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Implicações da Didática Profissional para a Formação do Professor de Matemática
Revista de Educação Matemática, vol.. 17, 2020
Sociedade Brasileira de Educação Matemática

Artigos Científicos

Revista de Educação Matemática
Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil
ISSN: 1676-8868
ISSN-e: 2526-9062
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 17, 2020

Recepção: 10 Setembro 2019

Aprovação: 10 Janeiro 2020

Publicado: 29 Janeiro 2020


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: Este artigo tem o objetivo de verificar as relações entre a Didática Profissional e a Didática da Matemática, de modo a identificar possíveis contribuições para a formação de matemática, tendo como suporte teórico estudos sobre a Teoria dos Campos Conceituais, Transposição Didática e Situações Didáticas. Desse modo, foi realizada uma revisão bibliográfica, no intuito de relacionar os principais conceitos de cada teoria à atuação do professor de matemática em sala de aula e à didática profissional. Dessa forma, o presente trabalho aponta suportes qualitativos significantes como fornecer meios que proporcionem a compreensão da evolução do trabalho, por meio da aquisição de competências profissionais e situações didáticas profissionais, observação da regularidade das atividades dos alunos, troca de informações pragmáticas entre colegas de trabalho, compreensão da profundidade da natureza do erro, suas possíveis causas e mecanismos de operações, distinção dos termos saber e conhecimento matemático e, da perspectiva da formação continuada de professores iniciais, da transmissão da condição do conhecimento pragmático e epistêmico, possibilitando assim, desenvolver investigações com o aporte da Didática Profissional para a compreensão e o desenvolvimento de pesquisas, a partir da atividade do professor de matemática, que favoreçam uma modificação de postura-metodológica, constituindo assim uma mudança de atitude na ação de ensinar.

Palavras-chave: Didática Profissional, Didática da Matemática, Formação Docente.

Abstract: This article aims to verify relationships between Professional Didactics and Mathematics Didactics in order to identify possible contributions to the formation of mathematics, having as theoretical support studies on the Theory of Conceptual Fields, Didactic Transposition and Didactic Situations. Thus, a bibliographic review was carried out, in order to relate the main concepts of each theory to the performance of the teacher of mathematics in the classroom and to professional didactics. Thus, the present work points out significant qualitative support such as providing means that provide understanding of work evolution of work, through the acquisition of professional skills and professional didactic situations, observation of the regularity of students? activities, exchange of pragmatic information between coworkers, understanding the depth of the nature of the error, its possible causes and mechanisms of operations, distinction of the terms knowledge and mathematical knowledge and, from the perspective of the continuing education of initial teachers, the transmission of the condition of pragmatic and epistemic knowledge, thus enabling the development of investigations with the contribution of Professional Didactics for the understanding and development of research, based on the activity of the mathematics teacher, which favor a modification of posture-methodological.6, thus constituting a change of attitude in the action of teaching.

Keywords: Professional Didactics, Mathematical Teaching, Meaningful Learning.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo verificar la relación entre la didáctica profesional y la didáctica de las matemáticas, con el fin de identificar posibles contribuciones a la formación de las matemáticas, teniendo como soporte teórico los estudios sobre la teoría de los campos conceptuales, la transposición didáctica y las situaciones didácticas. Así, se realizó una revisión bibliográfica, para relacionar los conceptos principales de cada teoría con el desempeño del profesor de matemáticas en el aula y con la didáctica profesional. Por lo tanto, el presente trabajo señala importantes apoyos cualitativos, como proporcionar medios que permitan comprender la evolución del trabajo, mediante la adquisición de habilidades profesionales y situaciones didácticas profesionales, la observación de la regularidad de las actividades de los estudiantes, el intercambio de información pragmática entre compañeros de trabajo. , comprensión de la profundidad de la naturaleza del error, sus posibles causas y mecanismos de operación, distinción de los términos conocimiento y conocimiento matemático y, desde la perspectiva de la educación continua de los maestros iniciales, la transmisión de la condición del conocimiento pragmático y epistémico, permitiendo así el desarrollo de investigaciones con el aporte de la Didáctica Profesional para la comprensión y desarrollo de la investigación, basada en la actividad del profesor de matemáticas, que favorezca una modificación de la postura-metodológica, constituyendo así un cambio de actitud en la acción de la enseñanza.

Palabras clave: idáctica Profesional, Didáctica de las Matemáticas, Formación del Professorado.

Introdução

As discussões envolvendo temas relacionados à Didática têm ocorrido de forma considerável nas instituições de ensino, visando a respostas sobre o desenvolvimento de metodologias e estratégias que possam auxiliar o professor nos caminhos para melhoria dos processos de ensino e aprendizagem, em que se faz necessário pensar em uma formação docente que o qualifique para a transposição de tais saberes para a sala de aula.

Teóricos como Alves (2016), Brousseau (2006), Artigue (1996), Moraes (1997)Pais (2015), D?Ambrósio (1996)entre outros, defendem que cada área de ensino deveria pensar em sua própria didática, reconhecendo que não poderia haver um campo de estudo único que atendesse às particularidades de ensino de cada esfera do conhecimento. Desse modo, tem-se a Didática da Matemática que, embora trate especificamente do ensino da Matemática, é constituída pelas relações existentes entre os conceitos e teorias de outras áreas, tais como Psicologia, Pedagogia e Sociologia.

A Didática da Matemática é uma das tendências da educação matemática bastante discutida e difundida dentro mundo acadêmico, principalmente na formação das licenciaturas, em que procura dimensionar o que é mais importante para ser transmitido em uma formação, preocupando-se com as especificidades das relações entre o ensino e a aprendizagem do conteúdo matemático a ser ensinado, de modo a favorecer uma melhor compreensão dos vínculos entre teoria e prática.

Nesse sentido, considerando que a Didática Profissional se preocupa em compreender as situações de trabalho no contexto em que as ações do trabalhador são realizadas, vislumbra-se a necessidade de verificarem-se possíveis relações com a Didática da Matemática, como forma de melhor compreender a relação teoria e prática na formação do professor.

