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“Prática” e “Estágio Supervisionado” na formação de professores: o que revela um curso de Licenciatura em Matemática da UNEB?
“Practice” and “Supervised Internship” in teacher education: what does the degree course in Mathematics at UNEB reveal?
"Práctica" y "Pasantía supervisada" en la formación de docentes: ¿qué revela una licenciatura en matemáticas de la UNEB?
Revista de Educação Matemática, vol.. 17, núm. 1, 2020
Sociedade Brasileira de Educação Matemática

Artigos Científicos

Revista de Educação Matemática
Sociedade Brasileira de Educação Matemática, Brasil
ISSN: 2526-9062
ISSN-e: 1676-8868
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 17, núm. 1, 2020

Recepção: 31 Maio 2020

Aprovação: 29 Junho 2020

Publicado: 07 Julho 2020

Copyright Revista de Educação Matemática 2020.

Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

Resumo: Este artigo objetiva identificar como a Licenciatura em Matemática da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), campus VII, em Senhor do Bonfim-BA, concebe e articula a discussão sobre “Prática como componente curricular” e sobre o “Estágio supervisionado” em seu Projeto Pedagógico de Curso (PPC), vigente quando da realização desta investigação. Para isso, propôs-se uma pesquisa qualitativa, do tipo documental, cujos instrumentos de produção de dados foram o PPC do curso e algumas resoluções e pareceres do Conselho Nacional de Educação (CNE). Para analisar os dados, fez-se uso da Análise de Conteúdo, seguindo o que propõe Bardin (2009). Após um olhar sistemático do currículo do curso, percebeu-se que a “Prática enquanto componente curricular”, embora presente no documento analisado, carece de melhor definição, e que a situação do “Estágio Curricular Supervisionado” é distinta, tendo sua definição mais consistente no PPC. Espera-se, com este trabalho, apontar a necessidade de que as licenciaturas reflitam sobre o lugar que a “Prática” e os “Estágios” ocupam em seus Projetos.

Palavras-chave: Prática, Estágio, Formação de professores de Matemática.

Abstract: This article aims to identify how the Mathematics Degree at the State University of Bahia (UNEB), campus VII, in Senhor do Bonfim-BA, conceives and articulates the discussion on “Practice as a curricular component” and on the “Supervised internship” in its Pedagogical Course Project (PPC), in force at the time of this investigation. For this, a qualitative research, of the documentary type, was proposed, whose instruments of data production were the PPC of the course and some resolutions and opinions of the National Council of Education (CNE). To analyze the data, Content Analysis was used, following what Bardin (2009) proposes. After a systematic look at the course curriculum, it was noticed that “Practice as a curricular component”, although present in the analyzed document, needs to be better defined, and that the situation of the “Supervised Curricular Internship” is different, having its definition more consistent in the PPC. It is hoped, with this work, to point out the need for undergraduate courses to reflect on the place that “Practice” and “Internships” occupy in their Projects.

Keywords: Practice, Internship, Mathematics teacher training.

Resumen: Este artículo tiene como objetivo identificar cómo el Grado de Matemáticas en la Universidad Estatal de Bahía (UNEB), campus VII, en Senhor do Bonfim-BA, concibe y articula la discusión sobre "La práctica como un componente curricular" y sobre la "pasantía supervisada" en su Proyecto de Curso Pedagógico (PPC), vigente al momento de esta investigación. Para ello, se propuso una investigación cualitativa, del tipo documental, cuyos instrumentos de producción de datos fueron el PPC del curso y algunas resoluciones y opiniones del Consejo Nacional de Educación (CNE). Para analizar los datos, se utilizó el Análisis de contenido, siguiendo lo que propone Bardin (2009). Después de una mirada sistemática al currículo del curso, se observó que "La práctica como un componente curricular", aunque presente en el documento analizado, necesita ser mejor definida, y que la situación de la "Pasantía curricular supervisada" es diferente, teniendo su definición más consistente en el PPC. Se espera, con este trabajo, señalar la necesidad de cursos de pregrado para reflexionar sobre el lugar que ocupan "Práctica" y "Pasantías" en sus Proyectos.

Palabras clave: Práctica, Pasantía, Formación de profesores de matemática.

Introdução

Diante do cenário em que se encontra a educação brasileira, é comum a resistência à escolha da profissão docente. Os baixos salários oferecidos, as péssimas condições de trabalho, a falta de materiais diversos, o desestímulo dos estudantes e a falta de apoio familiar são alguns dos motivos que inibem a escolha por essa profissão. Nessa direção, as licenciaturas têm sofrido com a baixa procura e, como destaca Linhares (2008), não atraem candidatos para preencherem suas vagas; entre aqueles que procuram, muitos objetivam outros caminhos profissionais que não o magistério.

Os cursos de formação inicial não podem perder de vista a realidade educacional que descrevemos anteriormente. É importante que os futuros professores sejam preparados para essa realidade. No entanto, de acordo com o que apresentam Santos (2002) e Gatti (2010), muitos cursos de licenciatura em Matemática, por exemplo, têm se configurado como excessivamente teóricos e descontextualizados da realidade de uma sala de aula. Formar professores para uma dada realidade sem considerá-la parece-nos incoerente e inapropriado.

A formação de professores constitui um caminho idiossincrático, multidimensional e complexo, como destacam Flores e Day (2006). Esse caminho é complexo e multidimensional pelos inúmeros elementos, sujeitos e espaços que constituem essa formação, e idiossincrático pelas questões subjetivas e particulares de cada sujeito. Nesse movimento formativo, interessa investigar as práticas como componentes curriculares (PCC) e os estágios supervisionados enquanto lugares de formação distintos entre si, mas complementares e importantes, que permitem contato com os diferentes elementos, sujeitos e realidades, preparando e contribuindo para a constituição da identidade docente.

