Resumo: Cada vez mais digital, o estilo de vida está a migrar para as redes sociais digitais. A rede social Instagram vem acolhendo mais contas em Portugal, em linha com uma aquisição relevante de smartphones, permitindo um acesso crescente e a possibilidade de produção de atividade. Este artigo inclui a apresentação de um estudo empírico sobre a página Instagram da revista digital NiT. Analisaram-se 173 publicações, com recurso à análise crítica do discurso multimodal, ambicionando compreendê-las enquanto textos que compreendem vários modos de produção de sentido e pormenorizadamente, assim como oferecer uma reflexão crítica sobre esta produção mediática e o conceito de “jornalismo de estilo de vida” (e.g., P. Cordeiro, 2019; Hanusch, 2012; Jorge, 2007; Perreault & Hanusch, 2024). Partindo da noção de que os textos produzem e reproduzem complexos comunicativos mais amplos, sob determinados contextos, ou seja, discursos, destacam-se os seguintes: a comodificação do estilo de vida, o alcance pessoal neoliberal, a atração estratégica multimodal, a estrangeirização do estilo de vida, a evocação da memória cultural e a incorporação digitalizada de tendências. Através desta revista e das suas publicações no Instagram, depreende-se ainda que as fronteiras entre o entretenimento e o jornalismo transparecem estar cada vez mais diluídas, incluindo a dependência subtil da publicidade.
Palavras-chave: Estilo de Vida,Revista Digital,Jornalismo,Instagram,Multimodalidade.
Abstract: Increasingly digital, lifestyle is migrating to digital social media. Instagram has been gathering more accounts year after year in Portugal, along with a relevant smartphone purchase, which improves the access conditions and, possibly, those of activity production. This article features an empirical study upon the Instagram page of the NiT’s digital magazine. One hundred and seventy-three posts were analysed through multimodal critical discourse analysis, in an attempt to understand them as texts that comprise many meaning-making modes and in their detail. Also, it is aimed to offer a critical reflection towards its media production and the concept of “lifestyle journalism” (e.g., P. Cordeiro, 2019; Hanusch, 2012; Jorge, 2007; Perreault & Hanusch, 2024). Drawing on the notion that texts produce and reproduce wider communication complexes, under certain contexts, in other words, discourses, it is possible to highlight the following ones: lifestyle commodification, neoliberal personal reach, multimodal strategic attention, lifestyle foreignization, cultural memory evocation, and trend digital embodiment. Taking from this magazine and its Instagram posts, it is also realised that the boundaries between entertainment and journalism appear to be increasingly narrow, including the subtle dependence on advertising.
Keywords: Lifestyle, Digital Magazine, Journalism, Instagram, Multimodality.
Resumen: Crecientemente digital, el estilo de vida está migrando para las redes sociales digitales. La red social Instagram agrega más y más cuentas en Portugal, juntamente con una compra relevante de smartphones, que facilita el acceso e, posiblemente, la producción de actividad. Este artículo incluye un estudio empírico sobre la página Instagram de la revista digital NiT. Se analizaron 173 publicaciones según el análisis crítico del discurso multimodal, como tentativa de entenderlas como textos que comprenden varios modos de producción de sentido y en su detalle. Existe incluso el intento de ofrecer una reflexión crítica relacionada al concepto de “periodismo de estilo de vida” (e.g., P. Cordeiro, 2019; Hanusch, 2012; Jorge, 2007; Perreault & Hanusch, 2024). Basando en la noción de que los textos producen y reproducen complejos de comunicación más amplios, en determinados contextos, o sea, discursos, son identificados algunos que se destacan: comodificación de estilo de vida, alcance personal neoliberal, atención estratégica multimodal, extranjerización del estilo de vida, evocación de la memoria cultural e incorporación digitalizadora de tendencias. A través de esta revista y sus publicaciones, se comprende incluso que las fronteras entre entretenimiento y periodismo están demostrando un creciente estrechamiento, sin olvidar la dependencia sutil de la publicidad.
Palabras clave: Estilo de Vida, Revista Digital, Periodismo, Instagram, Multimodalidad.
Secção Temática/Thematic Section/Sección Temática. Artigos/Articles/Artículos
Estilo de Vida no Instagram: Um Olhar Crítico Multimodal Sobre o “Jornalismo”
Lifestyle on Instagram: A Multimodal Critical View Into “Journalism”
Estilo de Vida en Instagram: Una Mirada Crítica Multimodal Hacia el “Periodismo”
Recepção: 10 Julho 2024
Aprovação: 03 Dezembro 2024
Publicado: 17 Dezembro 2024
Viver a vida sob determinado estilo é algo inerente à vida de qualquer pessoa. Cada uma rege-se pelo agir e o pensar. Por diversas vezes, tal implica posicionar-se sobre determinados acontecimentos e fenómenos sociais, no decorrer do quotidiano por meio construções históricas e socioculturais e diferentes contextos. O estilo de vida interfere em diferentes níveis, como o individual, o interpessoal, o comunitário e o social (van Leeuwen, 2022). Isto vem sendo traduzido em revistas de estilo de vida, com a sua consolidação enquanto género e potenciação sobretudo na segunda metade do século XX. Se umas pararam a sua produção, outras mudaram-na para o digital, outras subdividiram-se entre o físico e o digital ou, ainda, novas surgiram no digital.
Um daqueles casos é a revista nativa digital NiT. Parte do grupo MadMen, que conta com sete projetos de âmbito regional, e nativa digital, o seu enfoque reside numa abordagem de estilo de vida ligada ao usufruto da vida e à saúde (NiT, s.d.). As suas visitas ao site cibernético seguem destacadas. Em maio, contou mais de 2,5 milhões de visitas ao site da NiT, o que a coloca num dos meios de comunicação social mais acedidos do país (Grupo Marktest, 2024). Esta revista vem inclusive apostando nas redes sociais, apresentando mais de 382.000 pessoas seguidoras na rede social Instagram[1]. Dados de 2023 mostram que esta vem sendo crescentemente agregadora de novas pessoas utilizadoras em Portugal (Kemp, 2024), bem como o número de aquisições de telemóveis de categoria smartphone representa um volume de vendas superior a mil milhões de euros no país (C. Cordeiro, 2024).
Sob os contributos da multimodalidade, semiótica social e estudos críticos do discurso, este trabalho apresenta um estudo sobre a produção da página Instagram da NiT durante o mês de maio de 2024. Os objetivos residem na comparação das abordagens, através da sua manifestação multimodal, e no levantamento de questões sobre a sua produção mediática categorizada por literatura vária enquanto “jornalismo de estilo de vida” (e.g., P. Cordeiro, 2019; Hanusch, 2012; Jorge, 2007; Perreault & Hanusch, 2024). Desta forma, colocam-se duas perguntas de investigação: 1) o que produzem na rede social Instagram e como se realizam multimodalmente as mesmas produções na revista NiT?; 2) que questões levanta a atribuição da designação de “jornalismo de estilo de vida” à revista NiT?
