Artigos
A Representação dos Femicídios em Contextos de Relação de Intimidade nos Meios de Comunicação Social em Portugal
The Representation of Intimate Partner Femicides in the Media in Portugal
La Representación de los Femicidios en las Relaciones Íntimas en los Medios de Comunicación en Portugal
Revista Comunicando
Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, Portugal
ISSN: 2184-0636
ISSN-e: 2182-4037
Periodicidade: Semestral
vol. 13, núm. 1, e024005, 2024
Recepção: 16 Novembro 2023
Aprovação: 31 Maio 2024
Publicado: 19 Junho 2024
Resumo: O presente artigo procurou, por um lado, caracterizar os femicídios em contextos de relações de intimidade em Portugal e, por outro, saber se as peças noticiosas sobre estes contemplam as recomendações nacionais e internacionais no âmbito do tratamento noticioso da violência contra as mulheres e a violência doméstica. Para tal, realizou-se uma análise de conteúdo a um conjunto de 20 peças noticiosas publicadas em dois jornais generalistas diários com maior tiragem em Portugal — o Correio da Manhã e o Jornal de Notícias — respeitante a 13 vítimas assassinadas no ano 2021. Observou-se que as peças noticiosas continuam a divulgar os femicídios de forma sensacionalista através de títulos, fotografias e narrativas que despertam a atenção e a curiosidade dos leitores para a tragédia, a morbidez e aspetos mais dramáticos do crime. A forma desajustada com que retratam os femicídios pode condicionar o modo como estes são compreendidos e interpretados pelos leitores, levando-os a um posicionamento distorcido e enviesado face ao fenómeno. Como tal, os meios de comunicação social deverão procurar respeitar as guidelines de atuação para a promoção de um discurso noticioso adequado e responsável dado o seu decisivo papel na prevenção, combate e erradicação do problema da violência contra as mulheres.
Palavras-chave: Violência Doméstica, Femicídio, Femicídio nas Relações de Intimidade, Meios de Comunicação Social.
Abstract: This article sought, on the one hand, to characterize intimate partner femicides in Portugal and, on the other, to find out whether news articles about them integrate the national and international recommendations regarding the news treatment of violence against women and domestic violence. To this end, a content analysis was carried out on a set of 20 news pieces published in two daily generalist newspapers with the largest circulation in Portugal — Correio da Manhã and Jornal de Notícias — regarding 13 victims murdered in 2021. It was observed that news pieces continue to publicize femicides in a sensationalist way through titles, photographs and narratives that arouse readers' attention and curiosity towards the tragedy, morbidity and more dramatic aspects of crime. The inappropriate way in which portray femicides can affect the way they are understood and interpreted by readers, leading them to a distorted and biased position towards the phenomenon. As such, the media must seek to respect the recommendations for action to promote adequate and responsible news discourse given their decisive role in preventing, combating and eradicating the problem of violence against women.
Keywords: Domestic Violence, Femicide, Femicide in Intimate Relationships, Media.
Resumen: Este artículo buscó, por um lado, caracterizar los feminicidios en el contexto de las relaciones íntimas en Portugal y, por outro, descubrir si las noticias sobre ellos cumplen con las recomendaciones nacionales e internacionales sobre el tratamiento de la violencia contra las mujeres y la violencia doméstica en las noticias. Para ello, se realizó un análisis de contenido de un conjunto de 20 noticias publicadas en dos diarios generalistas de mayor circulación en Portugal — Correio da Manhã y Jornal de Notícias — sobre 13 víctimas asesinadas en 2021. Se observó que los artículos periodísticos continúan publicitando los feminicidios de manera sensacionalista a través de títulos, fotografías y narrativas que despiertan la atención y la curiosidad de los lectores hacia la tragedia, el morbo y los aspectos más dramáticos del crimen. La forma inapropiada en que retratan los feminicidios puede afectar la forma en que los lectores los entieden e interpretan, llevándolos a una posición distorsionada y sesgada hacia el fenómeno. Por ello, los medios de comunicación deben buscar respetar las recomendaciones de actuación para promover un discurso informativo adecuado y responsable dado su papel decisivo en la prevención, combate y erradicación del problema de la violencia contra las mujeres.
Palabras clave: Violencia Doméstica, Feminicidio, Feminicidio en las Relaciones Íntimas, Medios de Comunicación Social.
1. Introdução
Durante décadas, as mulheres procuraram construir uma sociedade mais igualitária tendo os movimentos feministas sido fundamentais para visibilizar a opressão feminina, denunciar as inúmeras violências de que eram alvo, em particular no contexto familiar (Tavares, 2011), e ajudar à “desmitolização dos espaços familiares e íntimos como lugares idílicos, aparentemente despovoado[s] de histórias de coação e violência” (I. Dias, 2018, p. 165).
Esta situação contribuiu para que, a partir da década de 1980, a violência contras as mulheres em contextos de relação de intimidade e em ambiente doméstico começasse a ser reconhecida como um problema social (I. Dias, 2000) e entrasse definitivamente nas agendas sociais e políticas. Portugal passou a elaborar legislação e medidas políticas especialmente voltadas para as vítimas de violência doméstica, indo ao encontro das recomendações europeias desenvolvidas neste âmbito (I. Dias, 2000). Em 2000, por exemplo, Portugal passou a considerar a violência doméstica como um crime público, deixando de estar dependente de queixa por parte da vítima, bastando a denúncia de um terceiro ou investigação por iniciativa do Ministério Público. Em 2013, ratificou a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul), tendo sido o primeiro país a fazê-lo. Mais recentemente, no domínio das políticas públicas, aprovou a Estratégia Nacional para a Igualdade e Não Discriminação 2018-2030 (Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/2018), a qual contempla um conjunto ações de prevenção; de apoio e proteção; de intervenção junto das pessoas agressoras; de qualificação de profissionais e serviços para a intervenção; de investigação, monitorização e avaliação das políticas públicas; assim como de prevenção e combate às práticas tradicionais nefastas, nomeadamente a mutilação genital feminina e os casamentos infantis, precoces e forçados, no âmbito dos objetivos do Plano de Ação para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e à Violência Doméstica. Merece também destaque a Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica, desenvolvida sob a coordenação da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, composta por estruturas dedicadas ao atendimento — jurídico, psicológico e social — a vítimas, casas abrigo e unidades residenciais para o seu acolhimento urgente, bem como respostas específicas de organismos públicos nos domínios da segurança social, saúde, justiça, segurança, emprego, entre outros.
Pese embora estes esforços, as mulheres continuam, atualmente, a experienciar múltiplas violências, sendo ainda insuficientes os mecanismos que garantam a sua efetiva segurança e proteção. A violência doméstica, e em particular a violência praticada contra cônjuges ou análogos, é um dos crimes com maior incidência no que diz respeito à totalidade de crimes registados contra as pessoas em Portugal (Sistema de Segurança Interna, 2023, p. 49). Acresce que o número de mulheres assassinadas pelos seus companheiros ou ex-companheiros continua a ser muito expressivo. Dados do Observatório de Mulheres Assassinadas da União de Mulheres Alternativa e Resposta (2020, 2021) dão conta de que, entre 2004 e 2021, foram mortas 465 mulheres no âmbito das relação de intimidade em Portugal. Tal significa que os esforços levados a cabo para combater e erradicar o fenómeno da violência contra as mulheres estão longe de produzir os resultados desejados.
