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Chega de Fiu Fiu”: análise dos sentidos do feminismo na campanha da think Olga
Intersecciones en Comunicación, vol.. 1, núm. 9, 2014
Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires

Artículos

Intersecciones en Comunicación
Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires, Argentina
ISSN: 1515-2332
ISSN-e: 2250-4184
Periodicidade: Anual
vol. 1, núm. 9, 2014

Recepção: 04 Setembro 2015

Aprovação: 29 Setembro 2015


Este trabalho está sob uma Licença Internacional Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Compartilhamento Pela Mesma Licença.

Resumo: Este trabalho se propõe analisar de que forma a campanha “Chega de Fiu Fiu”, da organização Think Olga, constrói e veicula sentidos do feminismo. Atuando sobre o problema do assédio sexual em espaços públicos, a campanha visa transformações sociais, contestando a visão objetificadora da mulher e a naturalização do assédio no Brasil. São feitas considerações acerca do movimento feminista e da internet como forma de mobilização social. A metodologia aplicada sobre as ilustrações da campanha são preceitos da análise do discurso de origem francesa, através de aspectos da polifonia e ironia, presentes na heterogeneidade do discurso. Esses mecanismos discursivos permitem identificar várias vozes com diferentes opiniões sobre o assédio, observando-se os embates gerados entre elas.

Palavras-chave: campanha, feminismo, internet, polifonia, ironia.

Abstract: This paper analyzes how the campaign “Chega de Fiu Fiu”, created by Think Olga organization, constructs and conveys senses of feminism. Acting on the problem of sexual harassment in public spaces, the campaign aims at social changes, contesting the objectifying view of women and the naturalization of harassment in Brazil. Considerations about the feminism movement and internet as a means of social mobilization are made. The methodology applied upon the illustrations of the campaign are precepts of the Speech Analysis of Frech origin, through aspects of polyphony and irony present in the heterogeneity of speech. These discursive mechanisms identify several voices with different opinions about harassment, observing the conflicts generated among them.

Keywords: campaign, feminism, internet, polyphony, irony.

INTRODUÇÃO

Ao realizar a análise dos sentidos do feminismo construídos e veiculados na campanha “Chega de Fiu Fiu”, este artigo traz considerações sobre temas que emergem deste objeto de estudo.

Assim, primeiramente, realiza-se uma apresentação da campanha e da organização responsável por ela além da questão do assédio no Brasil e a expansão do debate sobre o assunto.

Em um segundo momento, observa-se a utilização que o movimento feminista faz da internet como ferramenta contemporânea capaz de mobilizar pessoas e como espaço de comunicação, interação e ação social.

Por fim, como principal objetivo, aplica-se a metodologia de análise sobre as ilustrações da campanha, buscando olhar, em cada uma delas, a forma como o discurso se tece polifonia e ironicamente, revelando certos sentidos do feminismo que ali se encontram.

A THINK OLGA E A CAMPANHA “CHEGA DE FIU FIU” CONTRA O ASSÉDIO SEXUAL

A campanha “Chega de Fiu Fiu” (figura 1)1, veiculada desde julho de 2013, possui como objetivo principal combater o assédio sexual em locais públicos. Já em seu nome ela faz referência, através da expressão

“Fiu Fiu”, às “cantadas”, assovios ou comentários obscenos destinados às mulheres2, sendo essas as formas mais rotineiras do assédio nas ruas.

Consciente da necessidade de combater o assédio à mulher, a jornalista Juliana de Faria colocou em prática

a campanha. Eleita uma das 8 mulheres inspiradoras do mundo pela Clinton Foundation e pela Revista Cosmopolitan US; também foi considerada uma das 24 pessoas mais influentes da internet brasileira em 2014 pelo Youpix, de acordo com o site Think Eva3, também criação sua e, atualmente, concorre ao Prêmio Cláudia na categoria Trabalho Social. Além dela, existem outras mulheres que contribuem com a campanha e projetos desenvolvidos pela organização Think Olga.