Tendo já sido amplamente concetualizadas, a perspetiva da “sociedade de consumo” (e.g., Baudrillard, 1970/2014) ou a de “cultura de consumo” (e.g., Featherstone, 2010) apontam para a comodificação de algo enquanto modo de providenciar a satisfação das pessoas. As pessoas interagem com as ideias que socioculturalmente se constroem, construindo-as também, e delas se apropriam com maior ou menor intensidade. Tal torna-as mais ou menos apelativas, sugerindo-se que, ao fazê-lo, estão a promover uma superação e uma melhoria do seu estilo de vida. Interfere em tudo isto o afeto que se vai desenvolvendo e acaba por se desenvolver, inclusive multimodalmente (e.g., Westberg, 2021).
As revistas de estilo de vida promovem representações ideais de se expressar, ser e estar consoante determinados modelos de género, daí a emergência das chamadas “revistas femininas” e “revistas masculinas”, e práticas a adotar relacionadas com produtos e serviços a consumir (Jorge, 2007; Mota-Ribeiro, 2011; Ribeiro, 2023; Ribeiro & Cabecinhas, 2023; van Leeuwen, 2022). Por exemplo, alimentação, vestuário desportivo, acessórios de moda, maquilhagem ou cosmética.
Aquelas revistas enquadram-se num “jornalismo de estilo de vida” (P. Cordeiro, 2019; Jorge, 2007; Hanusch, 2012; Perreault & Hanusch, 2024). Trata-se de “um campo jornalístico definido que primariamente aborda as suas audiências como consumidoras, fornecendo-lhes informação factual e conselhos, frequentemente numa linha de entretenimento, sobre bens e serviços que podem ser usados na vida diária” (Hanusch, 2012, p. 5). O estilo de vida torna-se algo apelativo para as pessoas utilizadoras das redes sociais, quando atentando na sua volatilidade. Numa tendência global de crescimento, este usualmente está associado a temas de lazer e que proporcionem emoções positivas e cada vez mais pessoas diversas são engajadas para agirem em papeis tradicionalmente assumidos por profissionais do jornalismo (Perreault & Hanusch, 2024).
Numa lógica de rol de publicações, onde estas surgem continuamente e sob o rolar do dedo humano, tal rol é controlado algoritmicamente, por instruções de engenharia e implementação de códigos, que procura seguir o que determinada pessoa utilizadora mais procura e/ou mais presta atenção (Cardoso, 2023). Com base em várias autorias, Díaz-Campo et al. (2021) estabelecem que as plataformas digitais seguem sobretudo três “estratégias”: (1) averiguação da atividade usuária; (2) “exposição acidental”; (3) “consumo direto” (p. 3). Neste todo, as plataformas detêm poder e constroem poder, não só pela capacidade de controlo, mas também pela capacidade de monetização, através da atração de anunciantes publicitários e do armazenamento, compra e venda de dados.
Excluindo o chamado conteúdo patrocinado, trabalhos sem patrocínio ou referência a tal e com a assinatura de autoria jornalística levam a uma confusão de quem com eles interagir (P. Cordeiro, 2019). Se se trata de “jornalismo” ou de publicidade. Isto ameaça “a credibilidade do jornalismo enquanto atividade e atentando contra os deveres dos jornalistas” (P. Cordeiro, 2019, para. 53). Naquilo que é qualificado como “jornalismo de lifestyle [estilo de vida]”, o estudo de Paula Cordeiro (2019) sobre o meio NiT conclui também que a própria escrita, apesar de se basear em padrões jornalísticos, “adopta uma estrutura e linguagem típica do digital, muito comum em blogues e media sociais” (para. 56). Existe um recurso superior a notícias leves — do inglês, soft news —, que se debruçam sobre “o entretenimento, as celebridades e as notícias de lifestyle” (P. Cordeiro, 2019, para. 18). Por isto, o designado “jornalismo de estilo de vida” tende a ser alvo de críticas por outras pessoas também “jornalistas” pelas suas práticas voltadas para a mercantilização e “a indústria das relações públicas” (Hanusch, 2012, p. 5), algo confirmável por Paula Cordeiro (2019).
Quer pela apelabilidade visual e usabilidade e crescente apropriação para partilha de notícias quer pela sua mediatização, a rede social Instagram sai empoderada (Cardoso, 2023; Garcia & Martinho, 2020; Ribeiro, 2022). Segundo Ribeiro (2022), as notícias são partilhadas ao jeito de uma capa de revista ou uma página de jornal, com uma esteticização a tal adequadas, saindo reforçado o seu trabalho sociossemiótico multimodal e atenção sobre ele por parte das equipas editoriais. Estas levam a interações diversas da parte de quem as utiliza, incluindo a do comentário. A capacidade de as pessoas comentarem, de se criarem interações entre as pessoas utilizadoras, seja entre o sistema e elas (na publicação de algo) seja entre outras pessoas com os comentários, sob as mais diversas realizações multimodais (e.g., texto escrito, emojis; Jovanovic & van Leeuwen, 2018) ajuda a reforçar aquela rede social como importante para a atividade gerada pelas páginas. Sem esquecer outros textos que se podem despoletar de tais comentários, publicações e outras realizações multimodais.
Dentro do género de estilo de vida, revistas como a NiT crescem em número de visitas ao seu site. Em fevereiro de 2024, de acordo com a Marktest, aquele site recebeu mais de 2,5 milhões de visitas em Portugal, à frente dos casos de jornais como o Jornal de Notícias, o Correio da Manhã ou o Expresso (NiT, 2024). A revista Versa em maio de 2024 registou mais de um milhão de visitas, alcançando a NiT pouco mais de 2,5 milhões no mesmo mês. Focadas em celebridades e televisão, elencando assuntos semelhantes, a Flash e a TVGuia, com um “alcance global” de mais de dois milhões de visitas e mais de um milhão, respetivamente (Grupo Marktest, 2024).
Apesar disso, vários relatórios sobre o estado do jornalismo e dos média em geral apontam para uma quebra na circulação impressa de jornais e revistas nos últimos anos, a que se junta uma crescente precarização das pessoas profissionais de média (e.g., Duarte et al., 2023; Esteves, 2023; Fidalgo, 2021). Com uma tendência crescente de digitalização, tirando proveito de uma plataformização societal (Cardoso, 2023), o capítulo de Garcia e Martinho (2020) reúne uma série de tendências verificáveis a partir de vários meios. Algumas delas são: mistura de conteúdos de marcas com notícias, campanhas de anunciantes em publicações, apresentação noticiosa única e estática sem o desenvolvimento daquela notícia, o uso de áudio e vídeo em linha com o hibridismo dos formatos, o crescimento do número de podcasts, emergência de um estatuto de “utilizador-leitor-consumidor-cliente” (Garcia & Martinho, 2020, p. 331) na busca de subscrições dos meios ou a sofisticação da equipa profissional de produção de conteúdos para as redes sociais. A concentração horizontal de grandes grupos de média privados de vários meios é uma tendência de Portugal dos últimos 20 anos (Fidalgo, 2021). Em linha com o capítulo de Garcia e Martinho (2020), assiste-se recorrentemente à intermutação da produção mediática de uns meios sobre outros, como o caso do Expresso e da SIC Notícias, em rubricas como podcasts partilhados ou a rubrica Boa Cama, Boa Mesa[2].