A violência contra as mulheres ocorre em todos os países, independentemente do seu nível de desenvolvimento. É um fenómeno universal e estrutural que não está ligado a contextos geográficos, socioculturais ou geracionais, não é exclusivo de um setor da sociedade, nem é assunto privado de uma família, mas está enraizado nas relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres, produto de um sistema patriarcal que estabelece assimetrias e relações de dominação da mulher pelo homem (Conselho da Europa, 2011; Figueiredo et al., 2018; Impe, 2019). Com o advento da internet e das redes sociais, a discriminação, a dominação/controle e o abuso das mulheres por parte dos homens tornaram-se ainda mais sofisticados (Mediterranean Network of Regulatory Authorities, 2021), sendo essa violência legitimada na perpetuação da ideia de dominação. Vivendo numa sociedade de consumo de violência contra as mulheres, como refere Boyle (2005), os femicídios e os casos extremos de violência contra estas têm frequente expressão nos meios de comunicação social (Hauber, 2020; Silveirinha, 2004). Contudo, uma inadequada mediatização da violência pode ter importantes repercussões, influenciando a perceção pública sobre o fenómeno da violência, as representações e práticas que definem o género (Silveirinha, 2004), as atitudes, crenças e comportamentos da população em geral (Cerqueira & Gomes, 2017) e, inclusive, acentuando as desigualdades de género e reforçando os comportamentos lesivos (Correia et al., 2017) uma vez que a comunicação de massa violenta pode ser um modelo importante de aprendizagem de comportamentos agressivos (Boyle, 2005).
Os meios de comunicação social têm um papel decisivo na prevenção, sensibilização e informação da população para o fenómeno da violência contra as mulheres (Mediterranean Network of Regulatory Authorities, 2021; Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, 2019). Porém, diferentes estudos (Bandeira & Magalhães, 2019; Barbosa et al., 2020; Correia et al., 2017; Correia & Neves, 2021; Lobos & Cabecinhas, 2018; Moisés, 2018; S. Neves et al., 2016; Silva, 2018) têm evidenciado que as notícias veiculadas sobre este fenómeno, em Portugal, têm sido marcadas por discursos que reproduzem mitos e estereótipos, favorecendo a normalização da violência e da dominação masculina. Tendo em conta a sua responsabilidade no combate e erradicação do problema da violência contra as mulheres e construção de uma sociedade mais igualitária (Coimbra, 2007; Figueiredo et al., 2018, S. Neves et al., 2016), o presente estudo procura atualizar os dados evidenciados por estudos anteriores e compreender se, na atualidade, os femicídios em contextos de relações de intimidade continuam a ser retratados na arena mediática portuguesa sem uma adequada “perspetiva de género” (Cerqueira & Gomes, 2017, p. 231) ou se, porventura, são noticiados através de elementos que contribuem devidamente para a sua contextualização enquanto problema público que implica a violação de direitos humanos. Para tal, foi recolhido e analisado o conteúdo de peças noticiosas relativas a femicídios ocorridos no ano 2021 provenientes de dois jornais generalistas diários com maior tiragem em Portugal — o Correio da Manhã (CM) e o Jornal de Notícias (JN; Observatório da Comunicação, 2021) — com o objetivo de, num primeiro momento, se proceder a uma breve caracterização dos femicídios e, num segundo momento, analisar as narrativas mediáticas a partir dos seus textos e imagens e compreender se as mesmas integram as recomendações nacionais e internacionais no âmbito do tratamento noticioso da violência contra as mulheres e a violência doméstica.
2. O Femicídio no Âmbito das Relações de Intimidade
A violência doméstica é entendida como qualquer ato ou omissão de conduta exercido, direta ou indiretamente, sobre qualquer pessoa que habite no mesmo agregado familiar (Azambuja & Nogueira, 2007), ou que, segundo a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (2012), mesmo não coabitando, seja cônjuge ou ex-cônjuge, companheiro/a ou ex-companheiro/a, namorado/a ou ex-namorado/a, ou progenitor/a de descendente comum, ou esteja, ou tenha estado, em situação análoga; ou que seja ascendente ou descendente, por consanguinidade, adoção ou afinidade.
O conceito de violência doméstica não é totalmente consensual por se encontrar ligado a outros termos, como o de “violência conjugal” ou “violência nas relações de intimidade”, sendo muitas vezes utilizados indiscriminadamente como sinónimos, embora não o sejam. A “violência doméstica” tanto pode ser expressa na forma conjugal (entre casal), como parental (pais contra filhos), fraternal (entre irmãos), contra pessoas idosas (praticadas por filhos, netos ou cuidadores) ou qualquer outro membro da família (Azambuja & Nogueira, 2007), enquanto que a “violência conjugal” diz respeito à violência exercida por um dos (ex)cônjuges/companheiros sobre o outro (Krug et al., 2002). Por sua vez, a “violência em relações de intimidade” (também designada “violência entre parceiros” ou “violência nas relações amorosas”) tende a referir-se à violência ocorrida em diferentes tipos de relacionamentos íntimos, que não apenas os inseridos dentro da conjugalidade (P. Neves & Ramalho, 2022).
A violência em relações de intimidade é, geralmente, caracterizada como uma situação de violência cíclica, que passa por diferentes fases que se repetem (P. Guerra & Gago, 2016). A situação de violência não cessa com o rompimento da relação abusiva, podendo ocorrer, por vezes, de forma mais severa, após a separação/divórcio através de perseguição, agressões físicas e/ou homicídio conjugal (Matos, 2006), o que sustenta o pressuposto de que a violência é, na verdade, um continuum.
O femicídio — entendido como a “morte violenta, não acidental e não ocasional da mulher” (Barros & Silva, 2019, p. 308) simplesmente pela condição de ser mulher (Radorf & Russell, 1992) — é o último ato de violência a que algumas mulheres são submetidas no âmbito das relações de intimidade (Bandeira & Magalhães, 2019, p. 47). O termo, surgido pela primeira vez em 1801 na obra literária do escritor inglês John Corry, para designar “o assassinato de uma mulher” (Bandeira & Magalhães, 2019, p. 31), é atualmente utilizado em alternativa ao termo “homicídio” — neutro em termos de género —, realçando precisamente a presença de uma violência misógina (Pasinato, 2011).
A Organização Mundial de Saúde (2012) classifica o femicídio em quatro tipologias: (a) femicídio íntimo (também conhecido como homicídio de parceiro íntimo), referente à morte da mulher por parte do companheiro atual ou ex-companheiro, com quem a vítima mantém ou manteve uma relação ou vínculos íntimos; (b) femicídio em nome da honra, referente a assassinatos de mulheres, praticados por algum membro familiar, por uma transgressão sexual, comportamento real ou presumido, incluído adultério, relação sexual ou gravidez fora do casamento ou em decorrência da violação; (c) femicídio por dote, referente a assassinatos de mulheres recém-casadas, mortas por parentes, em virtude de práticas culturais relacionada a conflitos por dotes; e (d) femicídio não íntimo, referente a assassinatos de mulheres cometidos por pessoas que não têm relações de proximidade com estas.