A Licenciatura em Matemática da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), campus VII, em Senhor do Bonfim-BA, não possuí, como outros cursos de formação inicial, componentes curriculares nomeados de “prática pedagógica” ou com nomenclatura similar, que leve a entender que se trata dos destinados a prática como componente curricular, como exigido pela Resolução do CNE/CP nº 2/2002[2] e Resolução CNE/CP nº2/2015. Por isso, motivados pelo movimento de redimensionamento do curso, em andamento, fomos provocados a pensar: como as exigências legais quanto ao cumprimento dessa carga horária, especificamente, acontecia? Como o curso distribuiu essas 400 horas? Como, no PPC vigente, se define e articula esse espaço de formação para a constituição futuro professor de Matemática?

Partindo das provocações que apresentamos anteriormente, surge a nossa problemática de investigação: de que forma o curso de Licenciatura em Matemática da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), campus VII, concebe e articula a prática como componente curricular e os estágios supervisionados em seu currículo? Nesse sentido, configura-se como objetivo geral deste trabalho, identificar e refletir sobre como a Licenciatura em Matemática da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), campus VII, concebe e articula a prática como componente curricular e os estágios supervisionados no PPC vigente no momento da investigação.

Esta pesquisa justifica-se, sobretudo, pelo necessário entendimento que os cursos de Licenciatura, no nosso caso em Matemática, precisam ter sobre as práticas como componente curricular e os estágios supervisionados, concebendo-os como espaços distintos e complementares da formação, sendo ambos importantes no movimento de constituição da identidade docente. Espera-se, com esse trabalho, promover uma reflexão que possa ajudar a repensar esses cursos nesse movimento atual de redimensionamento curricular, atendendo ao proposto pela Resolução CNE/CP nº 2/2015[3].

No que diz respeito à disposição textual, este artigo, além desta introdução, organiza-se da seguinte maneira: i) apresentação do percurso metodológico da pesquisa; tendo a base legal que orienta os cursos e suas proposições como ponto de partida, ii) análise do que dizem os documentos oficiais sobre a Prática como componente curricular e o Estágio Curricular Supervisionado; e iii) análise do PPC da Licenciatura em Matemática da UNEB, campus VII em relação ao que propõe quanto à prática como componente curricular e o estágio supervisionado para a formação do professor; iv) por último, partindo do apresentado, considerações de fim de texto.

Percurso metodológico

Esta investigação, tendo em vista os elementos apresentados anteriormente, configura-se enquanto pesquisa qualitativa, sobretudo considerando a subjetividade que há no problema, corroborando o que apresenta Borba (2004), e entendendo que a este tipo de pesquisa cabe entender que a verdade não é rígida. Com vistas a classificar o trabalho proposto, decidimos categorizá-lo enquanto pesquisa qualitativa do tipo documental.

Como salienta Gil (2012), a pesquisa documental é muito parecida com a pesquisa bibliográfica, estando a principal diferença na natureza das fontes. Normalmente, a pesquisa documental reúne materiais que ainda não receberam tratamento analítico ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa. Para este trabalho, de acordo com o objetivado, será foco de análise a proposta curricular do curso de Licenciatura em Matemática da UNEB e alguns documentos normativos oficiais.

Os documentos oficiais que respaldaram esse olhar para o que propõe o PPC de Licenciatura em Matemática da Universidade do Estado da Bahia, campus VII, vigente quando da realização da investigação, foram os seguintes:

a) Lei que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (Lei nº 9.394/96);

b) Lei que dispõe sobre o estágio de estudantes (Lei nº 11.788/2008);

c) Resolução do CNE/CP nº 1/2002, que institui diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da Educação Básica;

d) Resolução do CNE/CP nº 2/2002, que institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura;

e) Resolução do CNE/CP nº 2/2015, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior;

f) Parecer CNE/CES nº 744/1997, que apresenta orientações para cumprimento do artigo 65 da Lei nº 9.394/96 – prática de ensino;

g) Parecer CNE/CP nº 9/2001 sobre as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena;

h) Parecer CNE/CP nº 28/2001, que dá nova redação ao parecer nº21/2001, que estabelece duração e a carga horária dos cursos de formação de professores da Educação Básica;

i) Parecer CNE/CES nº 1.302/2001, que propõe as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Matemática, Bacharelado e Licenciatura;

j) Parecer CNE/CP nº 15/2005 com esclarecimentos, para o Governo do Estado da Bahia, sobre as Resoluções CNE/CP nº 1/2002 e 2/2002;

k) Resolução CNE/CP nº 2/2019, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica;

l) Resolução CONSEPE nº 2016/2019, que apresenta o Regimento Geral de Estágio da Universidade do Estado da Bahia.

Nesse sentido, partindo do discutido até aqui, apresentaremos, a seguir, os caminhos de produção de dados adotados para a investigação que resultou na escrita deste texto:

a) Inicialmente, após a leitura dos documentos que apresentamos anteriormente, depois da realização de uma pré-análise e sistematização das informações, fizemos algumas discussões, articuladas teoricamente com outros autores, sobre como concebem e o que apresentam em relação à prática como componente curricular e estágio. O objetivo, nesse primeiro momento, era entender o que esses documentos apontavam em relação ao objeto de pesquisa;

b) Em seguida, após entender o que apresentavam os documentos em relação à prática e estágio, nos detemos mais especificamente à exploração do Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática da UNEB, campus VII, vigente quando da realização da investigação. Esse olhar, tendo como ponto de partida os entendimentos construídos a partir do percurso anterior, permitiu identificar as concepções manifestas no PPC em relação à prática como componente curricular e entender de que forma ela e os estágios supervisionados, da forma proposta no documento, se articulam no movimento de formação de professores de Matemática.

