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CARACTERIZAÇÃO E FORMA DE ACESSO À TERRA DE NOVOS(AS) AGRICULTORES(AS) FAMILIARES EM SEIS MUNICÍPIOS DO NOROESTE PAULISTA (SP-BRASIL)
CHARACTERIZATION AND FORM OF ACCESS TO LAND FOR NEW FAMILY FARMERS IN SIX MUNICIPALITIES IN THE NORTHWEST OF SÃO PAULO (SP-BRAZIL)
CARACTERIZACIÓN Y FORMA DE ACCESO A LA TIERRA PARA NUEVOS(AS) AGRICULTORES(AS) FAMILIARES EN SEIS MUNICIPIOS DEL NOROESTE DE SÃO PAULO (SP-BRASIL)
Estudios Rurales. Publicación del Centro de Estudios de la Argentina Rural, vol.. 11, núm. 22, 2021
Universidad Nacional de Quilmes

Artículos

Estudios Rurales. Publicación del Centro de Estudios de la Argentina Rural
Universidad Nacional de Quilmes, Argentina
ISSN: 2250-4001
Periodicidade: Semestral
vol. 11, núm. 22, 2021

Recepção: 13 Abril 2020

Aprovação: 04 Outubro 2020

Resumo: Este trabalho objetivou caracterizar os novos(as)[1] agricultores(as) familiares que assumiram a direção autônoma das propriedades, comparando-os com o conjunto da agricultura familiar da região, e identificar os processos de obtenção da terra, em seis municípios do noroeste paulista (SP-Brasil). Os dados foram obtidos por meio da aplicação de um questionário a 45 agricultores(as) com até 12 anos de gestão do estabelecimento rural, a partir de indicações de informantes chaves e dos pesquisados. Os(as) agricultores(as) pesquisados(as) apresentam muitas semelhanças, em termos socioprodutivos, com a agricultura familiar em geral da região. Quase a metade (48,86%) comprou a propriedade, por meio de política pública (Programa Nacional de Crédito Fundiário-PNCF) ou mercado de terras, enquanto a herança, de forma exclusiva, representou apenas 26,67% dos casos.

Palavras-chave: Conquista da terra, Aquisição de terra, Políticas públicas, Sucessão hereditária, Agricultura familiar.

Abstract: This work aimed to characterize the new[2] family farmers who took over the autonomous management of the properties, comparing them with the family farming group in the region, and to identify the land acquisition process in six municipalities in the northwest of São Paulo (SP-Brasil). The data were obtained through the application of a questionnaire to 45 farmers with up to 12 years of management of the rural establishment, from indications of key informants and those surveyed. The surveyed farmers have many similarities, in socio-productive terms, with family farming in general in the region. Almost half (48.86%) bought the property, through public policy (Programa Nacional de Crédito Fundiário-PNCF) or land market, while inheritance, exclusively, represented only 26.67% of the cases.

Keywords: Conquest of the land, Land acquisition, Public policies, Hereditary succession, Family farming.

Resumen: Este trabajo tuvo como objetivo caracterizar a los(las) nuevos(as) agricultores(as) familiares que asumieron la gestión autónoma de las propiedades, comparándolos con el grupo de agricultura familiar en la región, e identificar los procesos de obtención de tierras en seis municipios del noroeste de São Paulo (SP-Brasil). Los datos se obtuvieron mediante la aplicación de un cuestionario a 45 agricultores(as) con hasta 12 años de gestión del establecimiento rural, a partir de indicaciones de informantes clave y encuestados. Los(las) agricultores(as) encuestados tienen muchas similitudes, en términos socio-productivos, con la agricultura familiar en general en la región. Casi la mitad (48,86%) compró la propiedad, a través de la política pública (Programa Nacional de Crédito Fundiário - PNCF) o mercado de tierras, mientras que la herencia, exclusivamente, representó solo el 26,67% de los casos.

Palabras clave: Conquista de la tierra, Adquisición de tierras, Políticas públicas, Sucesión hereditaria, Agricultura familiar, Conquista de la tierra, Adquisición de tierras, Políticas públicas, Sucesión hereditaria, Agricultura familiar.

Apresentação

O debate em torno da reprodução social dos(as) agricultores(as) familiares, no Brasil, embora mantenha uma abordagem muito centrada na produção, produtividade e geração de renda, deslocou-se em parte para outra preocupação que é a questão da sucessão hereditária. Cabe destacar os trabalhos coordenados pelo professor Ricardo Abramovay (Abramovay et al., 1998; Silvestro et al., 2001; Camarano y Abramovay, 1999), na década de 1990, que abordam as dificuldades dos(as) agricultores(as) familiares para formar os(as) sucessores(as), tendo como consequência o envelhecimento e a masculinização do campo.

A partir da década de 2000, outros autores (Castro, 2005; Menezes, et al., 2008; Batestin, 2009; Spanevello et al., 2011; Matte et al., 2015) trataram da sucessão na agricultura familiar, por meio da análise das perspectivas dos(as) jovens rurais e identificaram vários fatores que influenciam a saída ou permanência destes(as) no campo, conforme a configuração de cada unidade familiar (renda agropecuária; tamanho do estabelecimento rural; grau de autonomia e poder de decisão do(a) jovem; acesso ou não ao lazer e à cultura, etc.). Também constataram que há aspectos complexos, como o nível de escolaridade que em determinados contextos levam à migração dos filhos e especialmente das filhas, enquanto em outros pode reforçar o retorno ou permanência dos(as) jovens no campo com uma função diferenciada, como em trabalhos de assistência técnica e extensão rural (ATER) ou em atividades ligadas à transformação de produtos e/ou à comercialização.

