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Recepção: 20 Maio 2019
Aprovação: 28 Agosto 2019
Resumo: Este artigo trata sobre o interrelacionamento entre pessoas extrangeiras, quebra barreiras e nos dá a ideia de que o outro só se difere da gente diante das vivências. Assim como os índios Pacaás-Novos costumam se definir como Wari’s, que significa gente, nós também devemos fazer. Não somos brasileiro ou bolivianos, somos GENTE, por isso este trabalho registra ações que possibilitam reflexões acerca do Projeto I INTERCÂMBIO CULTURAL INTERNACIONAL BRASIL X BOLÍVIA-GUAJARÁ-MIRIM E RURRENABAQUE ULTRAPASSANDO FRONTEIRAS realizado no período de 04 à 06 de outubro de 2013. O projeto envolveu duas escolas de países distintos. A Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Simon Bolívar situada em Guajará-Mirim (Rondônia/Brasil) e a Unidade Educativa San José da rede Fé y Alegria localizada em Rurrenabaque (Beni/BOl). Nosso objetivo, enquanto professores da escola brasileira, foi o de promover a interação entre as comunidades das escolas participantes dos dois países no intuito de estimular as práticas interculturais fronteiriças a partir de diferentes ações como: jogos, passeios turísticos, círculos culturais bilíngues e apresentações de danças. Nosso referencial tem como aporte os estudos de Freire (1994) sobre o método dos Círculos de Cultura. Este método se baseia em princípios fundamentais, são eles: diálogo, participação, trabalho em grupo e o respeito. A escolha desse método contribuiu para estreitar a relação entre os estudantes dos dois países, possibilitando a discussões de temáticas atualizadas e relevantes na formação do aluno do ensino médio. Nesse sentido alunos brasileiros e alunos bolivianos abordaram os temas: meio Ambiente, desenvolvimento, educação, sexualidade, drogas, violência, bulliyng, Fronteira, migração, cultura, família e sociedade a partir dos próprios contextos culturais e políticos. Optamos por realizar uma pesquisa descritiva apoiada nos documentos gerados nos Círculos de Cultura durante o projeto, conversas informais e abordagens de campo. O projeto oportunizou trocas de conhecimentos entre os estudantes, contribuindo para desconstruir alguns conceitos negativos sobre a população boliviana residente na cidade de Guajará-Mirim. Através de atividades interativas foi estimulada a valorização da cultura e da história do Brasil e da Bolívia que nesse processo, a língua foi elemento de desafio, porém com a ajuda de professores da rede de ensino da cidade de Guayaramerín (Bolívia), que compreendem o português e o espanhol, a barreira linguística foi vencida. Através do projeto foi possível reafirmar a escola como espaço de produção de conhecimento, de novos discursos e novos valores humanos. É preciso sair dos muros da escolar para que haja uma aprendizagem significativa e contextualizada. Entendemos que a fronteira não nos limita, ela nos desafia constantemente a repensar nosso modo de vida. Porque do outro lado da fronteira habitam pessoas com histórias e conhecimentos singulares, que precisam ser conhecidos, apreciados e até incorporados às nossas práticas. A avaliação final do projeto apontou que os alunos brasileiros participantes do projeto não tinham conhecimento da realidade social, cultural e política da Bolívia e também não tinham interesse em conhecer. Depois do projeto surgiu o interesse pela aprendizagem do espanhol, o preconceito com os alunos bolivianos e descendentes diminuiu, surgiu o interesse dos alunos e professores em conhecer a cidade de Rurrenabaque na Bolívia, os profissionais brasileiros envolvidos no projeto puderam interagir com os profissionais bolivianos e comparar as duas realidades passando a valorizar as lutas e conquistas no trabalho, o espaço físico e respeitar os moradores da fronteira construindo uma nova visão gerada a partir desse projeto.
Palavras-chave: Educação, Interação, Fronteira.