Em relação às páginas escolhidas, tratam-se estas de páginas que combinam três critérios. Um primeiro a atualidade da plataforma digital e da sua presença no panorama mediático nacional, com 10 anos de existência. Um segundo é, como já visto acima, o registo de visitas relevantes ao site respetivo, para as quais as redes sociais pretendem atrair, incluindo além-Instagram, mas também o número de pessoas seguidoras nestas redes. Um terceiro é a diversidade do tipo de assuntos que aborda: estilo de vida, celebridades e experiências várias do dia a dia. De referir que a NiT se afirma como “uma publicação com raiz jornalística que produzirá conteúdos em áreas tradicionalmente ligadas ao lazer, como a cultura, a gastronomia, a hotelaria, o turismo ou o exercício físico” (NiT, s.d., para. 3), “abordando temas regionais, nacionais ou internacionais, consoante os critérios editoriais definidos” (para. 7). Selecionou-se o mês de maio de 2024, quer pelo número de visitas ao site quer pela atualidade. Da NiT, dão-se conta de 173 publicações, em que se destacam detalhadamente alguns exemplos para fins de pormenor e considerando a extensão que a revista proporcionou para o artigo.
Para se compreender a sua realização do ponto de vista multimodal, ou seja, da mobilização de vários recursos semióticos que funcionam como modos de produção de sentido (Kress & van Leeuwen, 2021; van Leeuwen, 2022), recorreu-se à análise crítica do discurso multimodal (ACDM; Machin & Mayr, 2023). Esta técnica de investigação oferece competências para uma análise aprofundada, em detalhe e profícua em termos de questões a levantar para reflexão crítica, uma vez que este estudo adota uma abordagem interpretativa e crítica. Neste caso, relacionada com a produção mediática e o seu campo profissional. Aplicando ao contexto deste trabalho, compreendem-se as publicações do Instagram enquanto textos, uma vez que se constituem enquanto materialização multimodal visível ao olhar, logo, dotadas de uma coesão e de uma coerência próprias, ainda que não isoladas de outros textos, pois tal materialização ocorre mediante contextos (e.g., sociocultural, mediático, político, económico) e (re)produz discursos já existentes ou novos, que constroem a realidade social e assim sucessivamente. Eles dependem de um ambiente e estão ligados a determinadas potencialidades (do inglês “affordances”) do material semiótico que os despoleta, produzindo sentido e sendo dotado de sentido (Ledin & Machin, 2018). À semelhança de um artigo de jornal, entre várias potencialidades, uma publicação da rede social de uma revista constrói informação e impacta nas representações mentais e sociais (Ledin & Machin, 2018; van Dijk, 2017). Relembrem-se as perguntas de investigação:
Partindo de Ribeiro (2024), sem esquecer os contributos de outras autorias (e.g., Carvalho, 2008; Kress & van Leeuwen, 2021; Ledin & Machin, 2018; Machin & Mayr, 2023; Mota-Ribeiro, 2011; Ribeiro, 2023; Ribeiro & Cabecinhas, 2023; van Dijk, 2017; van Leeuwen, 2008), aplica-se com adaptações o seguinte quadro de análise (Tabela 1) às publicações em causa.
Partindo da noção de que um texto existe mediante o sentido que lhe é dado e produz sentido e discurso, ele apenas existe em contextos, todos de conhecimento que permitem que tenha caráter de interpretação. Por outras palavras, permitem uma recontextualização, como os diferentes elementos são representados, quais são omitidos e podem ser desvendados e até mesmo modificados (van Leeuwen, 2008). O discurso corresponde a um complexo de atos comunicativos que recontextualiza as práticas sociais, seja para legitimá-la seja para questioná-las e criticá-las. Neste trabalho, recorre-se à intertextualidade, isto é, à compreensão de outros textos similares — neste caso, publicações de Instagram ou outros recursos aplicáveis —, ao contexto mediático, que mobiliza recursos dos média ora do mesmo conglomerado e de outros ora de outros meios, e ao contexto sociocultural. Estes vão sendo convocados ao longo da análise dos recursos visuais e verbais, bem como se podem interrelacionar entre si. Por exemplo, seguindo a nota de Ribeiro (2024), uma oração escrita (recurso verbal) e uma imagem gráfica (recurso visual) remeterem para uma figura de estilo, a imagem.
Quantos aos recursos visuais, identifica-se o que e, se for caso disso, quem está na publicação explicitamente, sob que cenário e que objetos estão envolvidos. Deixa-se a nota de que, apesar de algumas publicações comportarem recursos sonoros e por razões de extensão do artigo, estes são associados ao cenário e aos objetos, uma vez que acessórios àquelas, por meio de indexação, que ajudam a recontextualizar o que se descreve visual e verbalmente através de uma publicação. A modalidade e a cor ajudam a conferir mais ou menos caráter de realidade às publicações, em que a modalidade baixa aponta para uma maior aproximação, através de marcadores como pormenor, contextualização, brilho, luminosidade ou temperatura. Quanto às ligações acionais e indexicais apontam para os processos desenvolvidos pela visualidade construída pelas publicações: emocionais, o que as pessoas participantes expressam; mentais, o que se sugere ser pensado e sentido; verbais, o que é dito e expresso; e materiais, o que se materializa em ações no texto. Os ângulos das imagens apresentadas apontam para os olhares nelas inscritos (gaze), o que as torna “imagens pedido” (olhar de participante[s] para a câmara) ou “imagens oferta” (olhar de participante[s] distanciado da câmara), conferindo mais ou menos proximidade com quem ela interage (Kress & van Leeuwen, 2021), e os enquadram ora na vertical ora na horizontal, em ângulos abertos, fechados ou de outros contornos. O valor informativo revela detalhes sobre a informação e sua organização na página; se mais à margem, menos relevante. A saliência confere relevância aos recursos destacados. A delimitação separa mais ou menos claramente um algo de outro.
No que concerne aos recursos verbais, o léxico, frases e aplicações, do mais explícito ao mais implícito. Vocabulário e gramática, mais propriamente os usos que se fazem do tempo, da ação e da sua aplicação. Atores, ou seja, as pessoas e as construções mediáticas a elas associadas. As figuras de estilo, como a metáfora, assumem um potencial retórico particularmente relevante. As construções temáticas são desenvolvidas pelo texto, na interação com quem com ele interage, e apontam para assuntos mobilizados, representações sobre ele e à relação de outros e outras. Por fim, as estratégias discursivas, enquanto “formas de manipulação discursiva da realidade por atores sociais, incluindo jornalistas, com vista a alcançar um determinado efeito ou objetivo”, com mais ou menos deliberação (Carvalho, 2008, p. 169).