Drebes (2014), ao analisar o projeto de um centro de desenvolvimento do jovem rural, ligado a uma empresa agroindustrial da Região Sul do Brasil, mostra que as concepções de rural e ruralidade podem influenciar as decisões dos(as) jovens rurais. Na visão dicotômica de rural-urbano favoreceria a sucessão tradicional em que há o incentivo à permanência desses no meio rural como agricultores(as), enquanto na abordagem continuum rural-urbano, o campo de possibilidades dos(as) jovens é expandido, com projetos divergentes, o que incluiria as atividades não-agrícolas e a migração.

Panno (2016) incorpora também, em sua análise sobre a sucessão na agricultura familiar em Frederico Westphalen (RS), a visão dos potenciais sucedidos(as). Tanto entre os(as) sucessores(as), como entre os(as) sucedidos(as), alguns aspectos como o retorno financeiro e a infraestrutura da propriedade foram citados entre aqueles que “influenciam muito” nas decisões sobre sucessão. Os(as) jovens, potenciais sucessores, indicam também, com destaque, a participação nas decisões, os incentivos dos pais, os preços dos produtos agrícolas e qualidade da terra como fatores com maior influência na decisão. Entre os(as) sucedidos(as) os aspectos citados como de maior influência (além da questão econômica e da infraestrutura) são os preços dos produtos e o matrimônio, aparecendo com menor frequência a participação nas decisões por parte dos(as) filhos(as), o que pode gerar certo desprezo por esse fator considerado fundamental para os(as) jovens.

Embora o estudo da sucessão na agricultura familiar com base no que pensam os filhos(as) e pais, ou seja, da permanência ou da migração dos(as) jovens, seja relevante, considera-se que não é suficiente para entender a formação de novas unidades familiares, pois há outros processos que não passam pela sucessão hereditária e nem pela luta por terra via desapropriação por interesse social (reforma agrária).

Em 2006, o ligeiro aumento do número de estabelecimentos familiares em relação ao Censo Agropecuário de 1995/96, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), (embora com diferenças regionais) indicou que por meio da sucessão hereditária ou pela criação dos assentamentos rurais ou ainda pelo mercado de terras, algum tipo de sucessão e/ou criação de novas unidades familiares ocorreu no período. O fato de a transferência da terra estar se dando bem mais tarde, provavelmente tornava incompleta e, em alguns casos, inadequada a análise somente das ideias dos implicados, pois muitas vezes, quem dirige o estabelecimento familiar ainda é o avô/avó e os pais dos(as) jovens estão aguardando o desfecho da sucessão.

Em função do exposto, a pesquisa que originou este trabalho se propôs a fazer uma abordagem diferenciada, ao pesquisar os agricultores(as) que assumiram a gestão, de forma autônoma, das unidades familiares entre 2004 e 2013 (um ano antes do início da pesquisa), buscando conhecer quem são estes(as) novos(as) agricultores(as) familiares, as características socioeconômicas das famílias e das propriedades, e a via que utilizaram para conquistar a terra. Este caminho busca revelar uma realidade mais objetiva e concreta da maneira como ocorreu, no período, a sucessão ou a formação de novas unidades familiares, assim como as possíveis diferenças ou semelhanças desses(as) novos(as) agricultores(as) familiares em relação aos demais na região onde estão localizados os municípios estudados.

A hipótese inicial era de que, em regiões sem movimentos de luta pela terra que tivessem resultado na formação de assentamentos rurais, a sucessão hereditária, embora ainda importante, vinha sendo complementada ou substituída por outras estratégias de acesso à terra. Ao mesmo tempo tinha-se a hipótese complementar que esses(as) novos(as) agricultores(as) apresentavam características socioprodutivas semelhantes aos demais agricultores(as) familiares da região, como constatado em outra pesquisa na Microrregião de Jales (Sant´Ana y Sant´Ana, 2020).

Contexto, metodologia e técnicas de pesquisa

A pesquisa abrangeu agricultores(as) familiares de seis municípios que pertenciam à Microrregião Geográfica (MRG) de Nhandeara e MRG de Auriflama, mas com a extinção de ambas, quatro destes municípios foram incorporados à Região Geográfica Imediata (RGI) de Araçatuba (General Salgado, Guzolândia, Magda e Nova Castilho) e dois municípios passaram a fazer parte da RGI de Votuporanga (Floreal e Nhandeara)[3].

A escolha das Microrregiões de Auriflama e Nhandeara ocorreu em função destas apresentarem condições adversas à manutenção da agricultura familiar. Estas Microrregiões possuíam áreas expressivas com cana-de açúcar, antes mesmo da expansão que ocorreu, na década de 2000, em todo o oeste do Estado de São Paulo, atingindo cerca 77mil hectares em 2006 (Brasil, 2006); além da pecuária extensiva em grandes propriedades e mista nas áreas menores (produção em torno 65 milhões de litros de leite/ano). Nos municípios que faziam parte das referidas Microrregiões não há assentamentos de reforma agrária, apenas alguns projetos criados na época do Banco da Terra, atualmente denominado Programa Nacional de Crédito Fundiário-PNCF. Portanto, o acesso dos(as) novos(as) agricultores(as) à terra tem sido por meio de herança ou pela compra (de particulares ou PNCF).