Resumen: Este artículo trata sobre el interrelacionamiento entre personas extranjeras, rompe barreras y nos da la idea de que el otro sólo se diferencia de la gente ante las vivencias. Así como los indios Pacaás-Novos suelen definirse como Wari's, que significa gente, nosotros también debemos hacer. No somos brasileños o bolivianos, somos GENTE, por eso este trabajo registra acciones que posibilitan reflexiones acerca del Proyecto I INTERCAMBIO CULTURAL INTERNACIONAL BRASIL X BOLÍVIA-GUAJARÁ-MIRIM Y RURRENABAQUE ULTRAPASSANDO FRONTERAS realizado en el período del 04 al 06 de octubre de 2013. El proyecto implicó dos escuelas de países distintos. La Escuela Estatal de Enseñanza Fundamental y Media Simón Bolívar situada en Guajará-Mirim (Rondônia / Brasil) y la Unidad Educativa San José de la red Fé y Alegría ubicada en Rurrenabaque (Beni / BOl). Nuestro objetivo, como profesores de la escuela brasileña, fue el de promover la interacción entre las comunidades de las escuelas participantes de los dos países con el fin de estimular las prácticas interculturales fronterizas a partir de diferentes acciones como: juegos, paseos turísticos, círculos culturales bilingües y presentaciones bailes. Nuestro referencial tiene como aporte los estudios de Freire (1994) sobre el método de los Círculos de Cultura. Este método se basa en principios fundamentales, son ellos: diálogo, participación, trabajo en grupo y el respeto. La elección de este método contribuyó a estrechar la relación entre los estudiantes de los dos países, posibilitando las discusiones de temáticas actualizadas y relevantes en la formación del alumno de la enseñanza media. En ese sentido, alumnos brasileños y alumnos bolivianos abordaron los temas: medio ambiente, desarrollo, educación, sexualidad, drogas, violencia, bulliyng, frontera, migración, cultura, familia y sociedad a partir de los propios contextos culturales y políticos. Optamos por realizar una investigación descriptiva apoyada en los documentos generados en los Círculos de Cultura durante el proyecto, conversaciones informales y enfoques de campo. El proyecto oportunizó intercambios de conocimientos entre los estudiantes, contribuyendo a deconstruir algunos conceptos negativos sobre la población boliviana residente en la ciudad de Guajará-Mirim. A través de actividades interactivas se estimuló la valorización de la cultura y de la historia de Brasil y Bolivia que en ese proceso la lengua fue elemento de desafío, pero con la ayuda de profesores de la red de enseñanza de la ciudad de Guayaramerín (Bolivia) que comprenden el portugués y el español, se superó la barrera del idioma. A través del proyecto fue posible reafirmar la escuela como espacio de producción de conocimiento, de nuevos discursos y nuevos valores humanos. Es necesario salir de los muros de la escuela para que haya un aprendizaje significativo y contextualizado. Entendemos que la frontera no nos limita, nos desafía constantemente a repensar nuestro modo de vida. Porque del otro lado de la frontera habitan personas con historias y conocimientos singulares, que necesitan ser conocidos, apreciados e incluso incorporados a nuestras prácticas. La evaluación final del proyecto apuntó que los alumnos brasileños participantes del proyecto no tenían conocimiento de la realidad social, cultural y política de Bolivia y tampoco tenían interés en conocer. Después del proyecto surgió el interés por el aprendizaje del español, el preconcepto con los alumnos bolivianos y descendientes disminuyó, surgió el interés de los alumnos y profesores en conocer la ciudad de Rurrenabaque en Bolivia, los profesionales brasileños involucrados en el proyecto pudieron interactuar con los profesionales bolivianos y, comparar las dos realidades pasando a valorar las luchas y conquistas en el trabajo, el espacio físico y respetar a los moradores de la frontera construyendo una nueva visión generada a partir de ese proyecto.
Palabras clave: Educación, Interacción, Frontera.
