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Mídias e Questões Étnico-Raciais: um enfoque triangular*
Revista TOMO, núm. 36, 2020
Universidade Federal de Sergipe

Artigos

Revista TOMO
Universidade Federal de Sergipe, Brasil
ISSN-e: 1517-4549
Periodicidade: Semestral
núm. 36, 2020

Recepção: 03 Dezembro 2019

Aprovação: 30 Dezembro 2019

Resumo: Este artigo propõe algumas reflexões teóricas a respeito de questões étnico-raciais e mídias, que podem ser úteis em pesquisas que abordem percepções e representações de sujeitos que se autodefinem como negros comparadas a abordagens da televisão sobre questões étnico-raciais e interações a respeito do tema em redes sociais. Se deseja ressaltar a importância de realizar pesquisas que considerem o protagonismo dos sujeitos nas construções sociais de estereótipos e no seu combate. Para tanto se propõe a reflexão focada em sujeitos que buscam a valorização da raça negra, vivida positivamente, como valorização social, verificando suas vivências em torno da televisão e seu protagonismo nos usos de redes sociais, bem como a interação e interpretação de outros sujeitos a respeito destas questões, as representações que outros sujeitos constroem a respeito deles e as repercussões destas construções em seus espaços de convívio. A reflexão propõe um enfoque metodológico que valorize esse protagonismo, tendo como base a experiência de realização de um estudo anterior com estudantes de países africanos que buscam formação no Brasil**, e a observação de seu convívio em espaços universitários, pesquisa que lançou algumas bases para as questões sobre as quais propomos refletir neste artigo.

Palavras-chave: Mídias tradicionais, Novas mídias, Questões étnico-raciais, Televisão, Redes Sociais.

Abstract: This paper proposes some theoretical reflections on ethnic-racial is- sues and media, which may be useful in research focusing on percep- tions and representations of self-defining subjects as black, compared to television approaches to ethnic-racial issues, and interactions res- pect of the theme in social networks. We emphasize the importance of conducting research with focus that consider the protagonism of the subjects, in the social constructions of stereotypes and in their combat. Therefore, it is proposed the reflection focused on subjects who seek the valorization of the black race, lived positively, as social valorization, verifying their experiences around television and its protagonism in the use of social networks, as well as the interaction and interpretation of other subjects, the representations that other subjects construct about them and the repercussions of these constructions on their li- ving spaces. The reflection proposes a methodological approach that values this protagonism, based on the experience of conducting a pre- vious study with students from African countries seeking training in Brazil, and the observation of their conviviality in university spaces, a research that laid some foundations for questions we propose to re- flect on in this article.

Keywords: Traditional media, New media, Ethnic-racial issues, Television, Social networks.

Resumen: Este artículo propone algunas reflexiones teóricas sobre los proble- mas étnicos y raciales y los medios de comunicación, que pueden ser útiles en la investigación que aborda las percepciones y representa- ciones de sujetos autodefinidos como negros en comparación con los enfoques televisivos de los problemas étnico-raciales y las interac- ciones acerca del tema en las redes sociales. Es importante destacar la importancia de realizar una investigación que considere el prota- gonismo de los sujetos, en las construcciones sociales de los estere- otipos y en su combate. Por ello, se propone la reflexión centrada en sujetos que buscan la valorización de la raza negra, viviéndola posi- tivamente, como valorización social, verificando sus experiencias en torno a la televisión y su protagonismo en el uso de las redes sociales, así como la interacción e interpretación de otras personas sobre es- tos temas, las representaciones que otros sujetos construyen sobre ellos y las repercusiones de estas construcciones en sus espacios de convivencia. La reflexión propone un enfoque metodológico que va- lora este protagonismo, basado en la experiencia de realizar un estu- dio previo con estudiantes de países africanos que buscan formación en Brasil, y la observación de su convivencia en espacios universita- rios, una investigación que sentó algunas bases para preguntas que proponemos reflexionar en este artículo.

Palabras clave: Medios de comunicación, Cuestiones étnico-raciales, Televisión, Redes sociales.

Introdução

Este artigo propõe uma reflexão teórico-metodologica a respeito de pesquisas com as mídias tradicionais e novas mídias – como a televisão e as redes sociais –, e o protagonismo de sujeitos que se audefinem como negros. Argumentamos aqui que quando se estuda os estereótipos construídos pelas mídias é de grande importância adotar um foco triangular1 (os sujeitos, a mídia e os outros), com ênfase nos sujeitos que se autodefinem como negros. Assim, é possível evitar reificações a respeito das construções midiáticas e se interrogar até que ponto estas construções encontram ou não eco entre os diversos grupos sociais. Conhecer os sujeitos sobre os quais consideramos que as mídias constróem estereótipos é fundamental para não repetir e/ou criar novos estereótipos, ou para verificar até que ponto existem reinterpretações e/ou ressignificações realizadas pelos mesmos.

Os sujeitos, as midias tradicionais e as novas midias, e os outros

Quando o estudo é focado em pontos de vista específicos de indivíduos que pautam sua atuação, com maior ou menor ênfase, na valorização da identidade étnico-racial, se propõe buscar compreender sua relação cotidiana com os meios de comunicação, com destaque para a televisão, e considerando também o acesso e interação em redes sociais como o facebook. É importante conhecer algumas de suas práticas cotidianas, e dialogar sobre o modo como analisam os bens produzidos pela televisão2, e como interagem nas redes sociais, suas considerações sobre produções de estereótipos e/ou reforço das desigualdades e o modo como afetam suas vidas, segundo seus relatos.