Tendo em vista as informações apresentadas pelos documentos oficiais e pela proposta curricular do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade do Estado da Bahia, campus VII, optamos por proceder à análise pela Análise de Conteúdo (AC), pois, para Bardin (2009), o método da AC é um conjunto de técnicas de análise das comunicações que faz uso de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo da mensagem.

Ainda segundo a autora, na AC, há necessidade das etapas de organização da análise, codificação de resultados, categorizações, inferências e, por fim, a informatização das análises da comunicação, importantes para uma aplicabilidade coerente do método. A AC organiza-se em torno de três polos: 1. A pré-análise; 2. A exploração do material; e, por fim, 3. O tratamento dos resultados: a inferência e a interpretação (BARDIN, 2009, p. 121).

Vale destacar que, para este trabalho de pesquisa, o foco para direcionar a análise, bem como para a construção das categorias, foram os objetivos propostos (identificar e refletir sobre como a Licenciatura em Matemática da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), campus VII, concebe e articula a prática como componente curricular e os estágios supervisionados no PPC vigente no momento da investigação). Tendo-os em vista, apresentamos respostas e discutimos as questões norteadoras, seguindo as informações produzidas ao longo do trabalho.

A Prática como componente curricular e o Estágio Curricular Supervisionado: o que revelam os documentos oficiais?

Tendo em vista o percurso de produção de dados apresentado na seção anterior, fica evidente que o nosso locus de investigação é um currículo[4] do curso de formação inicial[5] de professores de Matemática, mais precisamente os documentos oficiais e o projeto pedagógico que o constitui, percorrendo a textualidade dos diferentes documentos, desde 1996, por ter sido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei n. 9394/96, mais precisamente em seu art. 65, que o termo “prática de ensino” apareceu pela primeira vez. Segundo Brasil (1996), “Art. 65. A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas horas”.

O Parecer CES nº 744/97, na tentativa de esclarecer a exigência legal apontada no art. 65 da Lei nº 9.394/96, apresenta que essa prática “constitui o espaço por excelência da vinculação entre formação teórica e início da vivência profissional, supervisionada pela instituição formadora” (BRASIL, 1997, p. 1). Ainda segundo o mesmo parecer, é na vivência dessa “prática de ensino” que o futuro professor se defrontará com problemas concretos do processo de ensino-aprendizagem e espaço escolar. Percebemos, a partir do que apresentou o parecer, que a “prática de ensino” e o “estágio supervisionado” tinham objetivos semelhantes, o que gerou certa confusão conceitual no momento de defini-las e diferenciá-las nos diferentes espaços de formação.

O parecer criado para explicar o art. 65 da LDBEN, então, gera uma confusão conceitual ao explicitar as exigências necessárias ao cumprimento do que seria essa “prática”. Como no art. 61, anterior ao artigo que apresenta a “prática de ensino” (art. 65), discute-se o “estágio supervisionado”, o entendimento seria que essa “prática de ensino” proposta se diferenciaria das práticas de estágios tratadas anteriormente. No entanto, como já dissemos, esse entendimento não ficou claro.

Essa confusão conceitual se mantém. Em 2001, a partir dos Pareceres CNE/CP nº 09/2001 e nº 21/2001, quando se amplia a carga horária apresentada no art. 65 da LDBEN em 100 horas (totalizando 400h), estipula-se a “prática de ensino” como disciplina obrigatória e que deve acontecer desde o início do curso. Um ponto importante dos pareceres é apresentar, além da “prática de ensino”, o estágio supervisionado como “outro componente curricular obrigatório” (BRASIL, 2001b, p. 10) (destaque nosso), o que permite entender que existe uma diferença entre eles. Nesse sentido, atentemos ao que sinaliza o Parecer CNE/CP nº 09/2001:

Uma concepção de prática mais como componente curricular implica vê-la como uma dimensão do conhecimento que tanto está presente nos cursos de formação, nos momentos em que se trabalha na reflexão sobre a atividade profissional, como durante o estágio, nos momentos em que se exercita a atividade profissional (BRASIL, 2001a, p. 23). (destaques nossos)

Observemos que, nos dois pareceres, seguindo as marcações em negrito dadas por nós, entende-se que a “prática mais como componente curricular” e o estágio são dois espaços de formação distintos. Ao usar o “como durante o estágio” e “outro componente curricular”, criam-se mecanismos de escrita que nos permitem fazer tal inferência.

Ainda nesse contexto, no Parecer CNE/CP nº 28/2001 que dá nova redação ao Parecer CNE/CP nº 21/2001, sugere-se a alteração do termo “prática de ensino” para a “prática como componente curricular”. Essa reescrita respalda-se no pressuposto, como apresenta Brasil (2001c), de que não se deve responsabilizar apenas o futuro professor pela tarefa de integrar e transpor o conhecimento sobre ensino e aprendizagem para o conhecimento situado na realidade da Educação Básica. Antes de qualquer coisa, cabe à formação inicial a promoção de espaços de reflexão sistemática e coletiva.