INTRODUÇÃO
Apesar da cidade de Guajará-Mirim fazer fronteira com o município boliviano de Guayarameríne ter como participante deste projeto vários professores da Rede Pública de Ensino da fronteira boliviana, o intercâmbio cultural desta ocasião não se deu entre Guajará-Mirim(BR) e Guayaramerín(BO). O artigo aqui apresentado relata as ações acerca do Projeto I INTERCÂMBIO CULTURAL INTERNACIONAL BRASIL X BOLÍIVIA-GUAJARÁ-MIRIM E RURRENABAQUE ULTRAPASSANDO FRONTEIRAS realizado em 2013 na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Simon Bolívar e descreve uma experiência pedagógica bilíngue que envolveu diretamente a comunidade escolar, visitantes do lado boliviano, professores e alunos de Rurrenabaque e possibilitou trocas de experiências, interações, acessos a bens artísticos e culturais ampliando a compreensão do idioma espanhol aos brasileiros e o idioma português aos professores e alunos visitantes, como também, a troca de conhecimentos socializados através do circulo de cultura com discussão dos diversos eixos temáticos e com apresentações culturais dos alunos dos dois municípios e agremiações folclóricas locais.
Salientamos que a ideia inicial deste projeto pertence ao Diretor da Escola San José – Fé e Alegriade Rurrenabaque, o Sr. Professor Hugo Sanabria Albino que se disponibilizou em trazer à Guajará-Mirim seus alunos e professores para intercâmbio cultural, mostrar um pouco da cultura dos povos bolivianos e, futuramente, receber os professores e alunos brasileiros, em outro momento, nas dependências da escola a qual administrava em Bolívia, para o intercâmbio cultural que uma relação desse potencial possibilita. Por ele relatado, o projeto de origem boliviana tinha como objetivo mediar conflitos de aprendizagem de idiomas, de tomadas de decisões coletivas, de quebra dos limites geográfico, refletir sobre os fenômenos de relações internacionais combatendo a estigmatização, discriminação e preconceitos relativos ao uso da língua e de conceitos pátrios; e construir conhecimentos por meio deste evento. Do lado brasileiro, houve o envolvimento direto dos Coordenadores Pedagógicos Deny Ardaia da Silva e Silene Espinosa Quintão Alencar e da Professora Doutora Zuíla Guimarães Covas dos Santos juntamente com acadêmicos de Letras e Pedagogia da Universidade Federal de Rondonia/UNIR/Campus Guajará-Mirim.
Guajará-Mirim é a cidade que apresenta o maior número de atrativos turísticos do Estado de Rondônia que vão desde os encantos naturais – rios, matas preservadas, parques, grutas, chapadas dos Pacaás Novos, Parque Municipal Natural Serra dos Parecis - aos eventos culturais – festivais de praias, festa da castanha, Boi Bumbá, festejos religiosos, etc., o que atrai alguns turistas aquela localidade. O principal meio de subsistência é o extrativismo, agricultura e pecuária e o comercio. Sua população apresenta características de uma mistura de várias raças, como migrantes de diversas origens em diferentes períodos históricos, descendentes de quilombos e os nativos (indígenas aculturados) e conta também com moradores imigrantes bolivianos, podendo-se dizer que é uma população tipicamente amazônica. (LIMA e VITOR ANGENOT, 2013, p. 2).
Dividimos este trabalho em cinco subtitulos e Iniciamos falando sobre os caminhos que foram seguidos a partir daCONSTRUÇÃO DO PROJETO ÀS INTERAÇÕES ENTRE OS DOIS PAISES, logo mais apresentamos de forma simplificada as cidades de RURRENABAQUE E GUAJARÁ-MIRIM para que haja uma localização geográfica e cultural das mesmas. Seguimos relatando sobre a DIFERENCIAÇÃO DO ESPANHOL DA FRONTEIRA – BARREIRAS E DIFICULDADES encontradas por nós moradores da fronteira e logo após apresentamos os EIXOS TEMÁTICOS NO CÍRCULO DE CULTURAS do que aconteceram no intercâmbio, aonde a dinâmica desta ação está voltada para a exposição das PERGUNTAS E RESPOSTAS dos alunos brasileiro e bolivianos a respeito dos temas: MEIO AMBIENTE, EDUCAÇÃO E VIOLÊNCIA. FRONTEIRA, IMIGRAÇÃO E CULTURA, SEXUALIDADE E DROGAS e fechamos o artigo com nossas CONSIDERAÇÕES FINAIS.
