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O contrato didático no ensino remoto: uma aplicação na aula de Geometria
The Didactic Contract in remote education: an application in the geometry class
Revista Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología, núm. Esp.28, 2021
Universidad Nacional de La Plata

Artículos Originales

Revista Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología
Universidad Nacional de La Plata, Argentina
ISSN: 1851-0086
ISSN-e: 1850-9959
Periodicidade: Semestral
núm. Esp.28, 2021

Recepção: 16/12/2020

Aprovação: 05/02/2021

Cita sugerida: G. Gomes Cidrão, I. Ferreira de Azevedo and F. Régis Vieira Alves, “O contrato didático no ensino remoto: uma aplicação na aula de Geometria,” Revista Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología, no. 28, pp. 251-257, 2021, doi: 10.24215/18509959.28.e31

Resumo: O ensino remoto é uma modalidade de ensino emergencial imposta ao sistema educacional quando existem fatores que impedem aulas presenciais. Desse modo, atualmente, devido à COVID-19, as aulas de diversos países estão se adequando ao cenário de ensino remoto. Neste trabalho, refletimos como o contrato didático se adequa ao ensino on-line, levando em consideração dois fatores: ensino presencial e ensino remoto. Contudo, observamos como foi estabelecido o contrato didático em uma aula com alunos do Ensino Médio, utilizando o Google Meet. A partir disso, consideramos que a teoria do contrato didático é valiosa na avaliação do sistema didático (professor-aluno-saber), mesmo diante do ensino remoto.

Palavras-chave: Contrato didático, Didática da matemática, Ensino remoto, Sistema didático.

Abstract: Remote teaching is an emergency teaching modality imposed on the educational system when there are factors that prevent classroom lessons. Thus, currently due to COVID-19, classes in several countries are adapting to the remote teaching scenario. In this paper, we reflect on how the teaching contract is suitable for online teaching, taking into account two factors: classroom teaching and remote teaching. However, we observe how the didactic contract was established in a class with high school students, using Google Meet. From this, we consider that the theory of the didactic contract is valuable in the evaluation of the didactic system (teacher-student-to know) even in the face of remote teaching.

Keywords: Didactic contract, Didactics of mathematics, Didactic system, Remote education.

1. Introdução

O ensino remoto é aderido em situações emergenciais em que o espaço físico (sala de aula) está comprometido devido a alguma catástrofe. Mediante o quadro atual, no cenário da COVID-19, diversos países dos continentes da Europa, América do Sul e América do Norte adotaram o ensino remoto como uma forma de manter as aulas.

Entretanto, o ensino remoto, ainda, mostra-se como um desafio na educação brasileira, por causa de diversos obstáculos, como: acesso à internet, materiais tecnológicos, formação de professores, entre outros.

Portanto, o ensino remoto cria um cenário inovador no sistema educativo brasileiro, no qual o triângulo didático (professor-aluno-saber) tem uma nova dinâmica de relações didáticas na ausência da sala de aula. No ensino tradicional, as relações entre professor, aluno e saber ficam restritas ao espaço físico da sala de aula, todavia, no ensino on-line, tornam-se mais complexas, em razão de as relações didáticas serem à distância.

Diante desse cenário atual, o sistema didático fica sendo mediado por plataformas digitais educacionais, como: Google Meet, Google Classroom, YouTube, dentre outros. Nesse sentido, nosso trabalho se baseia nos pressupostos da Didática da Matemática, em especial, no trabalho de [1] na Teoria das Situações Didáticas, no que concerne ao contrato didático.

A partir disso, nosso objetivo esteve nas seguintes questões: no ensino remoto, como se comporta o contrato didático? Como estabelecer as cláusulas do contrato didático no ensino remoto e sua ruptura? A fim de responder a esses questionamentos, observamos como o contrato didático foi estabelecido entre uma professora e alunos por meio de uma aula do Ensino Médio de uma Escola Profissionalizante, localizada em Fortaleza-CE, guiada pelo Google Meet.

Para isso, verificamos que a professora propôs um contrato didático na aula on-line de Geometria, em que existem regras implícitas e explícitas evoluindo através da relação entre o aluno e o conhecimento. Contudo, salientamos a importância do professor prever a ruptura do contrato didático. Nessa perspectiva, a professora acompanhou a dinâmica entre os alunos e o saber, vigiando o cumprimento do contrato e como ocorre sua ruptura e devolução, bem como os efeitos do contrato didático.

