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Di Kamaradas a Irmons: o Rap Cabo-Verdiano e a (Re)Construção de uma Identidade de Resistência
Revista TOMO, núm. 37, 2020
Universidade Federal de Sergipe

Dossiê

Revista TOMO
Universidade Federal de Sergipe, Brasil
ISSN-e: 1517-4549
Periodicidade: Semestral
núm. 37, 2020

Recepção: 19 Maio 2020

Aprovação: 09 Junho 2020

Resumo: O hip-hop apresenta-se aos jovens urbanos cabo-verdianos na segun- da metade dos anos de 1980 em formato break dance ou b-boying nos dois maiores centros urbanos, Praia e Mindelo. Nos anos de 1990, o rap, influenciado pelos beats caribenhos, começa-se a desenvolver na cidade capital e no início dos anos de 2000 territorializa-se nos bairros periféricos e passa a estar associado aos gangues e à violência de rua. Nos finais dos anos de 2000, começa a ser utilizado por algumas orga- nizações de rua como veículo de difusão de mensagens pan-africanista e afrocêntrica e a partir de 2010 torna-se uma importante plataforma identitária e política. Com este artigo, baseado num trabalho etnográfi- co sobre o rap e os movimentos sociais nas cidades da Praia e do Min- delo, pretendo discutir a importância deste gênero musical no seio dos jovens em processo de desafiliação e o seu papel na (re)construção de uma identidade de resistência.

Palavras-chave: Rap cabo-verdiano, Identidade, Resistência, Cabo Verde.

Abstract: The Hip-hop presents to urban young Cape Verdeans at the second half of the 1980s in break dance or b-boying format in the two largest urban centers, Praia and Mindelo. In the 1990s, rap, influenced by Caribbean beats, began to develop in the capital city e at the early 2000s it terri- torialized in peripheral neighborhoods and became be associated with gangs and street violence. In the late 2000s, it started to be used by some street organizations as a vehicle for spreading pan-Africanist and Afrocentric messages, and from 2010 it became an important identity and political platform. With this paper, based on a ethnographic work on rap and social movements in the cities of Praia and Mindelo i intend to discuss the importance of this musical genre for young people in process of disaffiliation and its role in (re)construction of an identity of resistance.

Keywords: Cape verdean rap, Identity, Resistance, Cabo Verde.

Resumen: El hip-hop se presenta a los jóvenes caboverdianos urbanos en la se- gunda mitad de la década de 1980 en un formato break dance o b- -boying en los dos centros urbanos más grandes, Praia y Mindelo. En la década de 1990, el rap, influenciado por los ritmos caribeños, comenzó a desarrollarse en la ciudad capital y a principios de la década de 2000 se convirtió en territorial en los barrios periféricos y se asoció con las pandillas y la violencia callejera. A finales de la década de 2000, algu- nas organizaciones de la calle comenzaron a utilizarlo como un vehí- culo para la difusión de mensajes panafricanistas y afrocéntricos y, a partir de 2010, se convirtió en una importante plataforma política y de identidad. Con este artículo, que viene de un trabajo etnográfico sobre rap y movimientos sociales en las ciudades de Praia y Mindelo, tengo la intención de discutir la importancia de este género musical entre los jóvenes en un proceso de desafiliación y su papel en la (re) construc- ción de una identidad de resistencia.

Palabras clave: Rap caboverdiano, identidad, resistencia, Cabo Verde.

O rap e a emergência de uma consciencialização identitária

Kabuverdianu e ka afrikanu/Inton ami e afrokabuverdia- nu/Pamo mi e disendenti di mandjaku/Ami e pretu ami e ka branku/Ami e disendenti di mandinga/N ka merkanu nen n ka tuga/Nu kre ses kor nu kre ses kabelu/Na fundu nu kre kel ki dentu nos kabesa es metenu/Es ta dita nu ta aplika i di nos nu ta abdika/Es asasina i es paga pensamentu di Amílcar [Cabral]/Nos cultura e afrikana…/Purtugues frutu di strupu, violência i burgues/Na tenpestadi, Amistad, privan di nha li- berdadi/Oji mi e indipendenti ku krizi di identidade/Ta faltan umildadi i unidade/Ta faltan amizade i sulidariedadi/Ta fal- tan irmandade na nos sosiedadi/Seriedadi i konpaixon entri irmons/Dja sta bom di rasismu i kurupson…/Sekulu XVII nasi kabuverdianu/Rijistadu i privilijiadu/Konpurtamentu dis- prezentu moda papá ingratu/Da kontinuidadi di mal-tratu pamo peli e klaru/Tudu infliuensia kontinenti [afrikanu] ko- notadu ku feitisu/Ka ta seta nos kabelu oji nu ta poi pustisu/ Afrikanas kuranderas considera fitesera…/Kel ki kolonu inxi- na ki e nos disciplina…/Viva Shaka Zulu i tudu kes otu guuu/ Si nu ka unifica nu ka ta txiga la/Valoriza pensadoris moda Thomas Sankara”1 (Da Lomba e Cabral, 2020).

No final de janeiro de 2020, Ga Da Lomba e Kuumba Cabral pu- blicaram no canal YouTube o vídeo Afrokabuverdianu2, interpre- tado, inicialmente, por uma parte de pessoas com quem conver- sei, como uma espécie de reprodução da narrativa da negação de África, atitude caraterística do cabo-verdiano. Contudo, ao ouvir a música, verifica-se que a ênfase é colocada na violência colo- nial, na crise de identidade e na relação dos cabo-verdianos com os imigrantes da costa ocidental africana, o que deixa perceber que através de um título polêmico, o interesse foi desconstruir a ideia de uma suposta identidade “afro-cabo-verdiana”. Em entrevista, os dois rappers explicaram desta forma o concei- to por detrás da música:

Afro-cabo-verdiano é uma ironia. Não existe um afro-cabo-verdiano. Ou és um africano ou não és. Foi uma brincadei- ra dizer que se já não sou um africano então sou um afro-cabo-verdiano. Europeu é que não somos. Somos africanos. Eu hoje sei sobre África porque procurei por mim mesmo. Como rapper, para conhecermos a nossa identidade temos de ir ao passado. Fomos ocidentalizados. Sofremos uma la- vagem cerebral…. fomos um entreposto comercial de escra- vos. Somos misturados é verdade, mas da Europa é apenas uma minoria. Pegas no mais claro daqui e metes em Portu- gal e duvido que não seja tratado de preto… esta crise de identidade tem a ver com o fato de nos acharmos espaciais (Ga, Praia, fevereiro 2020).

Afro-cabo-verdiano é um tema que reflete esta cri- se de identidade que temos. Isso remete-te a muitas questões, a querer saber, a sentir que estás no oceano, digo… como disse o homem com quem discuti, nós so- mos o povo do oceano. Nesse sentido, é uma crise que sentimos aqui… é um tema específico, mas é transver- sal, fala de muitos outros temas… a forma como nós surgimos, como é o nosso comportamento, como tra- tamos da questão do barlavento e sotavento e todas essas expressões que aqui se usam. Mas, quando ou- ves o coro, entendes o que realmente queremos dizer, para afirmamos como africanos. Afro-cabo-verdiano é um título estratégico que lhe demos (Kuumba, Praia, março 2020).

Enquanto fenômeno identitário (Auzanneau, 2001), pós-colonial (Prévos, 2001), transnacional (Kelley, 2006), localizado (Simões, 2010), transcultural e transurbano (Mbaye, 2011), político (Mo- assab, 2011), pan-africanista (Saucier. 2011) e contracolonial (Lima e Robalo, 2019), o rap fez emergir nos jovens cabo-ver- dianos aquilo que Pais (2007) chamou de identidades reflexivas e reflexividade estética, na medida em que reorientaram as suas identidades consoantes a sua condição social, condicionado pela modernidade impositiva, mas buscando responder a partir de uma reflexividade transformadora, isto é, em contextos de desi- gualdades e de crises de identidade, os jovens buscam identifi- car-se com estéticas performativas urbanas desviantes, mesmo sendo percebidas inicialmente como culturalmente estranhas ao seu universo, mas com capacidades atrativas globalizantes. cit. in Dziewanski, 2020). No caso de Cabo Verde, essas narrati- vas, ao coincidirem com a situação social de muitos jovens, cria- ram condições para que pudessem olhar ao seu redor a partir de uma perspetiva alternativa que lhes possibilitasse ter uma nova compreensão dos processos históricos que estão na base da for- mação sociocultural do arquipélago. Isto ficou expresso na fala de um jovem ativista cabralista, num workshop sobre o hip-hop em maio de 2013, na cidade da Praia, ao afirmar que a força de “Tupac foi ter focado aquilo que a sociedade precisava de ouvir”, fazendo com que através do rap começasse “a compreender um conjunto de situações que te rodeiam e a expressá-la”.