Embora os femicídios possam ocorrer tanto nos espaços públicos como privados, é no âmbito das relações de intimidade que, segundo Sofia Neves (2016), ocorrem a maior parte dos femicídios, “sendo o fim da linha, não raras vezes, de um histórico de violências prévias de vitimação” (p. 10). Quer isto dizer que a violência entre parceiros íntimos — reiterada, múltipla e com certa cronicidade, na qual a mulher está exposta à dominação (I. Dias, 2018, p. 21) — pode culminar na sua morte. Por isso, o femicídio no âmbito das relações de intimidade está diretamente ligado à reincidência da violência doméstica.
Neste processo de vitimação interpessoal, os filhos dependentes são muitas vezes vítimas indiretas (Sousa, 2013). Ao presenciarem as agressões exercidas contra a mãe e, por vezes, o assassinato desta, o seu bem-estar físico, psicológico, neurológico e social pode ficar comprometido, podendo vir a desenvolver traumas com consequências para toda a vida (K. Almeida, 2016). Inclusive, nalguns casos, as crianças são vítimas de filicídio, geralmente cometido pelo pai ou padrasto, um crime “corretivo” com a intenção de prejudicar a mãe que manifestou o desejo de sair de casa (Carruthers, 2016).
Existem vários fatores de risco envolvidos no femicídio íntimo. Correia et al. (2017) indicam que um deles se relaciona com a ideia de que as vítimas não necessitam de proteção se ainda não tiverem denunciado os agressores. Esta ideia falaciosa é contestada por Pérez e Fiol (2016) que evidenciam precisamente que apenas um quarto das mulheres vítimas de feminicídio íntimo denunciaram a violência anteriormente sofrida. A Organização Mundial de Saúde (2012, p. 4) também identifica outros fatores que podem aumentar o risco de femicídio íntimo. No âmbito individual, por exemplo, destaca a situação de desemprego do agressor, a posse de armas, a existência de ameaças de morte com arma, o consumo problemático de álcool e drogas ou a existência de problemas de saúde mental. No âmbito familiar/relacionamento, destaca o abuso prévio por parte do agressor (abuso especialmente grave ocorrido no mês anterior e quando o abuso é cada vez mais frequente) e o afastamento da vítima do relacionamento abusivo. No âmbito social/estrutural enuncia as desigualdades de género e a redução de gastos por parte dos governos em áreas como a saúde e a educação.
De acordo com o European Institute for Gender Equality (2021), a maior parte dos Estados-membros da União Europeia não possuem legislação específica que reprima o crime de femicídio. Portugal contempla unicamente os crimes de “homicídio” e “homicídio qualificado” nos artigos 131.º e 132.º do Código Penal. Ainda que a alínea b) do n.º 2 do art.º 132.º refira que é suscetível de revelar especial censurabilidade ou perversidade a prática do crime “contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo, com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação”, o facto de o femicídio ser julgado como “homicídio”, oculta a carga misógina implícita no crime, transformando-o num “crime comum”. Por isso, a existência de uma legislação específica teria o potencial de reconhecer e visibilizar o femicídio na esfera jurídica, diferenciando-o de outro tipo de mortes de mulheres.
3. A Temática da Violência Doméstica nos Meios de Comunicação Social
As notícias relacionados com o fenómeno da violência doméstica, envolvendo agressões e homicídios têm ganho cada vez mais destaque na cobertura mediática (Figueiredo et al., 2018; S. Neves et al., 2016), sendo frequentemente difundidas peças noticiosas de crimes violentos cometidos contra mulheres, sobretudo no âmbito das conjugalidades (Hauber, 2020, p. 7). Porém, diferentes estudos (Bandeira & Magalhães, 2019; Barbosa et al., 2020; Correia et al., 2017; Figueiredo et al., 2018; Lobos & Cabecinhas, 2018; Moisés, 2018; S. Neves et al., 2016; Silva, 2018) têm mostrado que as notícias veiculadas sobre o fenómeno da violência doméstica em Portugal tendem a focar-se maioritariamente nos homicídios, ainda que, na realidade, entre as vítimas de violência doméstica sejam mais comuns outros tipos de crimes como agressões físicas, verbais e psicológicas. De acordo com Matos (2006), “a comunicação social, retrata o que entende por mais noticiável, dando ênfase às situações de violência doméstica e, aos casos mais extremos como as violências mais severas” (p. 30). Esta centralização no homicídio, além de dar uma visão errada que inviabiliza e circunscreve o fenómeno, “fazendo parecer que toda a violência doméstica se traduz em homicídio” (Figueiredo et al., 2018, p. 15), muitas vezes acaba por explorar vários aspetos do crime e dos envolvidos (a brutalidade do ato, a arma do crime, os ferimentos causados na vítima, a forma como esta é encontrada na cena do crime, entre outros), que têm como principal intenção “espetacularizar” (p. 42).
Figueiredo et al. (2018) também referem que as notícias tendem a ser “orientadas para o acontecimento” (p. 9), ou seja, focadas nos factos, em quem, o quê, onde, quando e como foi praticado o crime, relatando-o como um ato isolado, sem referências a causas estruturais e sociais da violência doméstica e suas consequências. Outros autores (Barbosa et al., 2020; Correia & Neves, 2021; Figueiredo et al., 2018; S. Neves et al., 2016; Silva, 2018), indicam ainda que, muitas vezes, as notícias tendem a ser marcadas por um discurso de desresponsabilização dos agressores e de culpabilização das vítimas, contribuindo para a perpetuação de estereótipos de género (Barbosa et al., 2020; Lobos & Cabecinhas, 2018), a legitimação e a normalização da violência e dominação masculina (Bandeira & Magalhães, 2019).
Consequentemente, foram emergindo um conjunto de recomendações internacionais a serem implementadas pelos diferentes países com o intuito de erradicar o flagelo da violência doméstica, nomeadamente a partir da Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (Organização das Nações Unidas, 1979). A IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres, ocorrida em 1995, em Pequim (Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, 2013), por exemplo, apontou estratégias de melhoria em doze áreas consideradas críticas relacionadas com as mulheres, entre as quais, a comunicação social, explicitando que poderia contribuir para a igualdade entre homens e mulheres, para a promoção de papéis de género não estereotipados, e para a participação das mulheres no espaço mediático. Também a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e Violência Doméstica (Conselho da Europa, 2011) apresentou um conjunto de diretrizes específicas no âmbito do setor das tecnologias de informação e da comunicação (art.º 17.º), encorajando à participação deste na elaboração e implementação de políticas, bem como na criação de regras de autorregulação, a fim de se prevenir a violência contra as mulheres.