Dessa forma, faz-se o questionamento se a Didática Profissional não teria um papel importante e agregador, na busca pela compreensão da formação docente do professor de matemática, uma vez que há necessidade de formação de profissionais competentes para lidar com os problemas que envolvem o ensino e a aprendizagem da matemática e, para tal, é preciso um aprendizado constante, ?o aprender contínuo é essencial em nossa profissão. Ele deve se concentrar em dois pilares: a própria pessoa do professor, como agente, e a escola, como lugar de crescimento profissional permanente? (NÓVOA, 2001, p. 2).

A Didática Profissional é uma abordagem, nascida na França na década de 1990, que trata do estudo dos processos de transmissão e apropriação do conhecimento naquilo que eles especificam ao conteúdo a aprender, ou seja, concentra-se muito mais na atividade do que no conhecimento. Segundo Pastré, Mayen e Vergnaud (2006), tem seu início fazendo uma análise do trabalho e trazendo como principal objetivo o de formar as competências profissionais e, assim, constituir aproximações entre a formação profissional e a atividade do trabalho.

Ademais, quando se trata da formação docente e o ensino matemático, já se evidencia que existem teóricos preocupados em buscar contribuições desta nova vertente para auxiliar o ensino de matemática, conforme relata Pastré, Mayen e Vergnaud, (2006, p. 182): ?Nós começamos a nos interessar por essa categoria profissional em resposta a uma solicitação de um certo número de pesquisadores em ciências da educação na França e no exterior, que, após terem solicitado ajuda da ergonomia, dirigiram-se à didática profissional para pedir a sua contribuição?. No Brasil, encontra-se os trabalhos de Alves ( 2018a; 2018b; 2018c; 2018d; 2019), Gruber, Allain e Wollinger (2017),Antipoff e Lima (2016), Acioly-Régnier e Monin (2009).

O presente trabalho tem por objetivo verificar relações entre a Didática Profissional (DP) e a Didática da Matemática (DM), de modo apontar possíveis contribuições para a formação do professor de matemática. De modo específico, consiste em trabalhar simultaneamente com as noções de Teoria dos Campos Conceituais, Transposição Didática e Situações Didáticas e, assim, fazer uma correspondência com um campo de aplicação e pesquisa em torno da compreensão da atividade profissional do professor de matemática (ALVES, 2018a; 2018b; 2018c).

O referido estudo caracteriza-se por uma pesquisa de abordagem qualitativa, cujo método investigativo utilizado foi a pesquisa de cunho bibliográfico, a partir de autores como Alves ( 2017; 2018a; 2018b; 2018c; 2018d; 2019), Alves e Catarino (2019), Antipoff e Lima (2016), Brousseau (2008), Machado (1999), Pais (2015), Pastré, Mayen e Vergnaud (2006), Vergnaud (1990), entre outros. De acordo com Boccato (2006, apud PIZZANI et al, 2012), tal método é mais adequado para investigar a resolução de um problema através de referenciais teóricos publicados, procurando contribuições através da análise e discussão sobre os conhecimentos pesquisados. Portanto, nas seções seguintes apresentar-se-á o percurso metodológico da pesquisa, seguido dos pressupostos de quadros teóricos que embasam o desenvolvimento desta investigação.

Metodologia

O referido estudo caracteriza-se por uma pesquisa de abordagem qualitativa, cujo método investigativo utilizado foi a pesquisa de cunho bibliográfico. Para Trujillo (1974 apud LAKATOS; MARCONI, 1992, p. 44), a pesquisa bibliográfica tem por finalidade ?colocar o pesquisador em contato direto com tudo aquilo que foi escrito sobre determinado assunto, com o objetivo de permitir ao cientista ?o reforço paralelo na análise de suas pesquisas ou manipulação de suas informações??.

Desse modo, buscou-se investigar, na pesquisa bibliográfica, as percepções a respeito da análise do trabalho na visão da vertente francesa, que se constitui um elemento importante para um conjunto de mudanças sociais, principalmente no campo do trabalho. Assim, com o propósito de determinar as possíveis relações entre a DP e a DM e, estabelecer uma correspondência em torno da compreensão da atividade profissional do professor de matemática foi feito um levantamento de artigos que abordam a Didática Profissional, Didática da Matemática, Teoria dos Campos Conceituais, Transposição Didática e Situações Didáticas. O quadro 1, sintetiza a abordagem dos autores consultados no que se refere a Didática Profissional e a Didática da Matemática, servindo como base para compreensão das implicações para a formação do professor de Matemática.


Quadro 1
Artigos direcionados a Didática Profissional
Elaboração dos Autores (2019)

É importante ressaltar que os artigos selecionados para análise destacam-se pela similaridade entre a abordagem da Didática Profissional e formação do professor de matemática, verificando-se uma preocupação em identificar elementos que possam ser agregados à formação e prática docente. Assim, no trecho seguinte, será discutido o subsídio teórico desta investigação que verificará um elo da didática profissional com a formação do professor de matemática.

Revisão de Literatura

A Didática Profissional

A Didática Profissional tem como principal objetivo analisar o trabalho, considerando-se a formação de habilidades profissionais. Teve origem na França, na década de 1990, em convergência de um campo de prática, educação de adultos e três correntes teóricas: a psicologia do desenvolvimento, a ergonomia cognitiva e a didática. Baseia-se na teoria da conceituação e na ação de inspiração piagetiana. Busca o equilíbrio entre duas perspectivas: uma reflexão teórica e epistemológica sobre os fundamentos da aprendizagem humana e uma preocupação em operacionalizar seus métodos de análise para o uso em treinamento de engenharia. A análise do trabalho desenvolvida neste campo didático iniciou no trabalho industrial e prolongou-se até as atividades de serviço e ensino e, desempenha um duplo papel: é um pré-requisito para a construção de uma formação e um importante instrumento de aprendizagem, pela dimensão reflexiva em que se apresenta.