A minha pesquisa no rap cabo-verdiano iniciado em 2010 tem mostrado de forma inequívoca que ele tem sido um dos maiores responsáveis para o (re)início de um processo de reconstrução identitária em torno de uma cultura que tem no contexto africa- no a sua gênese, o que fez com que houvesse, pelo menos nesse contexto, a rejeição de uma identidade atlântica, importada pe- los claridosos4, reproduzida por uma parte da elite cultural pós--movimento claridoso e apropriada pela classe política.

Do achamento à invenção da identidade mestiça

Achada no ano de 14625 a cerca de 500 km da costa ocidental africana e dividida territorialmente em duas capitanias entre- gues aos alegados achadores e homens da casa do rei, a coroa portuguesa concedeu em 14666 a carta de privilégios aos moradores de Santiago (Silva, 1996; Carreira, 2000 [1972]; Cabral, 2015, 2016) a fim de estimular o seu povoamento, atribuindo a exclusividade do comércio com a costa ocidental de África e com isto atrair imigrantes europeus que se instalaram em Santiago, que viriam formar a elite local, considerada como a primeira eli- te colonial atlântica (Cabral, 2015).

Ao transplantar para Cabo Verde a estrutura reinol portuguesa, torna-se evidente que houve a reprodução nas ilhas das diferen- ças nobiliárquicas, o que desempenhou um papel importante na ordenação da hierarquia social no seio da população branca (Baleno, 2007). O grupo dos moradores-armadores era consti- tuído por homens pertencentes à classe da baixa e/ou alta no- breza europeias, posicionados na categoria dos homens brancos honrados (Cabral, 2015, 2016) ou de qualidade (Carreira, 2000 [1972]), composta por vários fidalgos, cavaleiros, escudeiros e criados do rei que optaram por residir nas ilhas mediante os privilégios concedidos7. Simultaneamente, a estrutura social ex- portada desempenhou igualmente um importante papel na or- denação da hierarquia racial do arquipélago, visto que no outro lado da barricada se encontravam uma mão de obra escravizada trazida da costa ocidental africana8, que corresponderia a maio- ria da população. Esta realidade faz emergir uma sociedade po- larizada entre dois estratos sócioraciais: o senhor/europeu e o escravo/africano (Carreira, 2000 [1972]; Baleno, 2007; Cabral, 2010, 2015, 2016).

Esse cenário racial polarizado perdurou até o século XVII quan- do, com a perda de posições vantajosas no comércio da costa da Guiné por parte da elite local e as constantes secas numa terra árida, houve um estancamento da imigração europeia e uma re- tirada de boa parte da elite branca europeia, substituída pelos chamados brancos (filhos) da terra, seus herdeiros. Represen- tando na altura 14% da população e detendo força econômica para ocupar os lugares de poder (Cabral, 2016), este grupo era receado pela coroa que tinha medo de que a miscigenação pode- ria criar uma elite local não branca já não tão próxima do reino (Silva, 2007a). Assim, de modo a evitar essa situação, foi envia- do para o arquipélago, no ano de 1620, mulheres portuguesas degradadas, na esperança de darem filhos brancos aos colonos locais, mas como “se entregaram também aos pretos e mestiços” (Sousa, 1974, p. 3), estas medidas não surtiram qualquer efeito. Como explica Hannah Arendt, a discriminação contra os indiví- duos de origem mista tinha como base a ideia segunda a qual os mestiços “não são verdadeiros seres humanos, pois não perten- cem a raça alguma; peço contrário, cada homem misto é uma espécie de monstro porque nele cada célula é o palco de uma guerra civil” (Arendt, 2017, p. 233).

Contudo, com o falhanço da política de branqueamento popula- cional e num contexto marcado por um ambiente de violência, derivado, sobretudo, das constantes fugas de africanos escravi- zados para as serras, Silva (2007a) salienta que o mestiço aca- bou por se consolidar como o aliado ideal dos brancos. Aliás, é preciso ter em conta que apesar da indicação de Arendt (2017), muitos outros teóricos da supremacia branca entendiam que apesar da sua inferioridade em relação aos brancos, os mestiços “tinham boas hipóteses de se adaptarem a uma cultura avançada e se fossem claros o suficiente para passaram por brancos, tanto melhor” (Fredrickson, 2004, p. 136).

É com base nessa lógica que vai surgir a crença de um mundo que o português criou, apropriado por Mariano (1991) através da célebre afirmação de que em Cabo Verde o mulato criou o seu próprio mundo, sustentado pela ideias do modernismo brasileiro que defendia que os trópicos constituíam um espaço criador autônomo de cultura, neste caso de uma cultura mestiça. De acordo com Anjos (2003), esse tipo de afirmação tinha como finalidade convencer a metrópole sobre o papel que o arquipélago deveria desempenhar no processo colonial.

Logo, a partir da construção de uma identidade local como mes- tiça (Anjos, 2003) e intermediária entre Europa e África, e, por conseguinte, próxima da portuguesa, os intelectuais descenden- tes do grupo dos filhos da terra contribuíram, por um lado, para a desafricanização da mestiçagem (Anjos, 2000) e, por outro, para a consolidação de Cabo Verde como parte daquilo que António Manuel Hespanha chamou de império em rede, uma das várias comunidades portuguesas fora do império colonial português, consideradas por alguma historiografia como extensões infor- mais do império formal. Todavia, é de ter em conta que “a desig- nação de português para etiquetar estas comunidades com refe- rências lusitanas é muito artificial, correspondendo, em grande parte, à ideologia de um Portugal por natureza pluricontinental, tecido por laços espirituais e emotivos mais fortes e mais per- manentes do que os vínculos políticos” (Hespanha, 2019, p. 35).

Dessa feita, a invenção da identidade mestiça como definidora do conjunto da população cabo-verdiana se insere numa estra- tégia de reconversão das modalidades de dominação (Anjos, 2000). José Carlos dos Anjos lembra que entre os finais do sé- culo XIX e início do século XX os morgadios, base econômica de sustento dos filhos da terra, começam a entrar em decadência e, assim, o controle das relações com a administração colonial se transforma num recurso-chave de mediação. Na sequência, o contexto da ditadura salazarista iniciado em 1926 veio limitar as aspirações nativistas e, portanto, era necessário um “refor- ço dos canais de mediação cultural (entre os quais se destaca a revista Claridade) para a formulação das demandas populares” (Anjos, 2003, p. 598). O que estava em jogo, para além da dispu- ta sobre as “coisas públicas”, era também a necessidade de um reconhecimento de “superioridade étnica intelectual em relação aos povos das demais colónias” (Anjos, 2000, p. 196).

É com a geração regionalista9 que se vai aprofundar os mitos fundacionais da nação cabo-verdiana que tem na noção do povo singular e na superioridade da sua cultura em relação aos ou- tros povos africanos os seus maiores argumentos. O seu principal objetivo era demarcar-se da produção poética dos nativistas, forjada no Seminário de São Nicolau10 e no processo apresentar a mestiçagem associada à cordialidade brasileira, mas também ligada à morabeza, “que seria a realização máxima da cordialidade” (p. 201), ou como lhe chama Mariano (2011), a super cordialidade.