DA CONSTRUÇÃO DO PROJETO ÀS INTERAÇÕES ENTRE OS DOIS PAÍSES
A primeira fase do intercâmbio foram espaços de encontro e trocas entre bolivianos e brasileiros, onde a língua portuguesa e castelhana foi apresentada através de conversas informais, textos literários, círculos culturais, músicas e jogos estimulando principalmente os aspectos da oralidade, tornando-se assim espaço para reflexões e registro do mundo vivido no lado da fronteira. As conversas foram mediadas pelos professores da Rede Fé y Alegria de Guayaramerin pois em Rurenabaque a língua espanhola tem influencia indígena o que torna a tradução mais difícil ainda.
As interações iniciaram já na chegada dos alunos visitantes, pois foi preciso buscar um meio de compreender a língua espanhola o que aconteceu de forma natural entre os alunos dos dois países. Foi ofertado aos visitantes comidas típicas da culinária local para degustarem e sucos de frutas regionais, acesso aos diferentes espaços da escola e toda a sua funcionalidade. A programação contemplou a discussão de eixos culturais sobre meio ambiente, desenvolvimento, educação, sexualidade, drogas, frustração, política, exibicionismo, violência, bulliyng; Fronteira, migração, cultura, família e sociedade que foi discutido e socializado nas línguas português e espanhol dando acesso a todos os participantes, esse momento foi mediado pelos acadêmicos do curso de letras e pedagógica da Universidade Federal de Rondônia, professores bolivianos da Unidad Educacional San José – Fe y Alegria de Guayaramerín e Professores brasileiros da disciplina de Língua Estrangeira Moderna - Espanhol.
Na parte esportiva Jogos de futebol e vôlei foram disputados entre as equipes e em todas as fases os alunosbolivianos foram campeões, quebrando o tabu que os brasileiros são os melhores no futebol. Foi oferecido um passeio nos pontos históricos turísticos de Guajará-Mirim com visitação ao Bumbodromo[3], Catedral Nossa Senhora do Seringueiro, Rádio Educadora, Hotel Pakaás Palafitas Lodge, que inclusível não era conhecido por nossos alunos e que tiveram a oportunidade de conhecer o encontro dos rios Mamoré de águas ocres e Pacaás-Novos de águas negras[4].
Foram realizadas duas noites de apresentações folclóricas/culturais. O Brasil apresentoudanças afro-brasileiras em estilo de Axé Music, Banda Marcial Leões da Fronteira com repertório incluíndo MPB, POP americana e músicas clássicas, forró, boi-bumbá e musicas variadas. A Bolívia, além de músicas e vídeos mostrando seus atrativos turísticos, apresentaram as danças típicas bolivianas caporales[5], tinku[6], e taquirari[7].
A equipe de visitantes era formada por 55 membros e foram organizados para que pudessem participar de todos os momentos, esportes, discussões dos eixos temáticos e danças, enquanto no Brasil os alunos se dividiram uma equipe para o esporte outra equipe para danças e outra para os eixos temáticos.
RURRENABAQUE E GUAJARÁ-MIRIM
Rurrenabaque[8] é uma pequena cidade fundada em 1844 ao norte da Bolívia, dividida pelo rio Beni e na divisa do distrito de Beni e do distrito de La paz dentro da floresta tropical boliviana e é um dos mais importante destino turistico de Bolívia. Tem ligação direta com o Brasil por estradas de terra, por onde os nossos visitantes vieram e pelo rio Beni. A caravana dos alunos e professores de Rurrenabaque enfrentou 513km de estrada de terra em 12 horas em um ônibus simples. Passaram pelos municípios de Reyes, Roquio, Santa Rosa de Yacuma, El Triunfo, Tumi Chucua, Riberalta e Guayaramerín. Neste último município fizeram a travessia do rio Mamoré[9] em chalanas e voadeiras[10] e foram recepcionados no Porto Oficial de Guajará-Mirim pelos alunos brasileiros.
O projeto envolveu duas escolas de países distintos. A Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Simon Bolívar situada em Guajará-Mirim (Rondônia/Brasil) e a Unidade Educativa San José da rede Fé y Alegria localizada em Rurrenabaque (Beni/BOl).