Por fim, o contrato didático é importante na relação entre o sistema didático. Nas seções vindouras, apresentamos as características e o uso do contrato didático, o estabelecimento do contrato didático na aula de Geometria, a análise de dados e algumas considerações.

2. As características e o uso do contrato didático

Um dos principais conceitos da Teoria das Situações Didáticas é o de contrato didático, esse conceito foi introduzido por Brousseau, em 1978, a partir de observações diante do quadro de reprovações dos alunos em Matemática [1].

No entanto, somente em 1981, o contrato didático tomou destaque com o caso do aluno Gaël, um dos casos clássicos da Didática da Matemática. Gaël era uma criança inteligente, mas mantinha a linha em reprovação eletiva na Matemática. É um dos nove casos estudados entre 1980 e 1985 no Centro de Observação e Pesquisa no Ensino de Matemática (COREM) em Bordéus. Desse modo, [1] relata que, diante desse caso:

Era possível oferecer explicações psicológicas para esse comportamento, mas não forneciam um meio de corrigir as evasões e focalizavam o interesse dos pesquisadores em uma característica da criança ou em suas habilidades, ao invés de ficar em segundo plano. Nível de comportamentos e condições que o causaram ou que poderiam modificá-lo. Esses comportamentos demonstram a recusa, consciente ou não, por parte da criança em aceitar sua parcela de responsabilidade no ato de decidir em uma situação didática e, portanto, de aprender, perante um adulto.

Pelo parágrafo anterior, [2] introduz o conceito de contrato didático, sendo definido como “um conjunto de comportamentos (específicos) do professor que são esperados pelos alunos, e um conjunto de comportamentos dos alunos que são esperados pelo professor”.

Dessa forma, o contrato estabelece regras implícitas (construídas em sala de aula) e regras explícitas (formuladas verbalmente em sala de aula) construídas perante a relação didática, com o intuito de orientar o ensino e a aprendizagem.

Nesse contexto de regras esperadas, é possível observar que o professor, ao montar uma situação de ensino destinada ao aluno, visualiza que o discente assuma seu lugar como aprendiz em resolver as situações matemáticas propostas a ele [3], [4]. Já o discente espera que a resolução parta das explicações do professor, com isso, montamos a estrutura do contrato didático: um conjunto de regras esperadas pelo professor e pelos alunos.

Grande parte do contrato didático culmina em regras implícitas, podendo haver uma ruptura no contrato, essa ruptura parte da negociação entre o professor e o aluno na relação com o saber. Outrossim, quando as regras não são cumpridas, implica em uma ruptura no contrato, entretanto, as cláusulas da ruptura podem ser apresentadas antes de serem quebradas. [5] comentam “[...] que quando há alguma ruptura do contrato didático na relação, em seguida, uma nova regra (explícita ou implícita) é negociada”.

É comum, em uma relação didática, manter-se uma expectativa construída em sala de aula e esperada tanto por parte do professor quanto por parte dos alunos. A partir disso, destacamos que, no contrato didático, existem: cláusulas, expectativas, rupturas, renegociações e efeitos. Para entendermos os efeitos do contrato didático, elaboramos o Quadro 1.

Quadro 1
Efeitos do contrato didático, baseado em [5]

Esses efeitos são relevantes durante o contrato didático por virem de conflitos oriundos dos elementos professor- aluno. Esses efeitos foram descritos por [2] à base de observações durante as situações de ensino em sala de aula.

2.1. O contrato didático no ensino remoto

Nesta seção, vamos promover uma discussão sobre o contrato didático no ensino remoto. Como supracitado, o contrato existe dentro de uma relação didática, passando a organizar um conjunto de regras entre professor e alunos, essas regras acontecem em um ambiente físico (sala de aula).

A relação entre professor-aluno, com o contrato didático, requer rupturas para que, individualmente, os pares modifiquem a sua relação com o saber. Todavia, no ensino on-line, é possível vermos uma modificação natural no contrato didático, pois, com a ausência da sala de aula, passa a existir uma modificação na relação aluno-saber. O aluno passa a construir seu saber de uma forma mais autônoma.

Com a escolha do ensino remoto, o contrato didático passa a ter modificações e, consequentemente, o professor passa a criar uma distância no acompanhamento do processo de aprendizagem do aluno, mas isso não pode evoluir para um obstáculo. Como dito anteriormente, o contrato didático requer elaboração e cumprimento de regras em uma relação didática, porém, com o ensino on-line, as regras implícitas e explícitas passam a ter uma dinâmica diferente [6].