A ideia da morabeza vai sistematizar todos imaginários simbó- licos de um povo com um dom identitário e uma vocação natu- ral atlântica (Barros, 2014), eternizado pela literatura, música, ensaios e trabalhos acadêmicos, contribuindo assim para a sua exportação enquanto marca identitária. A morabeza crioula seria, então, na leitura de Pina (2016), a caraterística do homem cabo-verdiano, compreendida como uma categoria cultural e identitária essencial para a manutenção da coletividade cabo-verdiana, o que faz como que ele seja percebido e apresentado como um ser cordial, hospitaleiro, solidário, urbano, cosmopoli- ta, democrático, etc. “Entendida como uma predisposição para a familiarização das relações sociais, portanto, em contraposição a exteriorização dos conflitos” (Anjos, 2000, p. 201)

É de notar que esta empreitada intelectual surge numa altura em que Portugal adota um “novo” discurso colonial perante os avanços dos movimentos anticoloniais que, no caso dos territórios cabo-verdianos e bissau-guineense, tinha na figura de Amílcar Cabral11 o seu principal teórico. Para Villen (2013) era necessário criar uma narrativa que enaltecesse o benefício histórico da colonização, sustentado no mito de que a história de África começa com a “descoberta” europeia, não obstante a oposição intelectual de autores africanos como Diop (1974) contra aquilo a que chamou de falsificação da história moder- na de África legitimada pelo africanismo eurocentrista (Obenga, 2013 [2001]).

Essa nova narrativa colonial que tinha na educação missionária dos povos indígenas o seu maior trunfo, aliada à visão lusotro- picalista de Gilberto Freyre, que tinha na tese de democracia racial o seu principal argumento, reforçava tanto a ideologia colonial de inseparabilidade entre a metrópole e as províncias do ultramar (Hespanha, 2019) como “se mostrava efetiva como instrumento precioso de Portugal para a defesa da legitimidade da sua missão civilizadora na África” (Villen, 2013, p. 93). Por outro lado, amparava a ambição intelectual de construção iden- titária dos claridosos, cuja referência maior seria a civilização metropolitana (Sousa, 1974). Ainda assim, como aponta Anjos (2000), essa importação ideológica seguiu um sentido inverso, visto que o que se pretendia em Cabo Verde não era demonstrar e valorizar a mestiçagem contra aqueles que o queriam exclu- sivamente branco, como no caso brasileiro, mas “demonstrar a mestiçagem de uma cultura e de um povo que a colonização portuguesa tomava como simplesmente negro” (p. 199). Neste sentido, Gabriel Fernandes (Lopes, 2014a) defende que os inte- lectuais claridosos e pós-claridosos foram ingênuos, na medida em que ao erigir um discurso em torno dessa mistificação lusita- na não perceberam que estavam a legitimar a presença colonial numa altura em que o colonialismo era fortemente contestado.

Ao visitar Cabo Verde12, em 1951, num périplo ao chamado ter- ritório ultramarino português em África, a convite de Salazar, o “messias”, como lhe chamava Baltasar Lopes da Silva, evidenciou de forma racista sua desilusão perante a constatação de uma forte presença africana na identidade cabo-verdiana (sobretudo a língua, o que mais o repugnou), tendo em conta a resistência deste povo em se deixar absorver na cultura dos portugueses (Medina, 2000), entendida como superior.

Confesso que a minha forte impressão em Santiago é a de estar numa espécie de Martinica que, em vez de ser afro-francesa, fosse afro-portuguesa; ou como numa Trinidad que, em vez de ser afro-inglesa, fosse afro-lusitana; ilhas em que as populações fossem predominantemente africanas na cor, no aspeto e nos costumes, como salpicos de influência europeia sobre essa proeminência étnica e social. A presen- ça dominante do europeu apenas se revela no que é oficial: edifícios, ritos de administração, o trajo, o andar, a fala dos burocratas e dos negociantes mais importantes (Freyre, 1952 cit. in Almada, 2007, p. 279).

Para o sociólogo brasileiro, em Cabo Verde se vivia uma instabilidade cultural só ultrapassada pelo revigoramento da cultura europeia no arquipélago, isto é, através de um intenso trabalho de branqueamento cultural. Obviamente que essas constatações não caíram no agrado dos claridosos que ripostaram, visto que ao que pareceu na altura, afirmar a africanidade do povo cabo-verdiano constituía uma espécie de “heresia intelectual” (Lima e Robalo, 2019).

É interessante verificar que no atual debate intelectual sobre a identidade cabo-verdiana que, na perspetiva de Varela (2013a), sofre de um complexo electra-claridoso por não se conseguir demarcar-se, em termos argumentativos, da geração dos clari- dosos, mesmo os protagonistas que se identificam com a ma- triz africanista (Madeira, 2016) tendem a se considerar cabo-verdianos e só depois africanos. Gabriel Fernandes, um desses autores, em conversa com José Vicente Lopes afirma o seguin- te: “Às vezes, me deparo com afirmações de figuras nossas, in- telectuais, que nos dizem ‘nós temos uma África profunda em nós, temos raízes africanas, o nosso destino é africano!’ A verdade é que se formos procurar África profunda em Cabo Verde é como se você estivesse a atribuir à identidade algo que ela não tem” (2014a, p. 210).

No trabalho de Henriques (2016) afirmei que se me pergunta- rem a minha identidade respondo cabo-verdiano e que a ambi- guidade disto é que para muitos dizer que se é cabo-verdiano é uma forma de se negar a África13. Autores como Gabriel Fernan- des defendem que essa ambiguidade não deve ser pensada como algo negativa e que deve ser assumida descomplexadamente, isto porque “é compatível com as tendências da atual configura- ção histórica mundial em que tudo está em tudo” (Lopes, 2014a, p. 210). Ou seja, que o cabo-verdiano é uma diluição de África (Fernandes, 2002). Sendo a identidade uma construção social e, por conseguinte, um processo, diria que no caso cabo-verdiano a identidade mestiça tende a ser utilizada de forma oportunista, conforme a conjuntura.

“Nôs e kabuverdianu”14: disputas identitárias e construção da hierarquia da morabeza

O que o meu trabalho etnográfico me tem mostrado é que se em Santiago, no seio de uma parte de jovens “periféricos”, quer se- jam membros de gangues de rua, rappers, quer sejam ativistas comunitários, embora o ser cabo-verdiano surge como resposta imediata, a ênfase colocada no ser africano vem logo de seguida. Em São Vicente, pelo contrário, salvo os poucos rappers que se identificam e afirmam o seu pan-africanismo, o ser cabo-verdia- no surge como entidade intermediária entre a Europa e a Áfri- ca, mas que não é nem uma, nem outra. Todavia, explorando a conversa se percebe que há uma maior tendência em se negar a África do que a Europa, como pode ser sintetizada na afirma- ção de uma professora de teatro entrevistada no Mindelo, em outubro de 2019: “as pessoas de São Vicente têm mesmo isso: nós não somos africanos, somos cabo-verdianos. Não se iden- tificam com isso. E mesmo os mandingas15 tenho a certeza de que lá no fundo não o fazem porque é algo africano… eles nem devem saber o que é mandinga, etnias, África, eles não devem nem associar a isso”.

Pude confirmar isso com o chefe mandinga de Ribeira Bote no dia seguinte, que ao perguntá-lo se ele se achava africano respondeu-me que não. Ao explorar a conversa, ele disse-me: “es- cuta, eu sou cabo-verdiano, mas, quando me visto de mandinga, há algo que me faz sentir um Zulu”. Percebido por alguns entrevistados em termos estéticos como uma expressão do black face, a representação dos mandingas não é consensual e torna- se por vezes um assunto embaraçoso como foi testemunhado pela entrevistada apresentada anteriormente. “Há tempos, uma senhora disse à frente de uma amiga minha: agora as pessoas de São Vicente estão com umas coisas de se pintarem de preto e saírem às ruas fazendo-se de africanos”. Rodrigues (2011) afirma que se tomarmos o carnaval como uma manifestação dos atores exorcizarem as suas origens, no Mindelo, pouca coisa ou nada lembra África. Os mandingas são das poucas reminiscências afro-cabo-verdianas presentes na ilha.

Essas afirmações, expressadas no contexto em que o termo morabeza foi edificado, nos interpelam para a necessidade de um melhor entendimento do lugar que a questão racial ocupa na construção hierárquica de morabeza em Cabo Verde (Lima e Robalo, 2019). A música Afrokabuverdianu, assim como muitas outras narrativas do rap cabo-verdiano, ao pegar num tema como o do mandjaku16, além de trazer à discussão a questão da xenofo- bia e da discriminação racial, desconstrói o discurso da morabe- za, uma vez que é uma categoria que deve “ser analisada inserida numa estratégia de dominação, tomando a conotação moral da abertura em relação ao estrangeiro” (Anjos, 2003, p. 584).