Por razões de espaço e de ambição de explicitação de pormenor, dividem-se por subsecções as tendências desvendadas através dos textos envolvidos, com a identificação e discussão dos recursos visuais e verbais, e dos contextos e respetivos recursos. Desta forma, concretiza-se um caminho para se compreender a produção sociossemiótica multimodal e discursiva da revista na rede social Instagram.
As publicações tendem a exibir umas linhas limites ao seu redor, em jeito de moldura, seguindo a forma-padrão da rede social quadrada, de cor azul ciano, alinhadas com a identidade visual da marca do meio. Sugestivamente, este azul intenta a produzir um “‘prazer calmo’” (Kress & van Leeuwen, 2021, p. 269). A página apresenta publicações com fotografias, usualmente com cores como aquele azul ou outras tonalidades de azul, bem como o branco, que reforçam esse lado de calma, leveza e paz (Heller, 2000/2014). São recorrentes as imagens com piscinas e pessoas em movimentos tranquilos ou simplesmente paradas, como na publicação de dia 1 de maio[3].
Aquela segue uma tendência de apontar em jeito noticioso para as mudanças meteorológicas, aludindo às condições previstas para que se possa aproveitar o tempo para atividades de lazer. Naquela publicação, está uma piscina pública. A descrição em texto escrito aponta para “chuva e frio”, ainda que o tempo esteja “prestes a mudar radicalmente”, destacando na composição visual “calor regressa no fim de semana com temperaturas de 30 graus”, estando “calor regressa” e “de 30 graus” a negrito, em branco, sobressaindo-se na parte sombreada escurecida na parte superior da fotografia. Nos termos de Kress e van Leeuwen (2021), ainda que podendo variar, trata-se do “ideal”, aquilo que é representado como desejável. Duas outras publicações seguem a mesma tendência, nos dias 6[4] e 26[5]. Inserem-se numa rubrica de nome “FORA DE CASA”, o que reforça o tom convidativo à concretização de atividades relacionadas com banhos na água e de sol e criando um evento a partir de algo que é inerente à natureza, as mudanças de temperatura. Noutros termos, um “pseudoevento” (e.g., Boorstin, 1992).
Mais de 40 publicações voltam-se para turismo de lazer, sobretudo voltado para férias de mais curta ou longa duração. Também na rubrica “FORA DE CASA”, a publicação de 2 de maio apresenta uma “lagoa dos Açores” equiparando-a a “um cenário do ‘Parque Jurássico’”, clássico cinematográfico de Hollywood, ainda que “real”[6]. A imagem inclui o azul claro e destaca-se a saliência dos verdes, da reflexão da luz solar do verde e do verde abrangido pela sombra, noutras tonalidades, transmitindo uma conexão com a natureza e até de afeto, de identificação e ligação, de um ambiente relaxante (e.g., Westberg, 2021). O afeto é inclusive algo relevante no universo cultural do consumo (Featherstone, 2010). Em duas outras fotos, as fotos são mais próximas aos riachos que na estrutura montanhosa que rodeia a lagoa estão presentes, sendo a terceira apenas inclusiva de dois riachos, o que ajuda a criar uma maior envolvência da pessoa que olha com o local.
Uma outra é a localização do “destino a 1h30 do Porto”, que, segundo a descrição, se trata da “Quinta Nova da Nossa Senhora do Carmo”[7]. São cinco fotos, em que a primeira destaca o “destino a 1h30 do Porto” e “na natureza (e com vinho)” a negrito, realçando a proximidade a um centro urbano de grande dimensão, onde muita gente vive, o ambiente natural e a experiência vínica, dentro da rubrica “FORA DE CASA”. A primeira foto realça o lado da natureza, com um plano aberto, a segunda uma foto de um quarto espaçoso, a terceira um plano fechado com o pequeno-almoço com vista para as vinhas, a quarta um enfoque num prato de comida seletiva, a quinta da piscina com duas pessoas relaxadas com vistas para mais vinhas e a sexta de uma sala de estar bem conservada, com um toque clássico. Remete-se para um cenário tranquilo e um ambiente harmónico. A descrição apresenta como exemplos de ofertas de serviços “prova de vinhos, um museu e passeio pelas vinhas”, uma experiência turística. Além de outras similares sobre outras propriedades, outra publicação no mesmo dia aponta para a mesma quinta, perfil da qual exprime num comentário emojis de apreço em jeito de agradecimento[8].
Naquele mesmo dia, o destino é a Islândia, em que se segue uma tendência de sugerir voos para destinos sinalizados como económicos e acessíveis a qualquer pessoa, ainda que em jeito chamativo e sem considerar as mudanças de preços e outras condicionantes associadas, de uma companhia específica[9]. Pode ler-se na descrição, que se segue do convite para leitura com a ligação na página do perfil: “a companhia aérea Play lançou uma campanha flash, para voos que partem do Porto e de Lisboa”. A composição visual destaca uma montanha, uma aurora boreal e um céu azul que se refletem numa lagoa, em que, abaixo, com o fundo sombreado, se lê a chamada: “viajar até à Islândia nunca foi tão barato. Só precisa de 69€”. Aponta-se uma resposta para um problema: uma vez caro viajar para a Islândia, agora, já não é, sendo necessários apenas “69€”. Veja-se ainda a “campanha flash” e o caráter do imediato, estimulador de uma necessidade de comprar naquele momento o voo por aquele preço, que sugere ser único. Isto aponta para um sentido “comodificador” de paisagens no Instagram (Smith, 2021).
No seguimento do parágrafo anterior, no dia 6, uma publicação semelhante realça o destino “Tânger com a Ryanair (desde 14,99€)”, em que o negrito a branco destaca “de Lisboa para Tânger” e o valor inicial referido[10]. Cabo Verde é o país visado na publicação de dia 9[11] e outros destinos são mencionados, inclusive agregando vários numa só publicação[12] e até em vídeo, com o humorista Miguel Lambertini, que articula algumas ideias em jeito de humor[13]. Este humorista “faz um roast às notícias da NiT”, o qual acontece “[t]odos os dias”. Remete a inclusão daquele profissional em vídeos para o universo de humoristas na atualidade e para a sua mediatização através do humor em podcasts ou de rubricas em meios como a rádio (e.g., Ribeiro, 2023). Além da equiparação a pseudoeventos já mencionada, o sentido de produção de “notícias” por parte do meio sai aqui reafirmado, correspondendo ao que constatam autorias como Hanusch (2012) ou mesmo, com um olhar crítico, Paula Cordeiro (2019), sobre a apropriação jornalística numa aposta em criar narrativas apelativas ao consumo.