A amostra foi composta por agricultores(as) com efetivo tempo de gestão autônoma da propriedade de até 12 anos, tempo considerado razoável para abranger tanto os(as) iniciantes, como os(as) já estabelecidos(as).

O universo amostral foi composto por 45 novos(as) agricultores(as) familiares assim distribuídos: 18 agricultores(as) de Nhandeara (16 do Projeto do PNCF), 11 de Guzolândia, seis de Magda, quatro de Floreal, três de General Salgado e também três de Nova Castilho. A pesquisa de campo foi realizada entre os anos de 2014 e 2015.

A seleção dos(as) agricultores(as) para compor a pesquisa foi obtida por meio de informações colhidas junto a profissionais e outros funcionários das Casas da Agricultura e do Escritório de Desenvolvimento Rural (EDR) de General Salgado, da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável- CDRS (ex-Coordenadoria de Assistência Técnica Integral - CATI) que trabalham na extensão rural há vários, complementada por informações dos(as) próprios(as) participantes da pesquisa que indicavam outros(as) produtores(as) em condição semelhante, método denominado “Bola de neve”, utilizado em amostragens não probabilísticas (Vinuto, 2014).

O número de agricultores(as) não foi definido por critério estatístico, portanto não tem a pretensão de representar o conjunto de produtores(as) que estavam naquele período de tempo na gestão dos estabelecimentos rurais nos municípios estudados. Buscou-se, no entanto, apreender de forma detalhada as características desse grupo de agricultores(as) familiares e das novas unidades familiares constituídas. Exceto na área de PNCF, a pesquisa envolveu entre 80-90% das indicações dos extensionistas ou dos(as) próprios(as) investigados(as), sendo que os(as) não pesquisados(as) deveu-se à dificuldade de encontrá-los(as) no estabelecimento (ou na residência na cidade) e por algum outro impedimento (doença). Entre os(as) agricultores(as) da área de PNCF procurou-se abranger os diferentes sistemas de produção e utilizou-se a saturação deste item para encerrar a pesquisa.

A dificuldade de encontrar agricultores(as) familiares que se enquadravam no perfil da pesquisa, aspecto que já fora constatado em pesquisa realizada em outra região, também foi observada nesses municípios pesquisados (exceto nas áreas de PNCF). Aparentemente não deveria ter ocorrido, em função do grande número de agricultores(as) familiares que havia assumido a gestão de seus estabelecimentos nos dez anos que antecederam ao Censo Agropecuário de 2006 (Brasil, 2006). A análise dos dados do Censo Agropecuário de 2017 mostrou, no entanto, que a situação tinha mudado significativamente, após 2006, nos municípios pesquisados. Pelos resultados divulgados, embora não seja possível averiguar o tempo que os agricultores estavam na gestão de suas propriedades, observou-se que, em média, nos seis municípios pesquisados, ocorreu uma diminuição de 25,9% do número de estabelecimentos, sendo que no segmento da agricultura familiar essa redução foi de 18,7%. Há evidências, portanto, de que a situação mais corriqueira foi de agricultores(as) deixando a atividade, do que a constituição de novas unidades familiares nos municípios pesquisados, com exceção de Nhandeara, em função da criação de 45 novas propriedades por meio do PNCF.

O questionário foi estruturado, visando permitir a caracterização dos(as) agricultores(as) e da unidade de produção, em termos socioeconômicos, e investigar a forma de obtenção da propriedade (sucessão e/ou aquisição, políticas públicas ou outros meios). A aplicação do questionário foi realizada, na ampla maioria dos casos, diretamente no estabelecimento do(a) agricultor(a)/família, o que permitiu que várias informações e impressões relevantes para a pesquisa pudessem ser verificadas in loco, por meio da observação direta. As perguntas foram respondidas por um dos(as) responsáveis pelo estabelecimento (homem ou mulher), mas em alguns casos teve a participação de ambos e, eventualmente, de outros membros da família.

A análise dos resultados foi realizada com base na tabulação dos dados de fonte secundária e da sistematização das informações obtidas por meio da aplicação do questionário, utilizando-se a estatística descritiva, expressa em tabelas e gráficos, além da análise comparativa com os demais agricultores familiares dos municípios pesquisados, a partir dos dados do Censo Agropecuário de 2017 do IBGE e de outras pesquisas com temática semelhante.

Caracterização dos(as) novos(as) agricultores(as) e das unidades familiares

Os dados apresentados a seguir se referem à totalidade (45) dos(as) agricultores(as) familiares pesquisados(as) nos seis municípios abrangidos pela investigação.

Características gerais das famílias, do trabalho e da renda

Em termos das características dos(as) agricultores(as), verificou-se que em 37 casos (82,2% do total pesquisado) a pessoa que respondeu, de forma exclusiva ou predominante, foi o homem e apenas em sete (15,6%) a mulher, enquanto a participação equivalente de ambos ocorreu apenas em um caso.

Esta diferença de participação das mulheres tem sido constatada em pesquisas com os agricultores(as) familiares em geral. Battestin (2009) e Spanevello et al. (2011) atribuem esse fato ao tipo de divisão do trabalho predominante nas famílias rurais (prestar informações a estranhos configura-se como uma tarefa que é atribuída ao homem) e à forte subordinação de gênero que torna quase invisível as funções desempenhadas pelas mulheres.