Segundo texto disponibilizado na apresentação do site4, “Olga é um think tank dedicado a elevar o nível da discussão sobre feminilidade nos dias de hoje” [grifo do autor]5. Sendo assim, é necessário explicar que as think tanks se caracterizam como organizações ou instituições que produzem e difundem conhecimento sobre assuntos socialmente relevantes, objetivando transformações sociais, políticas, econômicas ou científicas. Assim, a

Olga (figura 2)6 funciona como uma organização, como um coletivo que traz a discussão de temas sociais e culturais relevantes para as mulheres atuando em nível nacional.


Figura 1
Marca da Campanha “Chega de Fiu Fiu” da Think Olga.


Figura 2
Marca da organização Think Olga.

Destaca-se aqui a diferença da campanha “Chega de Fiu Fiu” de outras campanhas publicitárias realizadas no Brasil, especialmente de bebidas alcoólicas que, em sua grande parte, estimulam a objetificação e a sensualização da mulher, contribuindo para a manutenção de ideais machistas e a eufemização do assédio como algo banal, como brincadeira ou elogio. A “Chega de Fiu Fiu”, ao contrário, age em prol dos direitos femininos, especialmente o de andar nos espaços públicos sem se sentir incomodada ou amedrontada.

A seguinte descrição contribui para compreender o objetivo central da campanha: “Quando transformamos em coisa rotineira o fato da mulher não ter espaços privados - nem mesmo serem donas do seu próprio corpo -, incentivamos a violência. E isso NÃO é normal. Vamos reforçar nossa luta contra o assédio, afinal, temos o direito [de] andar na rua sem medo de sermos intimidadas. Para isso, manteremos o debate sobre assédio sexual vivo e frequente” 7.

As ações desenvolvidas pela Olga são bastante amplas, envolvendo projetos de diversas naturezas como workshops, encontros, exposições, ações colaborativas, publicações etc. Segundo site Eva, de maneira geral, as ações da organização focam-se em 3 eixos: “Análise aprofundada da mulher brasileira (em especial, dos entraves ao empoderamento e das origens das diferenças de gênero); Instrução, educação e reportagem sobre o que é necessário para superar essas diferenças; Resposta rápida e constante, frequentemente colaborativa, a alguns desses problemas, a fim de trabalhar em termos práticos rumo a soluções” 8.

Além disso, a campanha envolve a produção de diversos materiais, como um longa-metragem; cartilha sobre o assédio criada em parceria com a Defensoria Pública de São Paulo; ferramenta colaborativa Mapa do Fiu Fiu; cordel sobre o assédio sexual; e-book “Meu corpo não é seu”; ilustrações produzidas em parceria com artistas, entre outras.

Destaca-se aqui a ferramenta colaborativa “Mapa do Fiu Fiu” (figura 3)9. Essa ferramenta foi desenvolvida com o intuito de mapear os pontos mais críticos de violência contra mulheres no Brasil e permitir um espaço de denúncia através da internet. As próprias mulheres podem marcar os locais em que foram assediadas ou que presenciaram um assédio, qual o tipo de assédio ocorreu, etc. Assim, cada denúncia representa um ponto no mapa e, junto à outros, mostra quais os locais mais perigosos para as mulheres.

Outro elemento interessante da Think Olga é a utilização e valorização da arte, encontrando-se uma enorme quantidade de imagens, desenhos e ilustrações nas diversas mídias adotadas pela organização. Percebe-se, assim, que a Olga incentiva de forma muito intensa a produção artística das mulheres, sendo importante criar e expressar-se, independente das capacidades individuais.