A ausência da sala de aula implica em um peso maior das regras explícitas do contrato, que se manifestam fortemente nos materiais didáticos, na exposição de objetivos, nos pesos dados às avaliações, às tarefas, etc. As flexibilizações e mudanças no contrato vão depender veementemente do cenário, da trama construída e do lugar na trama para o momento de devolução e projeção de situações adidáticas.

Apesar das mudanças refletidas no ambiente, a relação professor-aluno-saber continua tendo um papel central no ensino e na aprendizagem. No ensino remoto, as plataformas digitais são usadas em virtude da aprendizagem, o feedback passa a ser avaliado por meio de chat, videoconferência e fóruns. Entretanto, o professor passa a ter múltiplas funções, sendo ele o responsável pela formulação das situações didáticas, transposição didática e avaliador.

Nesse atual cenário, o professor deve ter uma maior captura en passant no feedback dos alunos. Isso indica que o professor não deve somente cumprir seu papel em elaborar atividades, promover situações de ensino. Contudo, deve observar a evolução do contrato didático no ensino remoto a partir da interação entre aluno-saber.

2.2. Ensino remoto no quadro atual de ensino no Brasil

O ensino remoto é temporário, sendo adotado, excepcionalmente, neste momento, devido à pandemia que assola o quadro de saúde no mundo, por esse viés, o ensino de diversos países, inclusive o Brasil, passou a ser on-line.

O ensino remoto é novo no cenário educacional brasileiro, essa forma de ensino é comum em países que vivem em conflito, como: Afeganistão, Bósnia e Libéria, fazendo dessa realidade uma dificuldade de acesso ao espaço físico da sala de aula, sendo que, a partir disso, os alunos passam a ter esse tipo de ensino remoto [7], [8]. Pelo exposto, percebe-se que uma das características principais do ensino remoto está na ausência da sala de aula, sendo substituída pela acomodação residencial do aluno.

De modo pormenorizado, não temos a pretensão de pôr uma panorâmica reflexiva diante desse ensino no Brasil, no entanto, não podemos negligenciar que o ensino remoto tem ofertado uma série de enfrentamentos de obstáculos para professores e alunos ante o ensino.

Desde o momento que a pandemia estourou no Brasil, as instituições federativas tomaram diversas posições em relação à reformulação das aulas de forma não presencial, porém o nosso país tem uma economia subdesenvolvida e alguns problemas diante do quadro da COVID-19 têm se destacado, como a não equidade social e a formação de professores.

Grande parte dos alunos matriculados em instituições públicas do nosso país sofrem uma desigualdade socioeconômica, os obstáculos se apresentam no que concerne à educação por meio do ambiente residencial, da alimentação, do equipamento (dispositivo eletrônico) e acesso à internet. Nesse contexto de problemas prévios existentes, os alunos estão tendo uma maior dificuldade de adaptação.

Devido ao cenário de dificuldades enfrentadas pelos alunos, no atual quadro, os professores estão disponibilizando suas aulas em plataformas, softwares e, também, em aplicativos digitais de comunicação para fins educativos, exemplificando: WhatsApp, Telegram, Instagram, YouTube, Google Classroom, Google Meet, entre outros.

Todavia, alguns professores ainda enfrentam desafios relativos ao despreparo quanto à criação das aulas remotas nas mídias e tecnologias digitais. Além da carga dobrada de trabalho durante a pandemia.

2.2.1. Ferramentas digitais no ensino remoto

Como supracitado, o ensino no Brasil tem passado por uma série de desafios em decorrência da COVID-19, por esse viés, as aulas presenciais foram substituídas pelas aulas on-line por todo o território brasileiro. A partir desse contexto, os professores brasileiros foram auxiliados a recorrerem às ferramentas digitais disponíveis, incluindo o uso de softwares, aplicativos, mídias digitais, entre outros. Em alguns casos, os aplicativos para uso de comunicações e interações virtuais têm sido usados como ferramentas pedagógicas, como o WhatsApp, Telegram e Instagram.

Como [9] e [10] utilizam softwares em aulas de Matemática não presenciais, tomamos esses modelos frente ao atual quadro de aulas on-line e usamos algumas ferramentas e aplicativos digitais neste trabalho, como apresenta a Figura 1.