Eufémia Rocha é opina que ao defender uma identidade mestiça, o cabo-verdiano está tão somente a delimitar fronteiras identi- tárias entre os cabo-verdianos e os imigrantes africanos. Logo, o mandjaku, de forma mais extremada do que o mandinga, surge como “uma categoria de contraste que naturaliza e evidencia preconceitos, de modo a estabelecer uma distinção entre ‘nós’ e ‘eles’” (2009, p. 85). Deste modo, entendemos num outro traba- lho (Lima e Robalo, 2019) que a operacionalização dessa cate- goria prende-se com a necessidade de estabelecer uma oposição entre uma identidade cabo-verdiana e africana, da qual se quer fugir a todo o custo, mesmo quando a história (Baleno, 2007; Ca- bral, 2015, 2016) ou a genética17 (Lopes, 2011) mostrem o con- trário. Onésimo Silveira, antigo Presidente da câmara municipal de São Vicente, teve esse desabafo:

Eu nunca passei tão mal no meu país como quando, depois de restruturar a praça Estrela, distribui quiosques aos vendedores da Costa de África. Havia gente que me ia ver, na Câmara, para perguntar o que eu andava a fazer ou o que é que pretendia fazer, e uns interpelavam-me na rua, para dizer, “cuidado, não vais lá meter os manjacos, se não vais ter problemas”. E isso, meu caro amigo, não é só uma questão de São Vicente. O mesmo se passa nas outras ilhas. Eu, que vivi em Dakar, em Abidjan, meses em Conakry e no interior de Conakry, conheço vários países da região e vejo a maneira como integraram os cabo-verdianos, pergunto-me: Por que razão é que nós, cabo-verdianos, temos a soberba de nos considerarmos superiores aos outros? (Lopes, 2014b, p. 203).

Responder a essa questão remete ao trabalho de Anjos (2003) quando afirma que a definição do ser cabo-verdiano idealizada pela intelectualidade das ilhas dos anos de 1950, e em grande parte reproduzida ainda hoje, carrega as preposições da versão clássica da doutrina racialista avançada por Tzvetan Todorov. Em primeiro lugar, reafirma-se a existência de raças sob pressupostos biológicos, isto é, que existem dois granes grupos ra- ciais, o branco e o negro, e que a mestiçagem dar-se-ia como um processo de (re)estruturação somática relativamente lento. Em segundo lugar, a correlação entre as características físicas das duas raças e características morais. No caso da mestiçagem cabo-verdiana, ressalta que as características morais ligadas a um certo índole e exteriorização emocional afro-negras teriam sido complementadas pelas tendências brancas intelectuais. Em terceiro lugar, a presença do darwinismo social, bem como o evolucionismo na formulação da identidade mestiça encontram-se subtendidos na defesa da ideia de que a aristocratização do cabo-verdiano é, antes de mais, o resultado do cruzamento de raças que coloca o mestiço numa trajetória ascensional que vai do negro ao branco. E, por último, a afirmação política do tipo cabo-verdiano de modo a resgatar um tratamento diferenciado em relação aos indígenas da colonização portuguesa, legitima- do pela não implementação do estatuto do indigenato em Cabo Verde.

Como indica George Fredrickson, a essência do racismo assenta-se na ideia de uma etnicidade hierarquizada, que é como dizer o tornar-se a diferença odiosa e desvantajosa através da aplicação de poder:

as histórias de escravatura, Jim Crow, apartheid ou coloni- zação deixaram muitos membros de grupos previamente estigmatizados e legalmente desfavorecidos numa situa- ção económica e psicologicamente vulnerável, a qual lhes pode dificultar a competição com aqueles cujas famílias e antepassados não tiveram de passar por tais experiências devastadoras” (Fredrickson, 2004, p. 119-120).

Não obstante as ideias apresentadas por Anjos (2003) e o legado da burocracia colonial racista portuguesa em Cabo Verde (Vare- la, 2017) pelo fato das elites cultural, econômica e política terem conseguido apenas ser um mediador e/ou capataz do império em África (Varela e Lima, 2017), salvo a pretensão de domina- ção na Guiné-Bissau pós-colonial, interrompida em 1980 com o golpe de estado levado a cabo por Nino Vieira, que pôs fim ao projeto pan-africanista cabralista, opto por falar de hierarquia da morabeza.

Essa opção surgiu depois de ouvir a fala de Pedro Marcelino numa conferência internacional por mim moderada em 2013, em que chamava atenção que no atual contexto migratório cabo-verdiano, os imigrantes africanos provenientes do continente encontram-se na base daquilo a que “se poderia denominar de ‘pedigree migratório’, ou uma hierarquia dos diferentes grupos de imigrantes segundo linhas raciais” (Marcelino, 2011, p. 93). Destaca que em Cabo Verde o homem branco é percebido como estrangeiro ou cooperante, o asiático, mais concretamente o chinês, como um empresário e cabe ao africano negro o rótulo de imigrante. Ou seja, enquanto os dois primeiros são percebidos como investidores, portanto, alguém que veio contribuir para o desenvolvimento do país, este último é visto como alguém que vem atrasar esse processo. Assim, ao assumir o termo hierarquia da morabeza, tenho como objetivo destacar que em Cabo Verde a população nativa tende a rotular o imigrante de acordo com o seu grupo racial ou étnico (Varela e Lima, 2017), termo este pensando no contexto da (re)globalização como uma atua- lização da noção da hierarquia racial produzida no contexto colonial. Portanto, falo de um processo iniciado no século XV que, segundo Iva Cabral, marcou uma divisória étnica e racial com consequências bem visíveis:

(…) a dicotomia racial, mas, especialmente, a assemelhação positiva entre branco/elite (rico, proprietário rural e de es- cravos, ‘homem-bom’ já que possuidor de direitos políticos) e negativa, entre negro/escravo ou forro, marcará o sub- consciente cabo-verdiano durante muito tempo e terá um papel importante na negação da sua história por parte de muitos ilhéus, até hoje” (Cabral, 2016, p. 33).

Anjos (2000) fala que no processo de redefinição identitária o capital simbólico associado à identidade étnica não desaparece, isto porque essa elite continua a se definir como acima dos afri- canos, tanto nas relações externas como nas relações internas. A nível interno, a evidência encontra-se na atual diferenciação identitária entre o riba-praiense e o badiu di fora no contexto local santiaguense, assim como entre o badiu e sampadjudu no contexto nacional, estendendo às comunidades cabo-verdianas da diáspora.

Segundo Carreira (2000 [1972]), a fuga dos ataques dos corsários que tiveram maiores incidências entre os séculos XVI e XVII obrigavam a população da Ribeira Grande e da Praia a se refugiarem no interior da ilha, e muitos escravos, aproveitando-se desta situação, abrigavam-se nos montes e montanhas de difícil acesso de onde muitos não voltavam, passando a viver em liberdade, longe dos trabalhos forçados e dos maus tratos dos seus donos. Inicialmente construídos de forma provisória, as suas habitações precárias foram se espalhando pelos chamados cutelos, fundando ali pequenas comunidades autônomas, designadas pelos escravos de djulangues18 (Silva, 2001; Santos e Rebocho, 2018), fez com que, em Santiago, de acordo com António Correia e Silva, o interior montanhoso fosse representado pelo termo fora que refere-se mais a uma marginalidade social do que geográfica. Sobre a sua população começa a recair os piores dos preconceitos.

Toda a plebe montanhesa é extremamente rústica e selvagem, e totalmente ignorante da doutrina cristã, porque, como vive pelos montes, aonde cada um tem o seu casal, com a searazinha, e onde pastam os seus gados… aí mesmo vão criando seus filhos brutinhos, sem comunicação, nem doutrina... eles andam quase nus, dormem sobre uma esteira de tábua. são bêbados… dados a desordens, servindo-se de dois géneros de armas proibidas – uma faca e um pau de quadro quinas, vulgarmente chamado de manduco. (Silva, 1996, p. 90).

