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ILUSTRAÇÃO CRÍTICA E NARRATIVAS SUBVERSIVAS NO DESIGN GRÁFICO SOCIAL
Revista de Ensino em Artes, Moda e Design, vol.. 4, núm. 3, 2020
Universidade do Estado de Santa Catarina

Educação e design participativo

Revista de Ensino em Artes, Moda e Design
Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil
ISSN: 2594-4630
Periodicidade: Bimestral
vol. 4, núm. 3, 2020

Resumo: O objetivo de pesquisa do presente artigo está na articulação teórica sobre como o de- signer gráfico pode utilizar suas habilidades técnicas e artísticas a favor de causas e reflexões sociais. Para isso foi adotada a ilustração crítica como objeto de estudo. Inicialmente as dis- cussões teóricas foram orientadas para os conceitos que contribuem, exemplificam e funda- mentam como a crítica pode ser feita e direcionada à atual sociedade contemporânea. Poste- riormente foram escolhidos quatro ilustradores de diferentes países para que fosse possível demonstrar como seus trabalhos corroboram a compreensão de como o design gráfico pode não apenas ser uma atividade profissional que contribui com os objetivos mercadológicos de uma empresa, mas também um instrumento que instiga o questionamento e a mudança social por meio da construção de um olhar crítico.

Palavras-chave: Ilustração crítica, Design gráfico social, Olhar crítico.

Abstract: The research objective of this article is in the theoretical articulation on how the graphic designer can use his technical and artistic skills in favor of social causes and reflections. For this, critical illustration was adopted as an object of study. Initially the theoretical discussions were oriented to the concepts that contribute, exemplify and justify how the criticism can be made and directed to the current contemporary society. Subsequently, four illustrators from different countries were chosen so that it was possible to demonstrate how their work corro- borates the understanding of how graphic design can not only be a professional activity that contributes to a company’s marketing objectives, but can also be an instrument that instiga- tes the questioning and social change through the construction of a critical look.

Keywords: Critical Illustration, Social Graphic Design, Critical Look.

Resumen: El objetivo de la investigación de este artículo es la articulación teórica sobre cómo el diseñador gráfico puede usar sus habilidades técnicas y artísticas en favor de causas sociales y reflexiones. Para esto, se adoptó la ilustración crítica como objeto de estudio. Inicialmente, las discusiones teóricas se orientaron a los conceptos que contribuyen, ejemplifican y justifi- can cómo la crítica puede hacerse y dirigirse a la sociedad contemporánea actual. Posterior- mente, se eligieron cuatro ilustradores de diferentes países para que fuera posible demostrar cómo su trabajo corrobora la comprensión de cómo el diseño gráfico no solo puede ser una actividad profesional que contribuye a los objetivos de marketing de una empresa, sino que también puede ser un instrumento que instigue cuestionamiento y cambio social a través de la construcción de una mirada crítica.

Palabras clave: Ilustración crítica, Diseño gráfico social, Mirada crítica.

1 INTRODUÇÃO

A questão problema do presente estudo se concentrou em identificar como o designer gráfico pode ser um agente que instiga o pensamento crítico da sociedade contemporânea. Tal questionamento surgiu a partir da percepção de que a atual sociedade tem se mostrado cada vez mais exposta ao consumismo, ao fomento de grandes desigualdades e ao estímulo a diferentes tipos de preconceitos e desrespeitos sociais. O pensamento e a atitude crítica são modos de posicionamentos que estimulam a reflexão e resistência à alienação social. Assim, a ilustração crítica foi o objeto escolhido para narrar como o designer gráfico pode apresentar e defender seus pensamentos, ideias e valores. Portanto, a proposta aqui está em expor como a ilustração crítica pode ser um instrumento de contradiscurso às diferentes nar- rativas sociais que visam a homogeneização do pensamento e do comportamento social. Por assim ser, o objetivo geral está em demonstrar como o designer gráfico pode instigar refle- xões sobre determinados temas cotidianos e, ao mesmo tempo, ser um agente de resistência e de embate por diferentes causas, valores e lutas sociais se valendo da ilustração crítica. O objetivo específico está centrado na exemplificação de como os designers gráficos podem trabalhar com a ilustração de maneira questionadora e engajada, criando provocações sobre

o modus operandi da atual sociedade contemporânea.