Dezassete publicações referem-se diretamente a comida, sugerindo ora restaurantes ora mesmo pratos. Várias aparecem em formato vídeo, sob a secção “NiTtv”, como a publicação de 25 de maio, com a fotografia de capa de comida com a chamada “dourada grelhada no forno com amêijoas à bolhão pato”[14]. O vídeo apresenta planos fechados, na vertical, facilitando a interação via smartphone, em que alguém faz a comida com as mãos e vão surgindo as várias instruções de preparação, numa experiência que sugere pretender ser sensorial, de proximidade, sendo ele ladeado da receita em causa na descrição da publicação. Termina este clipe com um gesto que ficou popularizado na internet através de um emoji oriundo da cultura italiana, podendo noutras associar-se a outros significados, querendo apontar para a questão: “o que é que queres?” (Gerken, 2020).
Outra publicação[15] refere-se ao “famoso leitão” (a negrito) como recém-chegado à “Avenida da Liberdade” (a negrito), realçando as batatas fritas acompanhadas do leitão e das laranjas com o molho de leitão e o nome do restaurante “Eliseu”, sob uma mesa e umas cortinas de fundo. Trata-se, segundo a descrição, do segundo restaurante na cidade de Lisboa, com “a tradição da Bairrada”, elencando aqui uma iguaria tradicional portuguesa, que é o leitão da região da Bairrada. Dispondo de outra foto na mesma publicação, esta abre o plano da anterior, de pormenor, e mostra um pouco do espaço, apelando a um espaço de sofisticação. À semelhança daqueles que as revistas de culinária de superfícies comerciais de retalho de grande dimensão constroem (Luderer & Baptistella, 2022), aquele tipo de pratos, bem como outros tradicionais, remetem para sentidos de afeto, memória e conforto associado à cultura portuguesa.
Adicionalmente, os doces. Destaca-se a 4 de maio a abertura do “novo” e, entre aspas da fonte, “paraíso dos doces”, a negrito, “na Costa da Caparica”[16]. Aparecem doces sofisticados, em porções individuais, aludindo à culinária francesa, como se lê na descrição: “Brigadeiros, croissant, tarteletes ( ... )”. Esta aponta ainda para a “casa colorida” onde são feitos e vendidos, sobressaindo-se o cor-de-rosa da segunda fotografia, em que cadeiras, paredes, teto e até uma estrutura de néon fazem envolver todo o espaço numa ambiência “kitsch” e apelando às “sobremesas”, à “doçura” (Heller, 2000/2014, p. 346). Outras duas fotos apontam um croissant em plano fechado e um outro bolo em destaque, sob um fundo também cor-de-rosa numa parede e de relva noutra, com algumas cadeiras, aludindo ao espaço respetivo. A página da pastelaria Dundee agradece em comentário ao meio e à jornalista “pela fantástica entrevista”[17]. Incluindo “cafetaria e lounge”, existe outra publicação, de 8 de maio, que aponta para o “cabeleireiro mais rosa do País”. O objetivo explícito é dar “às clientes “o cabelo de sonho””[18], enfatizando aquele sentido do rosa chamativo, envolvente, fantasioso e inclusive feminino, sem menosprezar o destaque das palavras “às clientes” (Heller, 2000/2014).
Constata-se a associação direta a produtos de marcas. Trata-se de uma das tendências dos média nas redes sociais mencionadas quer por Garcia e Martinho (2020) quer, diretamente no “estilo de vida”, por Paula Cordeiro (2019). Aqui, trata-se da “gama WOK da Milaneza”[19], que evoca os pratos da comida do Sudeste Asiático, com os noddles. Marques (2011) explica que equivale a “'wok a uma frigideira chinesa (ou, eventualmente, a uma caçarola, visto que também pode servir para cozinhar a vapor')” (para. 4). A menção àquele produto consta das publicações de 21[20] e 22 de maio[21]. A primeira sugere ser uma promoção do produto, com a massa pronta num prato sob uma mesa com uma toalha aos quadrados brancos e vermelhos, sugerindo uma combinação entre o tradicional português como na capa de março/abril de 2024 da revista Women’s Health[22]e algo novo, que, segundo a descrição, não exige “pré-cozedura” e segue ‘direto’ “para o WOK”[23]. Aparentando ser de caráter publicitário, a segunda[24] consiste num vídeo de curta duração, apelando a vários elementos da culinária chinesa, como a massa, os hashi (utensílios) e até o tipo de letra utilizada, recorrendo às cores da marca Milaneza (verde, vermelho e branco), com a centralidade do produto e do destaque de ser “FÁCIL, RÁPIDO E CHOP CHOP”, sendo esta uma expressão do chinês. A descrição destaca a variedade (“quatro tipos de massa para criar refeições diferentes”) e a rapidez na cozedura (“em menos de 30 minutos”), convidando à descoberta de “algumas das receitas” através da ligação disponível na página.
Encontram-se inclusive várias publicações sobre vinhos. A propósito do elencar de marcas e outros atores, a publicação de 23 de maio inclui um vídeo de um criador de conteúdos de nome Paulo Rosa Abreu, com um projeto de nome Meia Gaiola, cuja página é etiquetada na publicação em jeito de parceria[25]. Neste, em tom divertido e a várias vozes, o criador é “desafiado” a escolher vinhos que conjuguem com determinados pratos do hipermercado Continente, descrevendo vinhos a preços que, segundo a descrição, “os torna grandes oportunidades de compra”. Os escolhidos são pratos tradicionais da gastronomia portuguesa. A fotografia de capa da publicação contém um copo de vinho tinto e outro de branco, com duas mãos que os suportam ao centro, a diferença na união, e há a chamada abaixo, sob fundo sombreado: “do tinto ao branco, damos 4 sugestões de vinhos que estão agora a menos de 6€”. Note-se na menção explícita de um intervalo de preço, motivando o consumo. Da filosofia e da perceção visual, Rosa Alice Branco elabora sobre o que o vinho elenca além do seu próprio conteúdo. Nomeia a própria garrafa e a sua conceção gráfica, o conhecimento de um vinho específico ou as possibilidades de com ele se brindar, do desfrutar em grupo ou sob alguns petiscos, através de uma retórica publicitária apelativa. Escreve a autora em relação à aquisição de um vinho: “na passagem do desejo à decisão da compra, ( ... ) existe sempre uma luta interna, correlata das áreas do cérebro ativadas” (Branco, 2022, p. 138).
Aqueles aspetos aplicam-se à campanha promocional antes descrita daquele hipermercado. Outra publicação sobre vinhos, com Paulo Rosa Abreu de novo e o mesmo estabelecimento comercial consta da página, de 16 de maio, com “vinhos para surpreenderem diferentes ocasiões”[26]. De notar a descontração das pessoas do vídeo e o seu sorriso, que brindam com copos daquela bebida. Uma outra é sobre uma “concept store do Porto” de nome “Bonita” e que foi “renovada”[27]. Sugere-se uma novidade, ainda que apontando para um sentido do tradicional, “com antiguidade”. Na descrição, lê-se que a loja pretende “mostrar o que o País tem de melhor, da loiça ao vestuário”. Apresenta-se o interior da loja, exibindo vinhos, roupas, petiscos e uma pessoa que exibe um copo em jeito de explicação, sob uma composição instrumental de fundo de ambiente, mencionando em texto escrito “ANTIGUIDADES E PROVAS DE VINHO” e, no final, a morada.