Mais recentemente, em 2019, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura lançou um manual com o objetivo de apoiar os profissionais dos meios de comunicação social na cobertura dos vários tipos de violência contras as mulheres (Impe, 2019), fornecendo recomendações práticas para ajudar a garantir uma cobertura mediática de qualidade. Em 2021, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento também produziu um manual com um conjunto de diretrizes para ajudar os profissionais dos meios de comunicação na realização de reportagens éticas e informativas que contribuam para a prevenção da violência contra as mulheres e para a educação do público sobre o fenómeno da violência doméstica (Gligorijević et al., 2021). Nele é salientado, por exemplo, que (a) a identidade das vítimas e dos seus familiares (em especial, os menores de idade) ou detalhes que possam levar à identificação da sua identidade não devem ser revelados; (b) a responsabilidade pela violência não deve ser transferida do agressor para a vítima; (c) a violência não deve ser justificada por circunstâncias externas ou pelas características pessoais do agressor; (d) as notícias não devem conter detalhes do homicídio, nem expressões sensacionalistas ou estereotipadas referentes à violência, à vítima ou ao agressor; (e) a violência não deve ser subestimada ou romantizada; (f) as notícias não devem ser acompanhadas de fotografias que retratem a violência, as vítimas ou os homicidas de forma inadequada ou estereotipada; e (g) as notícias devem indicar claramente que a violência contra as mulheres é um problema social decorrente de relações de poder desiguais entre homens e mulheres (pp. 10-24).
Também em 2021, o grupo de trabalho sobre género e meios de comunicação social da Rede de Entidades Reguladoras do Mediterrâneo (Mediterranean Network of Regulatory Authorities, 2021) elaborou um conjunto de recomendações sobre a cobertura mediática da violência de género em programas informativos audiovisuais. Dessas recomendações, destaca-se, por exemplo: (a) o respeito pelo direito à privacidade das vítimas e dos seus filhos; (b) a seleção e diversificação das fontes de informação (entrevistando, por exemplo, especialistas); (c) a exclusão do sensacionalismo, do drama e da morbilidade na forma e conteúdo da notícia; (d) a importância de esclarecer as consequências negativas da violência para os homicidas; ou (e) a partilha de contacto de recursos e serviços de apoio a vítimas de violência doméstica, especialmente linhas telefónicas diretas.
No contexto português, e tendo em vista a implementação das recomendações internacionais no âmbito do tratamento noticioso em torno do fenómeno da violência doméstica, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (Figueiredo et al., 2018) elaborou um conjunto de orientações para a cobertura noticiosa dos crimes de violência nas relações de intimidade por parte dos meios de comunicação social, entre as quais se destacam: (a) enquadrar, sempre que possível, os crimes de violência doméstica como um problema social; (b) fomentar uma consciência social para a problemática da violência doméstica que não fique restrita aos homicídios; (c) informar que a violência tem consequências negativas para os agressores, situação que pode encorajar as vítimas a denunciar e dissuadir os agressores da agressão; (d) evitar discursos de criminalização das vítimas e desculpabilização dos atos dos agressores através da apresentação de traços de personalidade, comportamentos ou situação económica e social; (e) evitar atribuir possíveis causas que possam explicar o crime, associadas a estereótipos relativos à conduta social e/ou conjugal do agressor e da vítima, como o alcoolismo, o desemprego, a depressão, a (suposta) infidelidade ou as discussões; (f) diversificar as fontes contribuindo para a formação de uma opinião pública informada; (g) procurar eliminar o sensacionalismo ao nível do discurso, rejeitando detalhes do crime, uso de imagens, sons/música e reconstituições que têm como objetivo captar a atenção do público pelos aspetos mais dramáticos dos casos noticiados; (h) respeitar o direito à reserva da intimidade e da vida privada das pessoas agredidas e familiares.
Em 2019, também a Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade procedeu à elaboração de um guia de boas práticas, com o intuito de conscientizar os meios da comunicação social sobre o seu papel na prevenção e combate à violência contra as mulheres e a violência doméstica. O mesmo contempla uma lista de 10 objetivos que sistematizam as orientações internacionais para a cobertura noticiosa dos crimes de violência contra as mulheres e violência doméstica atrás enunciadas.
4. Metodologia
4.1. Tipo de Estudo
O presente estudo procura saber se as notícias sobre os femicídios em contextos de relações de intimidade retratadas nos meios de comunicação social em Portugal têm em conta as orientações e recomendações nacionais e internacionais no âmbito do tratamento noticioso em torno do fenómeno da violência doméstica. Para tal, abraçando uma metodologia qualitativa, foi realizada uma análise de conteúdo (Bardin, 1977/2013; I. Guerra, 2010; Vala, 2014) a um conjunto de peças noticiosas sobre femicídios em contextos de relações de intimidade ocorridos no ano 2021.
4.2. Seleção do Corpus Noticioso
Para a seleção do corpus noticioso procedeu-se, num primeiro momento, à seleção dos jornais em estudo, tendo-se optado pelo Correio da Manhã (CM) e Jornal de Notícias (JN) por serem os jornais generalistas diários com maior tiragem em Portugal (Observatório da Comunicação, 2021), e com forte poder de influenciar os seus leitores (Pereira, 2007, p. 86). O CM tende a utilizar uma abordagem popular ao estilo tabloide, com exuberância gráfica e estilo sensacionalista, enquanto que o JN apresenta uma posição mais híbrida entre os modelos dos jornais de referência e o tabloide (C. Dias, 2015).
Num segundo momento, procurou-se definir os critérios de seleção das peças noticiosas, de ambos os jornais, a serem alvo de análise: (a) a existência de femicídios1; (b) ocorridos em contexto de relações de intimidade2; (c) de natureza heterossexual3; (d) durante o ano 20214; (e) no território nacional.
4.3. Procedimento de Recolha de Dados
A recolha do corpus noticioso foi realizada, numa primeira etapa, através do acesso às páginas de internet do CM (www.cmjornal.pt/) e JN (www.jn.pt). Na página de internet do JN procedeu-se à pesquisa das peças noticiosas no espaço “pesquisar” através de palavras-chave “mulher assassinada”, “2021”, “Portugal”. No total, foram identificadas 28 peças noticiosas. Por sua vez, no acesso à página de internet do CM observou-se a possibilidade de os leitores serem direcionados para a página “Correio da Manhã Interativo”5, focada exclusivamente em notícias de crimes relativos a situações de violência doméstica. Nesta página, foi feito uso dos filtros pré-definidos referentes ao “ano” (2021) e “relação com a vítima” (marido/namorado/companheiro; ex-marido/ex-namorado/ex-companheiro; mulher/namorada/companheira; e ex-mulher/ex-namorada/ex-companheira), tendo sido apuradas 14 notícias sobre o tema.
Numa segunda etapa, acedeu-se à plataforma Google com o objetivo de se pesquisar o nome de cada uma das vítimas reportadas na infografia do Observatório de Mulheres Assassinadas da União de Mulheres Alternativa e Resposta (2021) a fim de verificar se se encontrava em falta alguma vítima que não havia sido identificada na pesquisa anterior. Foram, assim, localizadas mais três notícias reportadas pelo CM.
Deste modo, foram encontradas, no total, 45 peças noticiosas relativas a femicídios ocorridos em 2021 (28 do JN e 17 do CM). Após a sua leitura integral foram identificadas situações de não preenchimento completo dos critérios de seleção, pelo que se procedeu à exclusão de 25 peças noticiosas. Assim, o corpus noticioso foi constituído por 20 peças noticiosas (9 do JN e 11 do CM), correspondendo a 13 vítimas de femicídio ocorridos em contextos de relações de intimidade.