Destarte, particularizando a discussão para os cursos de Licenciatura em Matemática e indo ao encontro do que apresentamos anteriormente, o Parecer CNE/CES nº13022/2001, que trata das Diretrizes Curriculares para o curso de Licenciatura em Matemática, estabelece como competência própria para o educador matemático: “[...] e) perceber a prática docente de Matemática como um processo dinâmico, carregado de incertezas e conflitos, um espaço de criação e reflexão, onde novos conhecimentos são gerados e modificados continuamente; f) contribuir para a realização de projetos coletivos dentro da escola básica” (BRASIL, 2001d, p. 4) (destaques nossos).

Essas duas competências foram as que, a partir de nossa leitura, transpuseram o conhecimento sobre ensino e aprendizagem para o conhecimento situado na realidade da Educação Básica. Em “para a realização de projetos coletivos”, percebemos a necessária relação que precisa existir entre a escola básica e a universidade, no que tange a formar professores que ensinam Matemática, e que a prática docente é um processo dinâmico, reflexivo e onde novos conhecimentos são gerados.

Ao trazerem essa discussão, os Pareceres CNE/CP nº 28/2001 e CNE/CES nº13022/2001 nos sinalizam que o processo de profissionalização docente exige que esse professor em formação reconheça as particularidades da sua futura prática e que isso aconteça, ainda, no espaço da formação inicial. Como destaca Shulman (1987), a base de conhecimento necessária para a docência deve constituir-se como uma base de formação docente. É importante que haja um diálogo entre a formação e a prática/realidade escolar, desde o início do curso, como asseverou Brasil (2001c).

Na direção do que pontuamos anteriormente, o Parecer CNE/CP nº 28/2001 apresenta que o planejamento dos cursos deve promover

situações didáticas em que os futuros professores coloquem em uso os conhecimentos que aprenderem, ao mesmo tempo em que possam mobilizar outros, de diferentes naturezas e oriundos de diferentes experiências, em diferentes tempos e espaços curriculares (BRASIL, 2001c, p. 57).

Nesse sentido, segundo Brasil (2005), essa prática como componente curricular deve estar presente na matriz curricular dos cursos de forma articulada ao restante do curso, no interior de disciplinas. Nessa direção, como ressalta o Parecer CNE/CP nº 15/2005, as disciplinas ligadas aos conhecimentos pedagógicos e que incluem atividades de caráter prático podem ser computadas na carga horária classificada como PCC, “mas o mesmo não ocorre com as disciplinas relacionadas aos conhecimentos técnico-científicos próprios da área do conhecimento para a qual se faz a formação”. (BRASIL, 2005, p. 3). Isto é, os componentes que tratam especificamente dos conteúdos matemáticos não devem destinar carga horária para essas práticas.

Ainda nesse mesmo documento, define-se o “estágio supervisionado”. Vale considerar que essa definição, assim como foi para o de prática como componente curricular, se constituiu ao longo dos documentos oficiais. Em relação ao estágio supervisionado, no entanto, percebemos que se tinha um entendimento claro, sobretudo no que tange à imersão do licenciando no futuro espaço de atuação profissional e do acompanhamento sistemático pela universidade ou espaço de formação. A Lei 11.788/2008, nessa direção, define o estágio, em seu art. 1º, como sendo

ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam frequentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos (BRASIL, 2008, p. 1).

Os mesmos pareceres que estipulam uma carga horária mínima de 400 horas para as práticas como componentes curriculares, o fazem para os estágios, com o mínimo também de 400 horas. Segundo o Parecer CNE/CP nº 15/2005, o estágio é um

conjunto de atividades de formação, realizadas sob a supervisão de docentes da instituição formadora, e acompanhado por profissionais, em que o estudante experimenta situações de efetivo exercício profissional. O estágio supervisionado tem o objetivo de consolidar e articular as competências desenvolvidas ao longo do curso por meio das demais atividades formativas, de caráter teórico ou prático (BRASIL, 2005, p. 3).

Essa definição dialoga com a apresentada pelo Regimento Geral de Estágio da UNEB, Resolução CONSEPE nº 2016/2019. Nesse sentido, partindo do apresentado, entendemos o estágio supervisionado e a prática como componente curricular, como destacam Suzart e Silva (2020, no prelo), como movimento que possibilita a transposição da teoria para uma prática específica, permitindo um ressignificar “teórico-prático-teórico” ou “prático-teórico-prático”, “na medida em que aproxima os futuros docentes das vivências da profissão docente; essa aproximação produz reflexões acerca da realidade escolar vivenciada” (SUZART; SILVA, 2020, p. 4, no prelo). Para os autores, esses dois movimentos pendulares dialogam, e são eles, corroborando o que apresenta Pimenta (1999, 2012), que desafiam os cursos de formação de professores a fazerem essa transição entre a visão do aluno e a visão do professor, para que ele crie a sua identidade profissional.

Pelo que apresentamos até aqui, ao olhar para os documentos oficiais, percebemos algumas diferenças conceituais e metodológicas entre a prática como componente curricular e o “estágio curricular supervisionado”. Enquanto a PCC, por exemplo, sugere o conhecimento e análise de situações pedagógicas e não requer obrigatoriamente a imersão do licenciando no espaço escolar para isso, e essas situações podem acontecer por estudos de caso, narrativas orais e escritas de professores iniciantes e experientes, construção de materiais didáticos e produções de alunos, os estágios supervisionados, por sua vez, exigem tempo de permanência no futuro espaço de atuação profissional, sendo essa imersão acompanhada/supervisionada por um professor orientador.