As ações descritas comprovam a importância dessa organização no combate à violência com a mulher, não apenas nos espaços públicos mas também a violência conjugal, doméstica, no trabalho etc. Apesar dessas e muitas outras ações que vem sendo constantemente realizadas pelo movimento feminista no país, o Brasil situa-se no 53º lugar no índice mundial de igualdade entre gêneros e, quando comparado com outros países da América Latina, o Brasil está em 6º lugar de acordo com dados do Relatório das Nações Unidas (Petersen in Strey, 1997: 24).

Venturi e Recamán (in Venturi et al., 2004: 26) nos dizem que, a cada 15 segundos uma brasileira é impedida de sair de casa, também a cada 15 segundos outra é forçada a ter relações sexuais contra a sua vontade, a cada 9 segundos outra é ofendida em sua conduta sexual ou por seu desempenho no trabalho doméstico ou remunerado.

Na tentativa de reverter esses dados, Venturi e Recamán (in Venturi et al., 2004: 27), sugerem seis propostas de combate à violência contra a mulher: Criação de abrigos para as mulheres agredidas e seus filhos; criação de delegacias especializadas no atendimento dessas vítimas; serviços de atendimento psicológico; serviço telefônico gratuito; serviços de orientação jurídica e campanhas de TV e rádio. Observa-se que a única proposta de ação preventiva são as campanhas, o que demonstra a grande importância da “Chega de Fiu Fiu” no combate à violência.

Na interessante perspectiva de Chacham e Maia (in Venturi et al., 2004: 81), a ambivalência da brasileira contemporânea diante das cantadas parece ter sua explicação no conflito entre querer ser desejada, e assim cumprir seu papel de gênero, e o medo de ser violada, um risco permanente em virtude do mito da potência e do poder do homem brasileiro.

Como afirma R. Christin (apud Bourdieu, 2012: 30),

Do mesmo modo, o assédio sexual nem sempre tem por fim exclusivamente a posse sexual que ele parece perseguir: o que acontece é que ele visa, com a posse, a nada mais que a simples formação da dominação em estado puro.

Ou ainda, segundo Bourdieu,

A dominação masculina, que constitui as mulheres como objetos simbólicos, cujo ser (esse) é um ser percebido (percipi), tem por efeito colocá-las em permanente estado de insegurança corporal, ou melhor, de dependência simbólica: elas existem primeiro pelo, e para, o olhar dos outros, ou seja, enquanto objetos receptivos, atraentes, disponíveis. [...] Em consequência, a dependência em relação aos outros (e não só aos homens) tende a se tornar constitutiva de seu ser (Bourdieu, 2012: 82).

Pelo exposto, a campanha “Chega de Fiu Fiu”, diferente de outras campanhas publicitárias brasileiras, busca trazer à tona a questão da violência contra a mulher, especificamente o assédio, muitas vezes tratado como algo natural e cultural. Assim, através de suas ações, busca mobilizar, conscientizar e empoderar as mulheres.


Figura 3
Página principal do “Mapa do Fiu Fiu”, ferramenta colaborativa que faz parte da campanha.

MULHERES UNIDAS ATRAVÉS DA REDE

Para pensar o movimento feminista, a autora Vera Soares (in Venturi et al., 2004: 161-182) contribui para a introdução ao assunto. Segundo ela, o feminismo funciona como a ação política das mulheres e propõe que elas mesmas sejam sujeitos ativos da transformação que desejam para si, lutando, especialmente, pela transformação das relações entre os gêneros. Além disso, considera que o feminismo compreende a mulher como sistematicamente oprimida, por outro lado, não deixa de acreditar na possibilidade política de sua transformação (Soares in Venturi et al., 2004: 170).

Uma característica importante do movimento feminista que deve ser observada é o fato de constantemente agregar em suas lutas dimensões de raça, classe social, etc e questionar o papel da mulher em diferentes âmbitos como a família, trabalho e sociedade. Segundo Fritjof Capra (apud Prá in Strey, 1997: 46), o feminismo é considerado um dos movimentos mais expressivos do século 20, juntamente com o movimento ecológico, capazes de alterar comportamentos, valores e normas de convivência. Este é justamente o intuito da “Chega de Fiu Fiu”.