A escola brasileira, foi fundada pelo Decretonº 868 de 17/10/1977, e situa-se no Centro de Guajará-Mirim (Rondônia) há 200m da beira do rio Mamoré, na principal avenida que corta a cidade de Guajará-Mirim. Esta tem como entidade mantenedora o Governo do Estado de Rondônia através da Secretaria de Estado da Educação localizada no município de Porto Velho-RO e funciona nos três turnos e na ocasião do Projeto de Intercâmbio oferecia a educação básica organizada pela(s) seguinte(s) etapa(s) e modalidade(s) de ensino: Ensino Fundamental do 6º ao 9º ano - Regular; Educação de Jovens e Adultos – EJA; Classe de Aceleração da Aprendizagem – CAA/Metodologia Telessala denominada Sala de Correção de Fluxo;Ensino Médio do 1º ao 3º ano - Regular; Educação de Jovens e Adultos – EJA e Educação Especial de Forma Inclusiva. Atualmente funciona como Escola de Tempo Integral, somente com a modalidade de Ensino Médio.
A escola boliviana, Unidad Educativa San Jose, faz parte de uma rede de escolas pertencente a Igreja Católica, denominada Fé y Alegria e, alé de estar presente em Rurrenabaque no Departamento do Beni-Bolívia, também tem unidades nos Departamentos de Chuquisaca, Cochabamba, La Paz, Oruro, Potosi, Santa Cruz, Tarija e em outros países da America Latina, Africa e Europa.
En Bolivia somos parte de una importante comunidad educativa con más de 9.000 docentes, 180.000 estudiantes y 210.000 padres y madres de familia, 41 congregaciones religiosas de la Iglesia Católica son parte protagónica y decisiva de nuestro movimiento educacional que alberga de forma inclusiva a estudiantes y participantes con diversidad de credos religiosos. En Latinoamérica, África y Europa, con presencia en 22 países, conformamos una potente federación educativa que sobrepasa el millón y medio de estudiantes participantes en los distintos procesos de formación, siempre dirigidos a quienes menos oportunidades educativas tengan en cada contexto. (PIFARRÉ, 2018, p.3).
Sua Missão está embasada na educação integral, promoção social, proteção às comunidades vulneráveis em condições de exclusão e pobreza.
Somos un Movimiento de Educación Popular Integral y Promoción Social, nascido y impulsado por la vivencia de la fe cristiana,comprometido en la formación integral de las personas y en la transformación de las comunidades en condiciones de vulnerabilidad, pobreza y exclusion, que desarolla propuesta educativas innovadoras de calidad y implementa diversas estrategias contextualizadas a las necessidades de laspersonas, la diversidad socio cultural y religiosa de Bolivia (FyA 2018. p.1)
Nosso objetivo, enquanto professores da escola brasileira, foi o de promover a interação entre as comunidades das escolas participantes dos dois países no intuito de estimular as práticas interculturais fronteiriças a partir de diferentes ações como: jogos, passeios turísticos, rodada de conversas, círculos culturais bilíngues e apresentações de danças. Sem o intuito de observar ou pesquisar comportamentos humanos e sim de trocar experiências e possibilitar um contato vivencial rápido onde os alunos buscassem estreitar a comunicação entre eles, mesmo com as dificuldades que os idiomas causam e deixá-los perceber a importância e necessidade de falar outro idioma. Pois, apesar de estarmos na fronteira com a Bolívia e conviver constantemente com pessoas que falam o espanhol castellano, já imaginávamos que a comunicação com os Rurrenabaqueños seria mais difícil, uma vez que os sotaques, a velocidade das falas e o hibridismo plurilinguístico das localidades mais centrais da Bolívia potencializa a dificuldade de compreensão das expressões etnolinguísticas até mesmo para os nativos do idioma espanhol da fronteira Bolívia/Brasil.
Para nós brasileiros da fronteira a falta de compreensão da necessidade de dominar outro idioma criou preconceitos graves que impedem, até hoje, a introdução do idioma espanhol na cidade de Guajará-Mirim, a ponto de existirem casos de membros de famílias bolivianas residentes no lado brasileiro que não possuem o domínio do espanhol fronteiriço e mesmo sendo oferecido a disciplina de espanhol nas escolas públicas do município de Guajará-Mirim, muitos alunos brasileiros não se dignam em apreender esse idioma, denotando assim uma postura preconceituosa que marginaliza esse idioma mesmo sendo a língua materna dos membros dessas famílias bolivianas. Essa postura dificulta o aprendizado do idioma espanhol pelos brasileiros nas escolas e estigmatiza os alunos bolivianos que são prejudicados em sua formação e vivência escolar.