Nesse sentido, portanto, considerando o apresentado e retomando o Parecer CNE/CES nº13022/2001, que trata das Diretrizes Curriculares para o curso de Licenciatura em Matemática, entendemos que a prática como componente curricular, da forma como destacamos anteriormente, cumpre um papel de formação que reveste o currículo de aspectos importantes para a profissionalização, permitindo que não seja, a licenciatura, confundida com o bacharelado. A ideia a ser superada, como pontuou o Parecer CNECP nº 9/2001, é a de que o estágio é o único momento do curso onde a prática acontece, e que nos demais espaços da universidade acontece o trabalho teórico.

Portanto, conceitualmente, retomando o Parecer CNE/CES nº 15/2005, as atividades caracterizadas como prática como componente curricular são aquelas desenvolvidas como núcleo ou como parte de disciplinas, pedagógicas ou não, ou de outras atividades de formação, exceto aquelas relacionadas aos fundamentos técnico-científicos de uma determinada área do conhecimento. O estágio curricular supervisionado, por sua vez, corresponde às atividades de formação supervisionada em que o licenciando experimenta situações de sua futura prática profissional, consolidando e conectando os diferentes conhecimentos necessários à docência que foram desenvolvidos ao longo do curso.

Nessa direção, partindo do que discutimos anteriormente nesta seção, apresentaremos, a seguir, o que o PPC do curso de Licenciatura em Matemática da UNEB, campus VII, “pensa” sobre a prática como componente curricular e o “estágio supervisionado”, e como foi organizada a sua matriz curricular.

O PPC da Licenciatura em Matemática: que lugar a prática como componente curricular e os estágios supervisionados ocupam?

A Universidade do Estado da Bahia, criada no ano de 1983, é uma instituição de ensino superior, pública e gratuita, que adota um sistema multicampi, com 24 campi e 29 departamentos presentes em boa parte do território baiano. Essa organização fortalece a política de interiorização da Educação Superior no estado. O Departamento de Educação do campus VII, localizado no município de Senhor do Bonfim, possui seis cursos, dentre eles o de Licenciatura em Matemática, que atende estudantes de todo o Território de Identidade Piemonte Norte do Itapicuru e de outras regiões.

Esse curso, como aponta Bahia (2011), tem como principal característica a formação de professores que ensinarão matemática, especialmente do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, sejam de escolas públicas ou particulares. Ainda segundo o mesmo documento, “a maioria dos professores de matemática das escolas públicas e particulares da região são alunos egressos do Curso de Matemática, havendo ainda muitas unidades de ensino básico da região que não possuem professores de matemática graduados” (BAHIA, 2011, p. 122).

Como destaca Bahia (2011, p. 136), corroborando o que apresentou Brasil (2001d), o referido curso “foi pensado na perspectiva de formação onde o aluno tenha autonomia intelectual e seja sujeito do seu processo de aprendizagem”. Busca-se, para isso, desenvolver uma visão social e histórica da Matemática, privilegiando os processos e não apenas as sínteses do conhecimento formal, “onde a Matemática é considerada como uma ciência viva, aberta, com ampla inserção nas sociedades contemporâneas” (BAHIA, 2011, p. 136).

Nesse sentido, partindo desses pressupostos, apresentam-se, no PPC, os seguintes objetivos para o curso: i) Desenvolver atividades acadêmicas numa perspectiva interdisciplinar, articulando ensino, pesquisa e extensão; ii) Possibilitar a construção de um conhecimento local, regional e global, mediante um processo de contextualização, de forma a abolir a fragmentação dos conteúdos expressos nos componentes curriculares; iii) Criar situações práticas, através do adequado conhecimento do exercício profissional, suas problemáticas e responsabilidades, dando ênfase ao aspecto ético, nelas envolvidas; iv) Estimular práticas de estudos independentes, visando uma progressiva autonomia profissional e intelectual do aluno.

Percebemos, nos objetivos acima, uma preocupação do curso em considerar as diferentes realidades educacionais enquanto contexto de formação. Há um cuidado manifestado textualmente em contextualizar o conhecimento construído em uma tentativa de conectar os diferentes componentes [“abolir a fragmentação dos conteúdos”] e em “criar situações práticas, através do adequado conhecimento do exercício profissional [...]”, o que vai ao encontro do que apresentaram os documentos oficiais analisados na seção anterior, sobretudo no que diz respeito ao lugar que a prática ocupa ou deveria ocupar nos cursos, e às diferenças que precisam ser estabelecidas entre um curso de licenciatura e bacharelado.

Para isso, segundo o PPC, propôs-se um currículo que apresentasse uma estrutura flexível e que possibilitasse a “articulação entre os conhecimentos específicos da área, com outras áreas e com a realidade onde ele se desenvolve” (BAHIA, 2011, p. 139). Isso ocorre, ainda segundo o documento, pela interação desses conhecimentos com os conhecimentos pedagógicos e o eixo de formação prática nele contemplado. A reflexão e a pesquisa constituem-se como elementos importantes para a construção do conhecimento e precisam ser privilegiados no decorrer de todo o curso (BAHIA, 2011). As marcações feitas por nós, em negrito, confirmam, de certa forma, o que apresentam os Pareceres CNE/CP nº 09/2001, nº 21/2001 e nº 28/2001.