Figura 1
Plataformas digitais para o ensino remoto

Conforme a Figura 1, apresentamos uma breve descrição de como funciona cada ferramenta.

O WhatsApp é um aplicativo gratuito, que viabiliza o uso de várias formas tanto no envio quanto no recebimento de mensagens. Ele, ainda, possibilita o envio e o recebimento de imagens, áudios, vídeos e videochamada, como também permite a criação de grupos com até 256 pessoas e o compartilhamento de documentos, localização, mídias, entre outras funções [11], sendo muito utilizado pelo público adolescente.

O Google Meet é um programa de videoconferência pago, entretanto, durante a pandemia, o Google disponibilizou, temporariamente, seu acesso gratuito para o ensino remoto. O Meet realiza videochamada, compartilhamento de tela, ajuste automático de luz, fornece a troca de mensagens durante a videochamada (chat), que pode ser agendada no Google Agenda. Além disso, ele produz um código criptografado para cada videochamada realizada, sem possibilidade de qualquer pessoa entrar na webconferência sem ser convidado.

O Google Classroom (traduzido para o português, como Google Sala de Aula) é classificado como um software educacional. O Classroom permite a criação de turmas para o compartilhamento de documentos, como também adota a proposta de tarefas e discussões de uma forma simples, nessas proporções, os professores não carecem de tomar muito tempo para compreendê-lo [12]. Da mesma forma, o aplicativo permite o compartilhamento de documentos, mídias (áudio, vídeo, foto) e links. Portanto, o ambiente é de uma sala de aula mesmo, com a possibilidade de o professor criar notas de aviso, atividades, correções, lançamento de notas e obter o feedback dos alunos.

O YouTube é uma plataforma de compartilhamento de vídeos, sendo muito utilizada pelos professores em gravação de videoaulas ou até de conferências on-line (conhecidas, atualmente, como lives). Essa plataforma permite o salvamento de vídeo, como disponibiliza barra de comentários e links como meio de acesso.

3. Estabelecendo o contrato didático na aula de Geometria

A nossa metodologia tem cunho qualitativo, sendo eventualmente um estudo de caso, observado através de uma aula de Geometria. Como o contrato didático se adaptou durante o ensino remoto, dispomos de mais informações no Quadro 2 sobre os dados empíricos.

Quadro 2
Informações sobre a pesquisa

O contrato didático foi estabelecido em aula on-line, por meio do Google Meet, na turma do 2° ano, a partir do conteúdo de Área de figuras planas poligonais. De início, a professora pediu que os alunos procurassem um vídeo curto de, no máximo, cinco minutos no YouTube, que abordasse brevemente as figuras planas poligonais e que, após o vídeo, eles discutiriam, no chat, o entendimento do conteúdo, sem muita delonga, o contrato didático foi estabelecido nesse ponto.

Por conseguinte, a professora deixou, no Google Classroom, um arquivo disponibilizando algumas cláusulas do contrato didático, sendo elas: cada aluno deveria se responsabilizar pela sua procura conteudista no YouTube; os alunos deveriam expor seu entendimento sobre o que foi pesquisado; sempre que possível, os alunos poderiam expor exemplos; as discussões deveriam ser feitas no chat do Google Meet; a participação de todos os alunos era fundamental para a aula; respeitar a posição dos colegas no chat; os alunos deveriam ter cautela na discussão do chat para não haver conflitos entre uns e outros e, por fim, os alunos deveriam expor seu entendimento de modo organizado. A seguir, apresentamos a análise de dados.

4. Análise de dados

Diante dos dados analisados, criamos quatro categorias embasadas na Teoria das Situações Didáticas no que se refere ao contrato didático, as categorias são: i) regras e ruptura – observamos se as cláusulas postas no Google Classroom foram obedecidas; ii) devolução – analisamos quando foi preciso refazer a devolução, iii) contra-devolução – observamos um momento em que os alunos têm dúvidas em um determinado conteúdo e a professora as esclarece, iv) efeitos do contrato didático – obtivemos alguns efeitos do contrato didático no ensino remoto.

4.1. Regras e rupturas do contrato didático no ensino remoto

No geral, o contrato didático é estabelecido devendo ser cumprido com responsabilidade no momento de aceitação. Dessa maneira, o contrato estabelecido, na aula de Geometria, possuía uma regra que consistia na discussão da atividade no chat do Google Meet. Contudo, alguns alunos começaram a discutir em outro meio de comunicação virtual, como vemos no diálogo a seguir.