Petinari, Bergamasco e Tereso (2010) estudando a MRG de Jales, constataram uma visão um pouco mais igualitária, em que a divisão de trabalho na propriedade entre os gêneros não era rigidamente delimitada, todos realizavam as mesmas atividades, com exceção de algumas consideradas mais “penosas” (como gradear a terra ou ordenhar) que eram realizadas pelos homens, porém as mulheres não viam restrição em ter que fazê-las. Na maioria das vezes, no entanto, a mulher participa de forma equivalente (ou mais, quando assume uma jornada dupla) do processo de trabalho na unidade familiar, porém o reconhecimento não é igual, o que também se manifesta na baixa participação das mulheres nas principais decisões tomadas no estabelecimento familiar, embora as mulheres venham organizando movimentos de resistência e protagonizando lutas para reverter essas situações (Trigo et al., 2009; Aguiar, 2016).

Na Figura 1 pode-se observar que a faixa etária de pouco mais da metade (51,1%) dos pesquisados situa-se entre 41 e 60 anos. Quando somados aos que possuem até 40 anos (22,2%) constata-se que expressiva maioria (73,3%) está na fase produtiva, mas um pouco avançada, se considerarmos as exigências do trabalho que realizam. Embora o Censo Agropecuário de 2017 adote uma divisão diferente das faixas etárias, é possível afirmar que trata-se de agricultores(as) um pouco mais jovens que os(as) demais agricultores(as) familiares das Microrregiões de Auriflama e Nhandeara que apresentavam apenas 35,4% e 33,9%, respectivamente, dos responsáveis pelos estabelecimentos com menos de 55 anos.


Figura 1
Distribuição percentual por faixa etária dos(as) novos(as) agricultores(as) familiares pesquisados(as), nos seis municípios de abrangência da pesquisa.
Próprios autores, 2014-2015.

Na MRG de Jales, Sant´Ana et al. (2013) encontrou um maior percentual de novos(as) agricultores(as) familiares com até de 50 anos (69%) e média de idade de 46 anos, enquanto na presente pesquisa foram, respectivamente, 48,9% e 51 anos.

Quanto à escolaridade, também pouco mais da metade (53,3%) não concluiu o ensino fundamental, enquanto 40% do total pesquisado no mínimo completou o ensino médio, sendo que um terço tinha concluído, iniciado ou estava cursando o ensino superior (Figura 2).

Trata-se de uma média de escolaridade semelhante aos demais agricultores(as) familiares da região, pois de acordo com dados do Censo Agropecuário de 2017, nas Microrregiões de Auriflama e Nhandeara, 45,7% e 40,7%, respectivamente, concluíram o ensino médio ou equivalente (Brasil, 2017).


Figura 2
Distribuição percentual dos(as) novos(as) agricultores(as) familiares pesquisados(as) nos seis municípios de abrangência da pesquisa, em função do grau de escolaridade
Próprios autores, 2014-2015

Maia (2011) realizando um estudo com alunas matriculadas na Escola Técnica de Jales e filhas de agricultores(as) familiares, mostrou que a maioria dos pais dessas meninas tinha estudado no máximo até o final do ensino fundamental, porém notou que os agricultores(as) com maior escolaridade eram aqueles mais jovens, indicando que o grau de escolaridade está diretamente ligado à idade. Silvestro (2001) comenta que a maioria das pessoas mais velhas teve menores oportunidades de dar continuidade aos estudos, pois participavam, desde tenra idade, das tarefas no campo e também porque tinham dificuldade de acesso à escola, especialmente a partir do antigo primário (atualmente seria do 6º ano). De modo geral aqueles que alcançaram o ensino superior são aqueles mais jovens que assumiram recentemente a propriedade dos pais ou então aproximam-se do que Giuliani (1990) denomina de neorurais familiares.

O tempo de trabalho na agricultura revelou-se muito variável entre os pesquisados (Figura 03), mas um aspecto que cabe destacar é que apenas 20% tinha até 12 anos, o que demonstra que 80% dos pesquisados são novos(as) agricultores(as) quanto ao fato de terem assumido a gestão de um estabelecimento rural, no entanto já estavam inseridos no trabalho agropecuário, sendo que 40% destes há mais de 40 anos, pois iniciaram as atividades ainda crianças ou adolescentes.

Embora a média de tempo de trabalho na agricultura entre os herdeiros seja maior (43 anos), entre aqueles que adquiriram por meio do mercado de terras ou pelo PNCF a média de 28 anos de experiência agrícola também pode ser considerada como alta.


Figura 3
Distribuição percentual dos(as) novos(as) agricultores(as) familiares pesquisados(as), nos seis municípios de abrangência da pesquisa, em função do tempo de trabalho na agropecuária
Próprios autores, 2014-15

Uma das características da agricultura familiar é associar a vida e o trabalho no campo. Entre os agricultores(as) pesquisados(as), quase 70% (31) residem no estabelecimento rural e os demais no núcleo urbano próximo, constituído pelas pequenas cidades (como Magda, Floreal e Guzolândia), sendo que na maioria dos casos a família está envolvida no trabalho da propriedade. Em 26,7% dos estabelecimentos não há moradores, enquanto na maioria há entre dois e quatro residentes.

Quanto ao número de pessoas que trabalham na área, em 55,6% dos estabelecimentos são duas e há ainda 26,7% dos estabelecimentos que contam com a atuação de apenas uma pessoa. No total são 88 pessoas (40% são mulheres) que trabalham na propriedade, o que resulta em uma média aproximada de duas pessoas por propriedade, enquanto entre os(as) agricultores(as) familiares, de ambas as MRG de Auriflama e Nhandera, são 1,6 pessoas em média, sendo em torno de 23% mulheres (Brasil, 2017). A participação das mulheres pode estar ainda subestimada, pois como se trata de declaração dos entrevistados que foram em sua maioria homens, há uma tendência de não reconhecer o trabalho da mulher, quando exercido no âmbito doméstico ou do quintal.

