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O Jornalismo Cidadão e Independente na Guerra da Síria: Interseções Entre Ativismo e Profissionalismo
Citizen and Independent Journalism in the Syrian War: Intersections Between Activism and Professionalism
El Periodismo Ciudadano e Independiente en la Guerra de Siria: Intersecciones Entre Activismo y Profesionalismo
Revista Comunicando
Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, Portugal
ISSN: 2184-0636
ISSN-e: 2182-4037
Periodicidade: Semestral
vol. 13, núm. 2, e024014, 2024
Recepção: 10 Julho 2024
Aprovação: 23 Dezembro 2024
Publicado: 26 Dezembro 2024
Resumo: O presente artigo analisa a cobertura jornalística da guerra civil síria, um dos conflitos armados mais letais das últimas décadas, por jornalistas cidadãos e independentes locais, a fim de explorar como esses atores reportam os acontecimentos da guerra, tendo em conta as suas motivações no jornalismo e os seus processos de seleção de temáticas e fontes noticiosas. Para responder à questão que orienta esta pesquisa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 18 jornalistas sírios, cujos resultados foram tratados por meio de metodologia mista que combina análise de discurso e de conteúdo. Os resultados mostram que os jornalistas cidadãos e independentes focam em temas relacionados ao sofrimento e à resistência da população, utilizando fontes consideradas credíveis devido à sua experiência direta no terreno. Esse tipo de jornalismo destaca-se por um discurso denunciador e mobilizador, refletindo um sentido de justiça e uma ligação com a comunidade. Além disso, observa-se que a subjetividade desses jornalistas, influenciada por suas experiências e convicções pessoais, diferencia as suas narrativas das do jornalismo tradicional.
Palavras-chave: Jornalismo Cidadão, Jornalismo Independente, Jornalismo de Guerra, Cobertura Jornalística de Conflitos Armados, Guerra Civil Síria.
Abstract: The present article analyzes the journalistic coverage of the Syrian civil war, one of the deadliest armed conflicts in recent decades, by local citizen and independent journalists. It aims to explore how these actors report on the events of the war, considering their motivations in journalism and their processes of selecting themes and news sources. To address the research question, semi-structured interviews were conducted with 18 Syrian journalists, and the results were analyzed using a mixed methodology that combines discourse and content analysis. The findings show that citizen and independent journalists focus on themes related to the suffering and resilience of the population, using sources considered credible due to their direct experience on the ground. This type of journalism is characterized by a denunciatory and mobilizing discourse, reflecting a sense of justice and a connection to the community. Furthermore, it is observed that the subjectivity of these journalists, influenced by their personal experiences and convictions, distinguishes their narratives from traditional journalism.
Keywords: Citizen Journalism, Independent Journalism, War Journalism, Journalistic Coverage of Armed Conflicts, Syrian Civil War.
Resumen: El presente artículo analiza la cobertura periodística de la guerra civil siria, uno de los conflictos armados más letales de las últimas décadas, por periodistas ciudadanos e independientes locales, con el fin de explorar cómo estos actores reportan los acontecimientos de la guerra, teniendo en cuenta sus motivaciones en el periodismo y sus procesos de selección de temáticas y fuentes noticiosas. Para responder a la cuestión que orienta esta investigación, se realizaron entrevistas semiestructuradas con 18 periodistas sirios, cuyos resultados fueron tratados mediante una metodología mixta que combina análisis de discurso y de contenido. Los resultados muestran que los periodistas ciudadanos e independientes se centran en temas relacionados con el sufrimiento y la resistencia de la población, utilizando fuentes consideradas creíbles debido a su experiencia directa en el terreno. Este tipo de periodismo se destaca por un discurso denunciador y movilizador, reflejando un sentido de justicia y una conexión con la comunidad. Además, se observa que la subjetividad de estos periodistas, influenciada por sus experiencias y convicciones personales, diferencia sus narrativas de las del periodismo tradicional.
Palabras clave: Periodismo Ciudadano, Periodismo Independiente, Periodismo de Guerra, Cobertura Periodística de Conflictos Armados, Guerra Civil Siria.
1. Introdução
Após a violenta resposta do regime sírio de Bashar al-Assad às manifestações populares em 2011, iniciou-se uma guerra civil no país, que se tornou um dos conflitos mais mortíferos e complexos das últimas décadas: mais de 306 mil civis perderam a vida em 10 anos de conflito (HCDH, 2022), enquanto 13 milhões refugiaram-se no exterior ou estão deslocadas na Síria (UNHCR, 2022). A violência também atingiu a imprensa: em 2013, o Comité para a Proteção dos Jornalistas declarou a Síria como o lugar mais perigoso do mundo para os jornalistas (Committee to Protect Journalists, 2013). De acordo com levantamento da associação Repórteres Sem Fronteiras (Reporters Sans Frontières, s.d.), entre março de 2011 e 2013, mais de 110 jornalistas foram mortos em serviço e mais de 60 foram detidos.
Neste contexto, as redes sociais digitais, utilizadas massivamente pela população local, desempenharam um papel crucial na cobertura internacional das manifestações e dos conflitos na Síria, uma vez que o regime sírio e a natureza da guerra impediam o acesso direto dos jornalistas estrangeiros ao local. Cidadãos, organizações não governamentais e ativistas, em particular, rapidamente disseminaram informações, sobretudo imagens de ataques e abusos contra civis. Assim, esta guerra tornou-se o primeiro conflito armado amplamente documentado nas redes sociais digitais (Doucet, 2018; Lynch et al., 2014).
Este fenómeno ilustra as várias pesquisas desenvolvidas acerca das transformações no panorama mediático, especialmente no que diz respeito ao paradigma jornalístico (Campos Freire, 2008; Canavilhas, 2010a, 2010b; Mercier & Pignard-Cheynel, 2014), provocadas pela popularização da utilização das redes por novos atores produtores de conteúdo com finalidades ligadas à mobilização social e cidadã (Dourado, 2010; Kurpiel, 2019). Em outros termos, os cidadãos comuns, tradicionalmente utilizados como fontes de informação, assumiram o papel de jornalistas na produção de notícias.
Perante esta constatação, este artigo propõe explorar as características práticas e teóricas da cobertura jornalística da guerra civil síria realizada por jornalistas cidadãos e independentes locais. Mais precisamente, o problema central desta pesquisa consiste em investigar como os jornalistas sírios cobrem a guerra civil no país, analisando as suas motivações, os critérios de seleção de temas e fontes, e as implicações do seu posicionamento político-ideológico no processo de produção jornalística. O estudo procura compreender de que forma essas práticas diferem das do jornalismo tradicional, destacando a tensão entre a objetividade jornalística e o envolvimento ativista num contexto de conflito armado.
O jornalismo cidadão, também conhecido como "jornalismo participativo" ou "colaborativo", refere-se à produção de notícias e informações em que pessoas comuns, não profissionais do jornalismo, estão ativamente envolvidas na recolha, análise e disseminação da informação (Aubert, 2009; Peña-Fernández et al., 2024; Ruellan, 2007; Wall, 2019). O "jornalismo independente", por sua vez, caracteriza-se pela sua autonomia em relação a influências externas, especialmente governamentais (Beers, 2006). Na guerra civil síria, este tipo de jornalismo, constituído por jornalistas cidadãos e profissionais, escapa ao controlo do regime autoritário de Assad. Por esta razão, optou-se por incluir jornalistas independentes que já possuíam uma experiência profissional na área antes do conflito.