Para garantir o que foi apresentado anteriormente, o currículo do curso de Licenciatura em Matemática da UNEB, campus VII, se organiza através de quatro grandes Eixos de Formação. São eles: a) Eixo de Estudos Teóricos da Matemática (ETM); b) Eixo de Formação Docente para o Ensino de Matemática (FDEM); c) Eixo de Instrumentação do Conhecimento e da Produção Matemática (ICM); d) Eixo dos Seminários Temáticos (ST).

A partir de uma análise sistemática do que propõe cada um dos eixos de formação apresentados, pensamos ser pertinente focar em apenas um deles, por perceber elementos que convergem para o nosso foco de investigação: o Eixo de Formação Docente para o Ensino de Matemática (FDEM). Mesmo considerando esse eixo como foco de análise, pensamos ser importante, antes de nos aprofundarmos nele, considerar alguns pontos dos demais eixos.

Inicialmente, considerando o que aponta Brasil (2005, p. 3), entendemos que o ETM não pode computar para a carga horária de prática como componente curricular, por ser o eixo que aloca as “disciplinas relacionadas aos conhecimentos técnico-científicos próprios da área do conhecimento para a qual se faz a formação”. Nesse sentido, portanto, após leitura de todas as ementas dos componentes curriculares que compõem esse eixo, os desconsideramos por entendermos que, em sua grande maioria, não revelaram questões sobre a prática, e focavam nos conhecimentos teóricos específicos da matemática.

No entanto, cabe considerar, por exemplo, o componente “Desenho Geométrico I”, que, embora pertença ao eixo ETM, apresenta, em sua ementa, questões que direcionam a discussão para “uma prática que produz algo no âmbito do ensino” (BRASIL, 2001c, p. 9). A construção de material didático e o desenvolvimento de atividades práticas foram elementos pontuados na ementa, e que atendem ao posto pelo Parecer CNE/CP nº 28/2001.

O Eixo ICM, de acordo com Bahia (2011), busca contemplar a pesquisa e a investigação do cotidiano escolar. Embora seja esta a proposta do eixo, “investigar o cotidiano escolar”, apenas um dos 14 componentes curriculares desse eixo, o componente “Softwares Matemáticos”, após análise das ementas, nos sugere essa relação com a realidade escolar. Em sua ementa, o componente propõe o estudo “de novas tecnologias na sala de aula sob o enfoque da educação matemática, por meio da análise de softwares educativos, atividades utilizando computadores e discussões teóricas sobre o tema”.

O Eixo ST[6], por sua vez, é o articulador interdisciplinar do currículo. Segundo Bahia (2011, p. 143),

As reflexões teóricas desenvolvidas durante o curso são articuladas para o desenvolvimento de atividades que contemplem os componentes do semestre. Configura-se como atividade interdisciplinar porque o “saber” e o “fazer” são direcionados para o desenvolvimento de competências como reflexão, questionamento e atuação. Neste sentido o trabalho docente e discente assume o aspecto de interação numa lógica de organizar o conhecimento a partir das teorizações que foram feitas ao longo do semestre. É aqui que o curso de Licenciatura em Matemática transpõe o espaço-tempo da sala de aula, se projetando em múltiplos lugares e ocasiões de formação.

No entanto, mesmo o caráter interdisciplinar sendo foco das ementas, não fica claro se e como se dará, por exemplo, a relação entre as discussões dos Seminários Temáticos e reflexões sobre a prática e Educação Básica. Outro ponto que fragiliza a proposição de um eixo como esse, mesmo reconhecendo a sua importância, é a carga horária ínfima de 15 horas destinada a cada um dos componentes. Na proposição do Seminário Temático IV, por exemplo, percebemos uma tentativa de aproximação com a prática por ser “o momento em que o aluno retoma as discussões sobre o processo de ensino-aprendizagem, das pesquisas na área de educação matemática numa perspectiva de exploração e reflexão a partir dos componentes curriculares do semestre” (BAHIA, 2011, p. 144).

Ao longo do PPC, não fica claro o entendimento dado, no documento, às práticas como componentes curriculares e nem como foram distribuídas as 400 horas destinadas a ela previsto pela Resolução do CNE/CP nº 2/2002. Essa imprecisão quanto à distribuição de horas e sobre o sentido mesmo do “conceito” não é o que acontece, por exemplo, para os estágios curriculares supervisionados, que têm uma seção no documento para a sua definição e apresentação.

Mesmo ficando evidentes, na leitura do PPC, tentativas de aproximação com a realidade escolar, reflexão sobre as questões de ensino-aprendizagem e constituição de uma prática docente em alguns componentes curriculares, essas concepções não foram bem esclarecidas teoricamente no documento e nem se apresentaram encaminhamentos metodológicos ou orientações, diferentemente de como aconteceu com os estágios.

Pelas considerações que fizemos de cada um dos eixos que compõe o curso, não foram nos três eixos discutidos anteriormente que essas práticas foram contempladas/alocadas, embora haja aproximação de alguns componentes em relação ao que determinam os documentos oficiais. Restou-nos, portanto, olhar o que propõe o Eixo da Formação Docente para o Ensino de Matemática (FDEM).