Moura (1978) mostrou que a divisão do trabalho dentro da unidade produtiva, atribui às mulheres, na maioria dos casos, as atividades realizadas na casa e que são considerados complementares aos da roça, realizados pelos homens. Os trabalhos de produção agrícola são considerados pesados e importantes (na questão econômica e de status) demais para serem executados pelas mulheres, sendo o trabalho das mesmas neste setor considerado uma “ajuda”.

Aproximadamente três de cada quatro famílias pesquisadas possuem alguma fonte de renda não agrícola, sendo que um terço do total tem algum membro que recebe aposentadoria ou pensão. Do total, 35,6% das famílias contam com entradas monetárias provenientes do trabalho não agrícola de algum familiar, predominando o trabalho assalariado. Quanto às profissões, são mais frequentes as atividades assalariadas de média e alta qualificação, como professores(as), profissionais técnicos da área de saúde e funcionários(as) públicos(as); mas há casos de trabalho em negócio próprio (pequenas fábricas e comércio) e algumas ocupações de menor qualificação (diarista e trabalho geral no comércio).

Esses resultados indicam que parte expressiva das famílias pesquisadas é pluriativa (recebem renda proveniente de trabalho não-agrícola) e outra parte possui outros tipos renda ou benefícios não-agrícolas, se assemelhando aos resultados de outras pesquisas sobre agricultores(as) familiares, embora neste caso haja diferenças quanto ao perfil ocupacional dos pluriativos, com predominância de trabalhos mais qualificados.

Silva e Schneider (2010) constataram que 44,1% das famílias rurais do Rio Grande do Sul eram pluriativas e essas atividades dos seus membros contribuiam para o aumento da renda familiar, para o bem-estar familiar e para a manutenção da atividade agrícola.

Para Petinari, Bergamasco e Tereso (2010) a agricultura familiar pluriativa tem um caráter multidimensional, em que a renda das atividades não-agrícolas “complementa” a renda familiar, possibilitando que estas permaneçam no campo, mantendo e/ou capitalizando suas propriedades, dentro de novo formato de produção agrícola. Wanderley (1999) afirma que o trabalho externo exercido pela família não indica uma degradação da atividade agrícola, ao contrário, insere-se como uma das estratégias utilizadas para a reprodução da família e da propriedade. Algumas dessas famílias pesquisadas, inclusive, obtiveram a terra por meio de trabalho não-agrícola.

Entre agricultores(as) que utilizam trabalho de terceiros (57,8% do total) predomina a contratação esporádica de diaristas que representa 69,2% daqueles que utilizam mão-de-obra externa. A troca de dias foi citada por 11,5% daqueles que contam com ajuda de mão de obra não familiar, o mesmo percentual de agricultores(as) que mencionaram terem empregado fixo (assalariado mensal).

A distribuição dos(as) novos(as) agricultores(as) familiares quanto à renda pode ser observada na Figura 4. A maioria (57,8%) possui uma renda bruta familiar de até 5 salários mínimos (o salário mínimo oscilou entre R$724 em 2014 e R$788, em 2015), sendo mais frequente a faixa de dois a cinco salários mínimos. Entre 5,1 a 10 salários mínimos encontram-se 13,3% das famílias e, embora com percentuais bem menores, foram encontradas famílias nas faixas entre 10,1 e 20 salários mínimos (8,9% do total) e acima de 20 salários mínimos (6,7% do total). Seis pesquisados(as) não declararam a renda recebida.


Figura 4
Distribuição (%) dos(as) novos(as) agricultores(as) pesquisados(as), nos seis municípios de abrangência da pesquisa, em função da renda familiar bruta mensal média.
Próprios autores, 2014-15

Em média as receitas totais dos estabelecimentos familiares que possuiam algum tipo de renda, em 2017, nas MRG de Auriflama e Nhandeara era, respectivamente, 7,5 salários mínimos e 5,7 salários mínimos (o valor do salário mínimo era de R$937,00). Na presente pesquisa, por ter sido adotado faixas de renda, não é possível calcular com precisão a média de renda dessas famílias, mas estaria em torno de 4,5 salários mínimos, se for considerado o valor intermediário de cada faixa (por exemplo, na faixa de 2 a 5 SM, considera-se a média de 3,5). O menor tempo de gestão da propriedade (42,2% do total tem menos de 6 anos) pode ser um dos fatores que contribui para uma renda, em média, menor, além do tamanho exíguo da área (como será visto no próximo tópico, também 42,2% do total possuem até 5 hectares).

Caracterização dos estabelecimentos familiares e da produção

Nos seis municípios pesquisados há predominância da agricultura familiar tradicional, no sentido de ter sido formada por meio dos processos de herança ou compra via mercado terras, sendo que neste último caso há alguns projetos do PNCF.

A Figura 5 mostra, em termos relativos, a evolução da participação da agricultura familiar quanto ao número de estabelecimentos agropecuários dos seis municípios pesquisados, entre o Censo Agropecuário de 2006 e o Censo Agropecuário de 2017. Em todos os municípios a participação da agricultura familiar é expressiva no número total de estabelecimentos, mas nota-se que a evolução no período apresentou diferenças acentuadas entre os municípios: três tiveram aumento da participação percentual da agricultura familiar em relação ao número total de estabelecimentos, com destaque para Magda que aumentou de 42% para 70,3%. Nos municípios que tiveram decréscimo da participação percentual da agricultura familiar no número de estabelecimentos, em geral a variação foi menor, sendo um pouco maior em Guzolândia que passou de 63,8% para 55,8% do total.