Após essas definições terem sido esclarecidas, esta investigação propõe responder às seguintes questões: como os jornalistas cidadãos e independentes sírios comunicam sobre a guerra civil através dos seus temas e fontes de informação? Quais são as suas principais motivações para cobrir os conflitos? Qual é o seu percurso pessoal e profissional até à prática jornalística atual? Mais especificamente, explora-se a relação entre as suas motivações e os critérios de seleção das informações sobre a guerra, tendo em conta que os valores, crenças e experiências dos jornalistas têm um impacto significativo no processo de produção de informação (Gans, 1979; Tuchman, 1978; Schudson, 1995).
Para responder às questões que orientam este estudo, foi escolhida a entrevista semiestruturada como metodologia. Assim, 18 jornalistas cidadãos e independentes sírios foram entrevistados sobre a sua trajetória académica e profissional, as suas motivações para cobrir a guerra civil, os principais temas e fontes de informação, bem como a sua experiência no terreno como repórteres “embedded” (ou “incorporados”; Carvalho, 2013; Mercier, 2004). Para analisar os dados recolhidos, adotou-se uma metodologia mista que combina a análise de discurso e a análise de conteúdo.
Como base teórica desta análise, alguns conceitos desenvolvidos por pesquisas anteriores sobre jornalismo cidadão são explicados inicialmente, bem como as questões em torno do chamado “jornalismo de guerra”. Dessa maneira, procura-se estabelecer uma relação entre os resultados e os conceitos teóricos já desenvolvidos, a fim de identificar semelhanças e novas descobertas relacionadas à comunicação jornalística executada por diferentes atores em tempos de guerra civil.
2. Quadro Teórico e Metodológico
2.1. O Jornalismo-Cidadão: Um Novo Paradigma(?)
Como referido anteriormente, o surgimento da web 2.0 e das novas plataformas tecnológicas têm contribuído para consolidar novos intervenientes e práticas no campo da comunicação, como é o caso do fenómeno do jornalismo cidadão. É importante mencionar, no entanto, que a produção de informação pelos cidadãos (frequentemente descritos como “amadores”) não é um fenómeno novo. Segundo Ruellan (2007), “a história do jornalismo profissional é a de uma lenta agregação de perfis à medida que as tecnologias permitiram a criação de novos territórios de atuação. A fronteira entre profissional e amador é também uma construção histórica” (p. 3). A imagem do jornalista profissional foi moldada a partir do século XIX, quando a industrialização da imprensa impulsionou os jornalistas assalariados a estruturarem o seu trabalho nos meios de comunicação; "a subsequente profissionalização destacou o amadorismo” (Ruellan, 2007, p. 4).
O jornalismo cidadão, ou “jornalismo participativo”, é entendido, na contemporaneidade, como uma prática em que os cidadãos, em vez de serem apenas consumidores passivos de notícias, se tornam produtores de conteúdo informativo, frequentemente através de plataformas digitais e redes sociais (Peña-Fernández et al., 2024; Wall, 2019). Esta abordagem é vista como uma forma de democratizar a produção de notícias, permitindo que qualquer pessoa com acesso à tecnologia possa relatar e partilhar eventos, muitas vezes de forma independente.
A partir desta noção, Kurpiel (2019) introduz o conceito de “internet media dreamin”: segundo a pesquisadora brasileira, logo após a abertura da internet ao público em 1994, jornalistas iniciaram esforços para utilizar o espaço digital para promover um jornalismo comprometido com a democracia e os interesses dos cidadãos. Assim, desde o início, o ciberespaço foi percebido como um meio para capacitar os cidadãos, desinstitucionalizar o debate público e promover a liberdade de partilha de informação.
No que diz respeito ao perfil dos novos “jornalistas participativos”, Aubert (2009) observou que eles podem introduzir certa subjetividade nas suas colaborações, construindo assim uma autoimagem. Neste contexto, "afastámo-nos da visão de um 'jornalista cidadão' que simplesmente imita os hábitos dos jornalistas profissionais: estamos perante a criação de um novo paradigma" (Aubert, 2009, p. 189). Em outras palavras, não se trata de amadores que buscam imitar sistematicamente as práticas dos profissionais, uma vez que eles oferecem um modo de expressão comprometido, fundamentado na promoção de uma "cultura cívica" e associado ao desejo de produzir um conteúdo informativo.
Num estudo sobre a identidade dos jornalistas-cidadãos do site francês Agoravox, Rebillard (2007) constatou que a maioria deles eram jornalistas, estudantes e intelectuais, ou seja, indivíduos com capacidade social para produzir conteúdo. O autor destaca ainda que o capital económico e as desigualdades culturais persistem com o advento da internet. Aubert e Nicey (2015) chegaram a uma conclusão semelhante no seu estudo sobre os perfis, práticas e motivações dos fotojornalistas cidadãos que colaboram com o site Citizenside. Como resultado, os investigadores demonstram que as motivações e os perfis dos colaboradores vão além dos aspetos da cidadania, pois atuam como testemunhas oculares independentes, dotadas de competências técnicas e práticas. Dessa forma, esses “amadores” são na realidade impulsionados por uma lógica semiprofissional.
O jornalismo participativo é frequentemente associado ao ativismo, pois muitos jornalistas envolvidos nessa prática se concentram em temas de interesse da comunidade e procuram dar voz a grupos marginalizados ou causas sociais. Essa aproximação com o ativismo, no entanto, levanta questões sobre a legitimidade e a credibilidade desses jornalistas, pois sua atuação pode ser vista como mais orientada a uma agenda política ou ideológica do que ao compromisso com a objetividade jornalística.
De acordo com Olesen (2008), há uma fronteira tênue entre o jornalismo e o ativismo. O jornalismo (especialmente o jornalismo investigativo) desempenha papéis semelhantes aos do ativismo, sobretudo ao reportar e destacar injustiças sociais e ao mobilizar debates públicos. Tanto jornalistas quanto ativistas buscam chamar atenção para problemas sociais e políticos, utilizando estratégias de enquadramento para definir problemas e atribuir responsabilidades. No entanto, ao contrário dos ativistas, os jornalistas operam segundo padrões profissionais de objetividade e factualidade, mesmo quando fazem exposições críticas. Já os ativistas possuem maior liberdade para adotar abertamente posições políticas e ideológicas, representando interesses específicos de grupos e causas. Para Olesen (2008), a fronteira entre jornalismo e ativismo se torna problemática quando o jornalismo é percebido como parcial e partidário, sem rigor factual ou espaço para contranarrativas, o que o aproximaria mais do ativismo.
Russell (2016) acrescenta que a interseção entre jornalismo e ativismo tem sido reforçada pelas mudanças tecnológicas e culturais no ecossistema mediático contemporâneo. A autora partilha da mesma visão de Olesen (2008), utilizando o conceito de "recodificação" para descrever como jornalistas desafiam e reconstroem narrativas convencionais sobre poder e justiça. Embora reconheça as críticas à objetividade e credibilidade do jornalismo, Russell (2016) defende que o jornalismo nunca foi inteiramente neutro, propondo que o engajamento com questões sociais pode, na verdade, fortalecer a função pública do jornalismo.