(SANTOS, 2016, p.56) em sua Tese Interações e Representações Sociais: Um Estudo do Espaço Escolar em Guajará-Mirim (RO), na fronteira do Brasil com a Bolívia, expressa-se da seguinte maneira:
A partir do processo de escuta das histórias narradas pelos acadêmicos bolivianos que vivenciaram situações preconceituosas na escola brasileira, passamos a observar melhor esta questão nas escolas públicas do nosso município para perceber como os alunos bolivianos são recebidos pela comunidade escolar e, ainda, procuramos verificar como o sistema de ensino pensa as políticas de atendimento a estes alunos. Passamos a observar também, eventos binacionais que acontecem em nossa cidade ou na cidade de Guayaramerín e percebermos um comportamento fraterno entre bolivianos e brasileiros. No discurso dos participantes destacam-se sempre as relações amigáveis dos sujeitos fronteiriços. Então, por que no espaço escolar estas relações não são construídas? Ou melhor, por que há tantas barreiras para o acesso e a permanência do aluno boliviano na escola brasileira? Para onde essas crianças e jovens vão quando não conseguem estudar no Brasil? Voltam para o seu país? Sozinhos, sem os pais, porque estes estão trabalhando aqui? Ou, continuam morando no Brasil sem frequentar a escola? Enfim, por que o comportamento fraterno entre brasileiros e bolivianos não promove caminhos para a superação desses problemas?
Nosso referencial tem como aporte os estudos de Freire (1994) sobre o método dos Círculos de Cultura onde basicamente os envolvidos discutem os problemas, buscam entender e traçar mecanismos de resolução para os mesmo (GOMEZ, 2014). Este método se baseia em enfoques de educação popular respeitando as diferenças individuais, no caso deste intercâmbio, voltados para princípios fundamentais de caráter social, cultural, linguísticos e outros que viesses a surgir na ocasião. A escolha desse método contribuiu para estreitar a relação entre os estudantes dos dois países, possibilitando a discussões de temáticas atualizadas e relevantes na formação do aluno do Ensino Médio. Nesse sentido alunos brasileiros e alunos bolivianos abordaram os temas: meio ambiente, desenvolvimento, educação, sexualidade, drogas, violência, bulliyng, Fronteira, migração, cultura, família e sociedade a partir de contextos culturais e políticos vivenciado por eles, mediado por um(a) professor(a) da rede pública do Estado de Rondônia, um professor(a) boliviano da Unidad Educativa San Jose – Fe y alegria, um(a) professor(a) da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) Campus Guajará-Mirim, um(a) ou dois/duas acadêmicos(as) dos cursos de Letras e Pedagogia da UNIR, e Professores Voluntários da Rede Pública falante da língua espanhola que tiveram a importante função de traduzir partes dos diálogos nos momentos de extremas dificuldades.
Os registros descritivos gerados nos Círculos de Cultura nos possibilitou a construção de um documento que mais a frente iremos demonstrar de forma rápida com algumas observação importantes para a educação, a cultura e a futuros tratados de convivência harmônica entre povos de fronteiras geográficas. Algumas situações já eram reflexos de estudos organizados pela professora Zuila Guimarães Covas dos Santos[11] em ocasiões que esteve a frente de pesquisas na área de Escola de Fronteira e Migrações, e coordenação do projeto " Observatório da Imigração na Fronteira" abrangendo as cidades-gêmeas da Guajará-Mirim ( BR) e Guayaramerin (BOL).
O projeto oportunizou trocas de conhecimentos entre os estudantes, contribuindo para desconstruir alguns conceitos negativos sobre a população boliviana residente na cidade de Guajará-Mirim e a despertar para a necessidade de valorização cultural dos povos desses países vizinho e a perceber tal importância da relação Brasil Bolívia a ponto de existir a Associação de Moradores Bolivianos na cidade de Guajará-Mirim e a Associação de Moradores Brasileiros na cidade de Guajará-Mirim que se ocupa da permanente observação dos processos migratórios inerentes a esses dois município vizinho, assessoramento para dirimir dificuldades de legalização e tradução de documentação de acesso dentro do espaço de transição.