A designação de badiu, cuja denominação em língua cabo-verdiana radica da palavra portuguesa vadio, surge no século XVIII, no epicentro da crise do sistema esclavagista, como forma de designar esta população montanhosa. Enquanto construção ideológica, o uso do termo é descrito por Marx19 (1982 [1867]) acerca da legislação contra a vagabundagem na Inglaterra no sé- culo XVI e identificado no Brasil no século XVII (Campos, 2005). O objetivo da denominação era estigmatizar um conjunto de ho- mens com uma identidade africana fortemente vincada, carate- rizando-os de inúteis, festeiros, agressivos e vadios, numa ma- nifesta estratégia de mobilização das forças de ordem para um projeto de (re)escravização ou de assalariamento forçado (Silva, 2007a). Enquanto construção sociológica, remete ao homem ne- gro, refratário à escravidão e às suas decorrências, a recusa da condição de escravo e do controle das instituições dominantes. Logo, como afiança Silva (1996), a sua marginalidade constituía simultaneamente um ato de resistência social (à escravatura e ao trabalho assalariado) e cultural. Mais tarde, com a intensificação do processo migratório do campo para a cidade e a consequente urbanização acelerada da cidade da Praia, na sequência da fome dos anos de 1940, o termo badiu di fora passa a ser utilizado em oposição aos residentes mais antigos da urbe, mais concreta- mente os habitantes do Plateau, bairro principal, que até os anos de 1990 era simbolicamente considerado como a cidade.

Voltando ao século XVIII, é de frisar que, segundo Silva (2007b), foi o período que se dá o início ao terceiro e último ciclos de povoamento do arquipélago20, abrangendo as ilhas do Sal, Boa Vista, Maio e São Vicente. Antes, espaço de reserva de pasto dos habitantes das ilhas de Santo Antão e São Nicolau, o receio da ilha de São Vicente ser ocupado por corsários ou pelas armadas francesa, inglesa ou norte-americana que constantemente o visi- tavam, devido ao seu magnífico porto natural, fez com que fosse a última a ser povoada, no início do século XIX (Silva, 2005), já com o objetivo de ali se construir a nova capital do arquipéla- go, visto a ilha de Santiago era considerada quente, insalubre, doente (Rodrigues, 2011) e rebelde (Pereira, 2015). Com esta finalidade, “em julho de 1838 recebe o decreto ministerial e por- taria régia a autorizar a mudança da capital da Praia para São Vicente” (Almeida, 2014, p. 15).

Vivia-se uma conjuntura marcada pela ilegalização progressiva do tráfico negreiro e da escravatura e a independência do Brasil tinha acabado de ser proclamada, o que, no entender de Silva (2005), foram alguns dos acontecimentos determinantes para a retoma de Cabo Verde como grande placa giratória de merca- dorias no Atlântico Médio, obrigando Portugal a reinventar as suas cidades litorâneas geograficamente mais bem posiciona- das. Por outro lado, vivia-se o contexto da revolução industrial e o povoamento tardio da ilha de São Vicente criava condições para a transplantação para a ilha de um projeto urbano europeu moderno e civilizado longe de Santiago e restantes ilhas, maiori- tariamente povoados por negros forros santiaguenses (Carreira, 2000 [1972]).

Aliás, a maior preocupação era fazer singrar uma segunda ten- tativa de embranquecimento do arquipélago numa cidade quese desejava moderna e cosmopolita (Silva, 1996). Desta feita, a elite colonial advoga teses de extermínio coletivo dos negros forros, vistos como inúteis e perigosos, com vista a “despojar a sociedade de elementos negroides, predominantes na sociedade escravocrata de Santiago e Fogo, que, segundo a ideologia do- minante, seriam os responsáveis pelo atraso cultural da colónia como um todo” (Silva, 2005, p. 40). Havia também o receio que a ilha de Santiago fosse palco de uma segunda revolução haitiana, sobretudo após os incidentes de Monte Agarro, onde os revol- tosos, constituídos por escravos e forros, tinham supostamente intentado, em dezembro de 1835, um assalto armado à vila da Praia, tomando assim posse da ilha sede da administração colo- nial (Carreira, 2000 [1972]).

No entanto, embora tivessem desembarcado em Santiago algu- mas famílias brancas da metrópole cujo destino fosse São Vicen- te, a ilha acaba por ser povoada por algumas famílias brancas e mestiças das ilhas de Santo Antão, São Nicolau e do Fogo21, e, por uma grande maioria de camponeses descendentes dos ne- gros forros provenientes destas e de outras ilhas. Portanto, além de se ter falhado novamente o projeto de embranquecimento da população, falhou também o projeto de transformar o Minde- lo na cidade capital da colônia de Cabo Verde, por um lado, por questões econômicas (Silva, 2005)22 e, por outro, devido à pres- são da elite rural santiaguense (Vieira, 1993).

Com a instalação de várias companhias comerciais inglesas, Min- delo passa a representar na altura um dos pontos vitais do co-mércio mundial, substituindo as cidades portuárias de Santiago (Silva, 1996). Contudo, a sua prosperidade e dinamismo tiveram pouca duração e nas últimas décadas do século XIX eram eviden- tes os sinais de crise portuária e o consequente declínio urbano da cidade (Silva, 1996), levando a autores como Germano Almei- da falar de um “nostálgico mito de um passado de abundância e fartura que sonhamos sempre ver reproduzidos num qualquer tempo futuro, nosso ou dos nossos descendestes… eternizado através de uma das mais belas mornas do repertório nacional: Tempo de Canequinha” (2014, p. 27). Max Rubens, antropólogo mindelense radicado em Portugal, em conversa na capital portu- guesa, denominou-o de mito di diazá23.

O surgimento na ilha de um sentimento de superioridade cul- tural e uma espécie de micro-colonialismo (intelectual) interno (Fontes, 2007), está ligado a esse mito, assim como a ideia de que a identidade e a nação cabo-verdiana nasceram no Minde- lo (Rodrigues, 2011; Almeida, 2014), por ser a única predomi- nantemente mestiça, cuja argumentação assiste no encontro de Spoken Word Mindelo, em novembro de 2019. Como me explicou um ativista e empreendedor social,

São Vicente foi criada com uma ideia elitista. Amílcar Ca- bral estudou em São Vicente. Grandes pensadores cabo-verdianos estudaram em São Vicente. Então, nós éramos os filhos da casa mais bem tratada, porque fomos o último. Então, nós temos mais influências europeias do que africa nas. Quando se começou a viver em Mindelo, a escravatura já estava quase a ser abolida. Não foram os escravos que vie- ram para aqui, foram cabo-verdianos e colonos. Isso parece que nos dá uma imagem de arrogantes, mas não é (Mindelo, março de 2020).

Sendo ou não, o certo é que isso fez com que as questões do badiu e do sampadjudu24, enquanto representações subjetivas da intelectualidade mindelense, fossem criadas reatualizadas, “quer por razões políticas, quer administrativas, quer mesmo pela cor [ou melhor tonalidade] da pele” (Fontes, 2007, p. 107). Como aponta António Correia e Silva no prefácio do livro da Elsa Fontes, apesar do discurso dominante do país como um espa- ço culturalmente homogêneo, a identidade regional sanpadjudu parece também ser originária da crise da sociedade esclavagista, tal qual o foi a identidade badiu. Portanto, da mesma forma com a questão do mandjaku (Lima e Robalo, 2019), estamos perante uma forma de discriminação que reatualiza os imaginários ra- ciais da primeira estrutura social cabo-verdiana. O trabalho de Neves e Liedke (2010) evidencia esse aspeto e denuncia, na mes- ma linha de Marcelino (2011), a segregação espacial em algumas ilhas, tomado como uma manifestação de um tipo de racismo habitacional, em que se destacam as ilhas turísticas da Boa Vista e do Sal, onde as pessoas associadas a badius e mandjakus são os mais prejudicados, fato por mim comprovado em vários outros trabalhos de pesquisa realizados nestes territórios.