Assim, se deve buscar conhecer quais suas interpretações e vivências com as mídias; que iniciativa ou agência já protagonizaram no sentido da sua pertença identitária, envolvendo as questões étnico-raciais e conflitos relacionados a elas; como interpretam representações da mídia a respeito, que outras representações constróem e que diálogos diretos e indiretos com as produções televisivas aparecem em suas construções identitárias; as representações que os outros constróem a respeito deles e as repercussões destas construções midiáticas em seus espaços de convívio3.

A perspectiva de análise deve se dar comparativamente, em diferentes planos, ou seja, buscar destacar o ponto de vista dos próprios sujeitos representados diante de algumas abordagens da mídia tradicional televisiva a respeito de questões com as quais se identificam/confrontam, para cotejá-los entre si e com o ponto de vista de outros, analisando consequências recíprocas desse debate identitário público, bem como os diversos tipos de agência4 promovidos pelos sujeitos, inclusive iniciativas protagonizadas em novas mídias como o facebook.

Assim, temos como objetivo geral desta reflexão contribuir para o debate a respeito da dinâmica cultural brasileira, através da comparação entre representações sobre identidades étnico-raciais, procurando evidenciar se em alguma medida o debate público sobre o tema tem conseguido ou não ampliar espaços para que as diferenças construídas com base nelas sejam vistas como distintividade e positividade; é nossa intenção também contribuir para compreender alguns novos significados atribuídos a práticas relacionadas à televisão, tais como possíveis usos da visibilidade que proporciona, de modo a ampliar nossa percepção sobre a agência das pessoas nas dinâmicas de construção identitária que envolvem a mídia, e os diversos protagonismos construídos por grupos em disputa por espaço, numa época em que o desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação alcança grande parte da sociedade, inclusive os grupos que denominamos minorias.

Sabemos que tradicionalmente têm sido considerados minoritários aqueles grupos com características consideradas diferentes da maioria da sociedade. As minorias étnicas podem ser defini- das simultaneamente por si mesmas, através de critérios específicos de pertencimento (fronteiras de inclusão) e pela sociedade envolvente (fronteiras de exclusão). Podem, também, acionar traços de sua tradição (a ancestralidade por exemplo) como alavanca para o alcance de algum recurso político (Banton, 1977). Atualmente, esse conceito tem sido ampliado e abrange todo grupo humano em situação de desvantagem social, cultural, econômica, política ou jurídica, cujos direitos são vulnerabilizados apenas por possuírem alguma ou algumas características diferentes das do grupo dominante da sociedade (Lopes, 2006). Assim, busca-se contribuir para dar visibilidade a questões sociais e identitárias de um grupo social cuja caraterística de “minoria” está longe de ser relacionada a critérios numéricos.

Outra contribuição para o debate é buscar desvendar algumas complexidades envolvidas no “jogo de espelhos”5 que se realiza entre algumas produções culturais da mídia televisiva sobre sujeitos negros e interpretações construídas pelos próprios sujeitos representados, bem como as representações de outros que se consideram não negros, inclusive em outros espaços onde essas múltiplas representações se expressam, no processo de convívio e na dinâmica social, como através das interações em redes sociais. Argumentamos que, no debate sobre questões étnico-raciais, não basta conhecer práticas cotidianas em torno da televisão, incluindo usos domésticos e públicos protagonizados pelas pessoas6 pesquisadas sobre a (e em torno da) televisão e seus produtos culturais. É importante, e até mesmo necessário nos dias atuais, analisar as repercussões nas redes sociais a partir dos destaques dos sujeitos pesquisados.

Questões étnico-raciais ou raças?

Sabemos que o debate sobre raças no final do Século XIX gerava muitos preconceitos e exclusões, reforçando as relações de desigualdade7. Mas as teorias do início do Século XX sobre supostas “democracias raciais”8 se mostraram ainda mais perversas, pois impediam as reivindicações de direitos daqueles atingidos pelos preconceitos. Na virada do Século XXI, ganhou força a racialização do debate, numa outra direção, como forma de valorização das identidades e singularidades. O resgate do orgulho da raça negra, por exemplo, foi reforçado por movimentos sociais que propõem a valorização das diferenças como parte da diversidade cultural, que podem ser entendidas dentro de uma nova política de identidades (Hall, 1998). Tanto nos estudos teóricos como no movimento social, houve proposições nunca plenamente atingidas de abandonar a ideia de raça e adotar a noção de etnia, por considerá-la menos carregada de valor e menos geradora de preconceito. Mas, na atualidade, os movimentos sociais propõem ressignificar a noção de raça, positivando-a. Com isso, pressionam e influenciam o surgimento de novas políticas de inclusão racial, que buscam através de ações concretas reparações históricas de injustiças sociais: cotas para ingresso nas universidades; critérios para demarcação de terras de quilombos, entre outras. Essas medidas geram calorosos debates, demonstrando que raças podem não existir geneticamente, mas permanecem como valor na cultura9 (Barcellos, 2004), por isto a grande importância do tema e a relevância desta investigação proposta.

