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Criação musical e renovação escolar nas décadas de 1920, 1930 e 1940: ideias e práticas em debate na Progressive Education
MUSIC CREATION AND SCHOOL RENEWAL IN THE 1920S, 1930S, AND 1940S: IDEAS AND PRACTICES ON DEBATE IN THE PROGRESSIVE EDUCATION
Revista Orfeu, vol.. 6, núm. 2, 2021
Universidade do Estado de Santa Catarina

Artigos

Revista Orfeu
Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil
ISSN: 2525-5304
Periodicidade: Semestral
vol. 6, núm. 2, 2021

Recepção: 04 Novembro 2020

Aprovação: 15 Dezembro 2020

Financiamento

Fonte: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)

Número do contrato: 2015/01978-0 e 2016/20353-3

Resumo: O presente artigo trata do tema das práticas criativas no contexto da Progressive Education Association. Para tanto, as fontes investigadas foram a revista homônima produzida pela associação, bem como outros documentos ligados ao grupo, datados das décadas de 1920, 1930 e 1940. Parto de uma reflexão sobre as fontes focalizadas e, em seguida, desenvolvo o tema de maneira a evidenciar que as práticas criativas gozavam de importância destacada tanto nas atividades de escolas experimentais quanto nos escritos em imprensa, movimentando debates e inovação pedagógica.

Palavras-chave: Práticas Criativas, Progressive Education, Inovação Pedagógica.

Abstract: This paper deals with the creative practices in the context of the Progressive Education Association. The sources investigated were the journal of the same name produced by the association, as well as other documents related to the group dating from the 1920s, 1930s and 1940s. I start from a reflection on the focused sources and then develop the theme in such a way as to show that the creative practices enjoyed outstanding importance, both in the activities of experimental schools and in the writings in the press, promoting debates and pedagogical innovation

Keywords: Creative Practices, Progressive Education, Pedagogical Innovation.

Introdução

A partir do reconhecimento da ênfase dada às práticas de criar música nas pesquisas e nas proposições educativas recentes (FONTERRADA, 2015; BEINEKE, 2009; PELIZZON; BEINEKE, 2019), o presente artigo tenciona colaborar com a compreensão do assunto, recuando no tempo. Se nos aproximamos dos estudos em história da educação, sobretudo em história da instituição escolar e das ideias pedagógicas, é patente que a abertura para a expressão criativa e para a participação de crianças já era assunto discutido e experimentado desde o final do século XIX e ganhou força considerável no entreguerras, com a internacionalização de movimentos de renovação escolar. Apresento aqui um recorte específico de investigação2 sobre a educação musical neste contexto, a saber, o tema das práticas criativas de crianças quando tratado em publicações ligadas à associação estadunidense Progressive Education nas décadas de 1920, 1930 e 1940.

Ao longo do artigo, procuro demonstrar que as primeiras décadas do século XX, especialmente os movimentos de renovação escolar, foram palco de discussões acerca de assuntos que ainda ressoam nos dias de hoje, como a relevância das práticas criativas e de seus produtos na educação de crianças e a efetividade da participação de estudantes nas dinâmicas do espaço escolar.

Em um primeiro momento, teço considerações não só acerca do trabalho com as fontes, seus limites e potencialidades, mas também acerca do contexto de sua produção e circulação. Em seguida, abordo o tema focalizado por três vias: o reconhecimento das músicas das crianças pelos adultos, as divergências entre educadores sobre o valor das práticas criativas e o registro como problema pedagógico. Na seção final, recupero pontos do quadro exposto em sua relação com os dias atuais e enfatizo que, para além do recorte apresentado, uma das características dos movimentos pedagógicos renovadores foi sua gradual internacionalização, de modo que investigações sobre a Progressive Education estão conectadas a outros cenários da época e podem trazer novas luzes à história da educação musical, inclusive no Brasil.

Sobre as fontes

Na busca pelas práticas criativas na educação musical de crianças no início do século XX, colocam-se as problemáticas do trabalho com fontes documentais, uma vez que o interesse está voltado para situações inacessíveis por outras vias, como a observação direta ou a entrevista com participantes. No recorte de investigação que apresento aqui, tomo como fonte central a revista Progressive Education, mais precisamente seus números publicados entre 19253 e 1944. A partir da leitura de tal material, o corpus foi ampliado com outras publicações a ele ligadas – como livros, revistas e publicações escolares coetâneas –, além da bibliografia secundária que comenta e desenvolve posteriormente vários aspectos e que perpassa todo o artigo.

A Progressive Education Association (PEA) foi fundada nos Estados Unidos em 1919, inaugurando, segundo Alix (2017), uma nova fase da era progressista em educação.4 A reunião de educadores, intelectuais e interessados em educação de maneira geral não era novidade, mas essa associação tinha por especificidade reunir aqueles implicados nos debates sobre escolarização e inovações pedagógicas com inclinação progressista. A organização de uma associação, contudo, não era índice de unanimidade, ao contrário, constituiu-se em um espaço de discussão e diversidade de pensamento e prática pedagógica, ainda que existissem bases epistemológicas e políticas em comum (ALIX, 2017). Os debates sobre as práticas criativas musicais de crianças que abordarei aqui são exemplares neste sentido, evidenciando a pluralidade de pensamento e ação.

Em 1924, a associação passa a publicar um periódico homônimo, onde divulga o ideário progressista em educação por meio de artigos sobre temas específicos, relatos de experiência, resenhas e indicação bibliográfica, notas sobre eventos, entre outros conteúdos. Nos primeiros anos, embora a associação estivesse comprometida com o estabelecimento de uma rede nacional de educadores e intelectuais, a revista já veiculava também textos provenientes de outros países. A relação com movimentos estrangeiros ganha nova envergadura em 1932, quando a PEA passa a ser a seção estadunidense da New Education Fellowship (NEF) – Ligue Internationale pour l’Éducation Nouvelle (Lien) em contexto francófono. Essa organização foi fundada em 1921 já com amplitude internacional, congregando primeiramente membros europeus e expandindo-se, nas décadas de 1930 e 1940, para outros continentes, tomando ares globais. Principalmente por meio dos Estados Unidos, a presença da NEF/Lien espraia-se para a América Latina e suas atividades neste território vêm sendo recentemente investigadas, como as tentativas de consolidação de uma seção brasileira na década de 1940 (VIDAL; RABELO, 2020b).

É interessante notar que a imprensa tem um papel de destaque nas condições de comunicação para a divulgação do ideário destes movimentos e para a colaboração entre seus membros. Uma das primeiras ações que visavam à consolidação da NEF/Lien, a propósito, foi o estabelecimento de publicações do grupo em três línguas para garantir a circulação das ideias entre leitores europeus, para além de ações como uma agenda de congressos internacionais. Os eventos consistiam em reuniões presenciais para mostras e discussões, entretanto se davam em intervalos anuais ou até bienais, enquanto a periodicidade de publicação de revistas e boletins era muito mais intensa. Assim, a imprensa garantia que os debates e a publicidade de práticas pedagógicas exemplares, bem como notas sobre as ações administrativas, assembleias e ações formativas de caráter regional ou nacional, circulassem de maneira mais ampla, no espaço, e contínua, no tempo.

As revistas europeias da NEF naquele início da década de 1920 eram as seguintes: The New Era, publicada em Londres por Beatrice Ensor; Pour l’Ère Nouvelle, publicada em Genebra por Adolphe Ferrière; e Das werdende Zeitalter, publicada por Elisabeth Rotten em Berlim. Estas não eram as únicas revistas de movimentos pedagógicos renovadores, elas compunham um amplo leque de imprensa desta natureza. A própria NEF/Lien seguiu expandindo sua atividade editorial de modo que, em 1936, já contava com 23 revistas associadas em 15 idiomas (VIDAL; RABELO, 2019). Para além desta organização, existem outros casos notáveis. Na França, por exemplo, são de grande interesse a revista La Nouvelle Éducation, publicada entre 1924 e 1939 por associação homônima, e as várias publicações engendradas pelo Movimento Escola Moderna, fundado por Célestin Freinet em 1920.5

Tomar a imprensa pedagógica como fonte para investigar os movimentos renovadores da primeira metade do século XX, portanto, justifica-se pelo fato de que esta espécie de documento foi constitutiva da sociabilidade dos movimentos, uma forma importante de fomentar o debate público sobre educação. Cada uma destas revistas dá a ler a polifonia6 que compunha os movimentos, seus conflitos e convergências, seus processos de transformação e traços de continuidade. O trabalho com tais fontes, por conseguinte, pode ser de grande valia e possibilita diversas indagações, como apontado por Catani (1996):

De fato, as revistas especializadas em educação, no Brasil e em outros países, de um modo geral, constituem uma instância privilegiada para a apreensão dos modos de funcionamento do campo educacional enquanto fazem circular informações sobre o trabalho pedagógico e o aperfeiçoamento das práticas docentes, o ensino específico das disciplinas, a organização dos sistemas, as reivindicações da categoria do magistério e outros temas que emergem do espaço profissional. Por outro lado, acompanhar o aparecimento e o ciclo de vida dessas revistas permite conhecer as lutas por legitimidade que se travam no campo educacional. É possível analisar a participação dos agentes produtores do periódico na organização do sistema de ensino e na elaboração dos discursos que visam a instaurar as práticas exemplares. (CATANI, 1996, p.117).

