “A grande mentira (ou talvez o grande erro e a grande ignorância, se se prefere) é fazer acreditar (ou acreditar) que a modernidade superará a colonia- lidade quando, na verdade, a modernidade precisa da colonialidade para instalar-se, construir-se e subsistir. Não houve, não há e não haverá modernidade sem colonialida- de. Por isto, precisamos imaginar um futuro outro e não mais a completude do projeto incompleto da modernidade” (Mignolo, 2013, p. 35 - tradução minha).
11 Sigo a sugestão de Albert Chillón e Lluís Duch (2012) e proponho pensar no termo factício (facción, no original), uma palavra de origem latina que significa “fazer” e remete a declarações factuais produzidas nas narrativas, também imagéticas.
12 Sobre o conceito de raça, ver Guimarães (2003) e Marcon (2015). Já sobre o conceito de gênero, ver Segato (2011), Lugones (2008), Butler (2007), Scott (1995), entre outras.
13 Expressão utilizada pelo Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN, 1996) me- xicano. Disponível em: http://enlacezapatista.ezln.org.mx/1996/01/01/cuarta-decla- racion-de-la-selva-lacandona - Acesso em junho de 2018.
14 Sobre esse tema, ver Mignolo (2013) e Rivera (2014).
15 Sobre esse tema, ver Marcon (2005).
16 Para conhecer a reflexão que desenvolvo sobra a autoridade da imagem, ver de Noronha (2013).


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