Por outro lado, as abordagens da mídia a respeito têm proliferado, mas pouco têm sido estudadas, especialmente através de pesquisas que busquem privilegiar o contexto etnográfico e a visão de nossos interlocutores em campo, buscando ir além do tom de denúncia sobre abordagens estereotipadas10. Por isso, a importância de estudar os sujeitos que se autorrepresentam como negros e, além das interpretações da mídia que protagonizam, dos vários usos que fazem das tecnologias digitais, buscar compreender as relações que estabelecem com a mídia, em momentos rotineiros do cotidiano, ou em momentos de luta política por valorização identitária.

Num contexto em que vivemos, em que os valores internos às sociedades se chocam, questionando proposições relativistas que chegam a parecer ingênuas (Geertz, 1999), podemos pensar no papel que a mídia tem na expressão de valores conflitantes, como aqueles que envolvem questões étnico-raciais. Consideramos que as normas e prescrições que a sociedade e a cultura ditam sobre comportamentos; as representações que as pessoas de diferentes grupos constroem sobre si mesmas, sobre as relações com os outros e as demandas sociais a que estão sujeitas num contexto de cruzamento de valores podem ser com maior facilidade acessadas pelo pesquisador se estiver atento às novas formas de interação social com a mídia que os sujeitos estabelecem na sociedade atual11.

As pesquisas sobre sujeitos que se situam no campo das relações étnico-raciais, e que se autodefinem como negros, muito nos têm revelado sobre seus estilos de vida, histórias e complexos esquemas de pertencimento. A discussão também nos revela um viés que sai das “fronteiras” do grupo propriamente ditas para pensá-las num esquema mais complexo que envolve forças políticas e jurídicas. As comunidades tradicionais, por exemplo, têm notoriamente acumulado visibilidades desde os ganhos políticos oriundos da constituição de 198812. Porém, pouco tem se falado da mídia, do debate que pauta a respeito do protagonismo dos sujeitos quanto às construções identitárias e suas visibilidades, das elaborações e reelaborações midiáticas em torno deste tema.

Vale ressaltar que, enquanto isso, a temática da diferença étnica tem ganhado cada vez mais espaço na mídia. Existe a recorrência de “leituras desconfiadas” sobre várias demandas envolvendo essas problemáticas, como aquelas relacionadas aos quilombolas, por exemplo, que colocam em jogo a pertinência e veracidade dos pleitos políticos por regularização fundiária13. Ou as relacionadas aos ingressos por cotas em universidades, questionando critérios de autoatribuição de cor14. Por outro lado, os sujeitos envolvidos parecem interessados em “responder” a tais “desconfianças”. Queremos contribuir, com a proposta metodológica de pesquisas nesta linha, para conhecer alguns elementos dessa controversa relação, e para ampliar o repertório dos vá- rios sujeitos em interação a respeito das polêmicas e conflitos sobre questões étnico-raciais. Gostaríamos também de ampliar a visibilidade de práticas dos sujeitos mais diretamente envolvidos nessa luta, seu protagonismo social por valorização identitária, contribuindo para que essa identidade seja positivada, e suas relações com a mídia sejam vistas de outro modo, além dos argumentos de manipulação.

Estamos considerando a importância da categoria raça para a discussão sobre a identidade cultural dos sujeitos nesse campo de pesquisa, sem considerá-la, no entanto, de modo essencialista. Consideramos que, do ponto de vista biológico, raças não existem, mas do ponto de vista cultural e social elas estão permanentemente definindo pertencimentos, inclusões e exclusões. Preferimos, portanto, trabalhar considerando que não há uma essência de cor, mas, sim, uma gradação de cores (Barcellos, 1996), a qual os sujeitos recorrem para se autodefinir. Com isso, se destaca a importância de privilegiar a gradação de cores autoatribuída pelos sujeitos nas pesquisas.

A categoria “identidade” tampouco pode ser considerada de modo estanque. As considerações de Paul Gilroy a respeito das identidades negras reportarem-se ou não à África podem servir de referência: “A história do Atlântico negro fornece um vasto acervo de lições quanto à instabilidade e à mutação de identidades que estão sempre inacabadas, sempre sendo refeitas” (Gilroy, 2008, p. 30).

Além dessas questões, é importante atentar para o contexto atual de diversidade cultural, considerando-o como pano de fundo em distintos temas de pesquisa. A diversidade cultural atual pode ser vista como um fenômeno com características próprias que demanda novas posturas metodológicas e um giro de perspectiva teórica, bem como uma reflexão sobre os limites do relativismo diante de conflitos advindos não mais (ou não só) de outras sociedades com costumes diversos, mas internamente às sociedades (Geertz, 1999). Ao reconhecer que existem grupos assumindo posturas conflitantes a respeito do que se considera “correto” e/ou “normal” em determinada sociedade, é possível considerar que vivemos num complexo contexto de colagem de valores diversos, que as pesquisas podem revelar. As identidades étnico-raciais diante e através da mídia podem ser pensadas neste contexto de cruzamento diário entre distintas referências culturais, buscando pistas sobre os processos de legitimação e deslegitimação construídos pela mídia e/ou seus intérpretes, ou pelos atores interagindo em redes sociais.

Estudos sobre mídias: breve histórico de categorias no debate

Consideramos importante definir aqui em que sentido estamos propondo os estudos sobre televisão e redes sociais, ou mídias tradicionais e novas mídias. Para tanto, faremos um breve res- gate histórico sobre as diferentes abordagens, ressaltando al- gumas categorias (como cultura, ideologia, hegemonia, autor/ leitor, receptor, entre outras) e metodologias priorizadas15.