Figura 5
Evolução percentual da partipação da agricultura familiar, em relação ao número total de estabelecimentos, nos seis municípios de abrangência da pesquisa, entre o Censo Agropecuário de 2006 e o Censo Agropecuário de 2017
Brasil (2017). Organizado pelos autores

Já na Figura 6 pode-se observar a evolução, em termos relativos, da participação da agricultura familiar quanto à área ocupada em relação à àrea total dos estabelecimentos agropecuários dos seis municípios pesqusiados, entre o Censo Agropecuário de 2006 e o Censo Agropecuário de 2017.

Tanto a participação relativa, quanto a evolução no período entre os dois Censos apresentam diferenças pronunciadas entre os municípios em termos de área ocupada pela agricultura familiar. Neste caso também, mas com variações menores, três municípios tiveram aumento da área realtiva ocupada pelos(as) agricultores(as) familiares (Nova Castilho, Magda e Nhandeara) e os outros três (Floreal, General Salgado e Guzolândia) apresentaram redução desta área.


Figura 6
Evolução percentual da partipação da agricultura familiar, em relação à área total dos estabelecimentos dos seis municípios de abrangência da pesquisa, entre o Censo Agropecuário de 2006 e o Censo Agropecuário de 2017.
Brasil (2017). Organizado pelos autores.

A menor participação relativa em termos de área total é de Magda, embora tenha tido um pequeno aumento de 9,4% para 10,9% (observem que 70,3% dos estabelecimentos ocupam somente esta pequena área do total nesse município). A maior participação relativa era de Floreal em 2006 (37,2%), mas como sofreu um descréscimo em 2017 (para 33,7%) e Nhandeara, em função do projeto PNCF, teve um pequeno aumento da área ocupada pelos(as) agricultores(as) familiares de 35% para 36,5% no período, sendo que este último passou a ser o município em que o segmento familiar apresenta maior área em relação ao total dos estabelecimentos agropecuários (Figura 6).

A área total própria dos(as) agricultores(as) familiares pesquisados(as) variou de zero (4,4% do total são arrendamentos não ligados ao parentesco) a 48,8ha, sendo que o maior percentual (42,2%) de estabelecimentos pesquisados tem até 5,0ha e 84,4% possui no máximo 30ha (Figura 7).


Figura 7
Distribuição percentual dos(as) novos(as) agricultores(as) familiares pesquisados(as), nos seis municípios de abrangência da pesquisa, em função do tamanho das áreas próprias
Próprios autores, 2014-15

O tamanho do módulo fiscal dos seis municípios pesquisados é de 35ha (Brasil, 2013). Portanto, apenas três propriedades visitadas possuem um pouco mais do que um módulo fiscal que é definido como a área mínima adequada para garantir a reprodução social de uma família, considerando as condições produtivas dos municípios onde estão localizados os estabelecimentos.

Uma parte expressiva dos(as) agricultores(as) (42,2% do total) utiliza o arrendamento de áreas de terceiros, como estratégia para compensar a pouca terra de que dispõem. A maioria (52,6%) daqueles que arrenda, o faz de pequenas áreas de até 12ha, mas há um grupo (42,1%) que arrenda áreas de 10 alqueires (24,4ha) ou mais (as duas maiores são de 41,1ha), sendo compostos basicamente dos(as) produtores(as) de sementes de capim colonião (cultivares tânzania, mombaça e massai), em Guzolândia. Trata-se de uma atividade com alguns riscos, mas também com lucratividade muita alta em alguns anos. Em outros municípios o objetivo mais comum do arrendamento é para a criação de bovinos.

Já o arrendamento de parte da propriedade para que terceiros a cultivem é menos frequente. Somente quatro produtores (8,9% do total) utilizam essa estratégia para gerar renda. As áreas cedidas em arrendamento variaram de 2,4 a 16,9ha.

Em termos de produção animal, as principais criações são a bovinocultura e as aves (galinhas e frangos), presentes em 77,8% e 71,1% dos estabelecimentos, respectivamente. A suinocultura também foi constatada na maioria das propriedades (53,3%). Nas Microrregiões de Auriflama e Nhandeara, o percentual de estabelecimentos com bovinocultura é semelhante, 85,8% e 74,2%, respectivamente. Já no caso das aves e suínos, a presença desses animais é bem mais frequente entre nas propriedades pesquisadas (Brasil, 2017).

Embora o tamanho do rebanho bovino seja muito variável, a maioria (63,8%) possui no máximo 40 cabeças de animais. Há, por outro lado, 15,2% dos(as) agricultores(as) com mais de 80 bovinos, sendo que em quase todos esses casos são também aqueles que alugam pastos de terceiros.