Hanitzsch e Vos (2017) concordam que o ambiente digital tem ampliado o espaço para práticas híbridas de jornalismo e ativismo, não rejeitando a sua legitimidade. Assim como os demais supracitados autores, eles destacam que esse papel é um dos mais contestados por desafiar a noção de objetividade, que historicamente fundamenta a identidade institucional da profissão. Segundo os pesquisadores, a aceitação ou rejeição do ativismo como parte do jornalismo depende de fatores culturais, sociais e políticos, bem como das expectativas do público em relação ao papel do jornalista na sociedade. Reese (2021), por sua vez, associa a conexão entre jornalismo e ativismo a uma crise da imprensa institucional, na qual o jornalismo precisa se adaptar às novas realidades tecnológicas, económicas e culturais, bem como às exigências do público por um jornalismo mais engajado e relevante em questões de justiça social e direitos humanos.
Uma vez compreendidas as noções sobre o jornalismo cidadão e as suas implicações com o ativismo e os padrões jornalísticos tradicionais, é relevante analisar como estas podem ser associadas no contexto de conflitos armados. Neste cenário, o jornalismo cidadão e independente, ao dar voz a novas perspectivas e mobilizar cidadãos para a produção de conteúdos, pode tanto complementar como desafiar as narrativas dominantes apresentadas pelos meios de comunicação tradicionais. Ao mesmo tempo, a relação entre jornalismo e ativismo adquire um papel crucial, pois muitas vezes os jornalistas cidadãos se envolvem em causas específicas, o que levanta questões sobre a imparcialidade e a objetividade, especialmente quando essas práticas se entrelaçam com a cobertura de conflitos armados.
2.2. Alguns Conceitos Acerca do Jornalismo de Conflitos Armados
Em tempos de crise e conflito, os jornalistas enfrentam dilemas na escolha do vocabulário, na apresentação dos factos e, sobretudo, na representação das vítimas (Charaudeau et al., 2001; Fleury & Walter, 2006). Assim, a informação é filtrada de maneiras específicas, influenciadas por considerações profissionais, morais, políticas e ideológicas. Durante um conflito armado, o controlo da informação é tão crucial quanto as operações militares no terreno, como têm analisado diversos investigadores (Boyd-Barrett, 2024; Carvalho, 2013; Knightley, 2004; Mercier, 2004; Robinson, 2019; Robinson et al., 2003; Santos Pereira, 2007). O sistema “embedded”, no qual os jornalistas são integrados nas tropas para cobrir operações militares diretamente do campo de batalha, é um tema que tem sido estudado em profundidade (Allan & Zelizer, 2004; Loureiro, 2013), especialmente no que diz respeito aos impactos da censura, manipulação da informação e viés partidário na cobertura informativa de guerra.
Neste contexto, o controlo da informação é, portanto, essencial para moldar a opinião pública, desestabilizar inimigos e mobilizar apoio interno e internacional (Mercier, 2004; Robinson, 2019; Robinson et al., 2003). De acordo com Santos Pereira (2007), Estados e grupos armados frequentemente controlam o acesso dos jornalistas e moldam a narrativa sobre os eventos, configurando um fenómeno de censura e manipulação. Além disso, a informação é utilizada como uma ferramenta de propaganda, com o objetivo de justificar ações militares ou “demonizar” o inimigo. A desinformação, por sua vez, é uma prática recorrente, utilizada para enfraquecer os adversários, manipular a opinião pública e desviar as atenções.
Os media desempenham um papel crucial nas guerras de informação, sendo tanto um veículo de comunicação quanto um alvo de manipulação. Frequentemente, os jornalistas enfrentam restrições, ameaças e dilemas éticos ao cobrir conflitos armados. Além disso, os meios de comunicação podem reproduzir narrativas oficiais ou serem usados como ferramentas de propaganda.
Santos Pereira (2007) considera as guerras contemporâneas como disputas de narrativas, nas quais certos grupos utilizam estratégias informativas para equilibrar a disparidade de poder militar, buscando atrair atenção global para suas causas. De facto, narrativas eficazes têm o poder de mobilizar apoio internacional ou de pressionar os governos a alterar as suas políticas. Quanto ao impacto das novas tecnologias de informação nas guerras modernas, o autor salienta que a era digital conferiu poder aos cidadãos, permitindo-lhes registar e partilhar informações em tempo real, desafiando o monopólio tradicional dos media e dos governos.
Segundo Bogui e Agbobli (2017), o surgimento e a disseminação das redes sociais digitais provocaram uma reconfiguração do espaço mediático em termos de produção e circulação de informação, especialmente em períodos de crises e conflitos. Com estas mudanças, “o poder dos jornalistas e dos meios de comunicação de massa para impor ou exercer controlo sobre os debates no espaço público é assim comprometido na era das tecnologias da Internet” (Bogui & Agbobli, 2017, para. 1). Além disso, os autores sublinham que os novos dispositivos mediáticos têm funcionado como ferramentas que permitem às pessoas acederem à liberdade de expressão em países onde os media são controlados pelo Estado. Assim, reconhece-se a capacidade desses novos meios para participar no ativismo online (conhecido pelos investigadores como “ciberativismo”) e contornar a censura. No entanto, Bogui e Agbobli (2017) alertam que os novos fornecedores de notícias não estão imunes à desinformação e à manipulação, já que eles "estão predispostos a tornar-se semelhantes ou a colaborar com as formidáveis ferramentas de propaganda dos media tradicionais" (para. 35).
Estas noções estão em consonância com a análise de Boyd-Barrett (2024) sobre a cobertura mediática da guerra civil síria. O autor sustenta que este conflito constitui um exemplo extremo de "guerras de informação", em que a manipulação das narrativas públicas desempenha um papel central nos esforços militares e políticos. Diferentes atores, como governos, grupos insurgentes e organizações internacionais, utilizaram os meios de comunicação como campo de batalha para influenciar a opinião pública global e justificar intervenções militares. Nesse contexto, as narrativas são moldadas por interesses geopolíticos e estruturas de poder, evidenciando o papel da propaganda, da desinformação e do war spin (manipulação de informações em contextos de guerra).
Boyd-Barrett (2024) salienta igualmente que os media alternativos e as redes sociais se transformaram em espaços privilegiados para a difusão de narrativas que desafiam as versões oficiais, mas que permanecem vulneráveis à propaganda e à manipulação. Plataformas como o YouTube e o Twitter (atual X) têm sido utilizadas tanto para divulgar evidências de atrocidades como para disseminar desinformação e propaganda de guerra. No que respeita à cobertura dos media ocidentais, o autor critica a confiança em fontes como o Observatório Sírio de Direitos Humanos, frequentemente associado a ligações controversas ou interesses políticos bem definidos.
Controlar as representações mediáticas da guerra é uma estratégia frequente, que envolve a criação de narrativas para persuadir e mobilizar, justificar o conflito, moldar perceções de vitória e silenciar críticas potenciais. Este fenómeno pode ser entendido através da “lei do posicionamento ideológico” que influencia a cobertura mediática dos conflitos armados (Charaudeau et al., 2001; Mercier, 2004). Compreender essas noções é, portanto, fundamental para uma análise detalhada do jornalismo de guerra realizado pelos novos atores produtores de informação, permitindo observar se estes reproduzem ou não as mesmas problemáticas dos media tradicionais em tempos de guerra.