A inclusão recorrente de celebridades nas publicações do mês em análise é verificável em 24 publicações. Algumas delas através da rubrica de humor de Miguel Lambertini, como uma[28] em que comenta um outro acontecimento dado conta pela NiT noutra publicação[29]. Este trata-se da utilização da expressão espanhola “Ni de coña”, que significa “nem a brincar”, e que o meio considerou noticiável e o humorista falou em “hilariante”, brincando com o volume de “notícias” que o meio para o qual faz “roast” e trabalha fez ao redor dos concertos da cantora norte-americana Taylor Swift em Portugal no mês de maio e, depois, noutros países da Europa[30]. Mais, no mesmo estilo humorístico, caso não tenham “notícias” as pessoas da redação, que “façam como a Nova Gente [revista de celebridades e televisão]” e “inventem”. Implica-se aqui o entretenimento e intertextualidade, a evocação de outros meios, a inferiorização das revistas de celebridades e televisão e o incentivo à concorrência (e.g., Garcia & Martinho, 2020; Ribeiro, 2023).
A propósito da cantora referida, há outra notícia, equiparável a pseudoevento, que é um pedido de casamento em que um indivíduo pede a sua companheira, “Beatriz” em casamento enquanto, segundo a descrição, “a jovem de 23 anos estava a fazer um direto no Instagram, com cerca de 15 mil pessoas a ver”[31]. Destaca-se a negrito o “pedida em casamento”, com uma foto de ambos em que agarram balões com trechos de letras de canções da cantora, sob um fundo cor-de-rosa, evocando a feminilidade (Heller, 2000/2014). Mais se sobressaem referentes ao contexto das redes sociais como o anel de luz (ring light) atrás, para melhorar a luminosidade e outras propriedades das fotos (Finley, 2022), ou a expressão “SWIFTIES”, que aponta para as comunidades de fãs da cantora emergentes no digital (Morris, 2024).
Mais uma vez, a cantora supramencionada surge, desta vez, acompanhada de outras celebridades, como Billie Eilish, em sugestões de música, com “NOVOS TEMAS PARA OUVIR EM LOOP”[32]. Apela esta última publicação ao “ligar o som das imagens” para “as melhores novidades do mundo da música”. Inclusivamente, constam da página publicações sobre festivais vários, como o “Brunch Electronik 2024”, cuja publicação do dia 10 de maio[33] compreende um vídeo promocional e o comentário da página da organização com as palavras “estamos de volta”, sugerindo uma nova edição do festival, e emojis sugestivos de verão, calor e atratividade física (Pohl et al., 2017).
O cinema é igualmente tido em conta. Há “convites” para antestreias no Porto e em Lisboa do filme Origin – Desigualdade e Preconceito, numa publicação onde as pessoas utilizadoras devem “gostar” da publicação, seguir a página do meio e a página da empresa distribuidora do filme na rede social Instagram e identificar “o comentário o amigo que quer levar a esta antestreia, explicar o motivo desta escolha e referir em que cidade gostaria de assistir ao filme”[34]. Esta é uma estratégia designada de “oferta” (“giveaway) e que tende a ser utilizada na rede social por várias contas para atrair pessoas seguidoras e gerar atividade (Lima & Brandão, 2022).
Além de filmes, as séries, convocando aqui o domínio do entretenimento do quotidiano (Cardoso, 2023). Uma publicação de 28 de maio[35] sublinha a negrito “minisséries obrigatórias ( ... ) no streaming”, apresentando fotografias com planos de pormenor de cenas das séries visadas, identificando cada uma com o nome da série referente. Lateralmente, elas são descritas como “uma aposta dos últimos anos, com enredos de qualidade”, envolvendo celebridades, referindo-se a plataformas de consumo socialmente alargado, como a Netflix, e apontando para um sentido de consumo não muito exigente de atenção e de duração, com o prefixo ‘mini’ (Priberam Dicionário, s.d.).
A revista ainda divulga um evento presencial a propósito dos Santos Populares de Lisboa, naquilo que decide designar “Arraial NiT”[36]. Na sua primeira edição, são concertos e música por um DJ desde 31 de maio a 29 de junho. Sugestivamente, este evento aponta para uma tendência de as revistas desenvolverem eventos para aproximarem as pessoas às revistas, atraírem outras e desenvolverem as suas ou novas comunidades, ajudando a gerar recursos financeiros extra idem (Santos-Silva, 2021). As ilustrações computadorizadas aludem às fitas daquelas festividades, ao manjerico, à sardinha ou à cerveja (e.g., Visit Portugal, s.d.).
A página incorpora ainda algumas tendências de redes sociais como o TikTok, entre as quais as “Questões Este ou Aquele? [ou Isto ou Aquilo?]” (TikTok, s.d.). Semelhantemente a uma vox-pop televisiva, utilizada no jornalismo e em programas de entretenimento (Mendes, 2018), aquela tendência, que conta com mais de 58 milhões de vídeos[37], consiste na filmagem de uma pessoa em que escolhe várias opções de entre duas, entre as quais uma é eliminada, até que, a determinada altura, uma opção mais tempo presente fica como a resposta à pergunta inicial. No caso da página da NiT, trata-se da questão “qual é o melhor cantor português?”, selecionando vários, numa publicação do dia 4 de maio[38]. Surge no vídeo uma pessoa em plano próximo pelos joelhos (“medium shot”; Kress & van Leeuwen, 2021), que lhe confere poder, e sob um enfoque central. A interveniente acaba por escolher o artista Slow J, de entre outros como Sérgio Godinho, Zeca Afonso, Rui Veloso, Carlão, Camané, Salvador Sobral ou José Mário Branco, celebridades ligadas à música portuguesa. A evocação de algumas destas personalidades remete temporalmente para a comemoração dos 50 anos do 25 de Abril no ano de 2024. Graças ao poder de dádiva de resposta à pessoa questionada e à sua centralização, enquadrada num determinado texto mediático, a sua resposta ora legitima ora deslegitima outras (van Leeuwen, 2008). Naquele caso, ressalta-se Slow J em exclusão de outros cantores. Estas e outras questões lançam este trabalho para a reflexão crítica que este prevê.
A amostra deste trabalho compreende 173 publicações, o que corresponde a um número considerável de publicações num só mês, numa média de quatro a seis por dia. Sugere isto, desde logo, uma relevância na aposta de profissionais com dedicação quer à publicação quer à conceção daquelas e que alimentam a página. Isto segue em linha com uma aposta de vários média portugueses, incluindo no género de estilo de vida (e.g., Cardoso, 2023; P. Cordeiro, 2019; Garcia & Martinho, 2020). Esta aposta demonstra a força da digitalização quer da produção quer da representação dessa produção, muito à semelhança do que fazem algumas revistas incluindo em papel, recorrendo a figuras mediatizadas no digital e com grande alcance nestas redes (e.g., Ribeiro, 2023).