A importância de estudar a televisão e sua repercussão sobre a sociedade tem sido destacada por vários estudiosos, desde o seu surgimento. Os precursores já se preocupavam em estudar os efeitos da televisão sobre a população (Merton e Lazarsfeld, 2000). Ainda nos anos 1940, essa temática começou a interessar um grupo de filósofos alemães: a conhecida Escola de Frankfurt16. Só após os anos 1950 é que a temática começou a interessar os sociólogos, inicialmente os seguidores de Merton. A grande maioria dos estudos durante esse período inicial se centrava na análise dos meios, de seu poder, de seus efeitos, de suas intenções ocultas. Outro problema que durante muito tempo ocupou os pesquisadores da comunicação foram as tentativas de controle do poder dos meios sobre a população.

Os autores da Escola de Frankfurt trabalhavam com o pressuposto de que um determinado sistema de produção de símbolos está ligado a um modo social de produção. No debate teórico daquele período, o conceito de ideologia era central. Pensada como indissociável de um conteúdo de falsidade e dissimulação da realidade, levada a efeito pela classe dominante, a concepção de ideologia se completava com a análise da massificação e homogeneização levada a efeito pelos meios de comunicação, a serviço da mesma classe e das quais a grande “massa” seria alvo.

O cenário começou a mudar nos anos 1980, quando proliferaram as críticas aos frankfurtianos e se resgatou a importância do receptor como sujeito da comunicação, e esta passou a ser vista então como um processo complexo e não apenas num esquema linear. A crítica aos frankfurtianos e a todos que temiam o “fim da cultura” ou a irremediável desqualificação realizada pela mídia foi feita por vários autores, especialmente à sua compreensão da cultura como algo imposto e não construído coletivamente, e à sua suposição de que a massificação seria irreversível, lamentando a destruição das formas estéticas puras17.

Com a incorporação do conceito gramsciano de hegemonia, a discussão avançou. Muitos trabalhos na área de ciências sociais partiam de Gramsci, e abordavam a reelaboração possível de um bem cultural produzido massivamente. Questionou-se então a ideia do “produtor legítimo”, a partir da análise do processo em que a reprodução e a transformação de uma dada produção hegemônica são simultâneas ou fruto de negociações e relações de poder em que a legitimidade é alternadamente atribuída a diferentes grupos. Nesses e em outros estudos sobre televisão, cinema, literatura, música, das áreas das Ciências Sociais e Comunicação18, a sociedade é pensada de forma dinâmica e a construção da hegemonia é tomada como um processo, nunca pronto e acabado, que inclui o aspecto da negociação: para que as ideias de uma classe possam ser dominantes, elas precisam ser convincentes, o que não pode acontecer exclusivamente com base em valores falsos.

Nesse período, os pesquisadores da área utilizavam o conceito de ideologia de uma maneira muito identificada com a concepção de cultura. Recorrendo ao conceito gramsciano de hegemonia para entender a dinâmica cultural e as oscilações nas relações de poder, definiam ideologia como sinônimo de sistemas de significados construídos coletivamente e próprios de deter- minada época histórica, sem o conteúdo de falsidade e mascara- mento que geralmente lhe era atribuído pelos marxistas19.

Ainda nos anos 1980, temos outro importante debate no campo da literatura. Um dos autores é Terry Eagleton, que reflete sobre a relação autor-leitor, de um modo que serve de paralelo para pensarmos a relação emissor-receptor e o processo de comunicação como um todo. Em seu livro “Teoria da literatura - uma introdução” constrói um diálogo com vários autores da filosofia e questiona concepções que tomam o significado de um texto como se fosse dado pelo que o autor pretendeu que fosse. Segundo ele, não há nada na natureza do texto que leve o leitor a interpretá-lo de acordo com o significado pretendido pelo autor. Só quem considera o significado como algo à parte da linguagem poderia afirmar isso. Ele situa como uma novidade importante para esse debate o surgimento, na Alemanha dos anos 1980, de teorias que denomina de estética da recepção, ou teoria da recepção, a qual ele considera como uma manifestação da hermenêutica, a partir da tradição fenomenológica de Husserl e Heidegger (Eagleton, 1983).

Esta que Eagleton chama de teoria da recepção corresponde ao que outros autores chamam de estudos de crítica literária. É o caso de Maria Immacolata Lopes que, ao fazer um breve balanço sobre a tradição que antecedeu os estudos de recepção, refere-se à existência de algum consenso quanto a considerar as seguintes correntes teóricas como principais: pesquisas dos efeitos; pesquisas dos usos e gratificações; estudos literários; estudos culturais, e análise da recepção. E a autora considera que os estudos de recepção assumiriam hoje o caráter de uma etnografia das audiências (Lopes, 1998)20.

Por outro lado, o campo conhecido como “estudos culturais” constitui conhecida referência em pesquisas sobre a temática da comunicação. Mas eles não podem ser tomados como sinônimo de “estudos de recepção”, apesar de terem muitos pontos em comum. É o que esclarecem Jacks e Escosteguy, para quem a diferença é que:

... no campo dos estudos culturais, a comunicação de massa é vista como integrada às demais práticas da vida diária, entendidas estas como todas as atividades que dão sentido à vida social. (...)...para os estudos culturais, portanto, a pesquisa de comunicação não é a que focaliza estritamente os meios, mas a que se dá no espaço de um circuito composto pela produção, circulação e consumo da cultura midiática. O que caracteriza (...) a análise da recepção são os procedimentos comparativos entre o discurso dos meios e o da audiência, e entre a estrutura do conteúdo e a estrutura da audiência em relação a este conteúdo (Jacks e Escosteguy, 2005, p. 38-42).