Considera-se que, aliando as concepções da Didática Profissional ao ensino de matemática, é possível aproximar seus conceitos às ações do professor, contribuindo para compreender a atividade docente e como promover um ensino mais efetivo e significativo, no que se refere a transposição dos saberes e ao desenvolvimento cognitivo dos estudantes. Além disso, pode auxiliar a compreender sua imersão no mercado de trabalho, algo que há muito tempo vem sendo alvo de pesquisas e estudos por partes dos educadores. De acordo com Gruber, Allain e Wollinger (2017):

Um processo educativo transformador da vida daqueles que nele se inserem, seja no plano pessoal, com uma formação que permita ao egresso inserir-se no mundo do trabalho com sua contribuição laboral e reconhecimento profissional, no plano comunitário pela responsabilidade ética e ambiental em sua atividade técnica e no plano social com sua compreensão de que o trabalho é o responsável pela dinâmica da espécie humana, devendo ser reconhecido, respeitado e valorizado, desde o plano econômico ao plano cultural, como construção coletiva da existência de toda a humanidade (GRUBER; ALLAIN; WOLLINGER, 2017, p. 16-17).

Dessa forma, investir na Didática Profissional consiste em se trabalhar com conhecimentos específicos de conteúdo a ser ensinado, bem como saberes da prática profissional. A Teoria dos Campos Conceituais é uma das abordagens que dão suporte a didática profissional, favorecendo as variáveis e as experiências prévias dos professores, pois propõe uma estrutura que permite compreender as conexões e quebras entre conhecimentos, do ponto de vista de seu conteúdo conceitual. Segundo Vergnaud (1986), as experiências promovem a aprendizagem através da variedade de situações, tanto dentro como fora da escola. Ao adquirir conceitos, um indivíduo possui um domínio de validade único que pode variar de acordo com a experiência e com o desenvolvimento cognitivo do sujeito presentes em todas as situações de ensino e aprendizagem (MAGINA et al., 2001). Além do mais, a Teoria dos Campos Conceituais faz com que se perceba de que maneira os alunos constroem o conhecimento matemático, como ressalta a referida autora:

De fato, esta teoria, ao congregar com êxito a Psicologia Cognitiva e a Matemática, vem se tornando uma das mais expressivas no campo da Educação Matemática. Suas idéias, há muito, têm ajudado os pesquisadores a entender a formação e o desenvolvimento de conceitos matemáticos por parte dos alunos, a partir da observação de sua estratégia de ação. Não foi por outro motivo que obteve o status de ser uma das principais teorias sobre a qual se apoiam os Parâmetros Curriculares Nacionais ? PCNs ? de Matemática. Reforça-se, assim, a necessidade de um produto como este que apresentamos (MAGINA et al., 2001, p. 4-5).

Porém, não se deve excluir da compreensão das situações analisadas, o conceito de esquema, os campos conceituais e as transformações adaptativas da transposição didática que fazem parte da Didática da Matemática e associam-se à Didática Profissional, quando esta traz a Teoria dos Campos Conceituais em seus fundamentos, como base para análise da formação de competências profissionais.

Segundo Alves (2018d), a Didática Profissional fornece um ponto de vista complementar com a Teoria das Situações Didáticas, estabelecendo uma base teórica que tentará fornecer uma descrição e uma análise do trabalho do professor de matemática. Dessa forma, alguns conceitos vistos na Didática da Matemática como: devolução, obstáculos epistemológicos e situação didática podem ser reinterpretados e, assim, adquirir um outro significado no campo profissional.

Nessa perspectiva, investir na concepção da Didática Profissional consiste em trabalhar simultaneamente com instrumentos específicos do conteúdo a ser ensinado, da análise das variáveis de ação e dos conhecimentos adquiridos na prática. Para tanto, nos tópicos seguintes, serão apresentados pressupostos teóricos de concepções que conseguem estabelecer algumas relações com esses instrumentos e com a didática profissional, como a Teoria dos Campos Conceituais, a Transposição Didática e as Situações Didáticas. No entanto, antes de adentrar em tais vertentes e com o ensejo de mostrar a relevância dessa pesquisa, apresentar-se-ão algumas reflexões acerca da preocupação da didática da matemática com a formação do professor de matemática.

Didática da Matemática e Formação Docente

Na prática de formação de professores, observam-se algumas reações que revelam as dificuldades encontradas em suas práticas pedagógicas, no ensino de conteúdos matemáticos. No início do século XX, docentes de matemática se reuniam para pensar o ensino dessa matéria nas escolas e, já na década de 50, grandes instituições se mostravam preocupadas com o ensino da disciplina, mas é a partir dos anos de 1970 que surge na França, a Didática da Matemática enquanto campo para a estruturação dos estudos acerca do ensino de matemática, uma vez que é o estudo das relações de ensino e aprendizagem de Matemática que a coloca na fronteira entre a Matemática, a Pedagogia e a Psicologia.

Segundo Artigue (1996), esta didática se desenvolve também como um campo de investigação, procurando concentrar sua atenção nos conteúdos de ensino, centrada na noção de sistema didático, enfatizando as relações entre professor, estudante e conhecimento. A autora indica três aproximações principais que se complementariam entre si e particularmente articuladas que existem na atualidade: uma aproximação cognitiva que é desenvolvida por Brousseu na área dos campos conceituais, uma aproximação através dos saberes que se desenvolve nos trabalhos de Chevallard na área da transposição didática e uma terceira aproximação por meio das situações, sendo por ela considerada a mais determinante, a teoria das situações didáticas de Brousseau que tem posto a situação de ensino no coração da didática, como uma mínima condição de análise necessária para uma compreensão do funcionamento do aluno.

A seguir, serão discutidas a Teoria dos Campos Conceituais, Transposição Didática e Situações Didáticas numa vertente francesa da Didática da Matemática a fim de compreender como tais aspectos estão inseridos na Didática Profissional.

A Teoria dos Campos Conceituais de Gérard Vergnaud

Gérard Vergnaud, diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) da França, discípulo de Piaget, redireciona e amplia em sua teoria o cerne piagetiano das operações lógicas gerais, das estruturas gerais do pensamento para o estudo do funcionamento cognitivo do ?sujeito-em-situação?. Tem como referência o próprio conteúdo do conhecimento e a análise conceitual do domínio desse conhecimento, uma vez que o desenvolvimento cognitivo depende de situações e de conceitualizações específicas necessárias para lidar com elas e para as quais os estudantes desenvolvem seus esquemas, na escola ou fora dela (MOREIRA, 2002). Nessa perspectiva, a Teoria dos Campos Conceituais foi assim definida por Vergnaud como ?uma teoria cognitivista que visa a fornecer um quadro coerente e alguns princípios de base para o estudo do desenvolvimento e da aprendizagem de competências complexas, notadamente das que revelam das ciências e das técnicas? (VERGNAUD, 1990 apud FRANCHI, 1999, p. 157).