2.3. Metodologia
Com base no contexto exposto na revisão da literatura, este estudo visa investigar como cidadãos sírios e jornalistas independentes abordam a cobertura da guerra civil no seu país, considerando as suas motivações principais, os temas explorados e as fontes de informação jornalística utilizadas.
Os critérios de noticiabilidade abrangem diversos fatores que moldam a produção de notícias, incluindo motivações pessoais e profissionais (Weaver & Wilhoit, 1996), práticas rotineiras, culturas editoriais e pressões institucionais (Tuchman, 1978), além de influências políticas, económicas, sociais e culturais, bem como os valores e crenças dos jornalistas (Gans, 1979; Schudson, 1995). Portanto, é crucial identificar as principais motivações dos cidadãos sírios envolvidos no jornalismo para reportar os acontecimentos da guerra civil e compreender como essas motivações influenciam a escolha dos temas e das fontes.
Analisar temas frequentes nas notícias pode ser útil para compreender os valores jornalísticos que orientam a sua comunicação. Além disso, “a tematização desempenha um papel crucial no enquadramento do mundo social e a problematização, explícita ou implícita, oferece ao leitor a ética da discussão” (Emediato, 2011, para. 21). No que concerne às fontes, estas desempenham um papel fundamental na construção da realidade jornalística (Tuchman, 1978), com o poder de influenciar a seleção e apresentação das notícias (Gans, 1979), incluindo a relação entre o jornalista e a fonte (Fishman, 1980). Segundo Charaudeau (1997), também servem como recurso para agregar credibilidade e veracidade, o que regula o contrato de comunicação mediática.
Para responder às questões desta pesquisa, foi adotada como metodologia a entrevista semiestruturada, por ser um recurso essencial para aprofundar a compreensão da experiência individual ou coletiva das relações interpessoais, das interações com instituições ou, mais amplamente, dos fenómenos sociais (Pin & Barone, 2021).
Foram entrevistados 18 cidadãos e jornalistas independentes sírios (15 homens e três mulheres) que têm coberto ou cobriram a guerra civil no país. As entrevistas foram conduzidas de forma virtual, utilizando WhatsApp, Zoom, Google Meet e Facebook Messenger, em inglês e francês. O número de entrevistas foi determinado pelo critério de saturação (Sauvayre, 2021). Para garantir a confidencialidade dos participantes e por questões de segurança, foi garantido o anonimato. Assim, neste artigo, eles são identificados pela abreviatura das iniciais do nome e apelido. De acordo com os objetivos deste estudo, as questões abordadas foram as seguintes:
Qual é o seu percurso educativo e profissional? Tem formação em jornalismo?
Quais são as suas principais motivações para cobrir a guerra civil na Síria?
Quais são os principais temas e assuntos das suas reportagens?
Quais são as suas principais fontes de informação?
Para algumas das suas reportagens, já esteve presente junto dos combatentes na linha da frente?
Para analisar os dados recolhidos, utilizou-se uma abordagem quantitativa e qualitativa. Mais precisamente, foram utilizados os seguintes codificadores: (a) identidade profissional (refere-se ao background educacional e à experiência dos jornalistas); (b) motivações (razões pessoais e profissionais para cobrir a guerra); (c) temas de reportagem (assuntos mais frequentes abordados pelos jornalistas); (d) fontes de informação (tipos de fontes utilizadas nas reportagens).
Cada segmento de texto foi marcado com uma ou mais dessas categorias. Após a codificação inicial, foram identificados e desenvolvidos códigos temáticos a partir dos dados, agrupando informações semelhantes que emergiram durante a leitura. Desse modo, a análise de conteúdo foi realizada para quantificar a frequência dos temas e padrões emergentes nas respostas dos jornalistas, proporcionando uma visão mais clara sobre as tendências. A análise de discurso, por sua vez, ajudou a compreender como os jornalistas articulam suas experiências e percepções, destacando a subjetividade em suas narrativas, a fim de identificar elementos que remetem ao ativismo e à guerra de informação em conflitos armados.
Para garantir a validade das análises qualitativas, foi realizada uma triangulação com as noções sobre jornalismo cidadão e jornalismo de guerra, exploradas anteriormente.
3. Análise e Discussão dos Resultados
3.1. A Identidade Profissional dos Jornalistas
Muitos jornalistas receberam formação específica ou obtiveram diplomas relacionados com o seu trabalho jornalístico, refletindo uma educação diversificada moldada tanto por atividades académicas como por experiência prática no contexto da guerra civil síria.
Como se pode verificar na Tabela 1, 12 dos 18 jornalistas entrevistados não possuíam experiência na área antes da guerra. Contudo, a maioria detinha um diploma de ensino superior (cinco em jornalismo e sete em outras áreas). Este dado está alinhado com as pesquisas de Rebillard (2007) e Aubert e Nicey (2015), que argumentam que esses indivíduos têm a capacidade social de produzir conteúdo, combinando as suas motivações e experiências pessoais com uma abordagem semiprofissional. Neste caso, não existe necessariamente diversidade jornalística, uma vez que os jornalistas cidadãos sem formação superior recorrem à formação e, assim, reproduzem os padrões teóricos e práticos do jornalismo tradicional. Ou seja, não se trata propriamente de “jornalismo amador”, porque possuem conhecimentos práticos e teóricos da profissão.
Categoria | Quantidade dos entrevistados |
Sem experiência em jornalismo antes da guerra (diplomados ou não) | 12 |
Com ensino médio completo ou incompleto | 5 |
Com ensino superior (fora do domínio do jornalismo) | 7 |
Como ensino superior em jornalismo antes da guerra | 5 |
Começaram a estudar jornalismo após iniciar atividade na área (diplomados ou não) | 5 |
Receberam algum tipo de treinamento em jornalismo de alguma organização | 5 |
Além disso, cinco dos entrevistados têm apenas o ensino médio completo ou incompleto (alguns interromperam os seus estudos devido ao início da guerra). Esses jornalistas adquiriram as suas habilidades através de experiência direta no campo e/ou estudo autodidata.
Infelizmente, eu nem tinha telemóvel. Aqui, comecei a pedir emprestada uma câmara aos meus amigos para fotografar e documentar tudo. Não tinha nada a ver com jornalismo, direito ou qualquer coisa do género. Pesquisei na internet métodos, regras e formas de trabalhar e comecei a trabalhar por minha conta. Ninguém me ensinou. Fui eu que me formei. Amigos de fora da Síria ajudaram-me com dinheiro para obter materiais simples e comecei a trabalhar sozinho. Não recebi qualquer formação de organizações internacionais ou agências de notícias. Trabalho sozinho. Aprendo tudo por mim mesmo, desde a redação de notícias até à fotografia e muito mais. (Jornalista N.A.)