As revistas são documentos afeitos à justaposição e mesmo à contraposição de ideias pedagógicas, ao contrário de documentos de cunho mais afirmativo, como os materiais didáticos ou os documentos oficiais, nos quais as divergências só podem ser acessadas de maneira indireta (PENNA; FERREIRA FILHO, 2019). Nas páginas da Progressive Education, como será tratado na sequência, não existe apenas uma ideia de educação musical. Ao contrário, o que encontramos são reflexões, proposições e argumentações distintas acerca das práticas de criar músicas na educação de crianças.

É necessário, entretanto, considerar os limites das fontes documentais, uma vez que nenhum documento garante, por si só, a complexidade do trabalho historiográfico, pois é justamente na consciência da lacuna entre o arquivo e o pesquisador que se dá a investigação. Segundo Farge (2009), mesmo um arquivo profuso não é sinônimo de conhecimento. A autora (FARGE, 2009) sublinha uma situação paradoxal que o arquivo suscita, a saber, a falta produzida pelos documentos, sua presença que se impõe com caráter enigmático.

No caso de uma investigação que se pergunta pelas práticas de criar música em cenário educativo, uma lacuna se impõe pela própria condição de produção das fontes. Essa problemática leva Cunningham (2020) a afirmar que é mais fácil escrever história da infância do que escrever história das crianças, uma vez que as fontes raramente são produzidas por elas. Correntemente, as crianças aparecem em documentos por meio de discursos de adultos, seja em âmbito público ou privado, em escritos sobre educação, filantropia, políticas públicas, entre outros assuntos. Segundo Cunningham (2020), aos estudos de Ariès (2011) sobre as transformações dos sentimentos em relação à infância, muitos se seguiram em esforço de contraposição, intentando a produção de uma história das crianças, engajando-se na tarefa árdua de se aproximar da experiência de ser criança em outros tempos. Essa dificuldade não é facilmente superável e, no presente artigo, a aponto como a falta, o enigma do qual tomo consciência e que constitui a investigação.

Neste sentido, Binder (2018) apresenta um caso que colabora de maneira exemplar para tal reflexão sobre os limites das fontes. Ao reconstruir a trajetória artística de Guiomar Novaes, o pesquisador (BINDER, 2018) relata sua despedida do Jardim de Infância, evento de grande importância na construção da reputação de Novaes como pianista prodígio. Na ocasião, na festa do final do ano letivo de 1902 do Jardim da Infância anexo à Escola Normal – instituição-modelo frequentada pela elite paulistana, à época localizada na Praça da República ¬–, a menina tocou uma valsa de sua autoria, intitulada Jardim da infância, cuja partitura foi distribuída para autoridades locais e publicada na imprensa. Binder (2018) analisa as notícias e relatos do evento, visto que seu foco recai sobre a construção da reputação de Novaes, mas não apenas. O pesquisador também dirige sua atenção à partitura e a analisa, de maneira a perscrutar a atividade criativa da pequena pianista. Ele sugere que é possível que Novaes tenha criado a peça, mesmo que essa fosse bastante complexa, pois seria condizente com seu conhecimento pianístico à época. A valsa poderia ser uma espécie de imitação criativa do que a criança já conhecia, contudo o registro não poderia ter sido feito por ela. Novaes se despedia do Jardim de Infância, e a imprensa noticiava que ela ainda não era alfabetizada – o que, em alguma medida, corroborava a imagem de prodígio –, e essa condição torna inexequível, pela menina, a escrita de uma partitura de tamanha complexidade. Assim, Binder (2018) afirma que, mesmo que Novaes tenha, de fato, criado uma peça considerada difícil, a composição, tal qual a conhecemos hoje, teve que passar pelas mãos de um adulto, tendo seu registro sido feito possivelmente pelo professor Luigi Chiaffareli ou por uma de suas assistentes.

O problema do registro das composições das crianças não é apenas característico das fontes aqui focalizadas – encontrei partituras de criações que, ainda que não tão complexas quanto a de Novaes analisada por Binder (2018), não foram produzidas exclusivamente pelas crianças –, mas constitui também seu conteúdo. Em uma das seções subsequentes, tratarei de como o ensino da notação e o registro em suporte de gravação apareceram como problemas pedagógicos ligados às práticas criativas. Antes, demonstrarei como o assunto era de importância notável no cenário investigado.

O reconhecimento e a valorização das criações infantis

Entre 1926 e 1931, a revista Progressive Education publicou uma série de quatro números especiais, cada um dedicado à expressão criativa na educação em uma área artística. A música foi contemplada já no segundo número, editado em 1927, antecedido por um número dedicado às artes visuais em 1926, e seguido dos números dedicados à literatura em 1929 e às artes dramáticas em 1931. Em 1932, os quatro números reaparecem em edição única, resultado de uma parceria entre a associação e a editora John Day Company, sob o título Creative expression: the development of children in art, music, literature and dramatics. A republicação em 1932 é justificada, em prefácio de Ann Shumaker, membro da associação e uma das editoras do compilado, pelo grande sucesso dos números especiais. Shumaker (1932) afirma que os números, desde 1926, vinham sendo recebidos com entusiasmo por educadores e pelas famílias e que a demanda por novas cópias era tamanha que a associação não conseguiria provê-la sozinha.

O prefácio de Shumaker manifesta também uma autoapreciação bastante positiva do grupo responsável pela edição, visto que as publicações ali recolhidas são apresentadas como um ponto de virada na educação artística estadunidense e como referência crucial em bibliotecas escolares e para a formação de professores. Todo este sucesso estaria ligado ao caráter inovador da publicação, assim expresso nas palavras de Shumaker (1932, p.5, tradução nossa): “[…] a ênfase singular nos modos de autoexpressão próprios da criança por meio de todas as artes criativas, em oposição a padrões mais adultos de acabamento e perfeição”7. Tal ênfase encontra diferentes desdobramentos pedagógicos, visto que a seção dedicada à música conta com 12 artigos, cujos conteúdos não são exatamente consonantes. De qualquer maneira, a ideia de que existem particularidades na expressão criativa a depender da idade está posta no prefácio, guia a iniciativa da publicação e a apresento aqui como um primeiro sinal de que as práticas criativas das crianças encontravam lugar de reconhecimento e alguma valorização no cenário. Comentarei brevemente um dos textos da publicação, pois este trata de alguns problemas colocados nas discussões à época.

No artigo intitulado “Creative music in the group life”, assinado por Ellen Steele e Rosemary Lillard, encontramos uma reflexão que desdobra a consideração do prefácio de Shumaker em duas vias características do ideário renovador: por um lado, os adultos deveriam reconsiderar esteticamente as produções das crianças, pois, em razão da idade, elas teriam modos de expressão distintos que mereciam ser respeitados, e, por outro lado, a atividade criativa era uma oportunidade de observação das crianças, um meio de estudá-las. Estas duas vias são evidenciadas no trecho seguinte:

Acredito que devamos assumir com a música a mesma atitude que assumimos com a pintura ou com a língua – que a criança deve ser observada objetivamente mais do que vem sendo observada. Nós devemos prover um ambiente musical onde seus conceitos musicais, em qualquer ponto de seu desenvolvimento, possam se mostrar livre e alegremente e possam ser recebidos com naturalidade e respeito, sem fazer a criança sentir que sua técnica precisa ser desenvolvida antes de seu poder criativo. (STEELE; LILLARD, 1932, p.125-126, tradução e grifos nossos).8

O estabelecimento das ciências da educação no início do século XX estava estreitamente ligado às pesquisas em psicologia do desenvolvimento. Esta relação torna-se tão fundamental que, para Monarcha (2009, p.46), no lugar da fórmula da revolução copernicana da educação corrente à época – fórmula que consistia na asserção de que a criança havia sido colocada no centro da escola –, o que caracterizava as mudanças no ensino, de fato, era o destaque dado à Psicologia, pois a esta ciência havia sido dado um papel central na educação. Cousinet (1968), educador envolvido em movimentos de Educação Nova na Europa, contudo, atentava para o fato de que a pedagogia não poderia ser simplesmente uma “psicologia da educação aplicada” (1968, p.16, grifo do autor), pois tem um caráter prescritivo e não descritivo e se conecta aos princípios e necessidades sociais do contexto. Cousinet também afirmava que o ideário da Educação Nova era amplo e se alicerçava não apenas na Psicologia, mas em três correntes, quais sejam: mística, filosófica e científica (1968, p.24). No que concerne à atividade criativa como meio para a observação da criança, Cousinet defendia o desenho livre e a produção de textos como atividades conectadas às investigações científicas e organizou e publicou, entre 1922 e 1929, a revista L’Oiseau Bleu, com conteúdos produzidos por e para crianças (GUTIERREZ, 2007; COUSINET, 1922).