4.4. Procedimento de Organização e Análise de Dados
O processo de análise de dados foi, também ele, constituído em diferentes etapas. Num primeiro momento foi efetuada uma leitura vertical de todas as peças noticiosas por forma a ser realizada uma aproximação ao seu conteúdo. Num segundo momento, e atendendo a que estudo se apoiou em abordagens indutivas (Strauss & Corbin, 2008), foi construída uma tabela Excel onde se registou as categorias e subcategorias de análise que foram emergindo a partir dos dados6 (Bardin, 1977/2013), e enumeradas as vítimas de 1 a 13, com o propósito de se elaborar uma análise categorial (Bardin, 1977/2013; I. Guerra, 2010). Essa análise foi realizada através de uma operação de desmembramento do corpus noticioso em pequenas unidades de contexto (Vala, 2014) que, em seguida, foram agrupados à categoria e subcategoria correspondente (e, como tal, considerada uma análise temática). Num terceiro momento procedeu-se a um trabalho de análise vertical (Bardin, 1977/2013) do conteúdo de cada categoria e subcategoria, onde, por meio de inferências, tentou-se atribuir sentido ao material sistematizado e organizado, construindo um paradigma compreensivo, explicativo e interpretativo sobre a forma como os meios de comunicação social retratam os femicídios em contextos de relações de intimidade.
5. Resultados
5.1. Caracterização dos Femicídios Íntimos
5.1.1. Vítimas Diretas
As vítimas de femicídio em contexto de relação de intimidade têm idades compreendidas entre os 20 e os 78 anos, numa distribuição média etária de 53 anos (n=10). Em termos gerais, sete possuem filhos (em média, dois filhos), cujas idades rondam, em média, os 11 anos, sendo que, quatro têm filhos em comum com os homicidas. Em termos profissionais, cinco vítimas exercem atividade laboral remunerada, em áreas predominantemente não qualificadas. Quanto à nacionalidade e à naturalidade, os jornais não fazem referência a esta dimensão, à exceção de uma peça jornalística do CM que apresenta a vítima como tendo nacionalidade holandesa.
5.1.2. Homicidas
Os homicidas têm idades compreendidas entre os 21 e os 79 anos, numa distribuição média etária de 57 anos (n=10). Em termos profissionais, as notícias fazem referência a esta dimensão em quatro situações, evidenciando atividade laboral como operário fabril/sapateiro, pedreiro, operador de telemarketing ou reformado. No que concerne à nacionalidade e à naturalidade, a maior parte das notícias também não faz referência a esta dimensão, à exceção de uma peça jornalística do CM que apresenta o homicida como tendo nacionalidade holandesa e duas peças noticiosas do JN que se referem a estes como portugueses, naturais do distrito de Aveiro (Arouca) e Porto (Porto).
5.1.3. Tipo de Relação entre Vítimas e Homicidas
A quase totalidade das vítimas (n=12) mantinha ou tinham mantido um relacionamento conjugal com os homicidas, desconhecendo-se o tipo de relação de uma das vítimas. Em oito casos, a vítima e o homicida mantinham relação de intimidade à data do homicídio, tendo o homicida sido noticiado como sendo o “marido” (3), o “namorado” (2) ou o “companheiro” (3). Em quatro casos, as relações de intimidade são anteriores à data do homicídio, referentes a “ex-maridos” (3) e “ex namorados” (1). Para as vítimas que há informação disponível (n=7), seis evidenciavam situações de violência prévia ao homicídio, manifestada na forma de violência física violência emocional e económica, perseguição e/ou violência múltipla. Na situação onde não foi relatada a existência de violência prévia, verificou-se a presença de violência física no momento do crime.
5.1.4. Prática do Crime
Os crimes ocorrem predominantemente em contexto doméstico (n=10), quer na residência comum da vítima com o homicida (6), quer na residência da própria vítima (4). Há ainda situações em que o crime é praticado em contexto de rua (2) ou hostel (1). Quanto à localização geográfica, os femicídios ocorrem em diferentes distritos de Portugal, nomeadamente Lisboa (3), Porto (3), Leiria (1), Aveiro (1), Faro (1), Viseu (1), Vila Real (1), Funchal (Madeira) (1) e Ponta Delgada (Açores) (1). Relativamente ao meio empregue para o cometimento do crime, destaca-se a utilização de armas (n=8): brancas (5) e de fogo (3). A asfixia (2), o espancamento (1), a paulada/carbonização7 (1) e o arremesso de objetos (1) são também meios para a consumação do crime. No que respeita ao autor que procede ao alerta da ocorrência do crime junto das autoridades policiais, os dados disponíveis (n=5) apontam ser os familiares da vítima (sobretudo filhos; 4) ou populares (1). Sobre o pós-crime, verifica-se a realização de tentativas de suicídio (2), a sua consumação (2) ou prática de fuga (2) por parte dos homicidas, sedo que, em seis casos, há indicação de haver aplicação de medidas de coação por parte do Ministério Público.
5.1.5. Vítimas Indiretas
Nos casos em que é disponibilizada informação relativa a vítimas indireta (n=7), as peças noticiosas apontam a presença de filhos do casal no cenário do crime. Estes filhos, com idades inferiores a 18 anos, presenciaram o assassinato da mãe ou encontraram-na morta, tornando-os, dessa forma, vítimas indiretas do femicídio.
"Uma mulher, de 40 anos, foi esfaqueada pelo namorado, à frente dos 2 filhos com quem residia" (CM, 14 de setembro de 2021);
"Eram 15h45 quando o filho se deparou com os corpos dos pais" (CM, 07 de julho de 2021).
As peças noticiosas também indicam que os filhos vivenciaram, juntamente com as vítimas, todo processo de vitimação a que estas foram sujeitas.
"Entre as agressões ao longo dos anos, contam-se murros, pontapés e empurrões, muitos destes acontecimentos ocorridos em frente aos filhos" (JN, 14 de outubro de 2021).
Algumas crianças foram vítimas de filicídio, tendo sido assassinados pelos próprios pais ou padrastos.
“A Polícia chamada ao local encontrou os dois corpos sem vida: o de uma mulher, com um corte profundo no pescoço, e o do filho desta, uma criança de 10 anos” (JN, 20 de dezembro de 2021).
5.1.6. Rede Informal de Suporte Social
As peças noticiosas tanto revelam haver sujeitos pertencentes à rede informal de suporte social, constituída por vizinhos, amigos e familiares, que não suspeitam da existência de conflitos entre o casal, como haver sujeitos que têm pleno conhecimento da sua relação conflituosa e/ou situações de violência.
“Era um casal muito reservado. Conhecia-os de vista, mas estava longe de imaginar que isto fosse acontecer" (CM, 28 de maio de 2021);
“O casal já tinha sido visto pela vizinhança em várias discussões" (JN, 21 de junho de 2021).
5.2. Caracterização do Conteúdo das Peças Noticiosas
5.2.1. Fotografias
Todas as peças noticiosas fazem-se acompanhar de fotografias. As do JN focam-se maioritariamente na residência da vítima (5) e intervenção das forças de segurança pública (4), enquanto as do CM focam-se na residência da vítima (3), na própria vítima (2) ou casal (1), na intervenção do INEM (2), bombeiros (1) ou forças de segurança pública (2).