Com características de uma campanha social e feminista, ela quer conscientizar que o assédio sexual é uma forma de violência contra a mulher que deve ser firmemente combatida. É neste momento que se percebe a importância da internet e das redes sociais como vetores para ampliação das discussões do movimento feminista e da busca de mudanças reais no cotidiano da mulher.

Quando a pesquisa em questão começou a ser realizada, em meados de abril de 2015, identificaram-se características que classificavam a mídia principal utilizada pela Think Olga como blog, porém, foram realizadas certas alterações no layout e recursos disponíveis foram adicionados, passando a adquirir características mais comuns em sites. Independente da classificação, o que se deve ter em mente é a importância desses espaços digitais como ferramentas de comunicação alternativa, de mobilização e empoderamento social.

Muitos criticam o fato da grande mídia ainda possuir o controle hegemônico sobre a comunicação, entretanto, a internet surge como possibilidade de descentralização do poder midiático, como um novo espaço para pessoas que desejam produzir e transmitir sua própria informação através do acesso mais rápido, específico e sem custo. Sendo assim, “Enquanto o receptor da era massivo-midiática tem por característica a passividade, o receptor das mídias digitais é potencialmente interativo, modificando sua denominação para interlocutor ou interagente (...) – como prefere Primo” (Martins, 2009: 5).

Como no caso aqui estudado, o site Olga é utilizado como espaço digital para discutir e dar visibilidade para as pautas feministas, trazendo à tona temas que muitas vezes são encobertos ou esquecidos. Além disso, a utilização do site e das redes sociais potencializa a divulgação da campanha, fazendo chegar aos mais diversos locais do Brasil e recebendo a colaboração de inúmeras pessoas, seja através de depoimentos, comentários, produções artísticas variadas, etc.

Como se vê, a internet amplia, claramente, as possibilidades de interação entre as pessoas e faz com que as mais diversas ações, campanhas e projetos colaborativos adquiram, através do meio online, uma potência nunca imaginada.

Como apontado por Lévy (1999: 126), a cibercultura tornou-se [...] prática de comunicação interativa, recíproca, comunitária e intercomunitária, o ciberespaço como horizonte de mundo virtual vivo, heterogêneo e intotalitável no qual cada ser humano pode participar e contribuir.

AS VOZES DE OLGA: ASPECTOS DA POLIFONIA E IRONIA EM ILUSTRAÇÕES

Parte-se agora para a etapa de análise das peças gráficas, especificamente ilustrações, que fazem parte da campanha “Chega de Fiu Fiu”. Sobre essas peças, disponíveis no site Olga, são aplicados preceitos da análise do discurso de origem francesa, através de aspectos da polifonia e ironia presentes na heterogeneidade do discurso.

Destaca-se que a análise do discurso nasceu da necessidade de superar as teorias sobre língua/linguagem que se preocupavam especialmente com a frase, considerada sua unidade, e que não dava conta do texto em toda sua complexidade, a análise do discurso volta-se para o “exterior” linguístico, procurando apreender como no linguístico inscrevem-se as condições sócio-históricas de produção (Brandão, 2004:103).

Observa-se também que há certa dificuldade para se estabelecer um objeto de estudo bem definido para a análise do discurso causada, especialmente, pela interdisciplinaridade e complexidade da disciplina. “Vale dizer que, fazendo variar este ou aquele parâmetro, pode-se construir uma infinidade de objetos de análise. Na realidade, seria melhor questionar o que poderia não ser “discurso” [...]” (Maingueneau, 1997:16).

Por essa razão, preceitos da metodologia de análise do discurso podem ser utilizados para análise das ilustrações, na medida em que estas também podem ser consideradas discursos.