Portanto, os estudos culturais abrangem uma ótica ampliada, não focando apenas nos meios, mas abrangendo produção, circulação e consumo da cultura midiática, enquanto os estudos de recepção têm o foco nos meios e suas audiências.

Outros autores também buscam contribuir na definição do campo dos estudos culturais, que surgiram na Inglaterra e se espalharam pelo mundo. É o caso de Silva (1999), que situa a diferença entre a época do surgimento e a perspectiva atual: os chamados estudos culturais têm sua origem a partir da funda- ção do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, na Univer- sidade de Birmingham, na década de 1960, mas há uma vertente contemporânea que contempla a perspectiva pós-estruturalista dialogando com a produção de Michel Foucault e Jacques Der- rida. Stuart Hall é outro dos autores que fazem parte do cam- po dos Estudos Culturais, mas que se diferencia do campo, pois propõe um modelo analítico que desloca o foco do texto para a audiência (Jacks e Escosteguy, 2005).

Cabe ressaltar que consideramos importante priorizar a etno- grafia, realizando estudos de etnografia de audiência, sempre que o trabalho de campo mostre a relevância de comparar a produção televisiva e a interpretação dos sujeitos, considerando que esta é uma metodologia com especificidade antropológica, a qual mantém interfaces com os “estudos culturais” e com os “estudos de recepção” (Magalhães, 2008).

Ao analisar as várias tradições de pesquisas sobre meios de comunicação e cultura, podemos perceber que durante um longo período, num Brasil mergulhado num contexto político de dominação e repressão, a perspectiva frankfurtiana foi considerada “a grande explicação”, mantendo seu prestígio inabalável por um período de quase meio século (e ainda hoje constituindo-se em forte referência).

Mas no período imediatamente subsequente, proliferaram as perspectivas dos estudos de comunicação e cultura. E esse proliferar não se fez por acaso, ele foi fruto de uma efervescência no pensamento científico mundial, que atravessou várias áreas do conhecimento. É que a partir da segunda metade da década de 1980, o saber científico se tornou, ele próprio, o centro das reflexões, e houve uma série de questionamentos que colocou em xeque certos pressupostos, antes sacralizados. Na relação sujeito e objeto de pesquisa, se começou renegando o próprio termo “objeto”, como forma de tentar refletir sobre as desigualdades criadas na situação de pesquisa. Esta só podia acontecer a partir de uma relação social estabelecida entre no mínimo dois sujeitos - o pesquisador e o pesquisado. As tentativas de acabar (ou diminuir) o poder do pesquisador se estenderam à escrita científica, tendo como proposta a polifonia, isto é, a construção do texto acadêmico a partir das muitas vozes dos pesquisados. Na antropologia, uma das críticas mais contundentes foi ao chamado realismo etnográfico, que seria, entre outras questões, a pretensão de, a partir da pesquisa empírica e da comprovação inegável de que se esteve em campo, tomar a descrição resultante como se fosse “a própria realidade”, construindo a teoria de modo empiricista e dando à teoria um estatuto de verdade inquestionável, como se pudesse expressar fielmente a realidade21.

Com o questionamento ao saber científico, chegou-se ao reconhecimento de que ele é um saber entre outros22, sem aquele estatuto de superioridade e verdade que geralmente lhe era atribuído, desde o seu surgimento no século XVIII. Os ideais da modernidade não só não haviam se realizado, como precisavam ser abandonados.

Ainda nos anos 1990 e adentrando no novo século, a discussão sobre a globalização, que se deu ora sucedendo, ora potencializando o intenso debate sobre o saber científico, veio trazer novo fôlego às ciências sociais como um todo. Segundo os estudiosos do fenômeno, o processo de formação da sociedade global ocorre de modo contraditório, heterogêneo e desigual, levando a transformações nas categorias do entendimento sociológico que buscam explicá-lo. O processo histórico-social de formação da sociedade global é definido tanto pela integração e pela homogeneização quanto por tensões, desigualdades, diferenciações e exclusões23.

Nesse contexto, as abordagens sobre as novas tecnologias, e sobre a crescente influência dos meios de comunicação na sociedade ganharam novos matizes, e proliferaram as metáforas – a sociedade do espetáculo (Subirats, 1989), o mundo virtual (Lévy, 1993), a sedução televisiva sobre as audiências (Baudrillard, 1992); a era da comunicação (Matellart, 2000). Foi um período de intensos debates e a busca de construção de novas categorias para explicar as aceleradas transformações, num mundo cada vez mais interligado e complexo, marcou nossa produção científica dessa virada de século. A abordagem aqui proposta tem como referência esses questionamentos.