5.2.2. Titulação
Os títulos e os parágrafos-guia de algumas peças noticiosas valorizam a tragédia, o insólito e a morbidez do crime, fazendo uso da presença de vocábulos violentos e muito visuais, como “assassinada à facada”, “atirou machado à mulher”, entre outras expressões que exacerbam a violência.
Títulos:
“Mata ex-mulher com cinco tiros um dia depois de ser chamado à Polícia" (JN, 14 de maio de 2021);
“Mata durante discussão e lança fogo à mulher em Silves” (CM, 09 de julho de 2021).
Lead / parágrafo-guia:
"Um homem de 39 anos matou, quarta-feira à tarde, uma mulher com uma catana, depois de a ter perseguido de carro, na Ribeira Grande, ilha de São Miguel, nos Açores” (JN, 16 de setembro de 2021);
"Homem terá estrangulado a mulher, suicidando-se em seguida. ‘Larga-me, larga-me’, foram as últimas palavras que se ouviram" (CM, 22 de julho de 2021).
Os títulos e os parágrafos-guia recorrem a uma comunicação apelativa, contendo elementos que favorecem a exploração das emoções e do drama, e que, potencialmente, concorrem para a existência de sensacionalismo.
5.2.3. Razões Para a Prática do Crime
Dezasseis notícias apresentam justificativas para a prática do crime, estando estas relacionadas com os seguintes quatro tópicos.
1. A presença de psicopatologias, ligadas sobretudo a sintomatologia depressiva ou a traços de personalidade obsessiva por parte do homicida:
“a passar por uma depressão” (JN, 20 de dezembro de 2021);
“o historial de agressões entre os dois ( ... ) começou um ano depois do matrimónio, provocadas por ciúmes obsessivos” (JN, 04 de outubro de 2021).
2. O comportamento do homicida, entendido como “impulsivo” e “irrefletido”, por vezes associado ao consumo de álcool enquanto resposta ao stress e à vitimação ocorrida na infância, sendo um “gatilho” para a consumação do crime. O crime é descrito como uma “tragédia inesperada” que aconteceu “por acaso”, num “ato involuntário”, havendo a confissão do homicida e “arrependimento” do mesmo.
"Não sei o que se passou pela minha cabeça. Atirei o machado em direção ao sofá onde ela estava ( ... ) atirei em direção a ela, mandei-lhe com o machado, mas não queria matar a minha mulher" (JN, 26 outubro de 2021).
3. A ideia de que o femicídio é um “crime passional”, praticado “por amor”, decorrente de um orgulho ferido, que se transforma em sentimentos de vingança e frustração.
“Homem esmaga a cabeça à mulher por ciúmes em Torres Vedras” (CM, 07 de julho de 2021).
4. Desavenças familiares ligadas à não aceitação do término do relacionamento e à impossibilidade dos homicidas lidarem com uma situação de caso extraconjugal (mesmo quando imaginária) e/ou de refazerem as suas vidas distante das vítimas.
"Continuava a partilhar a casa que ambos construíram em tempos de amor (...) o casal estaria na iminência de se separar" (JN, 14 de maio de 2021).
5.2.4. Culpabilização do Crime
As peças noticiosas tendem a minimizar a culpa dos homicidas ao descrever os homicidas como sujeitos “simpáticos”, “prestativos” e “preocupados com o bem-estar das vítimas”.
“Era uma pessoa simpática e bom conversador” (CM, 05 de junho de 2021);
As peças noticiosas também tendem a culpar as vítimas por estas apresentarem comportamentos “inapropriados” que propiciam o “descontrolo” dos maridos, bem como não terem conseguido romper com o ciclo da violência, responsabilizando-as indiretamente pelo comportamento do homicida:
"foi asfixiada por chamar várias vezes o marido para ir jantar ( ... ). Farto da insistência da mulher, que não parava de gritar o seu nome ( ... ) agrediu-a e asfixiou-a, apertando-lhe o pescoço.” (CM, 28 de Maio de 2021);
“o historial de agressões entre os dois, que casaram em 1989, começou um ano depois do matrimónio” (JN, 04 de outubro de 2021).
6. Discussão dos Resultados
Através dos dados analisados, observa-se que as vítimas de femicídio em contextos de relação de intimidade em Portugal, em 2021, tinham idades compreendidas entre os 20 e os 78 anos e exerciam atividades remuneradas em áreas não qualificadas, com consequência na obtenção de baixos rendimentos. Segundo Azeredo (2015) e Magalhães (2010), esta situação tende a favorecer a permanência no contexto de violência doméstica, devido, sobretudo, a problemas de dependência económica, e entendimento tardio do seu papel de vítima e suas repercussões (António, 2021; Azeredo, 2015).
Os femicídios íntimos são perpetrados por indivíduos com idades entre os 21 e os 79 anos, sendo que, à data do crime, mantinham um relacionamento conjugal com as vítimas, por isso, identificados nas peças noticiosas como os seus “maridos”, “namorados” ou “companheiros”, situação que se encontra em concordância com os estudos de Bandeira et al. (2017) e Silva (2018).
A violência inicia-se previamente ao homicídio, tendo a maioria das vítimas sido expostas, durante esse período, a diferentes formas de violência, nomeadamente, física, emocional, económica e/ou perseguição, algumas em simultâneo. Algumas peças noticiosas evidenciam que o relacionamento estava ancorado num contexto de “violência crónica” (Bandeira & Magalhães, 2019; Silva, 2018), havendo estratégias de controlo de poder (violento e coercitivo) exercidas pelos homicidas, com o intuito de causar intimidação, medo e subordinação das vítimas, quer para denunciar, quer para visibilizar os atos de violência sofridos (Bandeira & Magalhães, 2019; Gomes, 2018; European Institute for Gender Equality, 2021).
A maioria dos crimes são perpetrados na residência comum da vítima com o homicida ou na residência da própria vítima (conforme também observado por Bandeira et al., 2017; Machado & Elias, 2018; S. Neves et al., 2016; Silva, 2018), o que reforça que o domicílio é um espaço “pouco protetor” (Bandeira et al., 2017, p. 9) para as vítimas de violência em relações de intimidade.
Os femicídios ocorrem com maior frequência em Lisboa e Porto, distritos onde habitualmente existe maior número de participações por violência doméstica (Sistema de Segurança Interna, 2023, p. 49). Todavia, reconhece-se que fenómeno da violência em relações de intimidade é transversal a todo território nacional continental e arquipélagos.
Quanto ao modus operandi do crime, observa-se que os homicídios são cometidos preferencialmente com arma branca e de fogo. Este dado é consistente com o estudo de Silva (2018) e os dados do Sistema de Segurança Interna (2023), que apontam este tipo de armas como o mais utilizado no cometimento do crime. Gligorijević et al. (2021) ressalvam, porém, que os meios de comunicação não devem informar unicamente o modus operandi do crime, mas ter um papel mais educativo. A não exploração, de uma forma preventiva, do tema do uso indevido de posse de armas — considerado pela Organização Mundial de Saúde (2012) como um fator de risco para a prática do femicídio — pode conduzir à normalização e glorificação da cultura das armas brancas e de fogo. Neste sentido, seria recomendável que os media noticiassem informações sobre os riscos e consequências do uso indevido de armas, tais como o seu poder letal, risco de ferimentos, incapacidade permanente e potencial para assassinatos múltiplos e em massa.