Dessa forma, entre o total de 20 ilustrações sobre a campanha, somente quatro foram escolhidas

para análise neste trabalho. Elas foram desenvolvidas por Gabriela Shigihara e são consideradas as imagens oficiais da campanha (figuras 4,5 6 e 7)10.

T endo em mente a amplitude e complexidade dessa metodologia, optou-se por analisar as peças a partir de estudos sobre a heterogeneidade discursiva, onde estão inseridas

as questões sobre polifonia e ironia.

A heterogeneidade presente nos discursos pode ser dividida em dois planos: heterogeneidade mo s tra d a (e x te rna ) e heterogeneidade constitutiva (interna) (Maingueneau, 1997: 75). Apesar das separações aqui feitas, deve-se ter claro que há uma relação de estreita dependência entre elas. Assim, a heterogeneidade mostrada no discurso está intrinsecamente relacionada à heterogeneidade constitutiva do discurso.

[...] a primeira incide sobre as manifestações explícitas, recuperáveis a partir de uma diversidade de fontes de enunciação, enquanto a segunda aborda uma heterogeneidade que nã o é ma rca da e m superfície, mas que a AD pode definir, formulando hipóteses, através do interdiscurso, a propósito da constituição de uma formação discursiva (Maingueneau, 1997: 75).

A heterogeneidade mostrada, que mais nos interessa nesta pesquisa, simplificadamente, envolve um conjunto de mecanismos como o uso de aspas, negação, imitação, discurso relatado, parafrasagem e vários outros, entre eles, a ironia e a polifonia. Apesar de dar destaque para os dois últimos, observa-se claramente a presença de outros mecanismos citados acima como, por exemplo, o uso de aspas nas figuras 5, 6 e 7.

De acordo com Barros (in Barros; Fiorin, 2003: 5), “Emprega-se o termo polifonia para caracterizar um certo tipo de texto, aquele em que se deixam entrever muitas vozes, por oposição aos textos monofônicos, que escondem os diálogos que os constituem.

No primeiro caso, o dos textos polifônicos, as vozes se mostram; no segundo, o dos monofônicos, elas se ocultam sob a aparência de uma única voz. Monofonia e polifonia de um discurso são, dessa forma, efeitos de sentido decorrentes de procedimentos discursivos que se utilizam em textos, por definição, dialógico (Barros in Barros; Fiorin, 2003: 6).

Assim, identifica-se em todas as ilustrações (figuras 4, 5, 6 e

7) uma pluralidade de vozes que adquirem diferentes pontos de vista sobre o assédio. Estando, entre elas, a voz de quem solicitou a produção da peça, no caso a organização Think Olga; a voz daquele que produziu a peça em si; a voz da mulher que se pretende representar; a voz do movimento feminista; a voz do homem que assedia.

Essa pluralidade de vozes também fica evidente pelo uso de aspas, já mencionado anteriormente, que permite marcar nas figuras o discurso de um e de outro.

As aspas geralmente representam a fala do assediador como nos casos “ô gostosa”, na figura 7, e “Tem mulher que gosta”, na figura

5. As aspas também foram utilizadas para representar o discurso falso “Uau! Ele assobiou pra mim, agora eu vou dar mole!”, visível na figura 6.

Identificam-se, ainda, nas figuras 6 e 7, diferentes entonações nessas vozes, ora representadas por letras cursivas com variação entre maiúsculas e minúsculas; ora totalmente em maiúsculas e em tamanho superior ao resto. Sendo assim, a letra cursiva dá ideia de presença, de alguém que escreve à mão e assume o que diz, como essa voz fosse a que realmente precisa ser levada em conta nas ilustrações. Já as letras em estilo bastão dão ideia de algo que grita e se destaca do resto.

Além disso, recursos textuais como exclamações, interrogações e sublinhados são utilizados nas figuras 4, 6 e 7, reforçando o que está sendo dito e a forma como está sendo dito.