Para fazer uma análise do sujeito em situação, como propõe Vergnaud, faz-se necessário compreender a evolução temporal dos indivíduos, à medida que vão desenvolvendo aprendizagens, como também pensar em planejar intervenções didáticas que favoreçam as características dos assuntos que serão estudados; afinal, o desenvolvimento cognitivo é extremamente afetado e influenciado pelo conteúdo de ensino. Por essa razão, o autor afirma que a teoria dos campos conceituais tem como ponto fundamental da cognição o processo de conceitualização do real que é uma atividade psicológica que não pode simplesmente ser reduzida às operações lógicas gerais e, muito menos, às operações linguísticas. Para Vergnaud (1998 apud CARVALHO JÚNIOR.; AGUIAR JÚNIOR., 2008) não se pode explicar o desenvolvimento cognitivo por meio de simples modelos, seja buscando as reproduções sociais ou, pelas emergências das estruturas naturais do indivíduo ou, simplesmente, através das figuras da mente como processamento de informação.

Percebe-se, assim, que a aquisição de conhecimento vai acontecendo ao longo de um certo período de tempo, por intermédio da maturidade das experiências vivenciadas pelos sujeitos da ação e organizam-se em campos conceituais, como define Vergnaud (1988 apud CARVALHO JÚNIOR; AGUIAR JÚNIOR, 2008, p. 211), ?um conjunto informal e heterogêneo de problemas, situações, conceitos, relações, estruturas, conteúdos e operações de pensamento, conectados uns aos outros e, provavelmente, entrelaçados durante o processo de aquisição?.

Ao trabalhar com a Teoria dos Campos Conceituais em situações de ensino, pode-se ter um ganho significativo, haja vista que esta teoria visa ao desenvolvimento cognitivo e à aprendizagem, advindos dos conteúdos do conhecimento e da análise conceitual de sua competência (MOREIRA, 2002 apud CARVALHO JÚNIOR; AGUIAR JÚNIOR, 2008).

Para que se utilize o conceito de campo conceitual como análise para as questões de obtenção de conhecimento Vergnaud apresenta como justificativas: 1) um conceito não se forma a partir de um só tipo de situação; 2) uma situação não se analisa com um só conceito; 3) a construção e apropriação de todas as propriedades de um conceito ou todos os aspectos de uma situação é um processo longo, com correspondências e discordâncias entre situações, conceitos, procedimentos e significantes (VERNAUD, 1983 apud MOREIRA, 2002).

Assim, para compreender melhor como os conceitos evoluem na mente de um sujeito por meio de suas experiências é importante considerar o conceito (C) como uma terna de conjuntos, ou seja, C = (S, I, R), onde Magina et al. (2001, p. 8) descreve:

- S é um conjunto de situações que tornam o conceito significativo;

- I é um conjunto de invariantes (objetos, propriedades e relações) que podem ser reconhecidos e usados pelo sujeito para analisar e dominar situações;

- R é um conjunto de representações simbólicas que podem ser usadas para pontuar e representar as situações e os procedimentos para lidar com eles.

Acioly-Régnier e Monin (2009)ressaltam que a Teoria dos Campos Conceituais se utiliza dos instrumentos específicos do conteúdo a ser ensinado, uma vez que os procedimentos e as metodologias utilizadas pelos docentes para ministrar suas aulas fazem sempre referências aos conceitos o que, por si só, já demonstra uma conexão para se fazer uma análise conceitual, demonstrando a importância da investigação das práticas que possibilitaria a tomada de consciência e a articulação da experiência de vida, estabelecendo elementos cognitivos e fazendo com que a ação do indivíduo seja operatória, revelando um conceito de esquema como mecanismo teórico que pode ser utilizado para compreender como a competência profissional é construída e posteriormente aplicada em situações reais do dia a dia; portanto, propiciando uma relação entre Teoria dos Campos Conceituais e a Didática Profissional, haja vista que nas atividades docentes existem esquemas perceptíveis, gestuais, representações simbólicas, linguísticas, gráficas, contagem de objetos, além de esquemas sociais que podem ser transpostos ao cotidiano profissional de um sujeito.

Transposição Didática

Aqui se expõe uma síntese da Transposição Didática que propõe estudar a trajetória do saber, desde o processo seletivo dos saberes que ocorre através de uma extensa rede de influências, envolvendo os mais variados segmentos do sistema educacional, até sua abordagem em sala de aula. Tais ideias já aparecem numa primeira definição de transposição didática dada por Chevallard como: ?Um conteúdo do conhecimento, tendo sido designado como um saber a ensinar, sofre então um conjunto de transformações adaptativas que vão torná-lo apto a tomar lugar entre os ?objetos de ensino?. O ?trabalho? que, de um objeto de saber a ensinar faz um objeto de ensino, é chamado de transposição didática. (p.39)? (CHEVALLARD, 1991 apud PAIS, 1999, p. 16).

A teoria da Transposição Didática está edificada sobre o sistema de ensino que é composto por toda comunidade escolar (pais, alunos, escola e comunidade científica, etc.) e também sobre o sistema didático formado pelo professor, o aluno e o saber. Assim se pode defini-la também como ?um conjunto de processos adaptativos que torna o objeto de saber (saber sábio) em objeto de ensino (saber a ensinar)?. ( PEREIRA; PAIVA; FREITAS, 2018, p. 44). A definição pode ser representada pelo esquema:


Figura 1
Esquema da definição da Transposição Didática
Pereira; Paiva; Freitas, (2018, p. 44)

A trajetória do saber escolar permite a visualização de diversas influências recebidas tanto no saber científico quanto de outras fontes, moldando os aspectos conceituais e metodológicos. Esse conjunto de influências irá intervir na seleção dos conteúdos que comporão os programas escolares e determinará o funcionamento do processo didático. Recebe o nome de noosfera, e é composta por cientistas, professores, especialistas políticos, autores de livros e outros sujeitos atuantes em educação. O resultado do trabalho da noosfera exerce influência na estruturação dos valores, métodos e objetivos que norteiam o processo de ensino que se traduz na ideia inicial que esboça a noção de transposição didática. Assim é possível perceber que alguns conteúdos são criações didáticas incorporadas aos programas, motivadas pelas necessidades do ensino como recursos para gerarem outras aprendizagens (PAIS, 2015).