Aluno 1: 23/06/2020 às 10:11 “Oi gente?! Eu pesquisei no canal Descomplica e anotei algumas coisas. Que a área é calculada a partir de expressões algébricas em um determinado polígono”.

Aluno 2: 23/ 06/ 2020 às 10:18 “Galera vão olhar no grupo do WhatsApp, deixei alguns links legais que achei, pois a maioria extrapola o tempo que a professora deixou. E no meu entendimento cada polígono possui uma fórmula, por exemplo: a área do quadrado é A= l^^2”.

Aluno 3: 23/06/2020 às 10:27 “Eu vi aluno 2, e gostei de um, bem entendível antes da professora acabar com nossa doce ilusão, (risos). Professora e colegas eu entendi que o cálculo de cada figura plana tem uma fórmula e temos que aprender as fórmulas de acordo com as figuras”.

Professora: Pessoal é para usarem somente o Google Meet perante a discussão, tudo fica gravado aqui.

Por meio desses diálogos, percebemos uma ruptura no contrato didático, visto que a professora havia comunicado aos alunos que as discussões só poderiam ser feitas através do Google Meet, cada aluno seria responsável pela sua procura individual, o chat virou um meio de conversa paralela à atividade proposta.

Todavia, [1] informa que, quando há uma ruptura no contrato didático, é possível estabelecer uma negociação. Observamos isso quando a professora permitiu que os alunos também usassem outro meio de comunicação virtual, desde que ela acompanhasse a discussão no grupo criado no WhatsApp[11]. Com isso, a professora garantiu que o objetivo da aula não ficasse comprometido com obstáculos.

4.2. Devolução

A devolução se deu acerca de uma situação didática, em que os alunos discutiam entre si como se calculava um exemplo que o colega expôs no chat do Google Meet, conforme observamos no diálogo a seguir.

Aluno 1: 23/06/2020 às 10: 35 “Gente, acompanhem → se tivermos um paralelogramo e traçamos uma reta no meio ele se transformaria em dois triângulos, correto? Qual fórmula iríamos usar? Triângulo e Paralelogramo?. Oh dúvida cruel! ”

Aluno 2: 23/06/2020 às 10: 39 “Vish, eu acho que usa a fórmula do triângulo, pois, ele era um paralelogramo e se transformou em triângulo”.

Aluno 3: 23/06/2020 às 10: 42 “Aluno 1, usa logo a fórmula do triângulo nisso e acaba a dúvida, bota BxH/2.

Professora: 23/06/2020 às 10:44 “Olá galera, o paralelogramo é um quadrilátero, no livro de vocês explica isso. Pesquisem”.

Percebemos que, a partir desse diálogo, os alunos sentiram dificuldade com a definição e, em seguida, com a resolução do exemplo. No entanto, a professora negou seu ofício e não deu a resposta esperada pelos alunos, ela transferiu a responsabilidade aos alunos para buscarem o conhecimento, tornando, assim, válida a devolução.

4.3. Contra-devolução didática

[13] propõe essa definição ao observar que, quando o aluno não possui um determinado conhecimento para resolver os problemas propostos pelo professor, ele indica uma contra-devolução. Isso posto, neste trabalho, a área do círculo no livro didático da turma é superficialmente abordada, por essa questão, os alunos ficam com dúvidas no que concerne a esse conceito, de acordo com o que mostramos na passagem do diálogo abaixo do chat:

Aluno 1: 23/06/2020 às 11:12 “Professora, vc poderia indicar algum site, ou vídeo no YouTube para que nós pudéssemos pesquisar sobre a diferença entre circunferência e círculo?”

Professora: 23/06/2020 às 11:18 “Claro que eu posso Aluno 1, o canal da Obmep Oficial disponível no YouTube mostra aulas prévias sobre alguns conteúdos e resolução de problemas, e fica a dica para todos da turma!”

Aluno 2: 23/06/2020 às 11:21 “Professora, eu tbm iria perguntar a mesma coisa do aluno 1, agradecida! (emoji)”

No momento da contra-devolução, é preciso que o professor reconheça que os conhecimentos dos alunos são limitados e, com isso, deve modificar a estratégia didática. Em nosso caso, a professora aceitou a contra-devolução e respondeu à dúvida do aluno, diferente do momento da devolução.