Uma perspectiva de análise oriunda das Ciências Sociais sobre abordagens midiáticas pode considerar, portanto, que a mídia opera como uma “caixa de ressonância” das múltiplas formas de construção da diferença e da desigualdade social. A discursividade verbal, visual, sonora, etc., que a mídia produz e reproduz, organiza e amplifica uma discursividade social atravessada por essas formas, que estão na base dos processos de recepção e produção dos produtos midiáticos. Esses processos merecem ser estudados em sua complexidade, buscando compreender como são construídas maneiras de legitimar ou deslegitimar, convalidar ou desacreditar modos de conceber o pertencimento e a exclusão, e modos de imaginar e viver as clivagens e as categorias sociais. Por isso, é importante considerar que as variadas mídias, em especial a televisão e as redes sociais, podem ser valiosas portas de acesso ao “ponto de vista dos nativos” (Geertz, 1983) no mundo globalizado do século XXI24. Por isso a importância de propor um enfoque que priorize não só os programas e suas audiências, mas os entornos construídos pelos sujeitos pesquisados, sua interação com as mídias e com outros sujeitos que não estão envolvidos em suas pautas identitárias.

Ao atentarmos para as práticas e representações sobre a televi- são nesse contexto de diversidade cultural, não estamos supondo que elas possam ser compreendidas de um ponto de vista exclusivamente individual. É sempre necessário atentar para os valores coletivos presentes nas escolhas e posicionamentos individuais. A reflexão sobre as “determinações” da cultura sobre o indivíduo, ou ainda sobre as possibilidades de mudança do sistema, é uma questão já clássica nas ciências sociais, sobre a qual uma instigante proposição é a de Sherry Ortner: em seu artigo Theory in Anthropology since the Sixties, a autora faz um balanço a respeito das abordagens que privilegiam a “prática” de sujeitos no cotidiano, comparando-as e também buscando nelas visões sobre o “sistema” social ou cultural (Ortner, 1984).

Segundo a autora, os teóricos da prática consideram que a interação e agência humanas podem trazer mudanças, ou “fazer e desfazer o sistema”. A partir de seu estudo, as tensões entre o individual e o coletivo podem ser melhor elucidadas, e certamente são referenciais importantes para analisar valores de indivíduos que se identificam com um grupo ou grupos étnico-raciais, e a exposição midiática mais ampla de traços nas quais eles se reconhecem ou não.

Reafirmamos a pertinência do método etnográfico para o estudo desses novos contextos. Temos em consideração as afirmações de Geertz: o etnógrafo, afirma ele, tem sido “o conoisseur por excelência de outras maneiras de pensar, dramatizando a es- tranheza, exaltando a diversidade, e respirando a profusão de pontos de vista” (Geertz, 1999, p. 29). No entanto, no contexto atual, isso não basta: hoje somos obrigados a pensar sobre a di- versidade de um modo bem diferente ao que estamos acostuma- dos. Cada vez mais, segundo o autor, estamos vivendo no meio de uma enorme “colagem”.

“Não é apenas no noticiário da noite, onde assassinatos na India, bombardeiros no Líbano, golpes na África e tiroteios na América Central são distribuídos entre desastres locais...” (Geertz, 1999,

p. 31) que podemos perceber as colagens. Elas estão em toda parte: na linguagem, na cozinha, na música, nas mudanças do mundo rural e urbano, etc. Para entender este mundo, segun- do ele, “Precisamos aprender a apreender o que não podemos abraçar” (id., p. 33). Ou seja, compreender aquilo com o que não concordamos, o que implica em rever o que pensamos até aqui sobre etnocentrismo e relativismo, e sobre qual a vocação da antropologia num contexto novo de conflitos “internos” às so- ciedades, próprio do contexto de diversidade em que estamos mergulhados.

Assim, consideramos frutífero pensar nas definições e indefinições das identidades étnico-raciais de um novo ângulo, justamente nas relações que as pessoas envolvidas nos processos de construção identitária, de luta por valorização social, estabelecem com a mídia, suas interpretações e relações com outros intérpretes, de modo a ressaltar outros aspectos além dos tradicionais que concorrem para as definições identitárias25.

Nessa mesma perspectiva, temos em vista alguns dos pressu- postos de Paul Gilroy (2008) a respeito da questão racial. Ele busca definir a modernidade a partir da diáspora negra e, para ele, as culturas negras não são apenas um repositório exclusivo de herança africana. Outra abordagem que relaciona televisão e identidade é o estudo de Abu-Lughod (2000). Assistindo se- riados na televisão com mulheres do Alto Egito, a autora reflete sobre o modo como a televisão opera uma ruptura da distância entre “nós” antropólogos e “eles” os nativos em campo. Ou seja, vendo TV juntos, fazemos parte de um mesmo mundo de meios massivos, de consumo e de comunidades de imaginação.

Consideramos que o método etnográfico permite o aprofunda- mento desejado, priorizando os sujeitos pesquisados em relação à mídia. É um método que permite atentar às evocações e percepções dos sujeitos em relação às produções midiáticas e seus usos nas relações familiares, profissionais, de amizade, etc., observando as releituras e novos significados acionados. Em de- bates sobre os desafios antropológicos contemporâneos, destacamos que o método etnográfico tem mantido uma certa invisibilidade sobre a presença dos diversos meios de comunicação no cotidiano, quando os temas de estudo não estão relacionados diretamente à mídia. Esperamos contribuir para ampliar esse debate e para a execução de pesquisas nessa área, de modo que os resultados possam contribuir para ampliar esse campo de conhecimento, na interface entre ciências sociais e comunicação.