O jornalista O.A. também é um dos que aprendeu a profissão através da experiência pessoal: “colaborei com muitos meios de comunicação, mas foi uma tarefa muito difícil porque não tive formação formal em jornalismo e não fiz nenhum curso. Aprendi tudo sozinho”. O jornalista B.A., tendo concluído o ensino médio, mas impossibilitado de ir à universidade devido à guerra, afirma também que adquiriu mais conhecimentos, nomeadamente em fotojornalismo, graças a amigos jornalistas estrangeiros que conseguiram entrar na Síria. No entanto, ele enfatiza que “o melhor conselho foi treinar e aprender no trabalho e não na sala de aula”.
Como indicam os resultados, cinco deles começaram a estudar jornalismo ou comunicação após iniciarem a sua atividade nesta área. É também relevante observar que cinco dos entrevistados, com ou sem diploma de ensino superior, receberam algum tipo de treinamento sobre práticas e teorias jornalísticas de uma organização não governamental, como exemplificado pelo caso do jornalista Y.G.:
quando a guerra começou, eu tinha 11 anos e estava na escola primária. As escolas da área onde eu morava estavam sob ataque e a educação era muito perigosa. Parei de ir à escola durante o ensino médio, mas não parei de aprender. Concluí muitos cursos de formação em jornalismo, incluindo uma formação numa universidade libanesa em colaboração com a Organização Internacional de Apoio aos Meios de Comunicação Social, e agora estou a tentar regressar à escola para obter um diploma universitário. Quando comecei a trabalhar com jornalismo, foi há cerca de 10 anos. Comecei a carregar uma câmara e a documentar o que acontecia ao meu redor desde os 13 anos, no que na Síria era chamado de papel de jornalista cidadão. Quatro anos mais tarde, consegui o meu primeiro emprego numa instituição de comunicação social e comecei a aprender as regras do comércio, e o meu papel como correspondente rapidamente se tornou mais claro.
Questionado sobre “as regras da profissão” que aprendeu, ele especifica-as: “realidade, objetividade, independência. Em quais eventos focar, como verificar os factos, como minimizar os danos ao público. Toda a ética e padrões do jornalismo global”. O ideal de objetividade jornalística é frequentemente debatido entre os entrevistados, particularmente em conexão com um certo conflito entre a ética teórica e prática numa zona de guerra. Isso ilustra como o jornalismo cidadão na Síria frequentemente se alinha a princípios de justiça social, desafiando a visão tradicional de neutralidade, conforme menciona o jornalista A.A., licenciado em história e estudante de media e comunicação na Universidade de Alepo:
na minha opinião, a imparcialidade está na humanidade do jornalista, que deve priorizar a sua humanidade acima de tudo. Na minha opinião, não existe imparcialidade no jornalismo, apesar do que aprendemos na universidade. Em tempo de guerra, devemos tomar partido e apoiar os oprimidos, levando as suas vozes ao mundo. Podemos manter-nos neutros entre facções em conflito, mas não podemos manter-nos neutros quando as pessoas são vítimas de injustiça.
Uma vez analisada a identidade profissional dos jornalistas sírios e independentes no contexto da guerra civil, verifica-se que a sua experiência numa zona de conflito armado constitui a base fundamental do seu trabalho, quer tenham seguido o ensino superior ou não. Ao mesmo tempo, reconhecem a importância de profissionalizar a sua prática, melhorando as suas técnicas e conhecimentos teóricos. Os jornalistas sírios entrevistados apresentam trajetórias heterogéneas, que oscilam entre o autodidatismo e a formação formal. Este perfil reflete a complexidade do conceito de "jornalismo cidadão", que, conforme argumentado por Hanitzsch e Vos (2017), não pode ser reduzido a uma noção homogénea ou sinónima de "jornalismo participativo" ou de "jornalismo comunitário".
Sobre os conceitos deontológicos e éticos do jornalismo, as suas práticas estão alinhadas com os padrões globais deontológicos (objetividade, verificação de factos, ética), mas também refletem o ativismo presente no contexto da guerra. Uma “obrigação moral” é evidente no seu discurso, o que pode ser associado às noções desenvolvidas por Olesen (2008), Russell (2016), Hanitzsch e Vos (2017) e Kurpiel (2019): o jornalismo cidadão e independente neste contexto carrega elementos de uma prática híbrida, que combina valores profissionais com mobilizações sociais.
3.2. Motivações Jornalísticas em uma Zona de Guerra
Uma das hipóteses deste estudo postula que o envolvimento dos cidadãos no jornalismo durante os períodos de guerra civil se baseia em motivações e convicções pessoais, ao mesmo tempo que está ligado à mobilização coletiva que expressa um desejo de reparação e justiça face às atrocidades e ao sofrimento humano. Um exemplo ilustrativo pode ser encontrado no excerto de uma declaração de um jornalista cidadão sírio:
a catástrofe humanitária que se desenrolava à minha volta e a grave injustiça que testemunhei tornaram a documentação do que estava a acontecer para mim uma necessidade. Desde o início, o regime sírio impôs um bloqueio aos meios de comunicação social e espalhou mentiras sobre o que estava a acontecer no terreno. Cometeu massacres e os crimes mais horríveis, depois usou os meios de comunicação para falar do amor do povo por ele e do terrorismo daqueles que se lhe opunham. O regime bloqueou a entrada de jornalistas no país e começou a prender e a atacar qualquer pessoa que transportasse uma câmara ou ousasse testemunhar sobre o que estava a acontecer através de entrevistas. Ao testemunhar as campanhas de detenção, os bombardeamentos, os assassínios, o desgosto e a dor, sabia que não teria medo destes criminosos. Pelo contrário, senti ser meu dever transmitir o que estava a acontecer e expor todas as mentiras ao mundo. (Jornalista Y.G.)
“Cumprir o meu dever” foi uma das afirmações mais comuns entre os inquiridos. Assim, os cidadãos percebem o jornalismo como um meio de cumprir esta responsabilidade, de “dizer a verdade da guerra ao mundo”. Esta “verdade” é frequentemente associada aos ataques perpetrados pelo regime sírio e pelos seus aliados contra a população inocente. O jornalista N.A., por exemplo, disse: “decidi que a minha arma seria a câmara e comecei a filmar os protestos e como o regime estava a disparar contra civis. Como falo inglês desde a infância, decidi emprestar a minha voz à revolução síria.”
O sentimento de pertença a uma comunidade reforça também o dever de contribuir para a sociedade no meio do caos. Nesta perspetiva, o jornalismo é escolhido como um meio de resistir e documentar a opressão vivida pela comunidade, na esperança de provocar mudanças e iluminar as difíceis condições humanitárias, como evidenciado na seguinte declaração:
tentei fazer alguma coisa para ajudar as pessoas daqui, mas também era jovem. Fui a um hospital de campanha que tratava pessoas em segredo. Eu disse-lhes que queria aprender primeiros socorros para ajudar os feridos, mas infelizmente, quando aprendi primeiros socorros, um ferido chegou ao hospital. Quando vi isto, não aguentei; não consegui lidar com as cenas sangrentas. Depois disso, o meu primo e eu decidimos documentar os protestos e as violações contra civis. Infelizmente, ao aprender primeiros socorros, percebi que sou uma pessoa que não tolera ver sangue, mas com o meu trabalho como jornalista, isso passou a fazer parte do meu dia a dia. Vi muito sangue e partes de corpos. A cada ataque contra civis, sinto que há algo em mim que me leva a ir ao local do acontecimento para o poder documentar. Estou a falar de qualquer violação contra civis. (Jornalista A.K.)