4.4. Efeitos do contrato didático

[14] quando propôs os efeitos do contrato didático, estava relacionando-os com os conflitos advindos da ruptura.

Com base nesse contexto, é possível obter seis efeitos: Pigmalião, Tópazio, Jourdain, deslize metacognitivo, uso abuso de analogia e Dienes. Alguns desses efeitos foram observados durante a aula de Geometria no ensino remoto.

No efeito Tópazio, a professora antecipou algumas respostas em relação às perguntas dos alunos. Esse momento ocorreu quando um aluno perguntou, no chat, se usava a mesma definição de perímetro (soma dos lados) para calcular o perímetro da circunferência. A professora pôs, no chat, que o perímetro da circunferência era calculado pelo comprimento, pois, em uma circunferência, não existem lados para aplicar somatório.

No efeito Jourdain, é visto o oposto do Tópazio, sendo caracterizado pela desvalorização das respostas com valor científico. Por essa definição, a professora aceitou uma resposta superficial sobre um determinado conceito. No chat, estava acontecendo uma discussão em que o aluno disse que a única coisa que importava, para calcular a área de um círculo, era o raio e nada mais. Quando a professora aceitou essa resposta, ela omitiu a explicação por parte do aluno que, no cálculo da área do círculo, não existe um valor para medir a base ou a altura, por isso, o raio é o único meio de calcular a área do círculo.

No efeito metacognitivo, o professor mostra certa dificuldade em organizar didaticamente a situação pelas dificuldades apresentadas pelos alunos e, portanto, o professor deixa de lado o saber científico e pondera o saber cotidiano. Observamos que esse efeito aconteceu quando um aluno expôs uma solução diante de uma questão que resultaria em metro quadrado e o aluno deixou em metro apenas. A professora corrigiu a resolução e explicou, à base de um exemplo, como os pedreiros calculam determinado valor que resulta em metro quadrado. Por essa perspectiva, o aluno não compreende a mudança de uma definição científica para o senso comum, induzindo o aluno a ter uma confusão mental entre saber científico e saber do cotidiano.

Conclusão

Neste trabalho, percebemos que o contrato didático pode ser estabelecido mesmo sem o espaço físico da sala de aula, incomum na relação didática. Entretanto, notamos que o contrato didático surge como um meio para analisar o desenvolvimento e a evolução do sistema didático em um ambiente virtual, em nosso caso, ocorreu no Google Meet.

No Google Meet, é possível ter tudo gravado e transferido para uma pasta no drive no Google Classroom, assim, todas as interações são gravadas e as responsabilidades entre professor e aluno são compartilhadas. Dessa forma, o contrato didático se deu, a princípio, com a aceitação do problema por parte dos alunos e a autonomia em resolver o problema.

Outro ponto que merece destaque é o feedback que as plataformas virtuais permitem para a interação entre professor e aluno durante o ensino remoto. O ambiente informatizado é um meio favorável para se pensar na urgência de transformação e de adaptação do contrato didático concomitante a ambientes digitais.

Analisamos, também, neste trabalho, como se estrutura o rompimento do contrato e as negociações entre o novo contrato didático estabelecido, uma contra-devolução didática e os efeitos do contrato didático. Um acontecimento interessante se deu no momento da devolução didática em que a professora transfere a responsabilidade dela para o aluno se tornar autônomo na construção do conhecimento, bem como os efeitos do contrato didático.

Sabemos que, no ensino on-line, existem obstáculos naturais, assim como no ensino tradicional, porém, com a inserção da tecnologia, algumas barreiras podem ser sanadas no sistema didático.

Por fim, nosso trabalho aponta um teor de adaptação e modificação do contrato didático diante de um cenário virtual e oferece, aos leitores e pesquisadores interessados em pesquisas futuras, uma discussão sobre o contrato didático no ensino não presencial.

Agradecimentos

Agradecemos ao apoio e suporte financeiro concedido no Brasil pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para o desenvolvimento das pesquisas no Brasil.

Referências

[1] G. Brousseau, “Ingéniere didaticque. D’um problème à l’etude à priori d’une situation didactique,” in Deuxième école d’eté de didactique des mathématiques. Paris: Olivet, 1982.