Considerações Finais

Abordou-se aqui o tema das relações étnico-raciais e as mídias novas e tradicionais, com ênfase numa proposição metodológica que contemple o protagonismo dos sujeitos envolvidos em dis- putas identitárias. Propõe-se, para tanto, uma perpectiva que contemple o ponto de vista dos sujeitos envolvidos em pleitos de valorização de sua(s) identidade(s), que aborde interpretações das mídias tradicionais por diferentes sujeitos e interações/ construções de perpectivas nas redes sociais. Ou seja, um foco tripartite ou triangular.

O estudo trouxe a perspectiva de debates sobre as questões étnico-raciais nas ciências sociais, especialmente as perspectivas que desessencializam o debate, propondo a reflexão a respeito das mudanças de significado da categoria raça, sua crítica e posterior apropriação positivada por movimentos visando a valorização da identidade negra, bem como a gradação de cores necessária para compreender as várias definições sobre identificações. Com isso, quisemos demonstrar que a discussão a res- peito do tema está longe de definições biológicas, ela é social e cultural. Portanto, a pesquisa a respeito de um tema que não encontra medidores ou indicadores totalmente mensuráveis deve, necessariamente, ser qualitativa, e, de preferência, privilegiando pontos de vista dos sujeitos envolvidos e suas interações.

O debate sobre mídias em perpectiva interdisciplinar foi outra das contribuições aqui destacadas, procurando demonstrar que o debate a respeito das questões étnico-raciais e mídias, bem como sobre as metodologias consideradas adequadas para entender as abordagens das mídias consideradas estereotipadas sobre identidades sociais, pode se beneficiar de várias mudanças propostas ao longo do desenvolvimento das pesquisas em ciências sociais e comunicação, visando destacar o protagonismo dos sujeitos envolvidos.

Referências

Abu-Lughod, L. The Interpretation of Culture(s) after television. In: Ortner, Sherry B. The fate of “Culture”: Geertz and Beyond. Berkeley: University of California Press, 2000.