“Nôs e afrikanu”: rap e processos de (re)construção de uma identidade de resistência

Amílcar Cabral, na busca da materialização de uma ideia pan-africanista que ligasse Cabo Verde e Guiné-Bissau, procurou criar um aparato teórico e ideológico capaz de reconquistar a personalidade africana desses povos (Villen, 2013) a partir de um trabalho de (re)africanização dos espíritos e das mentes (Cabral, 2013 [1970]). Para isso, era necessário desmistificar tanto os mitos de origem como a das hespérides, sustento ideológico da identidade e da nação cabo-verdiana.

Um primeiro aspeto a levar em conta nessa empreitada era apresentar evidências arqueológicas sobre a origem das ilhas, que se deve a um pedaço de terra solta da região senegalesa de Cabo Verde, parte oeste da cidade de Dacar. Assim, mostrando que o arquipélago era uma parte física do continente africano e o povo que lhe deu vida ser predominantemente africano, acre- ditava já não haver dúvidas sobre a identidade africana do cabo-verdiano, reconhecendo, no entanto, alguma influência da cultura portuguesa (Cabral, 2014 [1969]). Em seguida, apresentar evidências históricas de que Cabo Verde desenvolveu ao longo dos cinco séculos da sua história uma resistência cultural contra a dominação portuguesa, como podem ser comprovados na historiografia de resistência e de revoltas (Mascarenhas, 2014) produzida, sobretudo, desencadeada por camponeses santia-guenses (Silva, 2001).

A música, além de surgir como uma das representações orais dessa história, aparece também como um instrumento de cons- ciencialização e mobilização. Como afirma Pedro Martins (No- gueira, 2011), no processo de luta de libertação, os militantes eram incentivados a inspirar-se no que o partido considerasse cultura de resistência e o batuku26, assim como o funaná, forte- mente reprimidos pelo regime colonial, eram revalorizados e utilizados pelo PAIGC27 com o intuito de recordar o povo a sua raiz africana e a necessidade de lutar contra a colonização. O poema Ora dja tchiga28, de autoria de Kaoberdiano Dambará29, era uma de muitas entregues às batucadeiras com vista, por um lado, a estimulá-las na composição de letras anticoloniais e, por outro, para a mobilização do seu principal consumidor, o badiu.

Labanta bo anda fidjo d’Afrika/Labanta negro, obi gritu’l pobo/Afrika, djustissa, liberdadi/Obi gritu’l pobo na sisten- sia, na funku/Na simentera, na lugar sem txuba/Na bariga torsedu di fomi/Dexa bo funku, dexa bo mai, bo armun/dexa tudu, pega na kunsiensia bo subi monti/Finka pé na tchom pega n’arma/Brandi fero riba’l monti/Ko fomi o ko fartura, ko guerra o ko paz/Luta pa liberdadi’l bo tera’l30 (Dambará, 1965, p. 18).

De modo a que o quadro ficasse completo, era também crucial a mobilização da elite, que Cabral (2014 [1969]) apelava que se suicidasse enquanto classe, através da subversão das temáticas da morna31 e da coladeira32, consideradas como citadinas e acei- táveis. Estas práticas, que chamei de guerrilha cultural (Lima, 2015a), contribuíram para que na fase pré-independência, Cabo Verde estivesse repleto de músicas de protesto, entretanto,

28 Já é hora.

29 Pseudónimo de Felisberto Vieira Lopes. Advogado, poeta e inventor da ideia da ne- gritude crioula.

30 Levanta-te e anda filho de África/Levante-te negro, ouve o grito do povo/África, jus- tiça, liberdade/Ouve o grito do povo na assistência, no funco/Na sementeira, no lugar sem chuva/Na barriga com muita fome/Deixa o teu funco, deixa a tua mãe, o teu irmão/ Deixa tudo, pega na tua consciência e sobre o monte/Finca o pé no chão e pega na arma/ Ergue o ferro em cima do monte/Com fome ou com fartura, com guerra ou com paz/Na luta pela liberdade da tua terra.

31 Gênero musical cabo-verdiano tradicionalmente tocado com instrumentos acústicos, cujas letras são na sua maioria poemas e composições dos intelectuais nativistas e clari- dosos. Reflete a realidade insular do povo de Cabo Verde e é tido como o gênero musical que mais identifica o povo cabo-verdiano, tendo sido atribuído pela UNESCO, em 2019, o título de Património Imaterial da Humanidade.

32 Parecido com a morna, mas caracterizado por um andamento mais rápido. Destaca-se mais como um gênero de dança de salão.

Redy Wilson Lima

transformados durante o regime do partido-único (1975-1991)

em músicas do regime33.

Em 2015, numa mesa redonda organizada pelo Instituto de Património Cultural, sobre o registo e a salvaguarda da cultu- ra tradicional, partilhei um painel com Madjer Moniz, que tinha acabado de defender uma monografia de licenciatura em histó- ria, em que desenvolveu uma pesquisa relacionando o rap com o finason34. A inovação da sua pesquisa estava na busca de seme- lhanças entre o batuku e o hip-hop, na medida em que parte da ideia de que o finason está para o batuku como o rap está para o hip-hop, ou seja, o seu elemento oral. Com esta conclusão, é de opinião que o rap deveria ser considerado como um patrimônio oral cabo-verdiano35.

A minha convicção de que o rap poderia ser percebido como um herdeiro do griot, e no processo entender o finason como um pré-rap, consolidou-se em 2011, após assistir um vídeo36 de Nha Nasia Gomi, figura ímpar do finason37, que me fez apro- fundar um pouco mais a leitura sobre as origens africanas do rap (Contador e Ferreira, 1997; Filho, 2004; Appert, 2011; Charry, 2012; Tang, 2012). Destas reflexões, acabei por defen- der que o rap poderia ser percebido como uma versão urbana, sofisticada e contemporânea do finason e um novo espaço de reivindicação social e político dos jovens, tal como tinha sido

33 No início dos anos de 1990, o batuku e o funaná, símbolos da resistência anticolonial, foram transformados pelo Movimento para a Democracia em músicas de resistência con- tra o partido-único.

34 Parte de uma sessão de batuku em que se cantam geralmente de forma improvisada, baseada em provérbios e máximas populares.

35 Ideia esta que também acabei por defender em 2019, no Festival do Artesanato do Mindelo – URDI, na ilha de São Vicente.

36 Ver a versão audiovisual aqui: https://www.youtube.com/watch?v=4yew8YJeV_4. 37 A partir de 2010, tive a oportunidade de desenvolver conversas bastante construtivas com artistas e ativistas culturais cabo-verdianos tanto no país como na diáspora, entre os quais Princezito, Chullage. LBC, Hezbo e Jorge Andrade, sobre esse tipo de possibili- dades.

DI KAMARADAS A IRMONS

as músicas tradicionais no contexto da luta pela libertação na- cional (Lima, 2011a).

A figura do griot, cujas primeiras descrições surgiram entre os anos de 1352 e 1953, através das narrações do viajante norte-

-africano Ibn Battuta da corte do Mali, serviam reis e nobres e tinham a responsabilidade de transmitir as histórias de seus patronos através das suas músicas e artes (Tang, 2012). Com o comércio transatlântico de escravos, o homem negro foi distri- buído pelo mundo na condição de escravo e, com ele, a sua cul- tura que, fruto de encontros com culturas locais foi-se fundindo, transformando e africanizando o panorama musical global. Não entendendo as línguas dos países para onde foram levados, re- tomaram a tradição e “a música traço de sustentação da cultura africana passou a se configurar em uma das formas de resistên- cia à opressão, violência e usurpação a que os escravos eram submetidos, tendo a tradição musical garantido a sua sobrevi- vência mediante a figura dos griots” (Filho, 2004, p. 148).

Não obstante, Eric Charry considera que o “rap como género expressivo de escolha dos filhos da geração pós-independência dos africanos não surgiu de alguma tradição africana, mas come- çou como uma imitação direta do rap americano” (Charry, 2012,

p. 4). Entende que foi a terceira geração dos rappers africanos quem preencheu essa lacuna, na medida em que fez uma cone- xão orgânica com as tradições profundamente enraizadas, o que constitui um dos desenvolvimentos recentes mais fascinantes, acrescentando um grau de sofisticação linguística e cultural que levou o gênero a um outro nível. No Senegal, por exemplo, Appert (2011) constatou que na elaboração da figura do griot, os ra- ppers descontextualizaram a música tradicional e os gêneros de discurso e o recontextualizam no hip-hop. Em simultâneo, numa relação intertextual com o hip-hop americano, o griot é colocado em diálogo com a produção cultural diaspórica africana, cons- truindo desta forma uma música que é ao mesmo tempo local e transnacional, indígena e diaspórica.