As peças noticiosas evidenciam que alguns crimes foram praticados na presença dos filhos das vítimas ou do próprio homicida, o que faz com que estes se revistam de especial censurabilidade e perversidade. Os filhos, neste contexto, foram vítimas indiretas do crime por terem vivenciado os assassinatos, bem como o processo de vitimação anterior a estes (Gomes, 2018; Silva, 2018). Alguns destes foram também vítimas diretas, tendo sido assassinados pelos próprios pais ou padrastos. Os filhos foram expostos ao mesmo contexto de violência que as suas mães, o que demonstra a existência de falhas no processo de proteção das vítimas, que concomitantemente se estende aos filhos. É de salientar que o impacto da violência na vida de crianças e adolescentes são devastadores, pois, quando expostos a contextos de violência de maneira direta ou indireta, estes podem apresentar probabilidades de se tornarem, no futuro, adultos maltratantes, e reproduzir os mesmos padrões de violência a que foram expostos durante a infância (Manita et al., 2009; Reis et al., 2018).
A rede informal de suporte social apresenta um papel relevante na proteção ou desproteção das vítimas, ao denunciarem situações de violência que são do seu conhecimento ou negligenciando os sinais evidentes de vitimização e abstendo-se da sua denúncia. Nas peças noticiosas em análise, verifica-se que a relação conflituosa e os episódios de violência prévios —conhecidos como fatores de risco para a prática do femicídio íntimo (Correia et al., 2017) — foram descurados por certos vizinhos, amigos e familiares conhecedores/as da situação. Ainda que algumas vítimas não tenham tido a coragem para denunciar os agressores, tal não significa que não necessitassem de proteção. Com efeito, a postura (negligente) da rede informal de suporte social acabou por ter um papel inexpressivo na proteção das vítimas, contribuindo indiretamente para o processo de vitimação e respetivo homicídio. A não denúncia da vitimação por parte de vizinhos, amigos e familiares parece continuar a estar alicerçada na ideia de que “entre marido e mulher não se mete a colher”, evidenciando que a violência doméstica é um problema do foro privado, o que tem contribuído para um silenciamento em torno da violência nas relações de intimidade (Bandeira et al., 2017; S. Neves, 2016). A violência conjugal deixou de ser um crime do foro privado e passou a ser um crime público e, como tal, toda sociedade tem a responsabilidade de agir, revelar, denunciar e prevenir novas ocorrências (Manita et al., 2009), ao invés de manter uma postura de distanciamento, que contribui para a desresponsabilização dos agressores e homicidas.
Alguns femicídios íntimos são acompanhados por tentativas de suicídios ou suicídio consumado por parte dos homicidas. Segundo Azeredo (2015), Bandeira e Magalhães (2019) e Soares (2002), este tipo de prática pode ocorrer em resultado de remorso e arrependimento pelo crime cometido e a não superação do sofrimento pelo relacionamento desfeito ou à existência de “pactos” entre vítima e homicida. Para Fernando Almeida (1999, p. 230), o suicídio pode ainda estar relacionado com um enaltecimento do ato criminoso. Salienta-se que a narrativa do “homem destroçado”, que se arrepende dos seus atos ao ponto de querer cometer suicídio, é perpetuada nas peças noticiosas, promovendo a romantização do crime. Para Gligorijević et al. (2021), o crime não deve ser apresentado como “uma história de amor com um final infeliz” porque, segundo os autores, o suicídio após o assassinato não é um ato de amor, mas sim um “ato de controle final e de tirar a vida, após a qual o propósito da existência é perdido, uma vez que o objeto de controle não está mais presente” (p. 16).
No que respeita à caracterização do conteúdo das peças noticiosas, observa-se que o femicídio íntimo é representado de forma sensacionalista, composto por títulos, fotografias e narrativas emocionalmente apelativas com vista a captar a atenção dos leitores.
Ao nível dos títulos, por exemplo, algumas peças enquadram-se nas categorias designadas por Moisés (2018) como hot news, por serem notícias “quentes”, com títulos e parágrafos-guia altamente chamativos que remetem para a violência e morbidez do crime, contendo, por vezes, pormenores que não acrescentam valor informativo. Tendo em conta que os títulos e os parágrafos-guia são lidos, em média, mais vezes do que o corpo da notícia, sendo através deles que os leitores se interessam pelo conteúdo da notícia, os mesmos devem evitar ser redigidos de forma sensacionalista. Segundo a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (Figueiredo et al., 2018), em vez de uma titulação “apelativa e/ou expressiva”, os jornais devem privilegiar titulações mais “indicativas e/ou explicativas”, esclarecendo o quê, quem, onde e quando ou avançando alguma informação sobre as circunstâncias em que ocorreu o crime. Algumas designações integradas nos títulos, como “homicídio”, “crime”, “assassinato” e “morte” também devem ser evitadas, uma vez que tendem a retirar a violência da esfera das relações de intimidade, sendo, por isso, a designação “femicídio em contexto de relações de intimidade” mais rigorosa e adequada.
Em termos fotográficos, algumas notícias apresentam imagens das próprias vítimas e/ou casal e do local/edifício/residência onde ocorreu o crime com objetivo de adensar o drama em torno do crime, o que compromete as recomendações elaboradas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (Figueiredo et al., 2018), pela Mediterranean Network of Regulatory Authorities (2021), pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Gligorijević et al., 2021) e pela Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade (2019). Situações desta natureza devem ser evitadas para garantir o direito à reserva da intimidade e da vida privada das vítimas e dos menores envolvidos e salvaguardar o seu bem-estar. De forma positiva, não se observou nenhuma peça jornalística com fotografias de mulheres com hematomas ou montagens fotográficas que simulem a violência (por exemplo, uma mulher encolhida num canto ou numa cama, em posição passiva, a chorar, e um homem parado em cima dela com o punho levantado). Ainda assim, identificam-se notícias com fotografias que tendem a romantizar o relacionamento, nas quais o agressor e a vítima estão posicionados próximos um do outro. Gligorijević et al. (2021) ressaltam que nem todas as peças noticiosas precisam de ser acompanhadas de fotografias diretamente relacionadas com o crime, podendo ser possível utilizar infografias ou gráficos que mostrem dados estatísticos sobre a violência, fotografias de manifestações de organizações feministas, de mãos algemadas, de um martelo de um/a juíz/a, de pessoas especialistas, etc.
Ao nível da redação das peças noticiosas, observa-se que algumas apresentam descrições perturbadoras da cena do crime, fazendo referência pormenorizada da consumação do crime e tipo de ferimentos perpetrados:
“desferiu-lhe um golpe na nuca, perfurando o crânio da mulher” (JN, 26 de outubro de 2021);
“encontrada parcialmente queimada ( ... ) tinha marcas de agressões visíveis que terão sido causadas por um pau antes de lhe ter sido lançado fogo” (CM, 09 de julho de 2021);
"o homem fez uma ultrapassagem e bloqueou a via, dirigindo-se com uma catana para o carro da vítima ( ... ) desferiu, com extrema violência, um conjunto de golpes contra o corpo da vítima, nomeadamente na zona da cabeça, que lhe provocaram a morte no local” (CM, 16 de Setembro de 2021).