Para Chevallard (1991 apud JARDIM; CAMARGO; ZIMER, 2015 p. 13630), ?o saber não é estático, está carregado de transformações e pode ser classificado em: saber sábio, saber a ser ensinado e saber ensinado?. Esses saberes possuem diferentes dimensões cujos significados são modificados pelos sujeitos que têm contato com os mesmos na perspectiva de ensino acadêmico ou escolar. Na teoria da Transposição Didática, os três níveis de saber possuem um grupo social específico que se responsabiliza pela composição de cada um de seus saberes, com objetivos diferentes, mas todos com tendências para a disseminação e o conhecimento do saber. Tais grupos sociais são compostos de saber sábio (comunidade científica); saber a ser ensinado (representantes do sistema de ensino) e saber ensinado (comunidade escolar).

Chevallard (1998) percebeu que os saberes difundidos na comunidade científica eram extremamente abstratos para serem repassados aos estudantes do ensino básico, concluindo que os movimentos realizados no intuito de facilitar o entendimento dos saberes pelos alunos modificavam o saber acadêmico; porém, não modificava seu sentido. Assim constatou a importância dele ser pesquisado e divulgado, para que as transformações ocorridas pudessem ser entendidas na comunidade escolar.

Portanto, a Transposição Didática, ao buscar articulação entre as dimensões teóricas e práticas, estabelece uma conexão com a Didática Profissional, haja vista que um indivíduo deverá dispor de ferramentas adequadas que permitam executar a transposição do conhecimento cognitivo para o prático. De acordo com Alves (2018b), a transposição profissional envolve a transmissão de conhecimento, com análise do processo aplicado e também do papel dos educadores envolvidos, se tem ou não experiência, sem esquecer que cada modalidade profissional desenvolve um estilo próprio, com linguagens, gestos, informações e muitos outros mecanismos que serão repassados durante as transformações dos fenômenos envolvidos para o desenvolvimento do aprendiz.

Situações Didáticas

A metodologia didática em que o conteúdo é apresentado ao aluno exerce grande influência no significado do saber matemático escolar. A maneira como o discente irá se envolver na assimilação dos assuntos, dependerá de como as atividades de aprendizagem foram planejadas e estruturadas pelo professor através de uma situação didática. De acordo com Brousseau (1986 apud FREITAS, 1999):

Uma situação didática é um conjunto de relações estabelecidas explicitamente e ou implicitamente entre um aluno ou um grupo de alunos, num certo meio, compreendendo eventualmente instrumentos e objetos, e um sistema educativo (o professor) com a possibilidade de possibilitar a estes alunos um saber constituído ou em vias de constituição... o trabalho do aluno deveria, pelo menos em parte, reproduzir características do trabalho científico propriamente dito, como garantia de uma construção efetiva de conhecimentos pertinentes (BROUSSEAU, 1986 apud FREITAS, 1999, p. 67).

Verifica-se assim que a estrutura das situações didáticas se relaciona com diversas noções, entre elas contrato didático e transposição didática já mencionados, neste trabalho. Fazendo uma análise das situações didáticas, percebe-se que é possível investigar toda a problemática acerca da aprendizagem matemática e revelar aspectos que ocorrem durante a resolução de problemas e a elaboração de conceitos pelos estudantes.

Por entender-se a aprendizagem como uma ação de dentro para fora, pois parte do pressuposto do conhecimento interno do aluno sobre uma situação problema, as situações didáticas também foram influenciadas por Piaget, no que diz respeito aos aspectos de adaptação (assimilação e acomodação). Portanto, uma situação didática, conforme Brousseau (2008), é uma relação entre professor, aluno e conhecimento, que foi elaborada pelo docente, para que todos os agentes envolvidos adquiram e, posteriormente, produzam conhecimento.

Portanto, de acordo com essa concepção, o docente não deve simplesmente comunicar um conhecimento, mas realizar a devolução de um problema, ou seja, a transferência de uma responsabilidade, através de uma atividade na qual não só comunique o enunciando, mas também procure incentivar o aluno a aceitar e resolvê-lo como se fosse seu e não do professor.

O desafio pedagógico aqui está nas mais diversas variáveis que vão surgir durante o percurso, entre elas algumas na qual o professor não terá o menor controle, chamadas por Brousseau (1986) de situações a-didáticas cuja característica é exatamente o fato de apresentar momentos em que os discentes trabalham de forma independente, sem qualquer influência do docente no processo de aprendizagem. Na definição dada por Brousseau, ressalta-se a importância de tal implicação: ?Quando um aluno se torna capaz de pôr em funcionamento e utilizar por si mesmo o saber que está construindo, em situação não prevista em qualquer contexto de ensino e também na ausência de qualquer professor, está ocorrendo então o que pode ser chamando de situação a-didática (BROUSSEAU, 1986 apud FREITAS, 1999, p. 69).

As situações adidáticas representam, portanto, o momento mais importante da aprendizagem, pois o sucesso do estudante em tal significa que ele, por seu próprio mérito, conseguiu gerar um conhecimento. Assim o aluno deve ser estimulado a sempre se esforçar para superar seus próprios limites e adquirir novas competências; portanto, faz-se necessário que o docente proporcione aos discentes meios para que eles possam desenvolver seus próprios mecanismos para resolução de problemas através de suas próprias elaborações e de seus conceitos.