Há predominância da bovinocultura leiteira não especializada ou mista, pois além da produção de leite, busca-se também obter bezerros com um padrão mais próximo da raça nelore, o que permite sua comercialização, mas com isso sacrifica-se a produtividade do rebanho. Embora muito variável, a maioria dos agricultores(as) (55,1% do total) possui matrizes com produtividade média de 8 litros a 10 litros/vaca/dia. De outra parte, 20,7% dos(as) produtores(as) apresentam produtividade muito baixa da pecuária leiteira, com média de no máximo 5 litros/dia por matriz. Apesar de baixa, a produtividade de 62% dos(as) agricultores(as) pesquisados(as) é maior do que a média dos agricultores(as) familiares das MRG de Auriflama e Nhandeara aferida pelo Censo Agropecuário de 2017 que era de 2.587 litros/vaca/ano (a média brasileira da agricultura familiar era de 2.502 litros/vaca/ano) (Brasil, 2017).

Os diversos tipos de pastagens estão presentes em 77,8% dos estabelecimentos pesquisados. As culturas (anuais ou permanentes) são encontradas com baixa frequência: as olerícolas (hortaliças) diversificadas e a cana de açúcar, ambas em 24,4% das propriedades, a mandioca (22, 2%), o pomar caseiro e o milho, ambos com 17,8% das propriedades), conforme observa-se na Tabela 1.

Tabela 1
Principais tipos de culturas e forrageiras presentes nos estabelecimentos dos(as) novos(as) agricultores(as) familiares, nos seis municípios de abrangência da pesquisa

Próprios autores, 2014-15* São semeadas cultivares melhoradas de capim colonião, como Tanzânia, Mombaça, Massai e outros.

A cana nesse caso é a forrageira, fornecida aos bovinos, especialmente no período de seca. As olerícolas ainda contavam, na época (2014-15), com o estímulo do Programa de Aquisição de Alimentos em alguns municípios pesquisados.

Estas também são também as principais culturas da agricultura familiar nas MRG de Auriflama e Nhandeara, no entanto presentes com percentuais menores nos estabelecimentos (em todos os casos menor do que 20%).

Apesar de ser cultivada por apenas 13,3% dos(as) pesquisados(as) (quase todos do município de Guzolândia), cabe destacar ainda as cultivares de colonião utilizadas para a produção de sementes, pois esta atividade gera, em anos sem ocorrência de problemas climáticos, renda expressiva. Inclusive alguns dos(as) novos(as) agricultores(as) de Guzolândia eram arrendatários e adquiriram propriedades com os lucros da venda de sementes. Por outro lado, Guzolândia também foi o muncípio com maior redução absoluta do número de agricultores(as) familiares (100 estabelecimentos, o que equivalia a 52,1% do total; entre os não familiares a redução foi menor, de 33%), o que também pode ter sido motivado por prejuízos causados pelo cultivo de sementes de forrageiras em determinados anos, especialmente em estabelecimentos arrendados.

Entre os 45 produtores(as) pesquisados(as), apenas 12 (36,4%) declararam que comercializavam algum produto de origem vegetal. Mas cabe destacar a importância do autoconsumo, pois além de reduzir o gasto total das famílias e gerar autonomia diante de um contexto social e econômico restritivo (Gazolla, 2004), pode representar uma garantia de qualidade dos produtos consumidos e uma dieta mais saudável e nutritiva para a família (Chimello, 2010; Contini et al., 2012).

Formas de acesso à terra

Os(as) agricultores(as) familiares pesquisados(as) têm como característica comum o fato de que obtiveram um estabelecimento rural e passaram a ter plena autonomia naquela unidade familiar (nos casos de arrendamento a autonomia é temporária), em um período de tempo de até 12 anos antes da realização da pesquisa (entre 2014 e 2015). As formas de acesso à terra, no entanto, foram diversas, assim como são distintas as condições socioeconômicas das famílias e as características das unidades produtivas.

Para averiguar a questão da sucessão ou obtenção da terra, o questionário oferecia quatro opções, não necessariamente excludentes: herança, compra, reforma agrária e outras formas que poderiam ser citadas pelo entrevistado. A análise das respostas indicou a conveniência de acrescentar mais uma maneira de obtenção da terra, que é a Política Nacional de Crédito Fundiário (PNCF).

A obtenção da terra por meio de uma política pública (PNCF) foi a principal forma de acesso dos(as) agricultores(as) pesquisados(as), abrangendo 35,56% do total; se forem somadas aquelas famílias que adquiriram integralmente a terra pelo mercado convencional (13,33%), verifica-se que quase a metade (48,86%) das unidades familiares não se formou pela sucessão hereditária direta. A sucessão de forma exclusiva ocorreu em apenas 26,67% dos casos e mais 11,11% dos(as) pesquisados(as) combinaram a herança e a compra para a obtenção da propriedade que dispunham. Ainda foram incluídos na pesquisa 13,33% de produtores que arrendaram terras (às vezes dos próprios pais) por um período mais longo e uma situação diferenciada em que a pessoa recebeu a área em comodato (Figura 8).


Figura 8
Distribuição percentual dos(as) novos(as) agricultores(as) familiares pesquisados(as), nos seis municípios de abrangência da pesquisa
Próprios autores, 2014-15.

No municipio de Nhandeara a pesquisa se concentrou (não exclusivamente) em uma área de PNCF, pois este foi o principal meio de formação de novas unidades familiares. A pesquisa nos demais municípios indicou que a compra somada ao arrendamento/comodato tem um percentual semelhante ao recebimento da terra por meio exclusivo da herança (sem contar o PNCF, embora esta também seja uma forma de aquisição de terras, mediada por uma política governamental).

O arrendamento de longo prazo, especialmente quando dos próprios pais, pode se constituir em uma estratégia importante, pois como afirma Panno (2016) a sucessão deve ser entendida como um processo. Em casos assim permite autonomia para ambos (pais e filhos), amplia a experiência de gestão autônoma do(a) filho(a) e, ao mesmo tempo, é reversível, o que pode encorajar os pais a adotar essa opção antes da partilha.