Por meio de pesquisa bibliográfica no estudo também se dedicou a fundamentar te- oricamente qual é esse contexto que se apresenta como meio a ser indagado e, por vezes, combatido em ilustrações críticas. A aplicação da pesquisa exploratória contribuiu na identi- ficação de diferentes ilustradores que trabalham com a temática da crítica social, bem como na seleção de referências que discutem os problemas causados por discursos ideológicos, imposições mercadológicas e sociais. Portanto, questiona-se aqui que mundo ou que socie- dade é essa que sorrateiramente se esconde e que, por conseguinte, necessita ser clarificada ou posta em discussão por ilustrações críticas? São estes os apontamentos que são discuti- dos na sequência do trabalho.

2 ESPETÁCULO, IDEOLOGIA E FETICHE DA MERCADORIA

Para uma melhor reflexão sobre o mundo contemporâneo em que se vive, e para os interesses de pesquisa do presente estudo, é importante a compreensão do conceito de espetáculo, defendido por Debord (1997). De acordo com o autor, o espetáculo é o “[...] mo- mento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver nada além dela: o mundo que se vê é o seu mundo” (DEBORD, 1997, p. 30). Embasado nos estudos de Debord, Rocha (2011) afirma que nessa lógica todo esforço do trabalho humano está submetido e é destinado ao consumo de uma realidade da aparência – sendo esta seu produto de desejo. O retrato do espetáculo está presente em todo ambiente social e, nessa perspectiva, “[...] o espetáculo é o capital em tal grau de acumulação que se torna imagem” (DEBORD, 1997, p. 25). Nesse sentido, o que se pretende combater e burlar é a prevalência de uma economia cujas finalidades estejam

pautadas nas necessidades reais de subsistência do indivíduo, pois a predominância desta seria o fracasso da magia do espetáculo.

Ainda de acordo com o autor quando a lógica produtiva do espetáculo consegue subs- tituir as necessidades humanas essenciais por um desenvolvimento econômico baseado na fabricação de “[...] pseudonecessidades, ela garante a perpetuação e manutenção de seu reino de aparências”. Nesse sentido, Rocha (2011) entende que para Deboard o espetáculo está presente no consumo planejado de mercadorias, seja por meio da informação, da publi- cidade, da política, do entretenimento ou outras formas. O espetáculo é a “[...] afirmação oni- presente da escolha já feita na produção, e o consumo que decorre dessa escolha” (DEBORD, 1997, p. 15). Por esta razão, o espetáculo está em consonância com o conceito de ideologia proposto Chauí (2002).

Segundo Rocha (2015) o conceito de ideologia é entendido por Chauí (2002) como um corpo sistemático de normas, regras e de representações, cujo objetivo central está em ‘en- sinar’ como se deve pensar, como se transmitir tais ensinamentos e como adaptar, aos indi- víduos, tarefas prefixadas pela sociedade. A autora afirma que uma das formas de controle ideológico está no domínio das técnicas e das tecnologias de produção. O conhecimento científico disponibiliza, para a indústria, o domínio da produção e, consequentemente, o con- trole do fluxo do consumo social. Assim como Debord (1997), Chauí (2002) vê o consumo atualmente como uma forma de criar ‘pseudonecessidades’ nos indivíduos afim de que se sintam realizados ao terem a capacidade de adquirir, através do trabalho, novos bens; sendo que, ao mesmo tempo e de maneira direta, contribuem para alimentar os objetivos ideológi- cos sorrateiros do mercado produtor.

É clássica a expressão: ‘o trabalho dignifica o homem’. Porém, para Chauí (2002), é im- portante que se entenda que o trabalho dignifica o homem a partir do momento em que contribui para a autoconstrução humana, ou seja, que o dignifique como indivíduo singular. Assim, o trabalho não deve ser um instrumento empenhado na alienação, na repetição irre- fletida e na massificação social. Com bem observam Aranha e Martins (1986), os animais e os insetos executam tarefas de forma instintiva. Seus atos não se renovam e são os mesmos em todos os tempos. “Na verdade, os instintos são ‘cegos’, pois são uma atividade que ignora a fi- nalidade da própria ação” (ARANHA; MARTINS, 1986, p. 2). São cegos porque não consideram o sentido principal que deveria nortear a ação.