Recorrentemente, as pessoas participantes dos textos são, por conseguinte, celebridades quer nacionais quer internacionais. É de destacar a ressurgência de Taylor Swift, na sequência dos concertos que deu em Portugal no mês visado e do seu alcance planetário, e a potencialidade de motivar pseudoeventos (Boorstin, 1992): planeados, reprodutíveis, ambíguos e autoproféticos — neste caso, Taylor Swift é dotada de uma importância musical e social através da produção da revista, o que reforça a sua mediatização enquanto figura socialmente relevante. Sobre aqueles é ainda de destacar as chamadas para as temperaturas e atividades propostas para realizar no dia a dia. Exemplificando, a temperatura que sobe ou um pedido de casamento num concerto daquela cantora que se equiparam a notícias.
Um pouco ao jeito da televisão, à luz de declarações proferidas pelo apresentador de televisão Manuel Luís Goucha, tal equiparação resulta de uma mistura de informação com entretenimento. No extinto programa Você na TV, as peças difundidas equivaliam, na sua maioria, “90%”, a “notícias” e a “jornalismo” (Mendes, 2018, p. 73). Com esta mistura passível de gerar confusão, transparece-se a conceção apontada pelo relatório de Duarte et al. (2023) sobre o jornalismo em Portugal. Este “materializou ( ... ) um processo de semiprofissionalização e/ou “profissionalização em construção”, que pode ajudar a explicar as fronteiras indefinidas sobre os formatos jornalísticos que são apropriados por diversos contextos e desvirtuados, no que toca aos seus propósitos em prol de “informar, investigar e transmitir notícias e eventos relevantes aos cidadãos” (Duarte et al., 2023, p. 15). Entretenimento difere de jornalismo. Retomando Perreault e Hanusch (2024), as fronteiras entre estes dois campos transparecem, assim, estar cada vez mais diluídas, tal como prova o engajamento de humoristas e outras pessoas com influência digital em publicações da revista.
Pegando nas dinâmicas do entretenimento e da televisão, emergem ligações textuais — a intertextualidade — das plataformas digitais a suportes como o televisivo. A secção “NiTtv” apresenta vídeos (reels), tendência crescente dos média digitais e do jornalismo para favorecer o engajamento das pessoas e o seu alcance (Verstappen & Opgenhaffen, 2024). Estes seguem formatos de programas de televisão com um apresentador que olha para a câmara em jeito de “imagem pedido” (Kress & van Leeuwen, 2021) e um guião, ou vídeos em que questionam pessoas transeuntes ajudam a comprová-lo. Convocam-se também plataformas de streaming, com sugestões de produções audiovisuais, ou música, o que leva novamente ao envolvimento de celebridades. Sobressai-se o sentido de plataformização e sua promoção enquanto realizações mais leves do dia a dia, ao mesmo tempo que se engaja em estratégias digitais, por vezes, até envolvendo as pessoas através da captação de comentários e menções à página. Incluem-se aqui os casos de agradecimentos da parte de páginas visadas pelas publicações nos comentários. Note-se a capitalização da atividade (e.g., Cardoso, 2023; Garcia & Martinho, 2020).
Em relação àquela, em linha com Paula Cordeiro (2019), a associação a marcas, as quais são diversas vezes promovidas sem qualquer menção a serem publicações de caráter publicitário. Aquando da interação facilitada pelo surgimento espontâneo no Instagram, desconhece-se, quer pela composição visual quer pela descrição, se se trata disso ou de um convite à equipa editorial pela entidade visada ou mesmo da iniciativa desta. Nesse sentido, recorre-se a Joaquim Fidalgo (2022), que sublinha a necessidade de a pessoa utilizadora ter o conhecimento disso por uma questão de “transparência”, pois é esta que contribui para o ganho e a manutenção de “credibilidade” (para. 13). Aparecem publicações trabalhadas em prol de marcas, mas sem menção explícita de que são publicidade. Questionam-se aqui as fronteiras do jornalismo com domínios como a publicidade e o marketing, não muito diferentemente do que ocorre em noticiários em que se lançam rubricas como a Boa Cama, Boa Mesa no decorrer daqueles programas de caráter jornalístico, promovendo entidades como restaurantes e a experiência respetiva do jornalista (e.g., Cabral, 2024).
Além da gastronomia, aliada à memória e a sensações prazerosas e a um sentido de tradição, várias experiências que se apresentam como diferenciadoras sob várias realizações multimodais têm uma prevalência relevante na página. Evoca-se a natureza através de imagens gráficas de paisagens e dos seus estímulos potencialmente apaziguadores, mas também através do uso de palavras, recursos verbais. Sobre estes, fazem-se uso de frases declarativas, associadas a um sentido de direccionalidade e à oferta de respostas, comparações, aludindo a cenários agradáveis e envolventes, e outras figuras de estilo, como a metáfora ou a imagem. O uso do inglês e expressões nesse idioma ajudam a integrar a revista no universo digital e a seguir as suas tendências, materialmente traduzíveis e remetentes para tendências do Instagram, mas também de outras redes, como o TikTok. Em relação ao prazer e à leveza, a cor assume a sua importância: o azul ciano da identidade visual organizacional, da NiT, presente na maior parte das publicações, que expressa equilíbrio, o verde, que expressa a calma, ou a cor rosa, que expressa a fantasia. Promove-se também uma sofisticação com a gastronomia, mas também a oferta de soluções apelativas e mais aparentemente custeáveis, o potencial retórico do vinho merece também a sua atenção, assim como as publicações sobre rotas de voos. Tudo isto ajuda a “capitalizar” as publicações (Smith, 2021), promovendo-se o consumo de produtos e serviços, ora mais ora menos explicitamente.
Com tudo o que se discutiu até aqui, reserve-se algum espaço para a responsabilidade social dos média, que comporta “a sustentabilidade, ética e qualidade” (Faustino, 2007, p. 13). As organizações de média são dotadas de uma “relação da empresa com o ambiente envolvente”, mas também de “ética”, “as relações externas e as relações internas” (Faustino, 2007, p. 11). Por isso, lança-se a pergunta: que propósitos jornalísticos tem a revista NiT para um “jornalismo de estilo de vida” (e.g., P. Cordeiro, 2019; Hanusch, 2012; Jorge, 2007; Perreault & Hanusch, 2024), no quadro daquilo que ele apregoa de, relembre-se, “informar, investigar e transmitir notícias e eventos relevantes” às pessoas cidadãs (Duarte et al., 2023, p. 15)? O que é jornalisticamente relevante para a revista visada? Estarão os princípios ético-deontológicos alinhados com aquilo que é promovido pela autorregulação que se constrói através do Código Deontológico dos Jornalistas ou da Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas?