A experiência quotidiana da guerra civil é uma das motivações mais importantes para os jornalistas que cobrem conflitos, especialmente quando são diretamente afetados. Quando questionada sobre o porquê de ter decidido fazer uma reportagem sobre a guerra, uma jornalista curda do norte da Síria afirmou:
por causa da opressão e pressão que o regime sírio exerce sobre os curdos, incluindo a minha família e amigos, que foram presos várias vezes pela sua origem curda ou pelo seu ativismo. Por isso optei por exercer o jornalismo. (Jornalista N.R.)
Outra jornalista revelou ainda que a sua motivação inicial foi as consequências do conflito que afetaram a sua vida:
a história do início do meu trabalho neste campo é longa e parcialmente moldada pelas circunstâncias pessoais que vivi durante essa guerra. Isto inclui a morte do meu pai, morto num bombardeamento perpetrado pelo regime sírio enquanto participava numa missão humanitária para ajudar as pessoas. Além disso, a detenção do meu irmão na universidade enquanto realizava os exames pelo regime sírio motivou-me ainda mais a contribuir ativamente para elevar a voz do povo e apoiar a sociedade. Também enfrentei desafios pessoais, como deslocações, viagens temporárias para fora do país e ver a situação na Síria numa perspetiva externa. Todas estas experiências influenciaram a minha decisão de seguir uma carreira no jornalismo, apesar de na altura ter apenas 19 anos. A guerra começou quando eu tinha 15 anos, marcando dias muito difíceis no início da minha vida. (Jornalista H.B.)
Outros entrevistados manifestaram um interesse pré-existente pelo jornalismo – isto é, uma aspiração de se tornarem jornalistas profissionais no jornalismo antes da guerra. Com o início do conflito, esta motivação (muitas vezes designada por “paixão pelo jornalismo e pela fotografia”) foi acrescentada ao ativismo.
Era um sonho que tinha desde criança: trabalhar em jornalismo, mas na Síria. Foi difícil devido ao controlo estatal sobre o jornalismo, o nepotismo e a corrupção. Quando a revolução síria começou, comecei a documentar os protestos e os bombardeamentos do regime de Assad em cidades e aldeias, enviando esta informação aos canais de notícias para documentar as violações dos direitos humanos e os crimes do regime contra o povo sírio. (Jornalista A.A.)
É claro que os jornalistas cidadãos sírios e os profissionais estão a tornar-se fontes de informação sobre a guerra no seu país no estrangeiro, particularmente através das suas experiências pessoais numa zona de conflito. As entrevistas mostram que a prática do jornalismo é uma ferramenta utilizada por estes cidadãos para evidenciar as injustiças e atrocidades do conflito, o que reflete o seu compromisso ativista.
As motivações destacadas pelos jornalistas entrevistados, como "cumprir um dever moral" e "ser a voz das vítimas", evidenciam a fusão entre jornalismo e ativismo em contextos de guerra. Este fenômeno é discutido por Reese (2021), que problematiza a independência dos jornalistas em situações onde o engajamento social e político é central para a prática.
Em alguns relatos, a perspetiva conecta-se às dinâmicas de "guerra de informação", conforme teorizado por Knightley (2004), Santos Pereira (2007) e Boyd-Barrett (2024). Por exemplo, o jornalista Y.G., que começou a documentar a guerra aos 13 anos, descreve o seu trabalho como um esforço para "expor as mentiras do regime ao mundo". Neste caso, podemos observar que os jornalistas locais se tornam não apenas mediadores da informação, mas também participantes ativos na batalha pela narrativa.
O compromisso pessoal com o jornalismo revela um sistema de valores que orienta a sua cobertura da guerra civil síria. Estes valores incluem o dever de denunciar os ataques à população e o sofrimento humano, motivados por um profundo sentido de justiça. Como demonstrará a secção seguinte, estas motivações e valores manifestam-se através das notícias produzidas por estes jornalistas.
3.3. Os Temas das Notícias
Como já foi referido anteriormente, para analisar a forma como os jornalistas cidadãos sírios cobrem a guerra civil, os temas dominantes das suas notícias foram explorados através de entrevistas. Com base nas respostas obtidas, estes temas foram agrupados em três categorias principais: “histórias e condições humanitárias”, “cobertura de conflitos armados” e “questões e movimentos específicos”.
A categoria temática “histórias e condições humanitárias” engloba notícias e fotografias que destacam o impacto da guerra nos civis, as violações dos direitos humanos, as situações de refugiados e a resiliência dos indivíduos face à adversidade. Este tema, que representa 37% do total de assuntos abordados pelos jornalistas entrevistados, é o mais referido. Este está intimamente ligado às motivações dos jornalistas que optaram por cobrir a guerra, como ilustra o testemunho do jornalista K.S.:
nunca estive tão próximo das pessoas e das suas histórias como nessa altura. Contavam-me as suas histórias e eu chorava todos os dias. Foi muito difícil ouvir todas estas histórias tristes, mas também senti que era meu dever dar a conhecer ao mundo inteiro o que se passava aqui. A minha motivação era ser a voz dessas pessoas.
Outros temas amplamente referidos pelos entrevistados pertencem à categoria “questões e movimentos específicos” (representando 32%). Estes temas abordam especificamente a revolução síria, os direitos dos curdos e das mulheres, bem como outros movimentos sociais específicos do país. Por outras palavras, trata-se de reportagens que refletem explicitamente o empenho militante e político-ideológico dos jornalistas, bem como da sua sociedade, o que corresponde também às suas motivações no jornalismo de guerra. A jornalista H.B., por exemplo, explica a sua opção em cobrir assuntos ligados ao feminismo na Síria:
já abordei muitas questões e assuntos, mas geralmente interesso-me pelas mulheres, pelo seu sucesso e por falar sobre aquilo a que estão expostas nestas circunstâncias, e os desafios que enfrentam e como superam essas dificuldades. Preocupo-me profundamente com o que diz respeito às mulheres e ambiciono ser verdadeiramente eficaz e desempenhar um papel na procura de justiça para as mulheres neste país. As mulheres são os indivíduos mais afetados pela guerra e pelas crises recorrentes aqui, e eu sou uma delas.
A jornalista N.R., uma mulher curda que sofreu opressão contra o seu povo, refere ainda que está particularmente interessada em questões dos direitos curdos e das mulheres, bem como em temas relacionados com a cultura, a democracia e a liberdade. Questionado sobre os seus principais temas de reportagem sobre a guerra, o jornalista F.M. sublinha que a sua “principal preocupação é a revolução síria e as exigências do povo por uma mudança democrática e a queda do regime opressivo de Assad”.