A construção da argumentação de Steele e Lillard (1932) passa também pela constatação de que, nas produções musicais dos círculos composicionais de vanguarda, as ideias de música estavam em transformação, e, portanto, a reconsideração estética não dizia respeito apenas aos produtos das crianças. Em suas palavras:

Os modernistas, apreciemos sua música ou não, ao menos abriram nossas mentes para novas concepções musicais, novos intervalos, novas escalas, novos ritmos, novas relações. Para mim, a compreensão de que a atonalidade quebra nossa velha dependência da tonalidade, que não é necessário finalizar em uma nota ou em um acorde que resolve o que se passou antes, significa que se deve deixar a imaginação musical ir a planos distantes, assim como os artistas modernos fazem nas relações espaciais. Com isso não quero negar a beleza da grande música do passado. Tampouco quero superestimar a expressão musical contemporânea. Eu digo apenas que, dos músicos de hoje, nós, como professores, devemos apreender uma nova atitude musical ou uma nova atitude diante da música e da criança. (STEELE; LILLARD, 1932, p.125-126, tradução nossa).9

Uma revisão de pensamento estético e geracional aparece, no trecho acima, como necessidade para a modernização da educação. Segundo Jacquet-Francillon (2004), as correntes de Educação Nova se caracterizam por uma reconsideração fundamental nas relações entre adultos e crianças, uma assunção ética que não assume como incompatíveis as limitações das crianças e o reconhecimento de sua humanidade. Esse pensamento vai além da consideração do caráter processual do desenvolvimento infantil e constitui um quadro cultural onde enunciados normativos tiveram desdobramentos práticos, como o direito de educação às crianças com deficiências, a supressão de castigos físicos e morais como meios disciplinares e a apropriação de ideias oriundas da ordem democrática no ambiente escolar. A nova atitude defendida por Steele e Lillard (1932), neste contexto, estaria em conexão com a assunção da musicalidade como faculdade presente nas crianças, e não na sua falta, à luz do alargamento das ideias sobre infância e sobre música em voga.

Na esteira dos apontamentos de Steele e Lillard (1932), são exemplares as considerações de Donald Pond em texto veiculado pela revista Progressive Education em 1936. De título “Music as social function in the child’s world”, o artigo traz considerações como a ligação entre a falta de conhecimento de repertório por parte dos adultos e sua incapacidade de lidar com as produções musicais das crianças. Pond (1936) declara ter percebido que, ao permitir que as crianças criassem músicas sem orientações convencionais, elas buscaram maneiras originais e significativas de organizar materiais. Dando como exemplo o estímulo de criação de trilha para uma peça de teatro, Pond (1936) defende que esta é uma atividade na qual uma criança pode compor de maneira a conectar o que faz sentido para si e para o grupo, e este é um dos vários trechos onde o autor enfatiza o caráter social da música, tal qual indicado no título do artigo. Em suas palavras:

A atividade musical da criança como membro de um grupo, onde todos têm a intenção de realizar o mesmo empreendimento, é certamente da maior importância, não apenas como uma coisa em si mesma, mas também como um meio de coordenar a criança e sua emoção em relação à vida com a comunidade. A criança descobre que será ajudada a pensar música, mas que ninguém lhe dirá o que e como fazer. Ela descobre que pode fazer algo pessoal para si mesma e que isso pode se tornar pessoal para seu grupo, para outros grupos, para grupos em outras escolas, para crianças que ela nunca viu. (POND, 1936, p.178, tradução nossa).10

À época da publicação deste artigo, Pond, que havia imigrado da Inglaterra há apenas dois anos, trabalhava como compositor e professor em Nova York. Na Dalton School, escola experimental de grande destaque fundada por Helen Parkhurst, Pond tinha como uma de suas alunas a filha de Leopold Stokovski, regente que aparece direta e indiretamente nas páginas da Progressive Education. O trabalho de Pond na Dalton School tinha caráter investigativo, de modo que as atividades de criação das crianças eram fundamentais. Stokovski partilhava da inclinação investigativa de Pond e conhecia uma família que estava em vias de criar uma fundação para o ensino de música em Santa Barbara, Califórnia, onde residia parcialmente. Em razão de sua influência e dos interesses em comum, o regente indicou Donald Pond para a direção da escola. Stokovski já havia indicado Evelyn Gladys Moorhead, educadora proeminente em Los Angeles, que aceitou a posição com a condição de dividi-la com um músico.

Em 1937, a Pillsbury Foundation School, dirigida por Moorhead e Pond, abriu as portas em Santa Barbara atendendo quatorze crianças de dois a cinco anos de idade. A escola-laboratório tinha seu ambiente e materiais planejados para incentivar a experimentação musical não dirigida das crianças, buscando a integração entre atividade individual e coletiva. Kierstead (1994), em trabalho baseado nas publicações de Pond originadas das observações na escola, utiliza repetidas vezes o termo “forma sonora”, o que enfatiza o pioneirismo da atitude de escuta de Pond frente à produção das crianças, como nos dois trechos seguintes:

Pond observou que as crianças da escola eram exploradoras e descobridoras do som por natureza. Elas encontraram grande prazer em brincar com timbre, intensidade, duração e altura. Por meio do uso de sua imaginação para investigar sons e organizá-los em padrões rítmicos com cores tonais, elas naturamente criaram formas sonoras com suas vozes, assim como com instrumentos e muitos outros objetos. (KIERSTEAD, 1994, p.198, tradução nossa). 11

Ele [Pond] via as crianças da Pillsbury Foundation School como uma comunidade de inventores de formas sonoras que surgiu por meio da exploração e descoberta do som. Fatores que geraram aprendizagem espontânea dentro da comunidade incluíam maior ou menor experiência, diferenças de idade e incorporação em grupo de improvisação. Os descobridores muitas vezes mostravam a outros como reproduzir uma invenção assim reconhecida. Desta forma, habilidades, técnicas e ideias criativas da comunidade se acumulavam por meio da interação cooperativa entre as crianças. (KIERSTEAD, 1994, p.200, tradução nossa).12

A Pillsbury Foundation School existiu até 1948 e, até 1945, contou com a direção musical de Pond. As atividades da escola sofreram variações temporárias, como o foco da pesquisa no desenvolvimento rítmico, experimentações no ensino de notação, a ampliação da faixa etária atendida e a integração de atividades de dança. Após a saída de Pond, segundo Kierstead (1994), o direcionamento musical foi significativamente alterado, descaracterizando o projeto inicial da escola-laboratório. Pond, entretanto, continuou atuando como compositor e educador e escrevendo ensaios sobre o que nomeou “A descoberta do som”, processo de aprendizagem musical de cunho humanista baseado nas observações de atividades infantis. Em 1978, um ano antes de sua dissolução, a Pillsbury Foundation republicou os escritos de Pond sob o título Music of young children: Pillsbury Foundation Studies (KIERSTEAD, 1994).

O experimento da Pillsbury Foundation School é de pioneirismo notável e está ligado ao ideário de renovação pedagógica – tanto no reconhecimento estético de músicas feitas pelas crianças quanto na realização do ímpeto investigativo por meio de atividades criativas – e às relações engendradas na sociabilidade da PEA e nas páginas da revista Progressive Education. Contudo, trata-se de uma escola especialmente dedicada à música, e um fator de grande importância na PEA, bem como em outros movimentos pedagógicos do cenário, é a reflexão sobre a experimentação na escola de educação básica, que se tornava cada vez mais abrangente em seu alcance social e em seu currículo.

De maneira mais diretamente ligada à prática pedagógica e ao caráter institucional da escola regular, o reconhecimento das criações das crianças pode ser observado em documentos ligados à Lincoln School, escola-laboratório do Teachers College (TC) da Columbia University, e à sua professora de música, Satis Coleman. O TC e sua escola foram, nas décadas aqui focalizadas, espaços fundamentais para a experimentação pedagógica e estreitamente ligados à PEA. Em estudos sobre a história conectada da formação de professores, Vidal e Rabelo (2019) demonstram como o TC foi um modelo internacional para a fundação de Institutos de Educação, inclusive no Brasil, em um momento em que o segmento tomava ares científicos e passava a constituir a gama de formações oferecidas em universidades, nomeadamente nas décadas de 1920 e 1930.