Analisando as atividades específicas da aprendizagem da matemática, Brousseau (1986 apud TEIXEIRA; PASSOS, 2013) desenvolveu etapas para as situações didáticas: i) na etapa da devolução, os estudantes aceitam participar do processo de aprendizagem, tornando-se responsáveis por parte da aprendizagem; ii) na etapa da ação, os discentes, frente à situação didática, relacionam-se com a aula, criam procedimentos, planejam e formulam hipóteses para resolução de problemas; iii) na formulação, existem as trocas de conhecimentos entre os alunos, nela eles procuram modificar a linguagem matemática, contextualizando-a para atender seus objetivos que antes foram planejados; iv) na validação, ocorre a organização do que foi estudado e verificado pelos próprios alunos, se as resoluções obtidas satisfazem o esperado, ou seja, se houve a construção de um novo conhecimento; v) por último, na institucionalização, o docente e discente validam o conhecimento. É nessa etapa que o docente revela suas intenções perante as situações didáticas.

Assim, a Teoria das Situações Didáticas deve focar em privilegiar os procedimentos usados dentro das etapas aqui relacionadas, não fornecendo ao aluno, a resposta e fazendo com isso que ele participe de forma efetiva da elaboração da cognição, desenvolvendo assim novos saberes com base em suas experiências pessoais e interagindo com o meio em que vive.

Portanto, para concluir esta seção não se pode deixar de citar argumentos para uma perspectiva de complementaridade da teoria das situações didáticas com a didática profissional. O que Alves (2018d), tão bem o faz em seu artigo:

[...] noções fundamentais para a teoria das situações didáticas (TSD) e os fundamentos e interesses da didática profissional (DP) utilizados no campo de formação de professores de matemática, pode representar uma perspectiva análise, uma discussão coerente de seu papel na sala de aula e, mais importante, seu contexto de trabalho. De fato, será observado que, de acordo com certas hipóteses de origem cognitiva, vários conceitos derivados de (TSD) podem ser generalizados e aplicados ao domínio (DP) [...] ( ALVES, 2018d, p. 195, tradução livre).

Enquanto a Teoria das Situações Didáticas está focada no desenvolvimento do aluno, a Didática Profissional desenvolve um olhar diferenciado para a aprendizagem do profissional. De acordo com Alves e Catarino (2019), a Didática Profissional considera elementos que constituem uma Situação em Didática Profissional (SDP) com o quadriênio: atividade-saber-aprendente-formador. Assim os autores consideram que a SDP objetiva a capacitação do profissional (o professor) de planejar e assim poder antever e prevenir possíveis obstáculos que poderão surgir diante de situações profissionais, que podem ocasionar o mau funcionamento do sistema escolar ou da sala de aula. Os autores apresentam um modo de identificação da aprendizagem do professor de matemática, mediante situações profissionais como:

[...] uma argumentação que possibilita identificar uma noção ou categoria que permita o entendimento da aprendizagem do professor de matemática, diante de situações profissionais, cujo o campo epistêmico ultrapassa o campo epistêmico clássico demarcado somente pelo saber matemático. Nesse caso, quando objetivamos a atividade profissional do professor, buscamos situá-la segundo os seguintes planos de atuação característica: i) o plano da sala de aula; ii) o plano do posto de trabalho; iii) o plano geral da instituição de ensino ou instituição escolar [...]. ( ALVES; CATARINO, 2019, p. 115)

Assim ficou evidenciado o quanto as teorias didáticas aqui relacionadas podem complementar um estudo entre estas abordagens, ponto de discussão de nosso artigo, com a Didática Profissional, estabelecendo conjecturas, tais como a resolução de problemas no cenário de sua atividade profissional ou o cumprimento de uma tarefa em um dos planos de ação acima descritos, e que podem ser aplicadas às práticas docentes, de forma a constituir importantes implicações no processo de ensino e aprendizagens matemáticas.

Implicações para a Formação do Professor de Matemática

Nas afirmações de Brousseau (1986), ele relaciona dois cenários da didática profissional e o professor de matemática. No primeiro, liga os elementos professor-aluno-conhecimento, estabelecendo limites cognitivos condicionados ao conhecimento matemático. O segundo cenário traz as relações práticas consideradas pelas ações esperadas e desenvolvidas pelo professor, assim como um conjunto de reações, respostas, devoluções e comportamentos em que há interlocuções entre professor e aluno e também aqueles cenários em que o aluno leva algum tempo para estabelecer comunicação com o docente, a fim de que possa solucionar o problema por meio de seu próprio conhecimento.

É evidente que alguns aspectos do ensino de matemática podem constituir-se em dificuldades para fazer-se uma transposição da didática profissional para a docência como, por exemplo, a linguagem própria do professor de matemática, métodos característicos de conhecimento matemático, estilo de atividade e muitos outros. Também não existe um intercâmbio de informações entre os docentes de outras escolas e, muitas vezes, nem mesmo em seu próprio local de trabalho, dificultando o repasse de resultados de experiências exitosas de atividades desenvolvidas pelos alunos, para que possam oportunizar a reprodução por outras instituições. Como afirma Margolinas (2009, apud ALVES, 2018d):

A aprendizagem do conhecimento observacional parece baseada na observação eficaz da sala de aula e a repetição de problemas semelhantes. Atualmente, os professores compartilham pouco dos problemas dos alunos, uma vez que não existem problemas padrão, o que limita as oportunidades de disseminar este conhecimento no local de trabalho. Mesmo como parte de um grupo de trabalho que compartilha os mesmos preparativos, não observei nenhuma transmissão desse tipo de conhecimento. No entanto algumas habilidades de observação são importantes para o professor no gerenciamento da sala de aula. Do ponto de vista do conhecimento desse nível, o interesse do professor é, portanto, trabalhar com problemas de enunciados semelhantes o suficiente para que o conhecimento de observação duramente conquistado poder permitir-lhe gerir a sua classe e as interações com os seus estudantes e com alguma economia. Isso é estabilidade ou mesmo imobilidade das práticas que, em vez de serem denunciadas fazem sentido na economia do trabalho do professor (MARGOLINAS, 2009, apud ALVES, 2018d, p. 196, tradução livre).

A didática profissional também fornece argumentos que estabelecem uma perspectiva de complementaridade para a teoria das situações didáticas (TSD) e os fundamentos de interesse da didática profissional (DP) utilizados no campo de formação de professores de matemática que podem permitir uma perspectiva de análise, uma discussão de seu papel em sala de aula e, mais importante ainda, de seu contexto de trabalho. ( ALVES, 2018d).