[2] G. Brousseau, “Os diferentes papéis do profesor,” in Didática da Matemática: reflexões psicopedagógicas. C. Parra and I. Saiz, Eds., Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

[3] F. R. V. Alves, “Didactique Professionnelle (DP) et la Théorie des Situations Didactiques (TSD): Les case de la notion d’obstacle et l’activité de professeur,” Em teia, vol. 9, no. 3, pp. 1-26, 2018.

[4] F. R. V. Alves, “Didática da Matemática: seus pressupostos de ordem epistemológica, metodológica e cognitiva,” Interfaces da Educação, vol. 7, no. 21, pp. 131- 150, 2016.

[5] F. E. L. Almeida and A. P. A. B. Lima, “Os efeitos do contrato didático na sala de aula de Matemática,” in XIII Conferência Interamericana de Educação Matemática, Recife, Pe. pp. 1-10, 2011.

[6] G. Brousseau, “Fondements et méthodes de la didactique des mathématiques,” Recherche en Didactique des Mathématiques, vol. 7, no. 2, pp. 33-115, 1986.

[7] F. Cruz, F. Souza, P. J. S. Santos and S. M. C. Cruz, “Reflexões sobre o ensino a distância à luz da noção de contrato didático,” Revista Linhas, vol. 15, no. 28, pp. 345- 369, 2014.

[8] L. Davies and D. Bentrovato, “Understanding education's role in fragility; synthesis of four situational analyses of education and fragility: afghanistan, bosnia and herzegovina, cambodia, liberia. International institute for educational planning,” UNESCO, 2011.

[9] R. Scorzo, A. Favieri and B. Williner, “Desarrollo de un espacio de enseñanza aprendizaje para realizar actividades con uso de software en una cátedra numerosa,” Revista Iberoamericana de Tecnología em Educación em Tecnología, no. 21, pp. 77-83, 2018.

[10] C. Allan, S. Parra and A. Martins, “Objetos de Aprendizaje para la Interpretation Geométrica de Métodos Numéricos: Uso de GeoGebra,” Revista Iberoamericana de Tecnología em Educación em Tecnología, no. 20, pp. 51-56, 2017.

[11] E. R. Martins and L. M. B. Gouveia, “O uso do WhatsApp como ferramenta de apoio a aprendizagem no Ensino Médio,” Renote, vol. 16, no. 2, pp. 51-60, 2018.

[12] H. M. C. Araújo, “O uso das ferramentas do aplicativo “Google sala de aula” no ensino de Matemática,” Dissertação (PROFMAT - Profissional) - Universidade Federal de Goiás- UFG. Unidade Acadêmica Especial de Matemática e Tecnologias Catalão, 2016 [online]. Avaiable: http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UFG_9813344f2def2161dad5ef45d71de800.

[13] P. Jonaert, “Devolução versus contra-devolução! Uma tendência incontrolável para o Contrato Didático,” in Au-delà de didactiques, de didactique, lê debat autour de concepts fédérateurs. C. Raisky and M. Caillot, Orgs., De Boeck Université, 1996, pp. 115-144.

[14] G. Brousseau, “Les échecs électifs en mathématiques,” Revue de Laryngologie otologie rhinologie, vol. 101, no. 4, pp. 107-131, 1980.

Autor notes

Georgyana Gomes Cidrão

Licenciada em Matemática (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE), Mestra em Ensino de Matemática (Programa de pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática – PPGECM).

Italândia Ferreira de Azevedo

Licenciada em Matemática (universidade Vale do Acaraú), Mestra em Ensino de Matemática (Programa de pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática – PPGECM), professora de Matemática da Secretaria de Educação do Estado do Ceará.

Francisco Régis Vieira Alves

Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq - PQ2, Doutor em Educação com ênfase no Ensino de Matemática, Professor titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE, departamento de Matemática, Docente permanente do Mestrado Acadêmico em Ensino de Ciências e Matemática – PPGECM/IFCE, Docente permanente do Mestrado Profissional em Educação Profissional Tecnológica – PROFEPT/IFCE, Docente permanente do Doutorado em REDE – RENOEN – Rede Nordeste de Ensino.

Informação adicional

Cita sugerida: G. Gomes Cidrão, I. Ferreira de Azevedo and F. Régis Vieira Alves, “O contrato didático no ensino remoto: uma aplicação na aula de Geometria,” Revista Iberoamericana de Tecnología en Educación y Educación en Tecnología, no. 28, pp. 251-257, 2021, doi: 10.24215/18509959.28.e31

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