Em relação à configuração da NEF/Lien como uma rede, as autoras (VIDAL; RABELO, 2020a) defendem ser profícuo tomar o TC como um de seus principais hubs, um lugar significativo de entroncamento na circulação de sujeitos e ideias em uma trama internacional. Fundado em 1887 como uma escola inovadora de professores, o TC passou a ter tal denominação apenas em 1892 e, em 1923, criou-se o Instituto Internacional. Nos quinze anos subsequentes, entre 1923 e 1938, o Instituto Internacional recebeu mais de quatro mil estudantes estrangeiros e também enviou seus membros para viagens de pesquisa acerca de sistemas de ensino no exterior.13 Dentre os brasileiros, o mais célebre estudante foi Anísio Teixeira, personagem de fundamental importância para a difusão das ideias de John Dewey ¬– membro da PEA, professor de Filosofia da Columbia University e integrante do Departamento de Pesquisa Educacional da instituição – no Brasil.14 A Lincoln School foi fundada em 1917 e teve como objetivo ser um espaço de integração entre prática pedagógica e pesquisa, de modo a desenvolver ambos os campos experimentalmente. Perrillo (2016) afirma que os profissionais da escola publicaram centenas de estudos especialmente direcionados a assuntos como currículo, desenvolvimento infantil, técnicas de ensino e administração escolar democrática, de maneira a avançar nestes temas, e igualmente levando adiante discussões sobre metodologia da pesquisa em educação e suas fundamentações. A produção de Satis Coleman, professora da disciplina Creative Music na Lincoln School entre 1919 e 1941, é exemplar destas característica da instituição.

Coleman iniciou seu trabalho experimental no ensino de música com crianças em espaço privado na década de 1910,15 primeiramente em Washington D.C. e, a partir de 1919, em Nova York. Foi também em 1919 que a educadora entrou para o corpo docente da Lincoln School. Em 1922, pouco depois de entrar na instituição, ela publica Creative Music for Children, o primeiro título de uma extensa lista de livros e demais publicações que viria a produzir. Segundo Coleman (1922), sua proposta de educação musical foi denominada Creative Music por outra professora da escola, que atribuía a tal abordagem pedagógica o poder de tornar as crianças mais criativas. O termo Creative Music foi adotado pela educadora e pela própria Lincoln School, projetando a proposta de Coleman nos Estados Unidos e no exterior. No entanto, assim como na apresentação do livro, a autora seguiu se eximindo da responsabilidade pela nomeação, e, em publicações posteriores, o termo é colocado em xeque, sendo apresentado como insuficiente e possível gerador de mal-entendidos (COLEMAN, 1932/1933; COLUMBIA…, 1922).

Apesar de o conteúdo do livro de estreia ser exclusivamente constituído de materiais provenientes do trabalho em estúdio privado – relatos, fotografias e reflexões –, em seu prefácio, Coleman já se apresentava como professora da escola-laboratório do TC. Sua ligação com o cenário de educação experimental também é evidenciada na abertura do livro, um pequeno texto elogioso assinado por G. Stanley Hall, figura basilar para os desenvolvimentos práticos e teóricos da educação progressista (ALIX, 2017). A proposta, tal qual apresentada nesta obra, baseava-se em atividades de construção de instrumentos, criação de música e poesia, prática instrumental, canto e dança. No que concerne ao tema focalizado nesta seção – a valorização das atividades criativas –, este perpassa todo o livro, de maneira que até mesmo na construção de instrumentos as crianças não deveriam apenas copiar modelos, mas também inventar ou “descobrir” instrumentos experimentando com materiais em um ensino guiado pela pesquisa.

As atividades de improvisação e composição estão presentes em muitos momentos do livro, pois Coleman (1922) afirma logo em seu início que se tratava de uma proposta integrada e que a segmentação em temas servia apenas à organização da exposição. De modo a relatar e comentar especialmente as atividades criativas, a autora escreve o capítulo “Original Compositions”, de número 8, e retoma o termo como um dos subtítulos do capítulo de número 10, “The place of Creative Music in Education”. Em ambas as seções, Coleman advoga pelo lugar das práticas de improvisação e composição desde o início da aprendizagem musical das crianças. Ela argumenta que a abertura para a criação não deveria estar subordinada ao conhecimento de harmonia ou outros saberes complexos, nem deveria ser exclusividade de crianças que demonstram aptidão ou inclinação, pois, para Coleman (1922), a competência de criar pode ser desenvolvida e já se mostra no fazer musical desde os primeiros anos. O que, segundo ela, era visto por muitas pessoas como “dom especial” (COLEMAN, 1922, p.176) era, na verdade, resultado de hábitos incentivados desde cedo. A autora defendia sua proposta de educação musical neste primeiro livro apontando que as crianças têm, desde os primeiros anos, habilidades criativas que são “atrofiadas por falta de uso ou bloqueadas por demasiada formalidade no ensino” (COLEMAN, 1922, p.177).

No capítulo “Original Compositions”, a autora relata como trabalhava neste sentido em seu estúdio, deixando claro que sua ação pedagógica, quando direcionada à improvisação, visava ao estabelecimento de um hábito. Ela integrava improvisações vocais às conversas, convidando as crianças a cantarem similarmente, em um tipo de atividade que mescla imitação e criação de maneira comunicativa. Agir de maneira exemplar era a estratégia central para isso, passando das conversas para a improvisação de canções. Assim ela relata: “Eu improvisava canções em sua [das crianças] presença sobre todo tipo de coisas, e, por meio de sua tendência imitativa natural (por mais contraditório que possa parecer), elas capturavam o espírito e o hábito de improvisar originalmente” (COLEMAN, 1922, p.123, tradução nossa).16

Assim que as crianças começavam a tocar os instrumentos que construíam no próprio estúdio, continuavam a ter incentivado o hábito de improvisar melodias. À medida que as crianças cresciam, entretanto, a improvisação tornava-se uma etapa da composição. Coleman (1922) descreve um processo no qual as crianças são levadas, gradualmente, a inventarem frases e serem capazes de mantê-las, indo além da efemeridade da prática musical improvisada. Ao expor os exemplos de improvisações e composições das crianças de seu estúdio, a autora sublinha que não se tratava de talentos excepcionais, mas do estabelecimento de um espaço onde há abertura para a criação. Em suas palavras: “Estes exemplos não são dados como evidência de precocidade ou capacidade incomum, mas simplesmente como a expressão natural de crianças normais sob condições nas quais lhes é dada oportunidade de livre expressão” (COLEMAN, 1922, p.123, tradução nossa).17 O foco na expressão não levava necessariamente a uma postura individualizante, uma vez que o trabalho também compreendia a composição em pequenos grupos e a harmonização de melodias individuais por crianças maiores ou pela educadora.

A valorização das atividades de criação é enfatizada na rotina de Coleman com as crianças, em seus processos de ensino e aprendizagem, mas não apenas. O livro de estreia da autora traz dois programas de recitais dados no Creative Music Studio de Nova York, datados de maio de 1920 e abril de 1921 (COLEMAN, 1922, p.130-133). Ambos os programas são constituídos integralmente de peças originais – compostas pelas crianças – apresentadas para amigos e familiares. A socialização das composições também se dava entre as próprias crianças, visto que as criações não eram tocadas apenas pelas compositoras e pelos compositores, passando a integrar, por vezes, um repertório comum.

No ano de 1922, além de Creative Music for Children, temos a publicação de um documento destinado às famílias que gostariam de enviar seus filhos e filhas à Lincoln School e aos demais interessados nas atividades desenvolvidas na instituição, uma espécie de livreto que tornava público o projeto da escola. Dentre as várias informações do Descriptive Booklet, encontramos Satis N. Coleman na lista de docentes, onde também constava Charles M. Kinney como professor de música e Evelyn Mellen como professora de violino, cuja contratação é especificada como em tempo parcial. Na seção do livreto destinada à música, há duas subseções: “Singing” e “Creative Music”, e em ambas aparecem referências às práticas criativas.

Em meio às características do ensino de canto na instituição, lê-se que “incentivo e oportunidade para compor melodias são dados às crianças que tenham escrito versos ou que precisem de música incidental para a performance de teatro” (COLUMBIA…, 1922, p.59, tradução nossa). 18 Na subseção que trata da Creative Music, encontram-se novamente programas de apresentações de crianças onde constam criações originais (COLUMBIA…, 1922, p.61-63). Os programas das apresentações escolares trazem também indicações de atividades referentes à construção de instrumentos, outro tema de grande importância na proposta de Coleman, o que sugere que seu trabalho experimental desenvolvido primeiramente com pequenos grupos no estúdio vinha ganhando espaço significativo na escola.

Além das duas seções, há a informação de que a escola oferecia prática de orquestra e, de maneira limitada, aulas individuais de piano e violino. Em relação à divisão do trabalho entre os professores, as aulas de violino eram atribuídas diretamente à Evelyn Mellen; as atividades de Creative Music diziam respeito à proposta de Satis Coleman; e o canto, por conseguinte, estava sob responsabilidade de Charles Kinney. No que concerne às aulas de piano, poderiam ter sido atribuídas a Coleman, uma vez que ela fazia tal trabalho em seu estúdio privado, no entanto o documento não traz evidências de como o ensino desse instrumento se dava na Lincoln School. O livreto tampouco deixa claro quem era responsável pela orquestra escolar em 1922, porém a atuação posterior de Coleman nesse setor será evidenciada anos mais tarde, pois constituiu seu objeto de pesquisa de doutorado e é o tema do livro A children’s symphony, publicado em 1931 no contexto da investigação. Esta publicação é digna de atenção no presente artigo, visto que o tema da criação musical está em seu cerne.