O Eixo FDEM[7] propõe, segundo Bahia (2011, p. 143),

Estudos que focalizam o trabalho pedagógico, oportunizando ao aluno a compreensão de como se dá a construção/aquisição do conhecimento fornecendo uma fundamentação epistemológica para fins de análise e intervenção no processo educativo, desenvolvendo uma postura reflexiva sobre a realidade do ensino da matemática, sobre conceitos e procedimentos necessários à ação docente. Ele busca também, identificar a organização política da Educação Brasileira, suas principais características e problemas, possibilitando uma atuação crítica no ambiente educacional. É ainda, o Eixo em torno do qual gravitam questões do ensino sob um olhar filosófico, sócio-antropológico e didático, analisando o desenvolvimento social e cognitivo que interfere no processo de ensino-aprendizagem, propondo ações intervencionistas que serão desenvolvidas ao longo dos quatro estágios integrantes do currículo. (destaques nossos)

Percebemos, portanto, que a esse eixo se destinam as questões mais específicas e particulares da formação do educador matemático, indo ao encontro das Diretrizes para a Licenciatura em Matemática (BRASIL, 2001d) e dos demais documentos que discutimos e que embasaram a sua criação. As marcações que fizemos, em negrito, evidenciam a relação estabelecida entre esse eixo e a realidade educacional, pensando em uma formação que atente para esses elementos e que os conecte: problemas do ambiente educacional, intervenção no processo educativo, questões do ensino e atuação crítica no ambiente educacional.

Ao analisar a carga horária prevista para esse eixo, percebemos que atende ao que solicitam os documentos oficiais ao estabelecerem um mínimo de 400 horas, tanto para os estágios supervisionados quanto para as práticas como componente curricular. Se observarmos o quadro 01, perceberemos que o Eixo FDEM, distribuído ao longo de todo o curso, do início ao fim, possui um total de 870 horas, sendo 405 horas para os quatro estágios supervisionados, que ocorrem nos quatro últimos semestres, e 465 para os demais componentes.


Quadro 01
Resumo da carga horária do curso
Bahia (2011, p. 146).

Embora isto não tenha sido posto textualmente, entendemos serem os componentes desse eixo, exceto os estágios, que se responsabilizam pela prática como componente curricular. Esse nosso entendimento se dá, sobretudo, pela própria definição dada pelo Parecer CNE/CP nº 28/2001 de que “a prática como componente curricular é, pois, uma prática que produz algo no âmbito do ensino [...] É fundamental que haja tempo e espaço para a prática, como componente curricular, desde o início do curso [...]” (BRASIL, 2001c, p. 9).

Ao ler as ementas dos componentes curriculares que compõem esse eixo de formação, percebemos, claramente, como evidencia o Parecer CNE/CP nº 28/2001, o “transcender a sala de aula para o conjunto do ambiente escolar e da própria educação escolar, [que] pode envolver uma articulação com os órgãos normativos e com os órgãos executivos dos sistemas” (BRASIL, 2001c, p. 9). Isso, portanto, atende o proposto nos documentos oficiais no que diz respeito à caracterização das práticas como componente curricular.

Como destacamos anteriormente, os estágios curriculares supervisionados tiveram uma seção no documento. Segundo Bahia (2011, p. 259)

O Estágio Curricular Supervisionado é realizado numa perspectiva de transversalidade, oportunizando a articulação dos conhecimentos científico-acadêmicos às situações de ensino-aprendizagem no ambiente de prática. Ele deve contribuir para a realização de projetos coletivos articulados com as escolas da Educação Básica, desenvolver estratégias que favoreçam a criatividade, a autonomia e a flexibilidade do pensamento matemático dos educandos, constituindo-se num espaço onde novos conhecimentos são gerados e modificados continuamente.

Assim, o “estágio curricular supervisionado”, atendendo ao que foi posto pelos documentos oficiais, deverá ser um componente obrigatório da organização curricular das licenciaturas, sendo uma atividade intrinsecamente articulada com a prática e com as atividades de trabalho acadêmico. Fica clara, a sua definição, e percebemos que se relaciona ao que é posto nos diversos documentos oficiais que subsidiaram a construção deste PPC.

O Eixo ST[6], por sua vez, é o articulador interdisciplinar do currículo. Segundo Bahia (2011, p. 143),

Algumas considerações

Após a leitura dos documentos oficiais, apresentados ao longo deste texto, evidenciamos que mesmo depois de 24 anos, desde que houve a exigência legal da prática de ensino que depois ganha nova redação e passa a se chamar prática como componente curricular, muitos cursos apresentam dificuldades em conceituá-la, como sinaliza Gatti (2010). A omissão dessa informação no PPC da Licenciatura em Matemática, campus VII, por exemplo, nos sinalizou essa dificuldade, algo que não acontece, por exemplo, com o estágio curricular supervisionado.

Ainda em relação ao que destacamos anteriormente, os termos prática como componente curricular ou prática de ensino não aparecem em nenhum momento no texto do currículo do curso. O uso da palavra “prática” assume diferentes significados ao longo do PPC: desde exprimir as ações da universidade e das atividades que acontecem no laboratório de física, por exemplo, até “criar situações, através do adequado conhecimento do exercício profissional, suas problemáticas e responsabilidades, dando ênfase ao aspecto ético, nelas envolvidas” (BAHIA, 2011, p. 137); esse último é o entendimento dado pelos documentos oficiais aos objetivos da prática como componente curricular.

Assim como foi para o estágio supervisionado, com lugar demarcado no projeto do curso, seria importante que a prática como componente curricular fosse bem definida, uma vez que assume o lugar de espaço de formação onde encaminhamentos teóricos e metodológicos específicos devem ser tomados, assim como o estágio supervisionado.

Não fica claro, ao longo do PPC, textualmente, o lugar que essa PCC ocupa e quais os componentes curriculares do curso abrigam as 400 horas destinadas a esse aspecto da formação. Isso, de certa forma, cria algumas dificuldades quando da vivência do currículo, uma vez que muitos professores que lecionarão as disciplinas que tratam dessa prática podem não entender as concepções-base ou os encaminhamentos teóricos e metodológicos necessários ao trabalho. Isso, que destacamos por último, nos sinaliza que precisamos, também, nos ater à formação dos formadores de professores que atuarão com esses componentes.