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Notas

[*] Uma versão deste artigo foi publicada nos Anais do GP Comunicação e Culturas Urbanas, XV Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento componente do XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação realizado no Rio de Janeiro em setembro de 2015.
[**] A pesquisa contou com Missões Cientificas a países como Cabo Verde, Moçambique e Guiné-Bissau, com apoio do CNPq, analisando a pós-diplomação de estudantes originários destes países que se graduaram no Brasil.
1 Para construir o foco nos inspiramos na metodologia proposta pelo pesquisador colombiano Armando Silva (2004), que propõe, para estudar os urbanismos cidadãos, centrar em três dimensões: os dados oficiais, as visões da mídia e os próprios cidadãos.
2 Consideramos os bens produzidos pela televisão no mesmo sentido de Bourdieu (1979), quando define “bens culturais” como aqueles cujo significado não é apenas econômico, mas envolvem valores subjetivos que precisam ser investigados.
3 Representações aqui estão sendo entendidas como produções simbólicas construídas na vida em sociedade, e que não estão isentas de relações de poder para alcançar legitimidade e se tornarem aceitas. A este respeito, ver Foucault (1979) e também Rabinow (1986; 1999). Sobre as identidades dos sujeitos e suas representações, ver Hall (1998), especialmente o capítulo “Nascimento e morte do sujeito moderno” (p. 23-46).
4 Refiro-me ao conceito de agency utilizado por Sherry Ortner em sua discussão sobre uma “teoria da prática” para se referir a vários tipos de ações e práticas que os sujeitos protagonizam em contextos variados, em processos que incluem relações de poder. Ver Ortner (1984 e 2007).
5 Expressão utilizada por Sylvia Caiuby Novaes (1993) em livro do mesmo nome. Ver especialmente o capítulo sobre a fabricação da identidade, em que a autora discute a possibilidade de grupos indígenas utilizarem códigos do mundo “moderno” dos brancos para reafirmarem sua diferença e suas identidades “tradicionais” indígenas.
6 Ao nos referirmos às expressões “individuais”, aos “sujeitos” e às “pessoas” pesquisa- das não estamos problematizando estas categorias, o que pode ser feito conforme o tipo de pesquisa realizada. Para compreender a importância e o impacto do debate sobre essas categorias no campo antropológico, ver Dumont (1993), Da Matta (1987), Duarte (1986, 2003).
7 Referimo-nos a teorias dos Séculos XVIII e XIX, como a de Joseph Gobineau (1816- 1882), que fundamentaram a expansão colonial e imperial de nações europeias, justificando a subjugação de povos e territórios. Ver a respeito Giddens (2005, p. 205). Ver também Boas, que já em 1930, discutindo a metodologia das Ciências Sociais para explicar as formas culturais, recusava determinismos como o geográfico, econômico e racial (recusando as teorias de Gobineau). Em suas palavras: “Não acredito que se tenha dado até hoje qualquer prova convincente de uma relação direta entre raça e cultura. (...) Características hereditárias têm um valor cultural quando são socialmente significantes.... Qualquer tentativa de explicar as formas culturais numa base puramente biológica está fadada ao fracasso”. (Boas, 2005, p. 60).
8 Como o argumento desenvolvido por Gilberto Freyre, em Casa Grande & Senzala, no início do século XX, que colocaria o Brasil para o resto do mundo como uma experiência bem-sucedida de mistura de raças e de “democracia racial”, ideia que permaneceu em um imaginário que dificultou o combate ao racismo, considerado como “inexistente” por aqui.
9 Ver, por exemplo, o artigo de Daisy Barcellos (2004b) sobre o “ódio” racial, em coletânea organizada por Claudia Fonseca, que debate os direitos humanos.
10 Essa proposição de estudos etnográficos sobre televisão no atual contexto encontra eco nas análises realizadas por Abu-Lughod, The Interpretation of Cultures after televi- sion. A autora afirma que estamos apenas começando a encontrar o ponto de entrada para um trabalho etnográfico que resgate a importância da televisão no imaginário e na vida das pessoas na sociedade contemporânea (2000). Dialogando com mulheres do alto Egito sobre suas vidas, relações de parentesco, de vizinhança, etc. e uma série televisiva demonstra como a televisão pode ser boa para falar de megaconceitos (como sugeriu Geertz), e até para repensar o conceito de cultura ou culturas.
11 Ver proposição a respeito da televisão como “pretexto” para falar de si e do outro, ou como metáfora para falar de personagens, para expressar valores conflitantes ou afins e construir comunidades de sentido, em Magalhães (2008).
12 E aqui foi aberto todo um campo de trabalhos antropológicos, de elaboração de lau- dos que muitas vezes foram apropriados pelas comunidades, no sentido da luta por di- reitos à propriedade territorial. Ver debates a respeito na coletânea “Antropologia extra- muros”, organizada por Gláucia Silva (2008).
13 Ver a respeito Magalhães (2008), e também Salaini e Magalhães (2009).
14 Uma abordagem sobre cotas encontra-se em Arabela Oliven (2007).
15 Além desses destaques, que optamos por realizar percorrendo categorias de debate em períodos históricos, reconhecemos que seria impossível no âmbito deste trabalho fazer justiça a toda tradição teórica de pesquisas sobre cultura e televisão. Como espe- ramos evidenciar, a linha de interlocução adotada aqui perpassa várias áreas do conhe- cimento: Kaplan (1983), Eagleton (1983), Sousa (1995), Martín-Barbero (1997), Jacks (1987; 2005; 2006), Borelli et al. (2000) são algumas das referências, entre outras.
16 O posicionamento dessa Escola foi tão importante que se manteve quase que como única referência considerada válida no debate sobre meios de comunicação de massa no Brasil até meados da década de 1980, no chamado paradigma crítico.
17 Quanto a essas concepções, me refiro especialmente a Adorno e Horkheimer. Para uma crítica à Escola de Frankfurt, ver Eco (1993), e no Brasil, Leal (1986) e Ortiz, Borelli e Ramos (1989), entre outros.
18 Refiro-me às abordagens de Ortiz, Borelli e Ramos (1989); Leal (1986); Lopes (1998); Jacks (1987), entre outros.
19 Com isto, tais abordagens foram consideradas responsáveis pela “despolitização” do conceito de ideologia no Brasil. O destaque aqui é para marcar a mudanças de significa- dos das categorias no debate.
20 Os estudos de recepção têm por referência na antropologia o trabalho de Leal (1986 e 1993), e na comunicação Sousa (1995), que encontram correspondência na obra Martín-Barbero (1997), o qual influenciou uma série de pesquisas nessa linha em toda América Latina, inclusive em abordagens mais recentes. Nos estudos sobre televisão de modo mais geral, importante referência é a coletânea organizada por Kaplan (1983). Mais recentemente, Jacks e Escosteguy (2005, p. 39-41) se referem aos estudos nas mesmas cinco tradições citadas por Lopes, mas mantendo diferenciação entre “estudos de recepção” e “etnografia das audiências”.
21 Estamos nos referindo aqui ao debate pós-moderno, que a princípio foi visto como bastante original e depois foi considerado exagerado em vários pontos e muito próprio da realidade dos países hegemônicos, especialmente da antropologia norte-americana. Ver a respeito Eriksen e Nielsen (2007), os quais destacam: “depois do pós-modernismo, a antropologia não podia mais ser vista como discurso privilegiado com acesso à verdade objetiva sobre os povos que ela estudava” (p. 180).
22 Os questionamentos sobre o saber científico e a pretensão de verdade ou apreensão da realidade encontram-se já em Foucault, em Microfísica do Poder, Rio de Janeiro, Graal, 1979; e também em Rabinow, Representations are social facts: modernity and pos-moder- nity in Anthropology, de 1986. Este último artigo mais tarde foi publicado em português, em coletânea junto a outros textos do autor (1999).
23 Esse período de intensos debates e questionamentos ficou conhecido como “crise de paradigmas”, e resultou em uma profícua produção teórica, que renovou o projeto das ciências sociais como um todo. Autores como Ianni (1996), Sousa Santos (1994), Giddens (1996), entre outros, abordam as modificações das sociedades contemporâneas, e as novas categorias de entendimento sociológico elaboradas para entender a sociedade global.
24 Para um debate a respeito de cultura(s) e formas culturais, ver Abu-Lughod (2000) e também Appadurai (2001).
25 Na pesquisa sobre televisão que realizei, me chamou atenção os hibridismos identitários: numa região de colonização alemã havia uma combinação da valorização da identidade alemã com a valorização de uma “identidade gaúcha”. Estas identificações se combinavam perfeitamente com uma crítica à televisão “brasileira”, e à “identidade brasileira” na qual as pessoas não se reconheciam (Magalhães, 2008). Vários outros estudos relacionando identidade e televisão foram realizados, entre eles o de Hughes-Freeland (1998), abordando identidade balinesa e a Televisão Estatal da Indonésia.


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