Estes dados evidenciam que cerca da metade das novas unidades familiares foram constituídas à margem do padrão sucessório hereditário, mesmo em municípios sem tradição de luta pela terra que tenha resultado em assentamentos de reforma agrária.

Na então MRG de Jales, onde até 2012 não havia assentamentos de reforma agrária, uma pesquisa sobre os(as) novos(as) agricultores(as) familiares indicou que a compra integral era a mais recorrente forma de obtenção de uma propriedade (57%), considerando-se também os casos de PNCF (Sant´Ana et al., 2018).

Outras pesquisas como a de Anjos e Caldas (2009) ao tratar da sucessão hereditária no Rio Grande do Sul, constataram que a herança naquela região é o meio principal de acesso à terra, mas a compra envolve um contingente expressivo de 40,8% dos casos. Petinari, Bergamasco e Tereso (2010), que estudaram os agricultores(as) familiares (em geral) da MRG de Jales, observaram dinâmicas diferenciadas entre os municípios em relação à participação da herança: em Marinópolis 60% das propriedades visitadas tinham sido herdadas, em Santa Salete 57,1%, enquanto em Santa Albertina, apenas 34,6% tinham recebido a área de herança.

Embora a conquista da terra tenha sido fruto de um conjunto de estratégias dos(as) agricultores(as) familiares, associados a muito trabalho e às lutas sociais, o diálogo com o Estado e a formulação de políticas públicas que revertam o quadro agudização da concentração fundiária e apoiem a produção da agricultura familiar também tem se mostrado fundamental não só no Brasil (Grisa e Schneider, 2014), como em outros países da América Latina (Erro Velazquez e Griggio, 2019). Portanto a redução do ritmo e depois a paralização, especialmente a partir de 2016, da política de reforma agrária, do PNCF, da política de desenvolvimento territorial e do Programa de Aquisição de Alimentos são medidas que têm dificultado ainda mais as estratégias de reprodução social dos(as) agricultores(as) familiares brasileiros.

Considerações finais

A análise dos resultados permitiu verificar que a maioria dos(as) novos(as) agricultores(as) familiares estava em idade produtiva, mas na faixa acima de 40 anos; apresentava uma média de escolaridade maior do que a encontrada entre agricultores(as) familiares em geral; e renda familiar de até cinco salários mínimos.

No universo pesquisado constatou-se que esses novos(as) agricultores(as) familiares guardam muitas semelhanças com os demais agricultores familiares da região, mesmo porque não só entre os herdeiros, como nas demais formas de acesso à terra, predominou a existência de um longo tempo de trabalho e/ou vida no campo. Em muitos casos esta origem no campo é que estimulou o retorno, a luta para conquistar o sonhado pedaço de terra para trabalhar e viver dignamente.

Os resultados encontrados permitem confirmar a importância de processos não ligados à herança na formação de novas unidades familiares. Entre os(as) novos(as) agricultores(as) quase a metade obteve a terra por meio de compra, embora a maioria destes(as) apoiada em recursos de política pública, no caso o Programa Nacional de Crédito Fundiário. A importância relativamente menor do processo de sucessão hereditária na formação de novas unidades familiares, não deve-se ao fato de que a aquisição via mercado e a luta pela conquista da terra com base em políticas públicas sejam caminhos menos penosos, mas porque, entre outros fatores, está cada vez mais difícil aos agricultores(as) familiares expandirem a área das propriedades (devido à baixa rentabilidade imposta à maioria dos produtos da agricultura familiar) e porque a divisão por herança tem ocorrido muito tarde (devido a um fator positivo que é a maior expectativa de vida da população), o que inviabiliza os projetos de vida da maioria dos possíveis sucessores imediatos.

O conjunto de dados da pesquisa trazem evidências de que seria necessário ampliar políticas que facilitem efetivamente a conquista da terra para estes agricultores(as), como a Política Nacional de Reforma Agrária (PRNA) e, adicionalmente, pela reformulação do Programa Nacional de Crédito Fundiário para que se torne um investimento menos oneroso e arriscado aos demandantes de terra que atendem ao perfil requerido. No entanto, como se observou no período após a pesquisa, o que ocorreu foi a paralização de ambos os Programas, assim como de outras políticas públicas de apoio à agricultura familiar.

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Notas

[1] O sentido de “novos(as)” é de que estão há poucos anos à frente da gestão da propriedade, embora o tempo de trabalho na atividade agrícola possa ser de longa data, como o caso dos filhos de agricultores familiares que assumem tardiamente o comando da unidade familiar. A pesquisa contou com Auxílio Pesquisa do CNPq.
[2] The meaning of “new” is that the farmers have been at the head of the property management for just a few years, although the working time in the agricultural activity may be long-standing, as is the case for the offspring of family farmers who take over the command late of the family unit. The research was supported by CNPq.
[3] A partir do Censo Agropecuário de 2017, o IBGE alterou as delimitações das Microrregiões Geográficas no Brasil e passou a denominá-las de Regiões Geográficas Imediatas. No caso de Auriflama e Nhandeara, as MRG foram extintas, e seus municípios foram distribuidos entre as RGI de Araçatuba (8 municípios), Fernadópolis (1 município), São José do Rio Preto (6 municípios) e Votuporanga (3 municípios) (Brasil, 2017).


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