No seguimento do parágrafo anterior, exemplifique-se com um caso da TimeOut, uma revista aliás concorrente, ainda que disponível em formato impresso, e que conta com mais de 300.000 pessoas seguidoras na página Instagram. Remontando a 2021, trata-se de um jornalista estagiária que não viu aprovada a sua obtenção de carteira, devido ao número, alegadamente, considerável de reportagens e peças de promoção de entidades no seu rol de atividade, maioritariamente realizado pela profissional. O diretor-adjunto da revista viria a pronunciar-se sobre este episódio no 5.º Congresso dos Jornalistas. Neste evento, o dirigente defendeu um “jornalismo sem limites”, estabelecendo uma comparação com “o exercício da profissão ao de outros que trabalham em órgãos generalistas sobre os mesmos temas (restaurantes, viagens, hotéis, entre outros)”, a quem, afirmou, “não foi retirado o título profissional” (André, 2024, para. 4). A regulação dos média aplica-se aqui, incluindo a Internet.
Quando pensando na regulação da internet em Portugal e na necessidade de o governo nacional “orquestrar as mudanças e acolher as externalidades” (Silva & Lameiras, 2021, p. 556), discutem-se outras implicações. Isto considerando a permissão de que revistas como a NiT trabalhem a sua atividade digital com vista a expandirem o número de pessoas seguidoras e de visitas ao respetivo site. As pessoas utilizadoras da rede social Instagram crescem em número, acedem cada vez mais facilmente a equipamentos com acesso à internet, pelo seu próprio equipamento ou intermediários diversos, cuja atividade é gerida por algoritmos, transformada em dados com valor comercial para as organizações nela envolvida. À semelhança de Ribeiro e Cabecinhas (2023), questiona-se que regulação, que literacia, que privacidade, segurança e transparência promovem redes sociais como o Instagram na internet e, por sua vez, revistas como a NiT.
A revista aparenta focar-se no seu crescimento e no reforço de todas estas lógicas. Não só a página e o site da revista se fortalecem, como o grupo em que se insere. O mais recente “projeto regional” é o NiT Oeste e data de 24 de junho de 2024 (NEW iN Cascais, 2024). O seu objetivo é:
escrever sobre os novos restaurantes, cafés, bares, lojas, hotéis, ginásios, festivais, concertos e todas as outras áreas ligadas ao lifestyle nos concelhos de Alcobaça, Alenquer, Arruda dos Vinhos, Bombarral, Cadaval, Caldas da Rainha, Lourinhã, Nazaré, Óbidos, Peniche, Sobral de Monte Agraço e Torres Vedras. (NEW iN Cascais, 2024, para. 1).
Isto demonstra como, por um lado, o grupo visado pretende aumentar a sua abrangência geográfica de cobertura, mas também sugere um desejo de potenciação da sua capitalização através da plataformização. Ao mesmo tempo, contribui para o sentido de concentração já vigente, em jeito de concorrência com outros conglomerados de média, que inclusive agregam revistas de estilo de vida e similares. A tendência é de desejo de crescimento, aos níveis de reforço de capital e de empregabilidade de pessoas (Gonçalves, 2024).
Em jeito de término, os textos analisados produzem alguns discursos, destacando-se: a comodificação do estilo de vida, o alcance pessoal neoliberal, a atração estratégica multimodal, a estrangeirização do estilo de vida, a evocação da memória cultural e a incorporação digitalizada de tendências. Relativamente à noção de “jornalismo de estilo de vida”, recuperam-se algumas palavras: num contexto temporal de “crescente hibridização”, continua a ser necessário isso “discutir e repensar o que é que significa ser jornalista hoje, que (in)compatibilidades sinalizam a profissão, que limites se impõem ao seu ofício e que novas modalidades de comunicação devem caber debaixo do seu (alargado) chapéu” (Fidalgo, 2021, para. 5). Graças a este trabalho, compreende-se que o que é entretenimento e o que é jornalismo se mistura cada vez mais, sem esquecer a publicidade e a sua dependência, por diversas vezes subtil e camuflada ao olhar da pessoa que vê/lê.
Espera-se que este estudo forneça pistas nesse sentido e motive outros. Tal através da busca do detalhe sob os domínios da multimodalidade, da semiótica social e dos estudos críticos do discurso, numa articulação com os estudos dos média e da comunicação e outros campos, para que se consiga ir mais além nesta missão que é compreender a comunicação e as interações que ela despoleta, bem como o que as despoleta. Para investigações futuras, fica ainda a sugestão de se explorar o vídeo e o som e o seu impacto na realização multimodal dos textos quer nesta quer noutras revistas e sua produção em várias plataformas.
O autor do presente artigo exerce funções de apoio editorial na presente revista. Ressalva-se que o procedimento editorial foi seguido de forma rigorosa, com revisão por pares duplamente cega dependente do parecer favorável de duas pessoas revisoras externas e sem qualquer intervenção do mesmo.
Destinando-se este trabalho a uma chamada específica no âmbito do evento “Verdes Anos do Jornalismo”, realizado a 15 de junho de 2024, onde o autor teve a oportunidade de apresentar um trabalho, ficam alguns agradecimentos. Assim, agradece-se, principalmente, os contributos da apresentação da Dr.ª Ana Cátia Ferreira, da Prof.ª Dr.ª Samanta Souza Fernandes e da Prof.ª Dr.ª Patrícia Weber sobre jornalismo especializado, bem como do Prof. Dr. José Luís Garcia e do Prof. Dr. João Miranda no debate subsequente, que, indiretamente, ofereceram pistas para enriquecer a reflexão crítica incluída neste artigo. Fica ainda a menção à Prof.ª Dr.ª Rosa Cabecinhas, que orienta o projeto de doutoramento do autor e ofereceu algumas sugestões para a proposta submetida para o evento.
Este trabalho contou com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), numa parceria com o Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), no âmbito da bolsa BI_Doutoramento/FCT/CECS/2021 (UI/BD/151164/2021) (https://doi.org/10.54499/UI/BD/151164/2021).
Pedro Eduardo Ribeiro é estudante de doutoramento de ciências da comunicação, na Universidade do Minho, e investigador doutorando do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade. Encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento no âmbito de um projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, com ênfase na produção sociossemiótica e discursiva de revistas de estilo de vida (https://doi.org/10.54499/UI/BD/151164/2021). Tendo publicado vários artigos em revistas científicas e apresentando trabalhos de investigação em eventos científicos, debruça-se, essencialmente, sobre as dimensões multimodal e crítica de revistas e jornais, em versões impressa e digital e no digital, com especial atenção sobre publicações de redes sociais e primeiras páginas. Discute usualmente identidade, identidades e formas identitárias, dinâmicas transmédia ou representações socioculturais, históricas e de género, considerando vários contextos. No âmbito do seu mestrado, ocasionalmente, desenvolveu investigação sobre comunicação organizacional.