Para realização efetiva do trabalho do professor, é necessário o cumprimento de regras que necessitam de conhecimentos implícitos e práticos que colaborem para transpor as situações que surgem no dia a dia da prática docente. Conforme a definição de Situação Didática Profissional apresentada por Alves,

SDP é definida pelo conjunto de interações, envolvendo o aprendiz (profissional), o treinador e conhecimento pragmático condicionados por uma unidade de trabalho, ou seja, por uma situação característica e particular, recorrente e invariante, de uma atividade profissional, no caso, por exemplo, do professor de matemática ( ALVES, 2019, p. 267).

Portanto, fica assim evidenciado que em situações de trabalho há necessidade de haver interações entre todos os elementos e objetos envolvidos na ação, no caso em questão, a realização de uma tarefa profissional para a qual será necessário dominar as variáveis sociais envolvidas.

O quadro 2 traz referências da didática profissional com a didática da matemática, corroborando a existência de ligação entre as duas vertentes.


Quadro 2
Categorias e perspectiva de complementaridade envolvendo (DP) e (DM)
Alves (2018d, p. 203-204)

O quadro 2 mostra situações preliminares comparativas e de generalização de algumas noções e fenômenos que, em princípio, são considerados na didática da matemática. Desta comparação, podem-se buscar implicações para o docente de matemática, como fornecer um vasto campo para análise de seu papel, compreendendo a evolução do trabalho, a aquisição de competências profissionais e compreensão das situações didáticas profissionais, a observação da regularidade das atividades dos alunos o que propiciará trocas de informações pragmáticas entre os colegas de trabalho, compreender a natureza da profundidade do erro, suas possíveis causas e mecanismos de operações, distinguir os termos saber e conhecimento matemático e, de uma perspectiva aplicada no campo da formação de professores iniciais ou continuada, transmitir a condição do conhecimento pragmático e epistêmico necessários para o processo de suas habilidades, entre outros ( ALVES, 2018d).

Os resultados propiciaram estabelecer complementaridade, no que diz respeito à Didática da Matemática e a Didática Profissional, pois podem fornecer meios que possibilitem a compreensão da evolução do trabalho através da aquisição de competências profissionais. Portanto, enquanto na Didática da Matemática a noção de devolução se refere às atividades desenvolvidas pelos alunos para as situações problemas que são propostas pelos professores, na Didática Profissional o termo remete às atividades rotineiras desenvolvidas pelo docente, mediante orientação de sua instituição empregatícia.

Nas situações didáticas, ocorre a organização da matemática e da possibilidade de aprendizagem pelos alunos, além das condições de formação dos professores. Já a situação profissional se refere a um conjunto de requisitos específicos organizados em torno de uma tarefa profissional de aprendizagem em uma estação de trabalho. O obstáculo epistemológico, por sua vez, refere-se a uma dificuldade natural e inerente do sujeito, e o obstáculo profissional são as situações complexas e, por vezes, inesperadas características de determinada profissão. Na transposição didática, observam-se claramente as transformações e alterações necessárias para introduzir-se um conhecimento matemático de âmbito acadêmico no contexto escolar; no entanto, na transposição profissional têm-se fenômenos que se relacionam com a transmissão de conhecimento profissional, envolvendo educadores experientes e iniciantes. Para finalizar, na institucionalização do conhecimento matemático são abordadas situações definidas pelo professor para fixar, de modo tradicional e preciso, o estatuto cognitivo do saber matemático, enquanto a institucionalização do conhecimento profissional trata os conhecimentos essenciais da prática para realização de tarefas profissionais do professor de matemática e que podem ser transmitidos dos mais experientes para os menos experientes.

Ademais, também se ressaltam os elementos de ligação da Didática Profissional com teorias já utilizadas pela Didática da Matemática como: os Campos Conceituais em que os docentes utilizam metodologias na condução de suas aulas que sempre fazem referências aos conceitos, o que permite a realização de uma análise conceitual, estabelecendo elementos cognitivos para realização da ação operatória do sujeito e, assim, revelar um conceito de esquema de mecanismo teórico que pode ser utilizado para compreensão da construção de competência profissional; a Transposição Didática, pois envolve ferramentas que podem ser utilizadas pelo professor para a realização da transposição do conhecimento cognitivo para o prático; e a Teoria das Situações Didáticas que permite identificar noções que enseja o entendimento da aprendizagem do professor de matemática, diante das situações profissionais, como por exemplo, a resolução de problemas no cenário de sua atividade profissional.

Assim, verificou-se que, ao investigarem-se as práticas, é estabelecido um vínculo com a experiência de vida e, por conseguinte, com os elementos cognitivos da ação operatória do sujeito, fazendo emergir o conceito de esquema, o que imediatamente direciona a compreensão da construção de competência profissional, estabelecendo conexão com a Situação Didática Profissional pelo fato de articular a dimensão teórica com a prática, por meio da transposição de tais conhecimentos para as situações reais do dia a dia, tornando possível apresentar os conteúdos de forma mais significativa para o aluno.

Portanto, todos estes enfoques podem representar uma perspectiva para análise e uma discussão coerente do papel do professor em sala de aula, e mais importante de seu contexto no campo do trabalho, contribuindo com o ensino e com as práticas do professor de matemática.

Não se pode falar em competência sem fazer algumas ponderações na didática profissional, uma vez que nela se busca uma maneira de articular duas dimensões que podem, ou não, caminhar juntas: a dimensão teórica e operacional. A dimensão teórica é importante, pois tenta evitar o aprendizado baseado apenas na experiência, sem comprovação científica, o que poderá limitar as bases para o campo de análise da pesquisa. A dimensão operacional também se faz importante neste contexto, uma vez que, se a didática profissional em teoria também se liga à conceituação da ação, devem-se apresentar os conceitos e os métodos que possibilitem ao sujeito utilizar essas ferramentas com inteligência e eficiência.