Já o trabalho humano instrumentalizado por uma técnica deve possuir a consciência da finalidade de seu ato. O ato deve existir antes como pensamento, como reflexão e como uma possibilidade, sendo que a execução nada mais é do que o resultado referente aos meios necessários para atingir os objetivos dos fins propostos. Não se trata de um mero ato repe- titivo ou feito de forma impositiva ou impensada. O trabalho consciente de seus objetivos é renovador, não é alienante. Nesse aspecto, é importante compreender a diferença entre a inteligência humana e a ‘inteligência’ animal.

Aranha e Martins (1986) esclarecem que a inteligência humana é diferente do instinto animal, ou da ‘inteligência’ animal. A humana é flexível, suas respostas são diferentes con- forme a situação proposta. Já alguns animais apresentam uma espécie de ‘inteligência’, a chamada ‘inteligência concreta’. Esta, por sua vez, é dependente da experiência vivida ‘aqui e

agora’. A ‘inteligência’ do animal não tem a capacidade de inventar o instrumento, adaptá-lo ou aperfeiçoá-lo. Sua capacidade de uso advém do adestramento construído através de atos repetitivos.

A diferença percebida nos dois exemplos é que o ser humano tem a capacidade de se inventar, de se construir, pois domina o pensamento e a linguagem. Na lógica espetacular proposta por Debord (1997) o indivíduo trabalha para consumir aquilo que lhe foi previamente preestabelecido pela lógica produtiva e de manutenção industrial. Por assim ser, é tal qual os instintos cegos, que agem de maneira mecânica e pouco adaptativos às suas reais necessi- dades. Para Chauí (2002) o conhecimento científico atua como protagonista desta lógica de mercado consumidor.

Foi o conhecimento científico (uma espécie de antídoto contra o senso comum) que trouxe a noção de tecnologia para a sociedade industrial. Todavia, a partir de uma breve aná- lise sobre algumas características da chamada ‘atitude científica’ é possível averiguar como a ideologia dominante se esconde sob o preceito de verdade libertadora contida no discurso do conhecimento científico. De acordo com Chauí (2002), o conhecimento científico é homo- gêneo, pois se presta a construir leis gerais que explicam o funcionamento dos fenômenos. “É generalizador, pois reúne individualidades, percebidas como diferentes, sob as mesmas leis, os mesmos padrões ou critérios de medida, mostrando que possuem a mesma estrutura” (CHAUÍ, 2002, p. 3). O conhecimento científico, por ser visto como algo verdadeiro, libertador e inquestionável, também pode ser usado a favor da ideologia dominante. O que se constata atualmente é que o conhecimento científico se uniu ao poder hegemônico dominante, repre- sentado na figura do Estado e da indústria. Ao estabelecer, por meio de métodos científicos, uma verdade absoluta; ao criar uma ‘tendência’ de consumo a favor da sobrevivência da in- dústria; ou ao desenvolver tecnologias para serem consumidas de maneira desenfreada, o conhecimento científico também se torna um instaurador de pseudonecessidades e, conse- quentemente, de ideologias.

Ideologias podem estar contidas nas tendências de consumo que, por sua vez, alimen- tam a lógica do espetáculo. Debord (1997), ao descrever a forma como o espetáculo se estru- tura na sociedade, afirma que seu fortalecimento não ocorre pela produção de um conjunto de imagens, mas na sistematização de uma relação social entre pessoas mediada por ima- gens. Tais imagens carregam, em si, o poder dos símbolos e, por esta razão, o espetáculo está em consonância com o conceito de fetiche da mercadoria proposto por Karl Marx e discutido por Villas-Boas (2007).

Ao citar os estudos de Marx, Villas-Boas (2007) afirma que, historicamente, o fetiche da mercadoria é próprio da sociedade de massa e, especificamente, da sociedade capitalista. Na teoria marxista as mercadorias produzidas pelos homens, como trabalhadores, assumem uma vida própria e seu poder passa a suplantar o próprio homem que a produziu. Tais mer- cadorias criam um mundo simbólico à parte que passam a sobrepor o mundo dos humanos, que, por sua vez, tornam-se reféns de seu poder; e as relações estabelecidas entre si passam a ser intermediadas, e mesmo regidas, pelo poder simbólico dessas mercadorias. “Dessa ma- neira, você é o que você veste, o carro que você tem, o tipo de música que você compra, os eletrodomésticos que tem em sua casa” (VILLAS-BOAS, 2007, p. 56). Em outras palavras, os

indivíduos passam a ser e a representar a imagem simbólica que a mercadoria lhes atribuiu e, assim como aquilo que regimenta o espetáculo, as relações sociais passam a ser mediadas por imagens, por simbolismos. Com isso, os indivíduos se tornam a mercadoria que possuem e seu círculo de relações passa a ser regido por relações de mercadorias que outras pessoas consomem. Portanto, assim como na lógica do espetáculo, são as mercadorias que determi- nam o que cada um é. Os símbolos consumidos nas mercadorias são