Redy Wilson Lima

Esse fenômeno, a que chamo de indigenização do rap, não sendo novo no rap cabo-verdiano (Lima, 2015a), atinge um novo pa- tamar com o Afrokabuverdianu, experimentado antes, em 2019, no Wata fosi mo ka ta intenden38, também da autoria de Ga, em parceria com Princezito39. Num outro lugar (Lima, 2012a), com foco no rap praiense, apresentei o que considerei ser na altura as quatro fases de transformação do rap cabo-verdiano, cujos primeiros passos deste processo se iniciou nos anos de 2000, a partir da utilização de samplers de músicas tradicionais (Mar- tins, Lima e Barros, 2015).

Introduzido na segunda metade dos anos de 1980, com maior relevância nos dois maiores centros urbanos, Praia e Mindelo, o hip-hop, em formato breack dance ou b-boying, impulsiona- do pelo filme Breakin’n, começa pouco a pouco a fazer parte do quotidiano de alguns jovens. O rap, apesar de muito consumido por jovens pertencentes a classes com algum privilégio e seus circuitos de amigos, era ainda pouco explorado e quando isso acontecia era quase sempre ao som do beat box40. Era um estilo imitado ipsis verbis da cultura urbana norte-americana, contra- ditoriamente, numa época em que estava em curso um trabalho de (re)construção identitário da nação – socialista e africana. Cabia às organizações juvenis como a OPAD-CV41 e a JAAC.CV42 essa função que, em cooperação com a escola e a partir da car- tilha do partido, buscava-se doutrinar ideologicamente a nova geração (Lima, 2011b).

Com a democratização do país no ano de 1991, o rap entra numa nova fase. Começa a surgir grupos locais a cantar em língua ca-bo-verdiana e embora se possa destacar a influência dos beats caribenhos na Praia, pelos menos na primeira metade dos anos de 1990, grupos como Niggaz Badiu e Tchipie, entre outros, começam a (re)construir uma identidade de resistência ligada à vida de bairro e às relações de gênero. É uma fase marcada também pela influência do rap brasileiro, com destaque para Gabriel o Pensador43 (Lima, 2012c). No Mindelo, o rap era mais agressi- vo e interventivo, muito influenciado pela onda norte-americana do revolutionary gangsta rap.

Visualmente todos tínhamos esse aspeto gangster, o que levou a que fôssemos, logo no início, muito rejeitados, por causa daquele aspeto dos vestuários, mas as letras eram de intervenção, porque apoiávamos muito no NWA. Os NWA, logo quando começaram, eram gangster rap, e nós apoiá- vamos muitos nessa linha de vestuário, mas iam mais para as letras do tipo político… nos finais dos anos 80 e iní- cios dos anos 90. Era nisso que nos apoiávamos, gangster, como o RBG dos Dead Press que significava revolutionary but gangster… nesse tempo, não era bem Tupac, porque os Niggaz sem Vida apoiavam-se mais naquele estilo do Ice Cube, quando ele teve aquela separação com o NWA… usa- vam mais os instrumentais do Ice Cube e tinham mesmo o tipo de vestuário… o lenço na cabeça. Eles sim trouxeram uma letra mais agressivas, mandavam nomes, com palavras bastante obscenas. Depois, nos Estados Unidos, começou-se a entrar mais para o gangster rap, Tupac. Conhecíamos o Tupac antes no Digital underground (Letra, Mindelo, março de 2020).

Essa onda chega com maior intensidade à Praia nos anos de 2000, em formato thug44, já territorializada na periferia, associada à violência dos guetos norte-americanos, que era reprodu- zida nos bairros da capital (Lima, 2015b). Poder-se-á dizer que foi um período em que as contradições sociais das políticas de ajustamento estrutural implementadas nos anos de 1990 come- çam a fazer-se sentir de forma mais gritante e na linha das ob- servações de Diouf (2003), os gangues de rua e a sua dimensão gangsta rap simbolizavam os espaços marginais fora do controle institucional, regulamentos comunitários e vigilância estatal. Ao contrário do rap mindelense retratado por Letra, a influência dos novos protagonistas da cena gangsta representados por ar- tistas como 50 Cent e Eminem, faz com que o processo de (re) americanização dos jovens praienses, mas, também dos minde- lenses, entrasse num novo ciclo, também designado de geração bling bling45. Embora não houvesse uma relação direta entre o gangsta rap e a violência dos gangues de rua no Mindelo, salvo algumas exceções, as brigas entre rappers eram quase que exclu- sivamente líricas.

São Vicente é diferente da Praia, São Vicente é uma ilha muito pequena. Na Praia, há uma zona aqui outra acolá. Na Praia dão tiros, aqui não, é a pedrada… o facto de seres de uma zona, ainda que seja trabalhador, o simples facto de te identificares com a outra zona, és agredido. Isso não veio por influência do rap… houve uns dois rappers que se deixa- ram envolver, mas não houve nenhuma música a influenciar uma zona a mandar para a outra (Kleidir, Mindelo, março de 2020).

Na sequência dessa fase, como resposta à violência dos gangues de rua nas duas cidades, surge na segunda metade dos anos de 2000 uma quarta fase, uma nova escola do rap, em que o Afroka- buverdianu é o seu resultado mais bem elaborado. Jorge Andra- de, conhecido na cena hip-hop cabo-verdiana como Kadamawe, foi um dos grandes responsáveis por essa mudança de estética e conteúdo, ao introduzir no universo rap das ilhas a mistura ide- ológica e identitária do pan-africanismo cabralista e garveyris- ta, assim como uma estrutura organizativa inspirada no PAIGC e nos Black Panthers Party. De igual modo, a partir do coletivo Ra-Teknolojia, contribuiu para a (re)interpretação da ideologia Thug Life de Tupac, base do processo de (re)construção identi- tária pós-partido-único e dos anos de 1990, assim como a intro- dução do conceito rap consciente.

Embora importada dos Estados Unidos, com a introdução desses elementos ideológicos, o que constatei, ao relacionar a violência dos thugs com o cenário rap, e, no interior deste, a confrontação entre o gangsta rap (corporate hip-hop) e a sua antítese rap consciente (black atlantic hip-hop) é que o fenómeno thug nos interpela a uma reflexão bem mais a fundo sobre a sociedade ca- bo-verdiana pós-morgadia e representa simultaneamente uma indicação do domínio global da iconografia americana e uma manifestação mais profunda com origem no tráfico negreiro.