Existe pelo menos uma diferença que se pode enumerar entre situações em educação matemática e situações profissionais: em matemática, a relação entre o conhecimento mobilizado e a situação é muito clara para o docente, pois ao ser planejada uma situação didática, o professor antever os possíveis imprevistos e antecipa-se para adequar o meio à aplicação da situação de aprendizagem, enquanto que na didática profissional a relação não está claramente estabelecida, pois ela não ocorre de maneira planejada como acontece no contexto escolar, uma vez que ao surgirem os imprevistos inerentes de cada profissão, não houve a previsão de uma ação que pudesse proporcionar uma solução mais imediata as operações que estão sendo realizadas.

A relação professor e aluno em busca de conhecimento constitui uma atividade de cooperação e comunicação e enquadra-se no âmbito das atividades de relações humanas. De acordo com Pastré, Mayen e Vergnaud (2006), ela possui os três componentes necessários que podem constituir um elo com a didática profissional: um objeto técnico, o conhecimento; um objeto de uso, correspondente ao processo de aprendizagem dos estudantes sobre o conhecimento e as formas de conversação que ocorrem em uma escola. Porém, a atividade de ensino possui características próprias que deverão ser levadas em consideração, como por exemplo, uma atividade que ocorre entre um humano e um grupo de seres humanos, o que significa que a transformação que se busca na atividade é realizada, em conjunto, por um grupo de alunos e nos indivíduos que a compõe.

O que se pode afirmar nas pesquisas realizadas até o momento é que a didática das matemáticas difere da didática profissional, pois suas situações não apresentam as mesmas características. No entanto, Vergnaud estabeleceu ligação entre elas com sua teoria dos campos conceituais, como ressalta Pastré (2017), ao descrever que ?Vergnaud (1991), com sua teoria dos campos conceituais, forneceu o elo que faltava para adaptar o quadro teórico da conceituação na didática profissional: um método para analisar uma classe de situações, identificando os conceitos a serem mobilizados para resolver os problemas presentes nessa classe específica? ( PASTRÉ, 2017, p. 629).

Portanto, mostram-se aqui algumas características que podem aproximar a didática profissional das práticas educativas em matemática, mas fica claro também que muitas pesquisas nesse campo ainda se fazem necessárias para aplicá-las de forma significativa no contexto da sala de aula. Decerto que nosso intuito não é apresentar respostas prontas e definitivas, mas mostrar que dentro do enfoque Didática Profissional é possível relacionar elementos que possam envolver contributos aos processos de construção e reconstrução de competências profissionais no cenário de aprendizagens específicas e na evolução do trabalho docente nas escolas.

Assim este artigo parte da consciência de que as práticas de ensino de matemática na educação básica devem ser refletidas e analisadas. Para tanto é necessário que se levem em consideração as tendências em Educação Matemática, aproximando cada vez mais teoria e prática, contribuindo assim, com a melhoria do ensino.

Considerações finais

Este artigo traz uma proposta de análise reflexiva e investigativa sobre de que maneira a Didática Profissional poderia contribuir para a formação do professor de matemática. Apresenta algumas abordagens contempladas por esta metodologia que já são utilizadas na didática da matemática, como Teoria dos Campos Conceituais, Transposição Didática e Situações Didáticas, gerando um elo entre ambas e mostrando implicações para formação do professor de matemática, estabelecendo complementaridade entre as duas didáticas, ensejando objetivos investigativos ainda pouco ou não utilizados pelos teóricos da vertente ( ALVES, 2019).

Assim, procura-se abordar alguns elementos que permitem uma melhor compreensão acerca de implicações da didática profissional com o ensino de matemática, assinalando fundamentos teóricos que permitem objetivar a formação de professores, haja vista que esta tem sua origem voltada para o interesse da formação de adultos e a evolução de competências profissionais.

A partir de tais pressupostos, busca-se compreender a atividade do professor de Matemática em um sentido de evolução de sua competência profissional, como ressalta Chevallard (2010 apud ALVES; JUCÁ, 2019), do ponto de vista do interesse pelo aperfeiçoamento dos referenciais na formação dos professores no Brasil. A Didática Profissional mostra uma grande necessidade de modelizar as situações fundamentais que requerem mudanças de rotina e ação no repertório do conhecimento apresentado pelo docente.

Portanto, chega-se à conclusão de que a Didática Profissional pode colaborar com o trabalho da docência; no entanto, para fazer-se uma análise da atividade e da aprendizagem são necessários conceitos e métodos que sejam precisos, utilizáveis e acessíveis ao maior número de pessoas possíveis e que sejam utilizados como aporte para uma modelização das situações didáticas profissionais no que concerne a competência do professor.

Isto posto, elencam-se elementos que podem contribuir para fazer-se associação desta abordagem ao ensino do docente de matemática e que não se pode desconsiderar o papel que a Didática Profissional pode desempenhar na aplicação de conhecimentos necessários para desenvolver competências exigidas no oficio da docência e no campo da compreensão científica de um pesquisador em didáticas da matemática. Assim, espera-se que este trabalho contribua para abrir novas possibilidades, para que este tema seja contemplado em novas pesquisas e estudos, pois se acredita que essa teoria represente um caminho a ser descoberto pela Educação Brasileira, com incontáveis oportunidades de pesquisas e desenvolvimento no país.

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Autor notes

1 Mestranda em Ensino de Ciências e Matemática pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará. Professor(a) da Educação Básica da Secretária de Educação do Estado do Ceará. Endereço para correspondência: Avenida Humberto Lopes, 615, 62023-070, Sobral, Ceará, Brasil. E-mail: rosalidecarvalho@hotmail.com.
2 Bolsista de Produtividade do CNPQ ? PQ2. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da Universidade Federal do Ceará. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação do Mestrado Profissional em Educação Profissional Tecnológica. Líder do Grupo de Pesquisa CNPQ Ensino de Ciências e Matemática. Página pessoal: https://ifce.academia.edu/RegisFrancisco/Journal-Articles. Endereço para correspondência: Avenida Treze de Maio, 2081, 60040-215, Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: fregis@ifce.edu.br.
3 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará. Professora Assistente da Universidade Estadual Vale do Acaraú. Endereço para correspondência: Avenida da Universidade, 2303, apto. 311, 60020-180, Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: claudiafontenele05@gmail.com.

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