Se o caso possessivo que atribui uma sinfonia às crianças no título do livro provoca interesse, o subtítulo destaca que a criação musical e a participação são fundamentais no estudo, a saber: “with the themes composed entirely by the children, and played by them in instruments of their own making and other simple instruments”. Depois de pouco mais de uma década de atuação na escola-laboratório, Coleman apresenta seu trabalho que integra pesquisa e prática pedagógica tomando como objeto a elaboração e a preparação da apresentação da Sinfonia da Lincoln School n.3.

A criação de sinfonias com temas criados pelas crianças começou, segundo Coleman, no ano letivo de 1927/1928, depois de uma discussão sobre o assunto ser suscitada por uma criança que havia escutado a Sinfonia n.7, de Beethoven, no rádio (COLEMAN, 1931, p.39). Em meio à conversa, foi colocada a proposta de criar uma sinfonia para as crianças se estas fornecessem melodias para a educadora. As crianças se engajaram no projeto por meio de atividades como a composição de temas, a construção de instrumentos, a preparação da performance e a comunicação com o público nas apresentações. O projeto se repetiu devido ao grande interesse das crianças. O livro trata da terceira edição, que era a mais recente, e, segundo a autora (COLEMAN, 1931, p.41), contava com mais dados para o desenvolvimento da pesquisa.

Por se tratar de uma produção científica, o texto não se restringe ao relato da realização da sinfonia, estruturando-se nos seguintes capítulos: I – Contexto da Sinfonia, onde Coleman aborda seus experimentos anteriores, revisa o repertório de obras orquestrais dedicadas a crianças, faz considerações sobre a prática instrumental em grupo no contexto escolar e relata o início do projeto; II – Lincoln School Symphony n.3, onde relata como a sinfonia foi criada e aprendida, quem participou e quais instrumentos foram usados; III – Reações à sinfonia, onde Coleman lança mão de entrevistas para perscrutar as impressões de crianças, bem como de seus familiares, em relação ao experimento focalizado e de anos anteriores; IV – Implicações, capítulo no qual a autora se coloca em discussão com o campo, problematizando questões como o valor das práticas criativas das crianças e as possibilidades e os limites para a realização do projeto em outras escolas; e, por fim, capítulo V, que consiste na partitura orquestral da sinfonia.

Os trabalhos de Coleman são exemplares de como as práticas criativas tinham lugar no contexto da PEA, e as atividades da Lincoln School, certamente, destacavam-se neste cenário. Entretanto, não era apenas nesta instituição, no Creative Music Studio e na Pillsbury Foundation School que as improvisações e as composições das crianças eram valorizadas, pois outras menções a tais práticas são notáveis nas páginas da revista Progressive Education, de maneira que o assunto se desdobra em propostas pedagógicas diferentes. São igualmente notáveis, nos discursos de alguns educadores, as reservas à abertura para a criação na educação musical, o que explica, a propósito, o tom defensivo que Coleman (1931) adota ao tratar do valor de seu trabalho de criação de uma sinfonia com temas compostos pelas crianças. A falta de acordo sobre o valor pedagógico dessas práticas será tematizada na seção seguinte.

O valor das práticas criativas em debate

No capítulo “Implicações” do livro supracitado, Coleman (1931) apresenta questionamentos que lhe poderiam ser direcionados a partir da leitura da obra, uma espécie de interpelação imaginada pela autora. Dentre as questões colocadas, há algumas que versam sobre a praticidade da realização de tal projeto, como perguntas sobre a grande mudança na rotina escolar que a criação e a preparação de uma sinfonia demandam, ou sobre a validade do uso de instrumentos artesanais e a dificuldade em comprar os materiais e construí-los, às quais Coleman responde de maneira a defender o valor de seu trabalho. As duas últimas perguntas da lista tratam especificamente do caráter criativo, a saber: “Não é um desperdício de tempo para as crianças o aprendizado de suas próprias composições originais ou das composições de outras crianças?” e “É útil para as crianças dedicarem seu tempo ao aprendizado de uma sinfonia feita com seus próprios temas ou qualquer outra sinfonia que não tenha sido escrita por um grande compositor?” (COLEMAN, 1931, p.102, tradução nossa).19

As perguntas parecem muito similares, porém sua elaboração permite que Coleman desenvolva o tema em dois tempos. Na resposta à primeira questão, a educadora argumenta a favor das práticas criativas de maneira mais ampla, o que vinha realizando há mais de uma década e de formas distintas. Ela afirma que a musicalidade se compõe de diversos vieses, dentre os quais está a intimidade com a música, a capacidade de tomá-la como meio expressivo. O desenvolvimento de uma atitude musical íntima e expressiva estaria, segundo a educadora (COLEMAN, 1931, p.102), ligado ao incentivo à criação.

Na segunda resposta, Coleman explora a temática da sinfonia para discutir sobre a relevância do repertório usado na educação e o faz com vistas a valorizar as músicas feitas pelas próprias crianças. Ela atenta para o fato de que as composições sinfônicas são de difícil execução e, mesmo que exista um repertório de “sinfonias infantis”, estas são escassas e se tratam, na verdade, de peças tocadas por adultos com algum pequeno “enfeite rítmico” atribuído às crianças (COLEMAN, 1931, p.103). Ou seja, ela traz para o cerne do debate a participação efetiva das crianças, argumenta a favor das práticas criativas no processo educativo e, ao mesmo tempo, confere importância ao resultado dessas práticas.

Um dos interesses nestas duas perguntas imaginadas pela autora e suas repostas se deve ao fato de que a legitimidade do uso de obras musicais é colocada em um contexto de discussão pedagógica, não subordinando a educação musical a critérios fundamentados no âmbito da estética. Coleman (1931, p.103) reavalia a pertinência de uma sinfonia de Beethoven, pois, em um quadro educacional, sua validade precisa ter caráter pedagógico, não sendo suficiente uma argumentação sobre seu valor artístico. Isso não significa que as obras artísticas tenham sua validade limitada a uma funcionalidade, ao seu uso como ferramenta, mas reconfigura a lógica de argumentação a favor de repertórios à luz de ideias efetivamente pedagógico-musicais. As respostas de Coleman deixam clara uma visão de que o campo da educação musical tem suas problemáticas próprias e se constitui através da integração e do diálogo com outros campos, como a educação ou a estética. O trecho seguinte, ao atribuir autoridade ao professor, sintetiza o assunto:

O professor deve julgar quanta aprendizagem de suas próprias composições será necessária para que as crianças possam manter o feliz equilíbrio entre a apreciação da melhor música do mundo, uma intimidade no manuseio das formas musicais e um grande prazer em sua própria capacidade criativa. (COLEMAN, 1931, p.102, tradução nossa).20

A tensão sobre a validade das composições das crianças frente a outros repertórios perpassa as discussões sobre educação musical da PEA. As perguntas acima abordadas ecoam em outros documentos, como em um relatório da seção de música da Francis Parker Conference. As notas sobre o encontro de educadores, redigidas por Whit Brogan e publicadas na revista Progressive Education em 1937, trazem questões acerca das quais não se chegou a uma visão comum. Dentre os assuntos sem consenso, lê-se: “Qual é o lugar das composições infantis em um programa de ensino, se comparado ao lugar da ‘música dos mestres’?” (BROGAN, 1937, p.643).

Neste contexto, uma voz discordante de destaque é a de Thomas Surette, que atuou na formação de educadores proferindo palestras nos Estados Unidos e na Europa, além de ter dirigido, entre 1915 e 1939, a Concord Summer School of Music, em Concord, Massachusetts. Junto ao quadro de profissionais de sua escola, empreendeu também atividade editorial, como The Concord Series of educational music and Books on Musical Pedagogy. Como autor nas páginas da Progressive Education, Surette (1930, 1932) tencionava contrapor-se ao que, segundo ele, vinha acontecendo nas escolas estadunidenses à época, a saber, um exagero na ênfase dada à self expression. Para ele, a valorização das atividades criativas ia de encontro ao papel da educação como transmissora de cultura – e a cultura a ser transmitida, quando Surette (1930, 1932) trata de repertório, parece se restringir à música folclórica e de concerto. O trecho a seguir é exemplar neste sentido.