A voz do assediador também aparece de forma diferente na ilustração 4, composta por ícones como bombas e caveiras dentro do balão de fala, representa um discurso pejorativo e obsceno, em que identifica-se a palavra “gostosa”. Esse discurso ainda foi encoberto por um enorme X na cor vermelha, sinal de desaprovação do que está sendo dito.

Apesar das ilustrações serem basicamente compostas por cores suaves e delicadas, elas remetem, através da cor preta, à força do movimento feminista e da mulher que luta por direitos, seguindo um caminho estético contrário de outros elementos visuais da campanha.

Voltando a atenção para o conceito de ironia, observa-se que ele também é pensado a partir da perspectiva polifônica.

A ironia constitui-se como um mecanismo discursivo muito complexo que gera ambiguidade, não apresentando, às vezes, marcas que permitam a sua identificação, “é um fenômeno sutil, passível de análises divergentes e cuja extensão é difícil circunscrever” (Maingueneau, 1997: 99). Entretanto, no caso das ilustrações aqui analisadas, a ironia é um mecanismo discursivo facilmente identificado através de marcas visuais e textuais aparentes.

Na ironia “o “locutor” coloca em cena um “enunciador” que adota uma posição absurda e cuja alocução não pode assumir: esse distanciamento é marcado por diferentes índices: linguísticos, gestuais, situacionais” (Maingueneau, 1997: 98).

A figura 6 é um exemplo de ironia refletindo uma posição absurda. Nela, o discurso “Uau! Ele assobiou pra mim, agora eu vou dar mole!”, já citado anteriormente, é seguido pelas palavras “disse, NINGUÉM”, deixando bem claro, então, que nenhuma mulher se interessa por esse tipo de abordagem masculina. Sendo assim, apesar de ser utilizada, essa fala não é realmente assumida.

A ironia volta-se contra a própria enunciação trazendo uma ideia oposta ao que se quer dizer. “O enunciado irônico é interpretado, então, como uma pluralidade de vozes orientadas no eixo da contrariedade e/ou da contradição” (Castro in Brait, 2005: 120).

É através do mecanismo de ironia que o discurso do assediador é tratado de forma debochada nas figuras 5, 6 e 7, mostrando que, para o público feminino é óbvio que o assédio não é elogio nem forma adequada de conquistar uma mulher. A fala é, então, completamente oposta ao que verdadeiramente se quer dizer.

Sendo assim, a ironia funciona como uma dupla leitura, implícita e sem contornos bem definidos ou aparentes. É uma forma complexa de mostrar a presença do outro.


Figura 4
Ilustração oficial da campanha “Chega de Fiu Fiu”.


Figura 5
Ilustração oficial da campanha “Chega de Fiu Fiu”.


Figura 6.
. Ilustração oficial da campanha “Chega de Fiu Fiu”


Figura 7
Ilustração oficial da campanha “Chega de Fiu Fiu”.

CONCLUSÃO

Através de mecanismos discursivos como a polifonia e a ironia, além de outros elementos textuais e visuais, percebem-se alguns sentidos do feminismo presentes nas ilustrações da campanha. Esses sentidos, em sua maior parte, refletem um movimento contestador, insatisfeito com a realidade social e que se utilizada de forma debochada do discurso do outro com o intuito de deslegitima-lo. Ainda transmitem a ideia de força do movimento feminista que, apesar de mostrar uma posição bem definida, não é agressivo, o que se pode perceber pela escolha de ilustrações ao invés de fotos reais, por exemplo.

Dessa maneira, os sentidos do feminismo presentes na campanha são construídos e veiculados polifônica e ironicamente, onde se podem identificar várias vozes que apresentam diferentes opiniões sobre o assédio, gerando embates entre elas.