No que diz respeito à terceira categoria temática, intitulada "cobertura de conflitos armados", esta diz respeito a informações sobre a situação atual da guerra, incluindo bombardeamentos, batalhas, operações militares, histórias da linha de frente e de grupos armados (em particular sobre o Estado Islâmico), bem como informações militares sobre avanços e perdas. Esta categoria representa 31% dos temas referidos pelos jornalistas. Embora este tipo de assunto não esteja diretamente ligado às motivações pessoais dos jornalistas, é crucial ter em conta que os combates e os bombardeamentos ocorrem em áreas civis, o que obviamente afecta a população. A seguinte declaração explica:
a principal razão para cobrir o conflito armado foi a separação inicial das forças militares das forças do regime que estavam a matar civis, e a formação de um corpo militar rudimentar para proteger os protestos pacíficos no início. Depois, quando o regime começou a bombardear aleatoriamente áreas, causando muitas vítimas e aumentando os crimes contra manifestantes e civis, começou uma nova fase da revolução síria, que foi a guerra para derrubar o governo em Damasco. Tudo isto foi motivo para mudar para a cobertura militar, para além do meu trabalho inicial de cobertura de protestos. (Jornalista B.A.)
Como explica o jornalista, a ênfase no tema militar está ligada ao seu empenho enquanto ativista contra as ações do regime de Assad. O seu critério de seleção da informação baseia-se, portanto, nas suas motivações e ideais políticos, ideológicos e sociais. Consequentemente, o desenvolvimento deste tema numa notícia implica a utilização destes mesmos critérios e juízos de valor para selecionar as suas fontes de informação.
Os temas predominantes abordados pelos jornalistas cidadãos entrevistados (humanitarismo, conflitos armados e movimentos sociais) evidenciam o papel do ativismo em suas práticas. A ênfase em questões específicas, como a revolução síria ou os direitos das mulheres, reflete a dimensão política e ideológica do jornalismo cidadão, conforme discutido por Olesen (2008).
A escolha desses temas também revela uma tensão ética entre objetividade e engajamento, já que muitos jornalistas justificam seu trabalho como uma forma de "dar voz às vítimas". Essa perspectiva está em linha com a crítica de Hanitzsch e Vos (2017) à imparcialidade jornalística. Afinal, em zonas de conflito, a "neutralidade" muitas vezes pode dar lugar a uma "imparcialidade humanitária".
3.4. As Fontes Jornalísticas
Para reportar os acontecimentos da guerra civil síria, os cidadãos locais e profissionais independentes baseiam-se principalmente em dois tipos de fontes de informação: “fontes civis e de campo locais” e “fontes militares e faccionais”. Como o próprio nome sugere, as “fontes civis e de campo locais” incluem frequentemente vários tipos de contactos e instituições que fornecem informações diretas e fiáveis. Estas fontes incluem contactos locais, salas de comunicação locais e grupos de WhatsApp para atualizações em tempo real, bem como a Defesa Civil Síria (conhecida como os “Capacetes Brancos”) que reportam os ataques do regime e o número de vítimas. Incluem ainda observatórios de vigilância, ativos nomeadamente em redes sociodigitais, que monitorizam o tráfego aéreo e a proximidade dos civis aos locais de bombardeamento, bem como agências locais sírias, grupos de meios de comunicação social e redes de coordenação específicas.
Como a maioria são civis que sofrem as consequências dos conflitos na sua vida quotidiana, estas testemunhas oculares trazem a sua experiência pessoal como fonte primária de informação. Representando 80% de todas as fontes citadas pelos jornalistas entrevistados, isto pode estar diretamente associado à motivação jornalística de “dar voz às vítimas e ao povo sírio”. De acordo com o seu sistema de valores, estas fontes são percebidas como fidedignas e acrescentam veracidade às suas informações. O jornalista K.S. ilustra esta perspetiva ao afirmar que “as populações locais estão no terreno e sabem tudo”.
Obviamente, estas fontes primárias (civis, entidades, grupos de meios de comunicação locais, etc.) podem variar entre jornalistas. Por exemplo, o jornalista I.A. explica que se refere em primeiro lugar aos relatórios emitidos pelos observatórios de tráfego aéreo e de monitorização de bombardeamentos. Em seguida, pesquisa depoimentos de civis que vivenciaram esses bombardeamentos.
A jornalista H.B. diz que evita as agências e grupos de comunicação social locais: “as minhas fontes de informação provêm diretamente de grupos de jornalistas e ativistas. Raramente acompanho agências locais, muitas das quais estão interessadas em produzir materiais e histórias mediáticas numa direção, longe da realidade atual”. Através desta afirmação, é possível perceber que, apesar de motivações comuns, os critérios de seleção das fontes de informação podem variar entre jornalistas, dependendo do seu quadro de referência, principalmente das suas experiências e das suas perceções.
Além disso, os jornalistas cidadãos e independentes estão conscientes dos riscos da desinformação e da manipulação da informação quando selecionam determinadas fontes para produzir as suas notícias. O jornalista N.A. aborda este desafio nos seguintes termos: “na guerra, há certamente muita confusão na informação e é difícil obter informação 100% precisa no momento em que surge. No entanto, após várias horas, confirmámos a informação e depois publicámo-la”. Ademais, estão conscientes que a sua credibilidade enquanto jornalistas está em causa.
Entristece-me ainda estar sujeito aos estereótipos que rodeiam a imprensa e os jornalistas na Síria, que os privam de confiança e independência e os confinam sempre ao molde da sua filiação num partido ou noutro. O meu papel como jornalista é fornecer amplas provas da verdade e ser o mais claro possível para não enganar. (Jornalista Y.G.)
Existem também jornalistas cidadãos e independentes que utilizam os militares como fontes de informação. As “fontes militares e faccionais” representam 20% das fontes citadas pelos inquiridos, incluindo especificamente militares e facções que fornecem dados sobre operações e confrontos, grupos armados e os seus coordenadores de comunicação social, bem como outras fontes pessoais (anonimizadas) que relatam atividades na frente.
Quando questionados se alguma vez tinham sido integrados em grupos armados para monitorizar as atividades no campo de batalha, metade dos entrevistados deixaram claro que não tinham interesse neste tipo de cobertura de guerra. As principais razões apresentadas estão ligadas à censura, ao controlo da informação e até aos ataques à imprensa perpetrados por estes grupos armados, como relata o jornalista Y.G:
um jornalista não deve seguir ninguém para além dos interesses do povo. Nunca segui nenhuma facção militar. Em vez disso, enquanto jornalistas, enfrentamos frequentemente facções que procuram controlar a cobertura mediática e restringir a liberdade de expressão. Pela minha experiência pessoal, confiscaram o meu equipamento várias vezes e fui impedido de trabalhar quando trabalhei com alguns meios de comunicação, como o Orient, porque descreveram a facção Hay’at Tahrir al-Sham, que controla Idlib, como uma milícia.
Através das suas experiências pessoais, os jornalistas cidadãos sírios têm um conhecimento profundo dos desafios associados à utilização de fontes militares, particularmente no que diz respeito à credibilidade face ao ideal de imparcialidade jornalística que pode ser desafiado. Ainda assim, alguns jornalistas conseguem estabelecer relações com os combatentes.