[...] produtos de trabalhos individuais que, pelo trabalho alienado, se configuram em produtos do trabalho social que se relacionam entre si através de um jogo de valores que lhes dá vida própria e que acaba por reger as relações sociais destes mesmos pro- dutores de trabalho individual (ou seja, os homens). (VILLAS-BOAS, 2007, p. 58).

Após os apontamentos feitos até aqui, cabe um direcionamento sobre como elaborar um contradiscurso a tal conformação social. É sabido que o design gráfico está inserido, his- toricamente, como um elemento de fetiche da mercadoria. Ele surge justamente com as so- ciedades industriais e capitalistas. Nelas, como observa Villas-Boas (2007, p. 55), “[...] o fetiche da mercadoria é uma das razões do aparecimento do design gráfico e é a função subjetiva mais significativa exercida por uma peça de design gráfico”. São muitas as possibilidades em que o contradiscurso e a subversão da lógica de mercado podem se manifestar em produtos de design gráfico, entre elas estão os campos do design ativista, do design social ou social- mente engajado. Para a presente pesquisa foi trabalhado o design gráfico socialmente enga- jado. O intuito foi compreender como, neste campo do saber, a ilustração crítica pode ser um agente de denúncia, luta e reflexão social.

3 DESIGN GRÁFICO SOCIALMENTE ENGAJADO E O OLHAR CRÍTICO

O argentino Jorge Frascara é um dos teóricos do campo do design que apontam essa atividade profissional como propagadora de informação e de conhecimento. Frascara (2000 apud NEVES, 2011, p. 46) propõe o design “[...] como uma disciplina dedicada à produção de comunicações visuais com o objetivo de afetar o conhecimento, as atitudes e o comporta- mento das pessoas”. Nessa perspectiva, de mudança de comportamento do indivíduo, os trabalhos na área do design gráfico socialmente engajado têm, como pressuposto, a reflexão sobre: a conformação social que nos foi imposta de maneira normativa; quais são essas im- posições; como resistir e como enfrentá-las. Sobre o engajamento político-social do design, Neves (2011) cita o exemplo do designer britânico Ken Garland, que advoga por uma atuação menos tecnicista do designer. Segundo Neves (2011), Garland defende que os designers tam- bém deveriam aplicar seu talento e habilidade para as reais necessidades da sociedade. Para Ken Garland,

[...] a teoria e o valor social do design gráfico estavam sendo obscurecidos pelo consu- mo desenfreado, estimulado pelas grandes corporações, que viam o design apenas como uma ferramenta publicitária, destinada a propagar o consumo. (GARLAND, 1999 apud, NEVES, 2011, p. 50).

Neves (2011) também aponta Gui Bonsiepe como um grande crítico do design. Bonsiepe argumenta que o termo ‘design’ passou a ser comumente associado a marcas e a produtos de grife e que, por essa razão, aos poucos se distanciou da ideia de ser um eficiente solu- cionador de problemas e se aproximou do supérfluo e excêntrico. De acordo com o citado autor, Gui Bonsiepe defende o chamado design humanista, que seria “[...] o exercício de ativi- dades do design para interpretar as necessidades de grupos sociais e desenvolver propostas emancipatórias viáveis na forma de materiais e artefatos semióticos” (BONSIEPE, 2008 apud NEVES, 2011, p. 53).

Gui Bonsiepe faz duras críticas ao design que trabalha tão somente para o fortalecimen- to da sociedade de consumo desenfreado. Para o crítico, o designer que assim atua é tal qual uma ferramenta de dominação. Nesse aspecto, design e manipulação convergem para um mesmo lugar: a aparência ou a imagem idealizada. Esta, por sua vez, serve ao domínio do es- petáculo. Por outro lado, Neves (2011, p. 54) observa que é o designer gráfico que estabelece a condução da “[...] criação das mensagens visuais e pode embasar suas soluções gráficas consciente da responsabilidade social de seu trabalho”.