O nosso rap é puramente uma imitação do rap norte-americano, mas chamo a atenção dos jovens para a existência de uma ligação com a música cabo-verdiana dos anos de 1970 ou 1980. Naquela altura não tínhamos rap. Os nossos MC’s era Zeca Nha Reinalda, Ildo Lobo, os Tubarões. Eram esses as bandas que traziam as mensagens daquilo que na altura era o gueto. Ouvia-os por exemplo naquela altura a cantar que txon era di Morgado i bu ta odja fidju terá ta mori na kankaran46. Hoje encontras os MC’s conscientes… por isso mostramos que funaná e rap é a mesma coisa. Estamos pe- rante uma única arte com capacidade de transmitir a voz do povo… aconselho os jovens a fazer uma fusão de ritmos porque, por exemplo, o ritmo do batuku e da tabanka en- quadra-se no beat do rap. Quando o aceleras ou o diminu- as percebes lá dentro a sonoridade africana.,. o rap lento écomo uma morna porque carrega toda a sua melancolia. É o mesmo formato. Orlando Pantera conseguiu trazer muitos jovens de volta à cultura africana cabo-verdiana, fazendo ressurgir o batuku. O nosso objectivo é mostrar isso aos jo- vens para deixarem de utilizar beats tocados em Broklyn, que carrega os sentimentos daquela cidade. O que preci- samos aqui são jovens a fazer músicas que carreguem o nosso sentimento, a nossa história, que quando o ouvires percebes que existe uma ligação cultural entre esta geração e a mais antiga. Tentamos, portanto, fazer com que haja por parte deles um retorno à fonte, tal como defendia Cabral… muita gente não entende quando falamos de orgulho pró- prio. Não é racismo, mas sim ensinar o povo africano sobre a sua origem para lá ele perceber a sua identidade através da demonstração do seu potencial no passado. Frantz Fanon analisou o complexo do povo das ilhas. É igual aqui, na Cuba, Antilhas, Jamaica. A nossa sociedade está de costas voltadas para África. O nosso trabalho é em primeiro lugar a cultura afro. Tubarões, Orlando Pantera fazem parte da cultura afro, não é apenas Ismael Lo. Kauberdiano Dambará por exemplo é uma versão nossa dos Last Poets, mas vai perguntar aos jovens qual deles conhece essa personagem. Encontras pes- soal que trabalha connosco a samplar Last Poets mas inca- paz de samplar um Kauberdiano Dambará. Se não velarizar- mos aquilo que é nosso nunca haverá valorização da nossa cultura. Infelizmente hoje estamos entre claros e escuros. Não lutamos para a libertação nacional, a luta foi na Guiné-Bissau, apenas assimilamos coisas… como sabes os tipos de famílias monoparentais imperaram aqui e os jovens bus- cam sempre esta figura masculina com o qual identificam. Cabral foi um rebelde no seu tempo e é com esta sua ima- gem que identificaram. O mesmo acontece com Tupac, essa mesma figura paternal que os jovens abraçaram. Eles não buscam entender Tupac mas ele os proporciona a figura do homem negro rebelde. É isto que eles procuram, uma figura forte e central. Eles não conhecem outras formas de lideran- ça africana. Nunca ouviram falar dos grandes Faraós de Ke- met e nem têm a ideia dos milhares de anos que os africanos governaram África. Perguntas por liderança e falam-te dos presidentes da república dos nossos tempos. Identificam-se com aqueles que estão mais perto a trabalhar naquilo que podemos chamar de cultura urbana e se fores ver Cabral enquadra-se ali porque a luta de libertação é um movimento urbano. O mesmo acontece com Che Guevara, Bob Marley. É uma substituição de imagens. A consciencialização está lá dentro, mas é preciso pessoas a orientá-los, psicólogos, mas dentro de uma linha urbana e negra, e que os possa explicar o que significa ter mentalidade escrava. Apresentar Tupac e Cabral para além da sua imagem, buscando mostrar a aplicabilidade hoje das suas teorias. Se os próprios gangues lerem Cabral e a sua teoria do domínio da zona terão a seu dispor uma importante estratégia militar que os proporcio- na ter um trabalho mais positivo no seu bairro. Vejo pessoas hoje a ostentar imagem de Cabral e a dizer que são cabralis- tas. E poderás ser um cabralista sem ser primeiro um africa- no?... em Lém Cachorro havia o LC Rappers e quando lá che- guei falei com eles na necessidade de se criar rappers de e para África que fala de questões universais e humanísticas… todos os bairros têm os mesmos problemas. Não tentes re- presentar uma zona sem nenhum conhecimento. Contudo, cada um tem o seu grau de desenvolvimento e para uns re- presentar zona é muito importante. Eu sou um nacionalista e, portanto, não represento nenhum bairro. Cabral pegou na Guiné-Bissau e Cabo Verde e mostrou a necessidade de uni- dade de dois países separados por água. No entanto, encon- tras bairrismos num país dividido por ilhas. Inspiramos em Cabral, Lumumba, N’Krumah para dizer que promover uma política de bairrismo é pensar pequeno… não existe bairro. Ela só existe quando olhas para a miséria. Vês a Casa Lata porque existe uma diferença económica com o Palmarejo (Kadamawe, Praia, julho de 2011).

No Mindelo, além da influência de Kadamawe, o rap produzido nessa época teve também como influência as ideias revolucioná- rias e afrocêntricas de Mirú, ativista dos Nation of Islam radica- do no Mindelo. Em dezembro de 2010, convidado por Batchart, pude confirmar isso ao visitar essa cidade, no lançamento do álbum a solo Kabesa, Tronke i Menbre47 do rapper 4ARTK, membro do Hip Hop Art. Em Chã de Alecrim, tive um primeiro vislumbre de como o rap pode se transformar num movimento social fortemente centrado no trabalho comunitário, o que vim verificar depois na Praia, no coletivo Kilombo, sediado no bairro de Tira Chapéu.

Havia um rapaz na zona que conhecia o Jorginho… ele veio aqui à zona conhecer-nos… esteve a ajudar-nos a organizar… e fomos nos conhecendo. Nessa altura tinha o grupo Pomba Branku. o Jorge é que disse: porquê Pomba Branku?… isso despertou todo o movimento para as cenas afrocêntricas… sempre eu tive a noção destas coisas, mas não era aprofun- dada… foi nesse dia que se fez o clique. Também, passei a ver tudo de forma diferente. Fomos influenciando e criamos Pomba Pretu e depois criamos a Associação Kilombo, que é a metamorfose… os trabalhos sociais, as cenas, os movi- mentos, esse é que era o objetivo, não a música (Kuumba, Praia, março de 2020).

Essa forma de pensar e organizar, embora não tivesse servido ainda para transformar os gangues de rua em movimentos so- ciais, caso se pense estes a partir de uma lógica conceptual eu- rocêntrica, serviu para introduzir no cenário urbano a palavra ativista e, pelo menos na Praia, possibilitou o surgimento de vá- rias organizações de rua (Lima, 2018), que fazem da noção de unidade e da agenda identitária a sua principal campo de luta política. Isto remete-nos a José Carlos dos Anjos quando afirma que “todos os empreendimentos políticos em Cabo Verde, desde o fim do século passado, precisam se fundamentar num discurso racialista-culturalista que constituiu e unifica o povo cabo-verdia- no, seja na mestiçagem ou na africanidade” (Anjos, 2003, p. 594).

O que me parece é que essas organizações, pelo menos uma boa parte delas, influenciadas de forma direta ou indireta pelo pensamento desenvolvido e difundido pela Ra-Teknolojia, em que a busca da identidade cabo-verdiana encontra-se ancorada em movimentos exógenos de celebração de um Egito faraônico perfeito, deve ser encarada como uma espécie de intelectualidade neo-nativista, “com a diferença de pautar-se pelo rompimento radical com o lusitanismo, mas também com o patriotismo, na medida em que o cabo-verdiano é encarado como um africano expatriado da sua terra natal” (Barros e Lima, 2012c, p. 110-111).

Tendo em conta que na viragem do século XIX para o século XX, a elite local reinventou a função do intelectual, que tinha nas ati- vidades artístico-literárias a incumbência de interceder a favor do povo por meio de manifestos políticos nos periódicos locais (Anjos, 2000), hoje, embora assombrado pelo novo ciclo do rap, iniciado na segunda metade dos anos de 2010, definido por Le- tra como egocêntrico e focado na cultura efêmera das redes so- ciais, pode-se avistar um novo tipo de intelectualismo orgânico em alguns rappers. Com base nessa evidência empírica, embora numa lógica invertida, Pardue (2015) toma esta geração do rap pan-africano cabo-verdiano como a nova geração de claridosos.

O certo é que, ao pensar o rap como um tipo de poesia urbana e uma filosofia de rua construída a partir de uma análise da opres- são pós-colonial, essas organizações se encontram num período “determinante no que se refere à preparação, lenta mas certa, da transição da mitologia para a ideologia” (Elungu, 2014 [1984]). Contudo, faz-se necessário a transição ideológica de uma pers- petiva importada dos Estados Unidos para uma africana, demar- cando-se no processo da ideologia cabo-verdiana assente no mito da mestiçagem. Na linha do autor citado, diria que, com base nas reflexões potencializadas pelas conversas com Kadamawe, Mirú, elementos da Plataforma Gueto e de muitos outros ativistas pan-africanistas com quem fui cruzando, tanto nestas duas cidades como em Lisboa, ao longo da minha já longa pesquisa sobre as ju- ventudes e movimentos sociais, vejo no rap condições para fazer brotar uma filosofia reflexiva e crítica que, em seguida, consiga desenvolver um pensamento discursivo e técnico orientado para a natureza das coisas, do próprio homem e da sociedade.

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