Certamente, um de nossos maiores deveres em relação às crianças é colocá-las em contato com o que de melhor fizeram no passado, ensiná-las assim o significado do mundo, seus lugares nele, seus deveres em relação a ele e dar-lhes self expression dentro desses limites. […] Há uma grande massa de leis e tradições e um mundo inteiro de beleza que constitui um ambiente necessário e limitador para todos nós, ao qual os jovens devem ser ensinados a se ajustarem. (SURETTE, 1930, p.113, tradução e grifos nossos). 21

Essa contraposição entre um modelo de educação que privilegia a atividade criadora das crianças e outro que se funda na transmissão de um legado cultural é ampla, ultrapassa o escopo da educação musical e, segundo Alix (2017), figura entre interpretações que movimentam críticas ao pensamento progressista até os dias atuais. Uma crítica célebre é aquela feita por Arendt (2014) em A crise da educação, que, ainda que não se sustente em sua totalidade, tem como ponto alto a identificação de desdobramentos no terreno da educação, da crise da tradição na modernidade. A filósofa argumenta que, uma vez que o mundo não encontra mais coesão na autoridade e na tradição, a educação se vê em crise, pois não consegue abandonar tais categorias. Para Arendt (2014), o ofício do educador é exemplar dessa crise, pois é uma figura de mediação entre o velho e o novo e mantém-se comprometida com ambos.

O conflito entre a ênfase na transmissão de uma tradição musical e na valorização das criações das crianças, contudo, precisa ser analisado de maneira cuidadosa, pois os autores, por vezes, carregavam nas tintas em asserções de efeito. Surette (1930), por exemplo, finaliza o texto supracitado com a frase “O mundo não começou ontem”,22 visando coroar sua argumentação na celeuma em torno das músicas que têm lugar na educação. Coleman (1922, p.179, tradução nossa), por sua vez, pergunta retoricamente em seu livro de estreia: “Não seria mais significativo no seu [da criança] desenvolvimento ser capaz de criar uma canção encantadora do que saber com precisão os detalhes de tudo o que Chopin compôs?”23. As duas citações evidenciam que o tema mobilizava as discussões, por vezes, de maneira exageradamente dualista.

Quando os discursos são mais diretamente ligados às práticas pedagógicas, essa dualidade exacerbada tende a ser substituída por um terreno nuançado. Se observarmos, por exemplo, o livro já mencionado de Coleman (1931) sobre a sinfonia criada a partir de temas compostos pelas crianças, somos informados de que o projeto nasceu do relato feito por uma criança sobre a escuta de uma sinfonia no rádio, portanto, do contato com repertório. No mesmo sentido, o desenvolvimento do projeto se deu com o estudo de sinfonias e tinha na relevância histórica um valor, entre outras justificativas, ao lado da importância das atividades de criação.

A coexistência da valorização das práticas criativas das crianças e de um repertório específico – novamente, músicas folclóricas e de concerto – a ser transmitido é observada em outros momentos. Em texto contido no número especial da revista dedicado à expressão criativa em educação musical, de título “Experiments in melody making”, Katherine Davis (1932) relata processos de composição de canções individuais e em grupo na Shady Hill School. Tal tipo de atividade ocorria ao lado de muitas outras e a ela não era atribuída relevância especial, entretanto a autora admite que as crianças pequenas – no que hoje chamamos de educação infantil e primeiro e segundo anos do ensino fundamental – tinham muito prazer em improvisar e o faziam corriqueiramente. As crianças um pouco mais velhas, a autora pondera, entravam em uma “atmosfera sadia de esforço conjunto e criticismo” (DAVIS, 1932, p.79, tradução nossa)24 no trabalho criativo em grupo, porém incorporava-se certo egoísmo ao trabalho individual.

O texto de Davis (1932) é um exemplo de como as práticas criativas podiam ser compreendidas como adequadas às crianças e ter algum espaço na escola, sem que isso implicasse, necessariamente, uma real estima pelos produtos dessas práticas. A citação seguinte traz considerações neste sentido, abordando o papel, por vezes utilitário, das práticas criativas e a diferença da legitimidade atribuída aos repertórios:

Este trabalho [criação de melodias] me parece valioso apenas como um meio, não como um fim. Em demasia, ocuparia tempo que poderia ser gasto cantando música muito melhor; e poderia ainda dar a uma criança a impressão de que a música se centra nela, quando ela deveria estar aprendendo a se perder na música. Mas um pouco disto [criação de melodias] serve para tornar vívida, de uma nova maneira, a necessidade de estrutura, contraste e repetição, e a relação entre poesia e música, em ritmo e espírito. Também é valiosa como meio de ensino de notação, e é uma maneira segura de descobrir como o gosto de uma criança está se desenvolvendo. Quando as crianças inventam música em estilo sadio de canção folclórica, sem serem tocadas por canções baratas de escola dominical ou peças sentimentais para piano, elas estão na estrada que leva a Haydn, Mozart, Beethoven, Brahms e Bach, música de câmara e sinfonias, um mundo onde elas podem encontrar alívio e prazer para toda a vida (DAVIS, 1932, p.79, tradução nossa).25

Dentre os pontos que a autora considera positivos nas práticas criativas, encontra-se a possibilidade de se valer destas atividades para o ensino de notação. Este é um dos assuntos que discutirei na seção seguinte, dedicada aos registros das criações das crianças.

O registro das criações como problema pedagógico

Como comentado anteriormente neste artigo, ainda que existam evidências de que as crianças criavam músicas no cenário da PEA, os documentos que consistem nos registros dessas criações não foram produzidos exclusivamente por elas. Isto nos é informado nos escritos de Coleman (1922, 1931), pois constitui um assunto pedagógico: uma vez que as crianças compõem, precisam aprender a registrar suas músicas. Enquanto as crianças são menores e ainda estão mais ligadas às práticas de improvisação – o início das atividades no estúdio se dava aos três anos de idade –, Coleman assinala a efemeridade das criações nomeando-as de “melodias acidentais” (1939, p.43), às quais não se associa a necessidade de manutenção como produtos. À medida que as crianças crescem e que, como já mencionado, as improvisações passam a consistir em etapa do processo de composição na abordagem da educadora, a notação aparece como fator estreitamente ligado à prática criativa. A notação servia não apenas à memória de quem compôs, mas igualmente à circulação da composição no grupo, visto que as peças eram tocadas por crianças diferentes.

Em uma clara utilização da notação como ferramenta associada às necessidades próprias às práticas musicais das crianças, Coleman se vale de um sistema de notação numérica para registrar alturas, ao qual são associados símbolos como traços, círculos e pontos para indicações rítmicas. Este consistia em regras de escrita de fácil compreensão e operação para crianças pequenas, ganhando em complexidade à medida que as criações também se tornavam mais elaboradas. Ao longo do desenvolvimento das crianças e em estreita relação com suas atividades criativas e de performance, o sistema direcionava progressivamente à aprendizagem da notação convencional.

A notação numérica empreendida por Coleman não apresentava engenhosidade admirável, tampouco era de grande originalidade, visto que sistemas similares eram encontrados em outros espaços à época. Seu interesse reside no fato de que, em meio a muitas outras argumentações e proposições didáticas que constituem a Creative Music, a notação numérica aparece como necessidade ligada a uma prática musical efetiva. Se as crianças eram conduzidas por um processo de aprendizagem onde sua autonomia era construída em atividades como a invenção de melodias, a capacidade de registrá-las seria um desdobramento disto.

É interessante atentar, ainda, para o fato de que a notação numérica servia não apenas às crianças, mas também às famílias. Em livro dedicado aos pais – de título Your child’s music, publicado em 1939 –, a educadora dá indicações de como os adultos poderiam prover um ambiente musical doméstico em consonância com a Creative Music, e, em meio a outros temas, as práticas criativas são destacadas. Junto aos direcionamentos sobre como criar situações de improvisação e composição no cotidiano familiar, Coleman (1939) coloca o sistema de notação numérica como ferramenta fundamental em famílias cujos adultos não passaram por educação musical formal nem dominam o código das partituras convencionais.

Tanto nos escritos de Coleman quanto no trecho de Davis (1932), que fechou a seção anterior deste artigo, a notação é associada ao registro da criação de melodias. Entretanto, uma diferença fundamental parece haver entre as duas propostas. Se, para Davis (1932), a prática criativa serve ao ensino da notação, para Coleman (1939), acontece o contrário, a notação se mostra necessária como ferramenta para o registro da prática que está em evidência, um desdobramento da atividade propriamente musical. Quando Coleman relata como a sinfonia com temas das crianças da Lincoln School foi realizada, fica evidente como a notação era feita de diversas maneiras ¬– pelos adultos e pelas crianças, em sistema numérico ou convencional – e servia ao propósito de comunicar as contribuições trazidas ao projeto de criação coletiva.