Por fim, ressalta-se que esses conceitos foram fundamentais para a análise das imagens, trabalhando com a questão da presença do outro no discurso e permitindo a realização dos objetivos traçados. Também a análise do discurso, de forma geral, contribuiu para analisar os sentidos ali colocados, além dos aspectos sociais e culturais que essas questões envolvem.

Referências

Barros, D. 2003. Dialogismo, Polifonia e Enunciação. In: Barros, Diana; Fiorin, José Luiz (orgs.). Dialogismo, Polifonia e Intertextualidade: Em torno de Bakhtin. 2. ed. 1. reimpr. São Paulo, SP: Editora da Universidade de São Paulo, 2003.

Bourdieu, P. 2012. A dominação masculina. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

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Brandão, H. 2004. Introdução à análise do discurso. 2. ed. rev. Campinas, SP: Editora da UNICAMP.

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Castro, M. L. 2005. A Dialogia E os Efeitos de Sentido Irônicos. In: Brait, Beth. Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. 2 ed. rev. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, , p. 119 – 128.

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Chacham, A. y M. Maia 2004. Corpo e sexualidade da mulher brasileira. In: Venturi, Gustavo; Recamán, Marisol; Oliveira, Suely (org.). A mulher brasileira nos espaços público e privado. 1. ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, p. 75-86.

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Lévy, P. 1999. Cibercultura. São Paulo: Editora 34.

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Maingueneau, D. 1997. Novas tendências em análise do discurso. 3. ed. Campinas, SP: Pontes.

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Martins, A. 2009. Blogs, Blogueiros, Blogosfera. Uma Caracterização dos Blogs e dos seus Interagentes. In: XI Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Intercom Junior, Teresina.

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Petersen, Á. 1997. Homens e mulheres: enfim, as desigualdades estão acabando?. In: Strey, Marlene (org.). Mulher, estudos de gênero. São Leopoldo: Editora da UNISINOS, p. 19-28.

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Prá, J. 1997. O feminismo como teoria e como prática política. In: Strey, Marlene (org.). Mulher, estudos de gênero. São Leopoldo: Editora da UNISINOS, p. 39-57.

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Soares, V. 2004. O feminismo e o machismo na percepção das mulheres brasileiras. In: Venturi, Gustavo; Recamán, Marisol; Oliveira, Suely (org.). A mulher brasileira nos espaços público e privado. 1 ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, p. 161-182.

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Venturi, G. y M. Recamán 2004. As mulheres brasileiras no início do século XX. In: Venturi, Gustavo; Recamán, Marisol; Oliveira, Suely (org.). A mulher brasileira nos espaços público e privado. 1 ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, p. 15-30.

Notas

1 Imagem disponível ao final do link http://thinkolga.com. Acesso em: 02 set. 2015.
2 Descrição que pode encontrada no link http://thinkolga.com/chega-de-fiu- fiu. Acesso: 02 de setembro de 2016.
4 Observa-se que o site da Think Olga passou por reformulações no mês de julho de 2015, por isso, alguns links não estão mais disponíveis ou seu conteúdo foi levemente alterado.
5 Disponível em http://thinkolga.com/about-2. Acesso em: 24 jun. 2015
6 Imagem disponível em http://thinkolga.com. Acesso em: 02 set. 2015.
7 Disponível em: http://thinkolga.com/chega-de-fiu-fiu. Acesso em: 17 maio 2015.
8 Disponível em: http://www.thinkeva.com.br/#!/ci3k. Acesso em: 24 jun, 2015.
9 Disponível em: http://thinkolga.com/mapa. Acesso: 02 set. 2015
10 Imagens disponíveis em: http://thinkolga.com/chega-de-fiu-fiu/artes. Acesso em: 02 set. 2015.
3 Disponível em: http://www.thinkeva.com.br/#!/c1se. Acesso em: 24 jun. 2015.Observa-se que o site da Think Olga passou por reformulações no mês de julho de 2015, por isso, alguns links não estão mais disponíveis ou seu conteúdo foi levemente alterado.


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