Não podemos negar que fica clara, ao longo da leitura do PPC, uma preocupação em criar relações entre a universidade e a sala de aula, promovendo reflexivas e coletivas discussões, e que o Eixo de FDEM, pelo que entendemos, cumpre esse lugar, abrigando os componentes da prática como componente curricular e do “estágio curricular supervisionado”. Porém, faz-se necessário, repetimos, situar teoricamente e apresentar encaminhamos que orientem os professores para a vivência do currículo quanto a essas questões particularmente.

Em nossa perspectiva, entendemos que mesmo que os componentes curriculares que compõem o Eixo mais teórico, o ETM, não computem para a carga horária de prática como componente curricular, esses componentes devem promover discussões, quando possível, que permitam que os conhecimentos didáticos/pedagógicos do conteúdo sejam construídos, como o que é proposto pela disciplina de “Desenho Geométrico I”, à qual já no referimos antes. Esse movimento precisa considerar que os conhecimentos específicos da área de formação são indispensáveis. O Eixo de seminários, o ST, por exemplo, cumpriria um papel importante se os objetivos definidos, com carga horária adequada, se alinhassem ao que de fato é proposto no PPC quanto aos componentes desse eixo Configurar-se “como atividade interdisciplinar porque o “saber” e o “fazer” são direcionados para o desenvolvimento de competências como reflexão, questionamento e atuação” (BAHIA, 2011, p. 143). O papel articulador e interdisciplinar dado aos componentes desse eixo permitiria que as diferentes disciplinas, dos diversos conhecimentos necessários à docência, dialogassem na tentativa de aproximar o futuro professor das discussões da docência e da educação básica.

Em relação aos estágios curriculares supervisionados, corroborando o que já discorremos ao longo do texto, importa destacar que sua definição e os encaminhamentos teóricos e metodológicos foram postos textualmente no PPC, e que existem resoluções especificas que o regulamentam e que o reconhecem enquanto espaço próprio de formação, como a Resolução CONSEPE nº 795/2007, vigente quando da construção do projeto do curso em 2011. A nova resolução CONSEPE nº 2016/2019, por exemplo, sinaliza que o estágio não precisa acontecer no final do curso, permitindo que logo em seu início aconteça a imersão do futuro professor no espaço de formação profissional.

Esperamos que as discussões aqui empreendidas contribuam para que os gestores dos cursos de licenciatura em Matemática e os seus professores formadores repensem o curso e o lugar que ocupam neles, sobretudo no que tange à formação promovida pelo espaço da prática como componente curricular e do estágio curricular supervisionado. No momento em que escrevemos este artigo, um redimensionamento do curso analisado encontra-se em construção. Acreditamos ser relevante que as questões aqui evidenciadas, e outras, igualmente importantes, reverberem nos movimentos de redimensionamento de curso. Os Projetos Pedagógico de Curso são importantes documentos que, para além de dar identidade ao curso, contribui para ao perfil de educador matemático que se pretende formar.

Referências

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BAHIA. Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade do Estado da Bahia, campus VII. Senhor do Bonfim: Universidade do Estado da Bahia, 2011.

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BRASIL. Parecer CNE/CP nº 09, de 08 de maio de 2001. Dispõe sobre Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Brasília, DF, 2001a.

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Notas

[2] Cabe considerar que essa mesma exigência posta para a prática como componente curricular se mantém e se reafirma na Resolução nº2/2019;
[3] Cabe considerar que essa mesma exigência posta para o estágio supervisionado se mantém e se reafirma na Resolução nº2/2019
[4] Pensamos o currículo de acordo com o conceito elaborado por D’Ambrosio e D’Ambrosio (2006, p. 37), isto é, como “estratégia da ação educativa”. Nesse sentido, vale salientar que o currículo não se resume ao programa de disciplinas, metodologias e estratégias, como ressalta Menezes (2009), embora nos atenhamos a isso nesse momento e para esse texto em particular;
[5] Entendemos por “formação inicial” o primeiro momento que prepara o sujeito para ingressar na profissão. De acordo com as Diretrizes Nacionais para a Formação de Professores, (BRASIL, 2005, 2015), essa formação precisa ser entendida e vivenciada como espaço que ensine o futuro professor a aprender, de modo contínuo e reflexivo, corroborando o que discute Pimenta (1996, 1999);
[6] Nesse Eixo, são desenvolvidos e apresentados os seguintes Seminários: a) Seminário Temático I - Linguagem e Representação Matemática; b) Seminário Temático II - Representação Geométrica I; c) Seminário Temático III - Representação Geométrica II; d) Seminário Temático IV - Pesquisa em Educação Matemática.
[7] Os componentes curriculares que compõem esse eixo são os seguintes: Didática, Psicologia I e II, Didática da Matemática, Laboratório de Ensino da Matemática I e II, Tópicos Sócio-Antropológico-Filosóficos – TSF, Políticas Educacionais I e II, Análise e Reflexão do Processo de Ensino da Matemática – ARPE, Estágio Supervisionado I, II, III e IV, História da Matemática.
[1] Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos (PPGESA) da Universidade do Estado da Bahia. Endereço para correspondência: Universidade do Estado da Bahia, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática (LEPEM), Rodovia Lomanto Junior, BR-407, Km 127. E-mail: ajnunes@uneb.br.

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