A partir da compreensão dos estudos elaborados por Neves, Rocha (2014) afirma que no que diz respeito à responsabilidade social, vale reforçar que o design gráfico socialmente en- gajado luta por uma causa social. Seu objetivo é fomentar a discussão por meio da divulgação de ideias que possam levar à reflexão ou até mesmo à mudança de comportamentos tidos como únicos, verdadeiros e imutáveis. Imbuídos por um sentimento de indignação, compai- xão e justiça, os designers gráficos podem retratar, em suas mensagens visuais, temas como o desmatamento, a pobreza, a falta de moradia, a falta de saneamento básico, o preconceito de gênero, o consumo desenfreado, a desassistência na saúde e na educação, entre outros. Dessa forma, o design gráfico socialmente engajado se torna, por meio de representações visuais, uma ferramenta de denúncia, de divulgação, de recrutamento e de conscientização social. A adaptação subversiva de mensagens produzidas e divulgadas pelos meios de co- municação no ambiente social é uma das possíveis formas de o designer gráfico socialmente engajado contribuir para o estímulo do pensamento reflexivo.

A esse respeito, como defende Bourriaud (2009), a sociedade humana é estruturada por narrativas e composta por enredos imateriais que são mais ou menos reivindicados enquanto tal. Esses enredos são padronizações de maneiras de viver. Conformam-se em relações de trabalho, formas de lazer e em ideologias hegemônicas. Para o citado autor a sociedade é conduzida pelos enredos do capitalismo tardio. No entanto, a adaptação e a reconfiguração de uma imagem contribuem para o nascimento de uma cultura da atividade, da ação e da subversão. Abrem espaço para uma ação que se propõe a criar novos enredos a partir de uma imagem de narrativa ideológica vigente.

As formas que cercam toda a sociedade são as materializações desses enredos ideo- lógicos propagados pelos discursos e meios de comunicação. Através deles essas narrativas embutidas em todos os produtos culturais e mercadológicos reproduzem enredos comuni- tários mais ou menos implícitos. Assim, uma roupa, a vinheta de um programa de televisão ou uma marca podem induzir a certos comportamentos e promover valores coletivos. Todavia, o designer gráfico pode utilizar os discursos presentes nessas mensagens simbólicas e deco-

dificá-los para produzir linhas narrativas alternativas, abrindo espaço para novas vozes.

Pela reapropriação é possível criar a cultura da atividade e da contestação, visto que a contemplação passiva submete os comportamentos humanos ao mero espetáculo consu- mista irreflexivo. Todavia, a finalidade do design gráfico socialmente engajado está em desar- ticular essa sujeição característica do espetáculo. O objetivo desta adaptação e reaproveita- mento de imagens é a convocação para o embate e para o convite ao diálogo sobre como pensar coletivamente um mundo mais justo, ideal e melhor para todos.

A reapropriação de representações visuais, sejam elas culturais ou mercadológicas, é uma maneira de o designer gráfico expressar e lutar por aquilo que acredita por meio da desarticulação da narrativa oficial e da construção de um contradiscurso. A reapropriação é a singularização e a construção do significado pessoal sobre algo percebido. É, portanto, um momento em que o designer gráfico pode empenhar seu talento criativo em prol do reco- nhecimento de sua subjetividade singular. A cultura visual chama essa atitude reflexiva do sujeito que busca entender aquilo que ele é, ou o que não é, a partir do embate pessoal, de manifestação visual de ‘olhar crítico’. O olhar crítico é uma forma de o indivíduo contestar e se emancipar do objeto que o mantinha sob sua tutela. Ou seja, é o momento de libertação do discurso espetacular.

Para Tourinho e Martins (2011) o engajamento analítico é o primeiro passo a ser dado para o desenvolvimento do raciocínio e da compreensão crítica. De acordo com estes auto- res, o olhar crítico leva o indivíduo a aprofundar e a personalizar sua visão e sua relação com o mundo. É uma forma de olhar que possibilita o fortalecimento de uma atitude analítica, re- flexiva, que aguça a compreensão sobre o que, o porquê e as condições em que se vê. “Essa atitude analítica e reflexiva habilita a extrair, dialogar e processar informações, criando outras formas de ver e construir significados” (MARTINS; TOURINHO, 2011, p. 61).