Alguns temas foram feitos ao piano na escola, alguns foram feitos em casa, e outros foram cantados pelas crianças que não estavam certas de como anotá-los. Alguns foram compostos no saltério, alguns, no flageolet e outros, na marimba, de acordo com o humor ou a fantasia de cada criança. Embora muitas melodias tenham sido cantadas para a autora ou sua assistente, a maioria delas foi trazida em papel manuscrito. Como a “notação numérica” lhes é o meio mais familiar de registrar melodias, as crianças escreveram a maior parte delas neste sistema de notação. Algumas melodias das crianças, entretanto, especialmente aquelas do sexto ano, chegaram anotadas na pauta. Por vezes, um pedacinho de papel sujo e amarrotado, que tinha sido carregado o dia inteiro em meio a bolinhas de gude, giz e outros materiais alheios e acabava em um bolso, continha um pequeno e charmoso trecho melódico. (COLEMAN, 1931, p.4748, tradução nossa).26

O problema do registro das criações das crianças ganha novo matiz em texto de Susan Keep, publicado na revista Progressive Education em 1944. Tratase de resenha elogiosa do livro de Leopold Stokovski – de título Music for all of us e publicado no ano anterior. Keep (1944) declara que, ao ler o livro, percebeu a insuficiência do sistema de notação convencional para registrar o que as crianças fazem, pois os educadores estariam “embalando novas ideias em velhas escalas” (KEEP, 1944, p.115, tradução nossa).

Em seu livro, Stokovski (1943) se ocupa de diversos assuntos, inclusive da relação entre música e infância, e o faz informado pelos experimentos que vinham sendo desenvolvidos na Pillsbury Foundation School. Ele não nomeia a instituição nem os educadores, mas a descreve e afirma que “um grande número de observações em prática e criação musical infantil vem [vinha] sendo feito em uma escola de Santa Barbara, Califórnia” (STOKOVSKI, 1943, p.69). A escola fundada sob sua influência já estava em funcionamento há alguns anos e, de acordo com sua descrição, tinha como característica marcante uma atmosfera livre e feliz para a prática musical das crianças.

Quando trata da criação de canções, Stokovski (1943) indica maneiras de fazer com que as crianças tragam à consciência e mantenham suas melodias por meio do diálogo e do incentivo a repeti-las e cantá-las em grupo. Para o autor, isso faria com que as crianças reconhecessem suas canções e tivessem orgulho delas. A fixação das melodias apenas na memória, não anotadas, poderia propiciar que continuassem flexíveis a novas formulações quando cantadas em novas situações. Quando a fixação é pensada para além da memória, Stokovski faz as seguintes ponderações sobre os meios de registro:

Pode-se dar forma permanente às canções das crianças escrevendo-as em notação musical ou, ainda melhor, gravando-as. A maioria das canções cantadas por crianças tem frequências que ficam entre as notas do piano e podem ser gravadas pelo fonógrafo, mas não é possível indicá-las rigorosamente pelo nosso sistema limitado de notação musical. O mesmo é verdadeiro para a rítmica altamente irregular que as crianças criam quando cantam e dançam. Imediatamente depois de fazer o registro, ele pode ser tocado para as crianças, assim elas podem ouvir suas melodias e seus ritmos (STOKOVSKI, 1943, p.66, tradução nossa).27

A defesa de que a gravação seria um modo mais fiel de registrar as criações das crianças está em concordância com os objetivos da Pillsbury Foundation School e com os escritos e ações já mencionados de Donald Pond. Aqui, a atividade criativa aparece como meio privilegiado para a observação das crianças em suas especificidades, em uma atitude que congrega a inclinação cientificista e a reconsideração ética entre gerações, duas faces dos múltiplos movimentos pelos quais o campo pedagógico passava naquele momento.

Ora por adaptações nos meios de notação, ora pelo uso de tecnologias de gravação, os exemplos supracitados mostram que o registro das criações era um ponto sobre o qual se refletia e que estava intimamente ligado às ideias e às práticas. A vontade de perenizar os produtos e a busca pelos meios mais adequados de fazê-lo evidenciam, mais uma vez, que, no cenário aqui focalizado, as práticas criativas estavam no cerne das preocupações.

Considerações finais

Com base no quadro investigado neste artigo, enfatizo que duas colaborações podem se somar aos estudos das práticas criativas em educação musical: (i) a consciência de que este assunto já gozava de grande importância na primeira metade do século XX, se observados os movimentos pedagógicos de renovação escolar, e (ii) a coexistência de diferentes ideias e práticas, constituindo, portanto, um terreno fértil para debate e inovação. Trata-se de reconhecer, em concordância com Brito (2007), que diferentes ideias de música convivem e estão em constante movimento, especialmente em espaços de educação de crianças.

Entretanto, abordar a temática deste dossiê por um viés histórico nos leva não apenas a elucidar aspectos do passado, mas nos permite igualmente refletir sobre o presente. A consciência de que o quadro de experimentação pedagógica aqui abordado se deu em meio a uma configuração de crise global – haja vista as tensões políticas, humanitárias e econômicas inerentes às duas Grandes Guerras, a intensificação do fluxo migratório e a então recentemente superada epidemia de Gripe Espanhola – e de avanços tecnológicos que viriam a redefinir nossos hábitos de comunicação e, especialmente, de produção e fruição musical, faz-nos pensar que, em variados aspectos, não estamos em situação muito distinta daquela enfrentada por educadores da Progressive Education. Em tese, onde investiga a existência de um movimento educacional renovador no Brasil no início do século corrente, Barrera (2016) aponta como, por vezes, aspectos pedagógicos hoje aventados como inovadores estão, na verdade, em estreita relação com o que se discutia e realizava de maneira pioneira nas primeiras décadas do século passado. Segundo a autora (BARRERA, 2016), um dos pontos de convergência entre os dois momentos é a valorização do desenvolvimento da criatividade. Compreender como estes agentes lidaram com seu cenário educativo e como a criação musical era pensada e praticada instiga-nos a reflexões sobre como lidamos com temáticas semelhantes nos dias de hoje.

A preocupação de Coleman (1922, 1939), por exemplo, em criar condições pedagógicas para o estabelecimento de pontes entre as práticas criativas na escola e no ambiente familiar, ou entre as próprias crianças em um ambiente de ensino colaborativo, tanto em seu estúdio privado quanto na Lincoln School, prenuncia, em alguma medida, a consciência atual de que tais práticas, constituindo uma das dimensões do desenvolvimento das crianças, acontecem e podem ser fomentadas a partir de dinâmicas relacionais diversas. Conforme Burnard e Kuo (2016, p.486, tradução nossa):

Seu [das crianças] desenvolvimento criativo decorre da associação a várias unidades culturais e sociais, tais como pais e cuidadores dentro da cultura nuclear da família, ou ocorre na interface de contextos sociais com amigos e pares em comunidades escolares e extraescolares e como membros de múltiplas culturas.28

Em relação à constituição de um espaço de exploração livre, como a Pillsbury Foundation School, é notável que a existência de tal instituição tenha sido possível já na década de 1930, uma vez que a abertura para práticas criativas que não restritas ao sistema tonal é correntemente associada à segunda metade do século

XX. Este reconhecimento das explorações das crianças pequenas se aproxima, em nossos dias, de trabalhos como os de Delalande (2019, 2015) e Cunha (2018), autores que enfatizam a necessidade de acolher e incentivar as investigações sonoras na infância. É ainda oportuno destacar que, porque em conformidade com o ideário científico, pedagógico e estético que estava na base do projeto, a utilização de tecnologias de gravação foi um importante e coerente aspecto de inovação. Isso pode nos alertar sobre a necessidade de constante reflexão sobre a cultura material dos ambientes contemporâneos de ensino e aprendizagem e a real coerência entre os usos que fazemos de novas tecnologias e as ideias de educação e de música que fundamentam nossos trabalhos pedagógicos.

O exame de cenários, como o da Progressive Education, é importante frisar, não se encerra em si mesmo, desdobrando-se também de maneira sincrônica. Como demonstrado aqui, e em consonância com diversos outros estudos, as investigações sobre a educação renovadora do entreguerras são afeitas a abordagens de história conectada. Neste sentido, aponto que as conexões da educação musical do Brasil nesta rede ainda estão por ser mais bem compreendidas, uma vez que a Creative Music de Coleman ressoou por meio de escritos de João Caldeira Filho (1935, 1945) nas décadas de 1930 e 1940 em São Paulo; e Ceição Barros Barreto, então professora da Escola Nacional de Música da Universidade do Brasil, foi uma das brasileiras participantes da conferência internacional da NEF/Lien em 1941, em Ann Arbor, Michigan (VIDAL; RABELO, 2020b). Estes são apenas alguns exemplos de como o cenário abordado ainda convida a novas investigações.