No início da minha cobertura do movimento na Síria, especificamente do movimento militar, estabeleci relações com militares que participaram nas batalhas e na guerra contra o regime e as forças governamentais. A maioria dos que participaram ou pegaram em armas na Síria provém de aldeias e zonas rurais. Formamos relações, seja por parentesco ou amizade, ou outro tipo de laços que tínhamos no dia a dia, porque nos conhecíamos. Estas relações foram construídas sobre bases que existiam antes do início do conflito militar. Confiámos uns nos outros e participámos juntos em protestos pacíficos antes de alguns de nós recorrermos à ação militar. Assim, as relações foram boas e estreitas desde o início dos acontecimentos ou do movimento revolucionário. No início não havia necessidade de alvarás ou permissões para a imprensa e o jornalismo estava aberto a todos. Só em pontos sensíveis poderiam informar antecipadamente sobre determinados alvos ou pontos que não deveriam aparecer nas imagens. Não existia o conceito de exército ou de instituição militar. (Jornalista B.A.)
A jornalista H.B. tem um ponto de vista diferente, pautado pela sua experiência na área:
não existe qualquer relação entre o exército e a imprensa. Cada um de nós está de um lado, mas as autoridades que controlam a região impuseram-nos estas medidas. Antes da sua aquisição, realizávamos o nosso trabalho livremente, mas hoje as restrições são muitas, e talvez o desconhecimento das regras de ética profissional tenha feito com que as autoridades controlassem o trabalho com tanto rigor.
A cobertura mediática da guerra civil síria por parte de cidadãos e jornalistas independentes depende, portanto, de uma diversidade de fontes que reflete as complexidades e as realidades do conflito. As “fontes civis e de campo locais” são largamente favorecidas pelo seu acesso direto e credibilidade percebida, permitindo dar voz às vítimas e aos civis afectados pelas hostilidades. Por outro lado, as “fontes militares e faccionais” são utilizadas de forma mais restrita, porque não correspondem aos valores éticos e às motivações pessoais da maioria dos jornalistas entrevistados. Para outros, porém, estas fontes são credíveis pelo acesso direto ao campo e pelo tipo de relação que se estabelece com elas. Essa preferência, no entanto, deve ser analisada criticamente à luz das dinâmicas de "guerra de informação".
Organizações, como os Capacetes Brancos, foram amplamente utilizadas como fontes pelos jornalistas, mas sua ligação a governos ocidentais e organizações não governamentais levanta questões sobre a independência das narrativas construídas, conforme discutido por Boyd-Barrett (2024). Por outro lado, a desconfiança em relação a fontes militares e faccionais reflete um esforço dos jornalistas para se distanciar de dinâmicas de censura e controle da informação, conforme descrito pelo jornalista Y.G., que afirmou: "um jornalista não deve seguir ninguém além dos interesses do povo".
4. Considerações Finais
Em resposta à questão central desta investigação, os cidadãos sírios e os jornalistas independentes reportam a guerra civil principalmente através de temas associados ao sofrimento e à resistência da população face às adversidades do conflito, que constituem notícias baseadas em testemunhos de fontes que sofreram opressão e consequências humanitárias numa zona de conflito. De modo geral, segundo os jornalistas entrevistados, estas fontes, sejam elas civis ou combatentes, são consideradas credíveis devido à sua experiência direta no terreno. Além disso, tanto as fontes como os jornalistas partilham as mesmas experiências, perspetivas e pontos de vista, o que constitui um critério decisivo na seleção da informação.
Em um “discurso jornalístico tradicional”, caracterizado por padrões técnicos e éticos que perpassam o campo profissional, destaca-se um discurso denunciador e mobilizador, baseado no sentido de justiça e na pertença a uma comunidade que deve ser vista e ouvida em todo o mundo através dos meios de comunicação. Dado que estas motivações e experiências pessoais se refletem nas suas histórias, observamos assim um “jornalismo engajado” que responde às exigências democráticas. Esta análise é também consistente com os argumentos de Aubert (2009), que afirma que estes jornalistas podem acrescentar uma certa subjetividade ao seu discurso informativo, estabelecendo assim uma imagem de si próprios, o que introduz um novo paradigma entre os campos do jornalismo profissional e do jornalismo do cidadão. Este fenómeno reflete uma tensão entre a imparcialidade jornalística e a dimensão ativista, indicando que o jornalismo cidadão e independente opera num espaço híbrido que mistura valores pessoais e regras profissionais.
Durante a análise, foi também possível associar os resultados a outros estudos anteriores que realçam que, em tempo de guerra, a informação é selecionada de forma específica, de acordo com valores profissionais, morais, políticos e ideológicos. Esta conclusão refere-se à cobertura da guerra pelo jornalismo tradicional e profissional, mas, na presente investigação, foi possível verificar que o mesmo processo ocorre com o jornalismo cidadão e independente, de uma forma ainda mais óbvia. Uma vez assumido o seu posicionamento político-ideológico (anti-regime de Assad), esses jornalistas participam na guerra de narrativas, tendo em conta que os seus ideais influenciam a seleção de fontes e os temas das suas notícias.
Outra semelhança com o jornalismo de guerra tradicional e profissional relaciona-se com a prática de reportagens incorporadas onde, tal como nos principais meios de comunicação, as notícias produzidas por jornalistas cidadãos dentro das tropas de combate podem ser questionadas devido a um certo “partidarismo”. Como defendem Bogui e Agbobli (2017), os novos atores no processo de produção e circulação de informação em zonas de guerra não estão imunes aos mesmos problemas que os meios de comunicação tradicionais. Vale a pena referir, no entanto, que não existe um jornalismo completamente imparcial, uma vez que “a neutralidade estrita é um inacessível ao ser humano” (Mercier, 2019, para. 16). Mesmo quando o jornalismo segue regras que visam transmitir um efeito de objetividade, o discurso inclui ainda um elemento de subjetividade, que nem sempre é consciente e controlado.
Como mencionado, Russell (2016) concorda que o jornalismo nunca foi verdadeiramente neutro e considera que o envolvimento com questões sociais pode ser positivo no que diz respeito à sua função pública. Além disso, como argumentam Hanitzsch e Vos (2017), dependendo do contexto — neste caso, uma guerra — o ativismo como parte integrante do jornalismo pode ser considerado aceitável.
Embora a maior parte dos jornalistas sírios reproduzam práticas e conceitos do jornalismo tradicional, as quais são perpetuadas por meio dos estudos, a sua diversidade manifesta-se nas suas experiências e valores, que influenciam o seu processo de comunicação de informação, o que constitui a sua particularidade. Afinal, cada experiência é única, por mais que seja semelhante com as dos seus colegas, o que rende uma subjetividade peculiar nas suas narrativas. Por outras palavras, os jornalistas cidadãos e independentes comunicam através da combinação de técnicas e regras profissionais (que visam alcançar o ideal de objetividade) com os seus valores sociais e pessoais.
O caso do jornalismo cidadão e independente na guerra civil síria ilustra que o jornalismo é uma construção social (Gans, 1979; Schudson, 1995; Tuchman, 1978), baseada nas experiências e no quadro de referência dos seus actores, e a relação entre o jornalista e as suas fontes. Ou seja, o caso do jornalismo cidadão e independente na guerra civil síria exemplifica como estas práticas híbridas e empenhadas desafiam as fronteiras do jornalismo convencional. Ao reportarem a guerra com base nas suas motivações e vivências pessoais, estes jornalistas revelam uma dimensão ativista.
Nota Biográfica
Gisela Cardoso Teixeira é estudante do Doutoramento em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade de Aix-Marseille (França). É também membro do laboratório de investigação Institut Méditerranéen des Sciences de l'Information et de la Communication.
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