O designer gráfico pode criar, por meio da ilustração crítica, diferentes formas de ver, bem como construir novos significados para determinadas manifestações visuais contidas no ambiente social e em suas diferentes formas de relação e consumo. Porquanto, pode propor outra direção construtiva e interpretativa para tais representações visuais, criando novas ou reapropriando-as e elaborando novos sentidos para os enredos vigentes.

4 A ILUSTRAÇÃO CRÍTICA NO DESIGN GRÁFICO

A ilustração crítica é fruto de uma inquietação e da reflexão do contexto sociocultural. Ela é uma contestação à complacência humana às ideologias de controle do Estado e um questionamento às políticas e práxis capitalistas que as sustentam. O objeto visualmente re- presentado pela ilustração crítica traduz pensamentos contestativos que subvertem o status quo presente nas representações comerciais. A ilustração crítica propõe um contradiscurso a qualquer tipo de produção imagética que busque tutelar, cristalizar, homogeneizar costumes e comportamentos sociais como únicos, ideais e verdadeiros.

A ilustração crítica requer, do sujeito, um olhar atento e questionador sobre tudo aquilo

que acontece à sua volta. Também lhe instiga a exercer uma atitude participativa que esti- mule o confronto de ideias durante a decodificação dos códigos visuais de uma imagem. Tal interpretação deve ser elaborada a partir de experiências vivenciadas em seu dia a dia social. Vale esclarecer que as ilustrações críticas fazem parte da família das imagens conceituais que, por sua vez, têm, por pretensão, representar ou codificar visualmente críticas e reflexões de fatos e acontecimentos pertencentes ao contexto social. De acordo com Philip Meggs e Alston Purvis (2009) a imagem conceitual tem a intenção de transmitir “[...] não a mera infor- mação narrativa, mas ideias e conceitos” (MEGGS; PURVIS, 2009, p. 547). Segundo os autores supracitados as imagens conceituais surgiram após o fim da Primeira Guerra Mundial. Neste período histórico foi constatado, pelos designers, que a narrativa tradicional já não conseguia atender às necessidades da época. Consequentemente, passaram a reinventar a comunica- ção visual para expressar ideias visuais mais complexas.

No período pós-guerra o cartaz era a maior forma de expressão gráfica da imagem con- ceitual. Por ele a imagem era o meio primordial de comunicação e, nele, o conteúdo verbal era reduzido a poucas palavras. É importante enfatizar que os cartazes compostos por ima- gens conceituais, além da redução das palavras, também buscavam reduzir as imagens até que seu conteúdo fosse destilado em sua formulação mais simples. Em sua grande maioria esses cartazes propagavam mensagens de contestação política e de resistência à guerra.

As ilustrações críticas fazem parte da grande área das imagens conceituais e podem ser divididas em três categorias: a ilustração crítica conceitual, ilustração crítica de paródia e ilustração crítica de pastiche.

ILUSTRAÇÃO CRÍTICA CONCEITUAL

A ilustração crítica conceitual propõe uma reflexão sobre os múltiplos problemas, con- formações e reorganizações que surgem na sociedade contemporânea. Em uma sociedade complexa como a atual são diversas as temáticas conceituais que podem ser abordadas. As ilustrações críticas conceituais provocam um olhar questionador que, por sua vez, instiga o pensamento reflexivo sobre diferentes conceitos sociais, tais como os de fome, solidão, preconceito, poluição, desmatamento, família, tecnologia, racismo, machismo e homofobia, entre outros.

É seu objetivo propor o debate sobre um tema social e, a partir desse conceito temático, despertar o interesse para diferentes pontos de vista e aprofundar nas diversas problemáti- cas que dele suscitam. Portanto, é sua intenção chamar a atenção para as inquietações pro- vocadas pela vida em sociedade, suas mazelas, imposições, conflitos, injustiças e desafios.

O trabalho do artista visual argentino Al Margen é uma expressão contemporânea da ilustração crítica conceitual. Na Figura 1 são demonstrados alguns conceitos polêmicos que o artista suscita em suas ilustrações.

Figura 1: Ilustrações críticas de Al Margen. Fonte: Disponível em: https://racismoambiental.net.br/2018/12/25/al-mar- gen-um-presente-de-natal-perturbador/. Acesso em: 29 jun. 2020.