Agradecimentos

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)

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Notas

2 Este artigo desenvolve parte dos resultados da pesquisa que originou a tese “Escola Nova e Educação Musical: um estudo através de imprensa pedagógica no entreguerras”. A pesquisa foi realizada entre os anos de 2015 e 2019 no Programa de Pós-Graduação em Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGMUS/ECA/USP), sob orientação da Prof.a Dra. Maria Teresa Alencar de Brito. Entre os anos de 2017 e 2018, o trabalho foi desenvolvido como estágio de pesquisa no exterior, sob supervisão de Antoine Savoye na Université Paris 8 Vincennes Saint-Denis. Foram de fundamental importância, para tanto, as bolsas concedidas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), cujos números referentes aos processos são os seguintes: 2015/01978-0 e 2016/20353-3.
3 A revista começa a ser publicada em 1924, mas a primeira menção relevante à educação musical aparece em 1925, no número 4 do volume II. O primeiro número do primeiro volume não foi encontrado, ainda que diversas instituições em diferentes países tenham sido visitadas.
4 Há diferentes periodizações do que se trata por Era Progressista na história dos Estados Unidos, tanto em educação quanto em outros aspectos da vida social. De maneira conectada às ideias pedagógicas que abordo neste artigo, ainda que não pareça profícuo indicar uma data exata de origem, a década de 1870 é expressiva pelas viagens de pesquisa pedagógica que Francis Wayland Parker – apontado por John Dewey como pai da Progressive Education (ZILVERSMIT, 1993; WALLACE, 1995) – empreende pela Europa e por seus experimentos na volta aos Estados Unidos. Também Alix (2017) aponta esta década como um marco para o desenvolvimento da educação progressista, mas por outros motivos, como o nascimento de determinados movimentos sociais que lutavam por mudanças na legislação do ensino técnico e profissionalizante.
5 Este movimento está em plena atividade até os dias de hoje em muitos países do mundo e tem na imprensa um fator importante de conexão entre os pares desde a sua fundação (MUNHOZ, 2010).
6 O termo polifonia é usado por Gutierrez e Savoye (2018) em um estudo sobre Madeleine Guéritte, figura de grande importância na associação La Nouvelle Éducation. Acredito ser pertinente o uso do termo, visto que os autores examinam as contribuições de uma pessoa em particular, demonstrando, ao mesmo tempo, a originalidade de suas ideias e ações e sua conectividade a um cenário plural e colaborativo.
7 Original: “[…] the unique emphasis on the child’s own modes of self-expression through all of the creative arts, as opposed to more adult standards of finish and perfection” (SHUMAKER, 1932, p.5).
8 Original: “I think we must assume with music the same attitude we do with painting and with language – that the child be observed objectively more than we have done. We must provide an environment where his musical concepts, at any point in their development, may come forth freely and joyously and can be received naturally and with respect, and not make the child feel that his technique must be developed before his creative power” (STEELE; LILLARD, 1932, p.125-126).
9 Original: “The modernists, whether we enjoy their music or not, have at least torn our minds open to new musical conceptions, new intervals, new scales, new rhythms, new relationships. To me the realization that atonality breaks up our old dependence on tonality, that one does not need to end on a note or chord that resolves what has gone before, means that one may let his musical imagination out on to distant planes, just as modern artist does in spatial relationships. By this I do not mean denial of beauty in the great music of the past. Nor do I mean overpraise of contemporary musical expression. I mean, merely, that from the music experts of today we, as teachers, may get a new attitude musically, or rather a new attitude toward music and the child” (STEELE; LILLARD, 1932, p.125).
10 Original: “The child’s musical activity as a member of a group, all of whom are intent upon the same undertaking, is surely of the greatest importance, not only as a thing in itself, but also as a means of coordinating the child and his emotion concerning life with the community. The child discovers that he will be helped to think music, but that no one will tell him how anything should be done. He finds that he can make something personal to himself, and that that thing may become personal to his group, to other groups, to groups in other schools, to children who he has never seen” (POND, 1936, p.178).
11 Original: “Pond observed that children in the School were by nature explorers and discoverers of sound. They found great delight in playing with timbre, intensity, duration, and pitch. Through the use of their imaginations to investigate sounds and organize them into rhythmic patterns with tone color, they naturally created sound-shapes with their voices as well as with instruments and many other objects” (KIERSTEAD, 1994, p.198).
12 Original: “He [Pond] saw the children in the Pillsbury Foundation School as a community of sound-shape inventors that came into existence through the exploration and discovery of sound. Factors that generated spontaneous learning within the community included more or less experience, differences in age, and incorporation into group improvisation. Discoverers often showed others how to reproduce a recognized invention. In these ways, skills, techniques, and creative ideas of the community accumulated through cooperative interaction between and among the children” (KIERSTEAD, 1994, p.200).
13 TEACHERS COLLEGE. History. New York: Columbia University, 2018. https://www.tc.columbia. edu/about/history/. Acesso em: 29 set. 2020.
14 A respeito das relações entre educadores e educadoras brasileiros e o TC, ver Rabelo (2016).
15 De acordo com os escritos da própria educadora, não há consenso sobre a data exata de início do trabalho.
16 Original: “I improvised songs in their presence about all kind of things, and by means of their natural imitative tendency (contradictory though it may seem) they caught the spirit and habit of original improvising” (COLEMAN, 1922, p.123).
17 Original: These examples are not given as evidence of precocity or unusual power, but simply as the natural expressions of normal children under conditions that give them opportunity for free expression” (COLEMAN, 1922, p.123).
18 Original: “Encouragement and an opportunity to compose tunes are given to children who have written verses, or who need incidental music in the performance of plays” (COLUMBIA…, 1922, p.59).
19 Original: “Is it not a waste of time for children to learn their own original compositions? Or those of other children?” e “Is it worth while for children to take the time to learn to play a symphony made of their own themes, or any other symphony not written by a great composer?” (COLEMAN, 1931, p.102).
20 Original: “The teacher must be the judge of how much learning of their own compositions will be needed by the children in order to keep the happy balance of appreciation of the world’s best music, an intimacy in the handling of music’s forms and keen delight in their own creative power” (COLEMAN, 1931, p.102).
21 Original: “Certainly, one of our chief duties towards children is to bring them into contact with the best things men have done in the past, to teach them thereby the meaning of the world, their place in it, their duties toward it, and to give them self expression within those boundaries. […] There is a great mass of law and of tradition, and a whole world of beauty that constitute a necessary and constricting environment for all of us, and young people should be taught to adjust themselves to it” (SURETTE, 1930, p.113).
22 Original: “The world did not begin yesterday” (SURETTE, 1930, p.114).
23 Original: “Will it not mean more in his development to be able to create one lovely composition than to know accurately the details of all that Chopin ever wrote?” (COLEMAN, 1922, p.179).
24 Original: “[…] wholesome atmosphere of concerted effort and criticism” (DAVIS, 1932, p.79).
25 Original: “This work seems to me valuable only as a means – not as an end. Too much of it would take up time that could be spent in singing far better music; and might furthermore give a child the impression that music centered in him, when he should be learning to lose himself in it. But a little of it serves to make vivid in a new way the necessity for structure, contrast, and repetition, and the relation between poetry and music, in rhythm and spirit. It is also valuable as a means of teaching notation, and it is a sure way to find out how child’s taste is developing. When children invent music in healthy folk-song style untinged by cheap Sunday-School songs or sentimental piano pieces, they are on the road that leads to Haydn, Mozart, Beethoven, Brahms, and Bach, chamber music and symphonies, a world where they may find lifelong solace and delight” (DAVIS, 1932, p.79).
26 Original: “Some of the themes were made at the piano at school, some at home, and some were sung by children who were not certain of how to write them down. Some were composed on the psaltery, some on the flageolet and others on the marimba, according to child’s own mood or fancy. Although many melodies were sung to the writer or her assistant, most of them were handed in written on paper. As the “number notation” is their most familiar means of recording tunes, the children had written the larger part of them in this notation. Some of the children’s melodies, however, especially those in the sixth grade, were given in staff notation. Sometimes a little scrap of soiled and rumpled paper that had been carried all day among marbles, chalk and other odds and ends in a pocket, contained a charming little bit of melody” (COLEMAN, 1939, p.47-48).
27 Original: “Children’s songs can be given permanent form by writing them in musical notation, or still better by recording them. Most of the songs sung by children have frequencies which lie between the notes on the piano and can be recorded by phonograph, but it is not possible to indicate these sounds accurately by our present limited system of writing music. The same is true of the often highly irregular rhythm that children create when they sing and dance. Immediately after making the record it can be played back to the children so that they can hear their melodies and rhythms” (STOKOVSKI, 1943, p.66).
28 Original: “Their creative development stems from membership within various social and cultural units such as parents and carers within the nuclear culture of the family, or occurs at the interface of social contexts with friends and peers in school and out-of-school communities and as members of multiple cultures” (BURNARD; KUO, 2016, p.486).

Autor notes

1 Licenciada em Artes/Música pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É mestra e doutora em Artes/Música pela Universidade de São Paulo (USP), na linha de pesquisa Música e Educação: processos de criação, ensino e aprendizagem. Realizou estágio de pesquisa de doutorado na Université Paris 8 Vincennes Saint Denis, França. Atualmente, é professora substituta no curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).


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