Através de atividades interativas foi estimulada a valorização da cultura e da história do Brasil e da Bolívia de forma a buscar a compreensão dos contexto em que ocorrem essas relações, mesmo tendo a língua como desafio, mas que neste processo, com a ajuda dos professores tradutores as dificuldades foram desaparecendo a medida que o projeto acontecia.
DIFERENCIAÇÃO DO ESPANHOL DA FRONTEIRA – BARREIRAS E DIFICULDADES
Através do projeto foi possível reafirmar a escola como espaço de produção de conhecimento, de novos discursos e novos valores humanos apresentados por novas pessoas, e pessoas novas, que vieram de longe em busca de troca de informações sobre as nossas crenças, nossos valores, normas e símbolos “que compõe a herança acumulada do passado para a perpetuação de uma dada cultura” (MENDONÇA, 2008, p.28.). Neste rol, “a língua constitui um dos mais importantes sistemas simbólicos de uma cultura, assim como a arte e a religião” (Op.Cit.). Como também se disponibilizando a oferecer aos alunos e professores brasileiros a oportunidade de mostrar a cultura de Rurrenabaque, “o conjunto dos comportamentos, saberes e saber fazer característico de um grupo humano ou de uma sociedade” aprendida e transmitida a outros membros” (LAPLATINE, 2007, p.120.), reafirmando a condição de que “Quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender" (FREIRE, 2011, p.25.), transforma e amplia a cultura de cada um quebrando a ideia de absolutismo étnico e fortalecendo a ideia de hibridismo cultural (HALL, 2001, p.89.) aonde a escola se abre a comunidade visitante e aos saberes extracurriculares.
Os alunos visitantes e nativos foram organizados em turmas entre 20 a 25 membros intercalados e em sala de aula, mediado pelos professores, tradutores e auxiliares. Receberam temas que foram sorteados previamente para iniciar as trocas de informações, mas sem a obrigação de engessar a conversa, havendo portanto, caso houvesse necessidade, a liberdade de se aproveitar a todas as informações que por hora viessem a surgir no Círculo de Cultura. Entre os professores foram delegadas funções como relatores e tradutores, mas com liberdade de participação na conversa tentando dirimir qualquer tipo de dúvidas ou dificuldades de interpretações devido ao idioma em execução. Muito alunos brasileiro, no momento das conversas, foram motivados a expressarem-se em espanhol, já com o intuito de dispersar o preconceito linguístico que outrora havíamos falado em relação ao idioma espanhol e expressivas vezes, esses alunos iniciavam sua participação com a fala “- Minha mãe é boliviana”. “_ Meu pai ou minha família é boliviana”. “_ Eu moro em Guayaramerím e atravesso o rio Mamoré todos os dias para vir estudar aqui no Simon Bolívar”. Vale ressaltar que além de alunos brasileiros e bolivianos, também faziam parte da clientela educacional da escola onde ocorreu o projeto os indígenas da etnia Wari’, denominados pelos não índios de Pacaás-novos, que possuem idioma próprio e que na maioria das vezes dominam o português, o espanhol e a língua materna wari, com diversos dialetos, formando assim um caudal linguístico/cultural na ocasião do projeto.
É notório que os moradores da fronteira entendem o espanhol local, mescla do espanhol com o português, que a cada dia se assemelha mais. Supre a necessidade de relacionamentos familiares, de amizades e fazer as compras do lado boliviano, mas também é notório que o brasileiro tem imensa dificuldade em falar, ler e escrever nessa língua. Em sala de aula, os professores da disciplina Língua Estrangeira Moderna- Espanhol, percebem as dificuldades de os alunos aprenderem, mesmo sabendo que existe uma singular familiaridade com o espanhol fora da escola.