Como exemplo desses conceitos polêmicos, tem-se: a exposição excessiva nas redes sociais digitais e o consequente fim das barreiras entre o que é íntimo, particular, privado e o que é público; as máscaras para cada ocasião que os indivíduos precisam usar para serem aceitos ou para esconder sua personalidade e seus reais sentimentos e emoções; a priorida- de humana para negócios, onde o sujeito é conduzido pelo trabalho e, portanto, passa a ser objeto deste; o aprisionamento de crianças ao ambiente virtual, meio este que passou a ser fonte de entretenimento, relacionamento e educação.

ILUSTRAÇÃO CRÍTICA DE PARÓDIA

A paródia, para Hutcheon (1991), apresenta um sentido crítico na medida em que sa- tiriza e ridiculariza o elemento parodiado. Para a autora o objetivo da paródia é propor uma inversão irônica contextualizada de uma representação. Ela se caracteriza por ser um recurso sofisticado que incorpora o antigo e o novo. Sua reapropriação provoca a ironia e a sátira ao original. Para Hutcheon (1991) a paródia dá um novo sentido, refuta e propõe uma releitura do objeto parodiado. Nesse sentido, a reflexão social vem do embate comparativo entre o velho e o novo proposto pela paródia.

De acordo com os apontamentos de Hutcheon (1991), pode-se afirmar que, na socie- dade contemporânea, o objetivo da ilustração de paródia é criticar a representação anterior, levando os indivíduos a refletir sobre os reais significados obscurecidos pelos meios de co- municação. Por assim ser, a ilustração crítica de paródia intenta, de maneira irônica e sarcásti- ca, conscientizar a sociedade sobre os acontecimentos cotidianos e demonstrar o ‘outro lado da moeda’, aquilo que não é revelado ou dito pelos meios de comunicação oficiais ou pelo poder hegemônico dominante.

A ilustração crítica de paródia trabalha com a lógica da reapropriação e da subversão de enredos tidos como verdadeiros e universais, contidos em diferentes tipos de linguagens e representações. Seu propósito é, a partir do existente, criar novos enredos, sátiras contra- ditórias das narrativas oficiais divulgadas por marcas, produtos e serviços. Ao se apropriar e manipular uma marca ou seus discursos comerciais, a ilustração crítica de paródia subverte sua narrativa mercadológica, provocando o contradiscurso. Este, por sua vez, revela as pos- síveis consequências que o consumo de um determinado produto pode causar, assim como os diferentes comportamentos sociais que dele podem se organizar.

O trabalho do artista gráfico polonês Pawel Kuczynski demonstra como a ilustração crí- tica de paródia pode subverter e criar um discurso crítico a partir de uma marca, neste caso, a marca da rede social Facebook. Novos enredos foram criados a partir da narrativa oficial do posicionamento da marca (Figura 2).

Figura 2: Ilustrações críticas de Pawel Kuczynski. Fonte: Disponível em: http://pawelkuczynski.com/. Acesso em: 29

jun. 2020.

Entre as ironias propostas à marca Facebook estão a ideia de briga, discussões, duelos virtuais e a ‘viralização’, no ambiente social, de notícias elaboradas nas redes sociais, sejam estas verdadeiras ou falsas. O artista também discute a vigilância social pelos meios digitais e a falta de segurança e de sigilo dos dados pessoais disponíveis nos ambientes de socializa- ção, negócios, relacionamento e amizades virtuais.

ILUSTRAÇÃO CRÍTICA DE PASTICHE

De acordo com Jameson (1997), o pastiche é uma das características da estética con- temporânea. Por ele são feitas referências a conteúdos anteriores, uma imitação que copia o que já foi realizado. Seguindo este mesmo pensamento, Hutcheon (1991) descreve o pastiche como imitação de um estilo exclusivo ou particular. O pastiche não inventa imagens, mas as confisca. Sua reivindicação está naquilo que é culturalmente significativo e, ao ser apropriada, a imagem se torna um outro ou outra coisa. O propósito não é criticar a representação ante- cedente, mas explicar ou ironizar um fenômeno social contemporâneo por meio do significa- do imaginário anterior da representação imitada.

Uma das grandes contribuições do pastiche está no fato de ele atualizar e ressignificar uma obra ou representação. Nas ilustrações críticas o pastiche é um ferramental que gera re- flexões sociais por instigar o olhar crítico por meio da jocosidade, do humor, de releituras e da irreverência visual. Marcas, obras de arte, capas de livros, CDs, DVDs, pôsteres, personagens de HQs, animações, filmes ou cenas de filmes famosos são exemplos de representações que podem ser reapropriadas pela ilustração crítica de pastiche.

As Figuras 3 e 4 exemplificam bem as características discursivas e estilísticas da ilustra- ção crítica de pastiche. A Figura 3 apresenta o trabalho do ilustrador italiano Marco Melgrati. Em suas ilustrações críticas de pastiche o artista traz, por meio de um tom irônico e bem-hu- morado, a reflexão sobre problemas atuais, como a violência e o assédio sexual contra as mulheres, bem como as relações mediadas pelo interesse ou dependência financeira. Sua reapropriação e pastiche podem ser percebidos pelo uso de imagens de príncipes e prince- sas da Disney.

Figura 3: Ilustrações críticas de Marco Melgrati. Fonte: Disponível em: https://www.designerd.com.br/as-inteligentes-

-e-reflexivas-ilustracoes-de-marco-melgrati/. Acesso em: 29 jun. 2020.

Outro ilustrador que faz uso do pastiche em suas ilustrações é Jose Rodolfo Loaiza On- tiveros. Em seus trabalhos ele polemiza cenas históricas do cinema e da animação ao hibridi- zar personagens infantis e personagens de filmes adultos (Figura 4).

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Figura 4 - Ilustrações críticas de José Rodolfo Loaiza Ontiveros. Fonte: Disponível em: https://www.instagram.com/

rodolfoloaiza. Acesso em: 29 jun. 2020.

O ilustrador mistura linguagem de filmes com animações, da mesma forma mistura gê- neros infantis com gênero de terror, assassinatos e mortes. Dessa forma a interpretação das cenas é completamente oposta à das cenas originais. As provocações do ilustrador são in- quietantes pois, além de mexer e desconstruir o imaginário infantil, também propõe, por meio dos próprios personagens, a discussão de temas polêmicos – como a violência e o uso de drogas – e também as discussões de sexualidade e gênero.

5 CONCLUSÃO

Como visto, as ilustrações críticas propõem um alerta por meio de uma reflexão social. As denúncias presentes em suas imagens têm, por objetivo, fortalecer um espírito questio- nador e, em certa medida, desnudar a sistemática da sociedade do espetáculo conceituada e problematizada por Debord (1997). Por meio das ilustrações críticas os designers gráficos encontram seu papel ativista, social e cidadão; seja em defesa de uma causa, seja em um sentido educacional, provocativo ou de resistência.

Diante de uma ilustração crítica o sujeito pode perceber, interpretar e inferir, por meio de uma análise particular, o que aquela imagem diz dele, sobre ele ou do meio em que vive. A compreensão sobre o que há e o que não há do sujeito pode, em certa medida, influenciá-lo na percepção sobre si e do mundo que o cerca. Tal compreensão o fará aceitar ou rejeitar determinada representação visual ideológica. Esta é uma forma de embate do sujeito com seu ambiente social, pois os modos de produção imagética capitalista primam pelo controle por meio da padronização do discurso. Nesse sentido, a ilustração crítica é considerada um mecanismo de embate às estratégias ideológicas sociais e mercadológicas, pois, como visto a partir de Chauí (2002), a ideologia é organizada e instalada no ambiente social por meio de normas, regras e representações. As representações imagéticas das ilustrações críticas po- dem refutar os ensinamentos ideológicos que objetivam ‘educar’ e adaptar os indivíduos às tarefas prefixadas à sociedade.

Por meio de suas ilustrações críticas o designer gráfico pode elaborar uma espécie de desvio, escapatória ou resistência em meio às tentativas de tradução da subjetividade dos in- divíduos. Ao defender suas posições em suas ilustrações críticas e abraçar as lutas contra as formas de domínio, alienação, opressão e poder, os designers gráficos se tornam não apenas um vetor de mudanças sociais, mas desbravadores de um mundo melhor e cada vez mais justo, igualitário e, acima de tudo, honesto.1

REFERÊNCIAS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. O que é ideologia? São Paulo: Ática, 1986.

BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2002.

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