Em se tratando do espanhol falado além dos limites de fronteira - Bolívia adentro - em outros departamentos, distritos e municípios bolivianos, percebe-se uma crescente dificuldade em sua compreensão até mesmo por parte de falantes do espanhol europeu, pois o falar espanhol interiorano da Bolívia se alarga ao absorver parte de alguns dialetos milenares que este país possui gerando um processo de hibridismos étnicos, sociais e culturais ocasionado pela inter-relação plurilinguística deste país. Apenas para ilustrar, podemos citar como línguasoficiais de Bolívia: castellhano, guarani, aimara, chiquitano, weenhayek, cavineño, sirionó, tacana, puquina, chacobo, leco, uru, more, movima, itonama, maropa, kallawaya, pauserna, baure, pacahuara, araona, canichana, cayubaba, ayoreo, tapieté.
EIXOS TEMÁTICOS NO CÍRCULO DE CULTURAS
Durante a preparação do Projeto, os membros participantes tiveram a preocupação de direcionar os círculos de culturas para temas atuais e que no decorrer das discussões houvesse a possibilidades de registros. Estes registros foram usados para um momento apoteótico de encerramento, aonde esses temas foram socializados com todos levando as informações levantadas sobre a cultura inerentes aos participantes do evento dos dois países. Muitas informações foram catalogadas possibilitando traçar uma linha de diferenciação entre os dois países.
Tentaremos mostrar de maneira simplificada esta linha de diferenciação a partir dos trabalhos nos círculos de culturas e mostrar as características que foram possíveis de serem catalogadas nestes três dias de inter-relacionamento entre alunos e professores das escolas envolvidas. Ressaltamos que as respostas dos alunos bolivianos nos trouxeram informações preciosas. De maneira generalizada, nos deu uma ideia de como é viver em Rurrenabaque. Nos surpreendemos com a maturidade de como os nossos alunos brasileiros se comportaram na abstração das informações e com a liberdade que eles demonstraram ao tratar, sem preconceito, a história de vida de nuestros hermanos bolivianos
I INTERCÂMBIO CULTURAL BRASIL E BOLÍVIA GUAJARÁ-MIRIM E RURRENABAQUE ULTRAPASSANDO FRONTEIRAS - 04 à 06/10/2013. PERGUNTAS E RESPOSTAS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Viver um projeto como este nos faz perceber a necessidade de sair dos muros da escolar para que haja uma aprendizagem significativa e contextualizada em todos os sentidos. Necessariamente não precisa sair do meu país para outro, às vezes uma simples aglomeração de turmas com objetivos bem definidos, direcionamento metodológico amplo, já seria uma experiência grande com bons resultados no tocante a quebra das expressões: “minha turma, minha sala, meus alunos”. O inter-relacionamento nos faz enxergar novos caminhos, nos possibilita a compreensão do outro e do mundo em que este último vive.
Esse povo que viajou 12 horas, que trouxe para nos oferecer todas as caracterizações de sua comunidade nos ensinou um olhar novo. Valorização da figura do professor, respeito a pátria, a sua cultura, o processo educativo são vistos de forma interligadas e diferente do que de fato acontece na educação do lado de cá da fronteira.
Através do projeto foi possível reafirmar a escola como espaço de produção de conhecimento, de novos discursos e novos valores humanos. Entendemos que a fronteira não nos limita, ela nos desafia constantemente a repensar nosso modo de vida porque do outro lado da fronteira habitam pessoas com histórias e conhecimentos singulares, que precisam ser conhecidos, apreciados e até incorporados às nossas práticas.
A avaliação final do projeto apontou que os alunos brasileiros participantes do projeto não tinham conhecimento da realidade social, cultural e política da Bolívia e motivados pelo preconceito de cultura superior e inferior também não tinham interesse em conhecer. Depois do projeto surgiu o interesse pela aprendizagem do espanhol, o preconceito com os alunos bolivianos e descendentes diminuiu, surgiu o interesse dos alunos e professores em conhecer a cidade de Rurrenabaque na Bolívia. Alguns profissionais brasileiros envolvidos no projeto continuam, até hoje, a se interagir com os professores bolivianos e vice versa. Unem-se em grupos de pesquisas e estudos para comparar as duas realidades e valorizar as lutas e conquistas no trabalho, no espaço físico e buscar soluções para que os moradores da fronteira construam uma nova visão de gente. Sem fronteiras.
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