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (Figueiredo et al., 2018), a Mediterranean Network of Regulatory Authorities (2021), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Gligorijević et al., 2021) e a Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade (2019) advertem que as narrativas com elevado grau de espetacularização devem ser evitadas porque, ainda que o objetivo seja dar uma ideia do grau de violência do crime, o sensacionalismo, o drama e a morbilidade das narrativas podem, por um lado, ofender a dignidade da vítima e colocar o público numa posição voyeurista e, por outro, conceder ideias a outros agressores para executarem o mesmo tipo de comportamento violento.
Apurou-se, também, que as peças noticiosas apresentam fatores explicativos individualizados para a prática do crime, ainda que as recomendações no âmbito do tratamento noticioso sobre violência doméstica declarem que a violência não deve ser justificada por circunstâncias externas ou pelas características pessoais do agressor (Figueiredo et al., 2018; Gligorijević et al., 2021; Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, 2019). A enunciação de problemas de saúde mental por parte do homicida, e do seu comportamento “inesperado” e “irrefletido” associado ao consumo de álcool, por exemplo, tende a desculpabilizar o ato criminoso perpetrado. As peças noticiosas também apresentam a ideia de que o femicídio íntimo foi motivado por ciúmes decorrentes de uma “paixão” e “amor” doentios, mostrando certa complacência com a gravidade do gesto do homicida (Correia et al., 2017). De acordo com Gligorijević et al. (2021), esta situação poderá trazer implicações na perceção pública sobre a realidade da violência doméstica em torno das atribuições de culpa e responsabilidade, pelo que a violência não deve ser apresentada como “uma expressão de amor” ou “uma consequência do ciúme”, mas como “uma expressão da necessidade de poder e controle” (p. 15). Em vez de um “crime passional”, seria importante que a violência contra as mulheres fosse enquadrada no contexto de relações de poder desiguais entre homens e mulheres (Conselho da Europa, 2011; Impe, 2019; Figueiredo et al., 2018). Para tal, seria importante discutir os fatores que contribuem para a violência nas relações, dar a conhecer a prevalência da violência de homens sobre mulheres ou elucidiar o fenómeno por via da realização de entrevistas a especialistas na área (Gligorijević et al., 2021; Mediterranean Network of Regulatory Authorities, 2021; Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, 2019). Seria também desejável que os meios de comunicação social pudessem debater o tema da violência contra as mulheres sob várias perspetivas, apoiadas na seleção de determinadas fontes de informação e argumentos sobre o caso, promovendo um conteúdo informativo mais aprofundado, contendo as legislações recentes, as políticas públicas que asseguram e viabilizam os direitos das vítimas de violência doméstica, os mecanismos de apoio e serviços especializados, os dados de contacto de organizações e instituições de apoio às vítimas e os canais de denúncias destinados às vítimas e agressores, constando os números de telefone de emergência para os quais devem ligar (Figueiredo et al., 2018; Gligorijević et al., 2021; Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, 2019).
Outro aspeto que parece atenuar a culpa do homicida prende-se com a sua descrição de forma elogiosa, sendo apresentado nas peças noticiosas como uma pessoa “simpática”, “conversadora”, “prestável”, situação também observada por Figueiredo et al. (2018) e Impe (2019). Muitas vezes, esta caracterização é efetuada por terceiros (vizinhos, amigos e familiares) que, pouco ou nada conhecem o casal, mas que são convidados para comentar o acontecimento, promovendo a perpetuação do estereótipo do “homem bom” que atuou de forma irrefletida com base na paixão. Para Impe (2019), este tipo de cobertura mediática tende a promover um “sentimento de pena em relação ao perpetrador” (p. 98). Ainda que a violência possa ser invisível a terceiros, importaria discutir as relações de dominação sistemática entre homens e mulheres, e não tanto as características positivas ou negativas da personalidade do autor do crime (Figueiredo et al., 2018).
As discussões e desavenças frequentes entre o casal ligadas à não aceitação do término do relacionamento são também enunciadas para justificar o crime. Segundo Figueiredo et al. (2018), do ponto de vista da cobertura jornalística, seria desejável que essa informação fosse complementada com a incapacidade do homicida em lidar com a frustração ou de refazer a sua vida distante da vítima dado o seu sentimento de posse, bem como com a informação que os primeiros meses após a separação são especialmente vulneráveis para as vítimas, por forma a sensibilizar os leitores dos perigos e cuidados a ter neste período.
Indiretamente, as peças noticiosas atribuem a responsabilidade às vítimas pelo que lhes aconteceu, por não terem sido capazes de romper com a relação abusiva, corroborando a ideia de que as mulheres são agredidas por “não fazerem nada para a evitar” ou porque “são merecedoras de tal ato” (Manita et al., 2009, p. 20). Explicitar, por exemplo, as dificuldades das vítimas quando tentam acabar a relação permite, segundo Figueiredo et al. (2018, p. 30), uma abordagem mais correta e evita falsas crenças de que “a mulher merece ser agredida” porque não quer pôr um fim à violência. Para que essa crença seja desconstruída, importa referir que as vítimas de violência em relações de intimidade são humilhadas, intimidadas e controladas, dificultando a interrupção do ciclo de violência a que estão submetidas.
Ressalta-se que algumas peças noticiosas procedem à divulgação das medidas de coação tomadas pelo Ministério Público em resposta ao crime cometido pelos homicidas, ajudando a esclarecer e influenciar a opinião pública sobre as consequência da violência. Porém, contrariamente às recomendações da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (Figueiredo et al., 2018), da Mediterranean Network of Regulatory Authorities (2021) e da Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade (2019), nenhuma delas fornece informações sobre os mecanismos de proteção e de apoio destinado às vítimas ou dos serviços especializados disponíveis em Portugal, tendo em vista a capacitação para o pedido de apoio e mobilização para a denúncia do crime.
7. Conclusões
O presente estudo procurou saber se as peças noticiosas sobre femicídios em contextos de relações de intimidade divulgadas nos meios de comunicação social, em Portugal, contemplam, na atualidade, as recomendações nacionais e internacionais no âmbito do tratamento noticioso da violência contra as mulheres e a violência doméstica. Observou-se que, embora as recomendações realcem a necessidade de ser realizada uma cobertura mediática ética e responsável, sustentada em factos, enquadrando o fenómeno da violência contra as mulheres e a violência doméstica como uma questão de violação de direitos humanos, as notícias continuam a ser retratadas na arena mediática com pouco rigor, distanciamento e neutralidade.
Os femicídios em contextos de relações de intimidade são noticiados de forma sensacionalista através de títulos, fotografias e narrativas “orientadas para o acontecimento” (Figueiredo et al., 2018), descritos com elevado grau de espetacularização com o objetivo de despertar a atenção e curiosidade dos leitores para a tragédia, a morbidez e aspetos mais dramáticos da informação, utilizando conceitos pouco ajustados ao fenómeno e uma linguagem pouco isenta e rigorosa, o que conflitua com a objetividade e a função social requerida pelos meios de comunicação social.
Os femicídios também continuam a ser romantizados e descritos como “crimes passionais”, “atos isolados de loucura” ou “fatalidades do destino”. Ainda que os mesmos aconteçam num cenário privado, não são atos “isolados” ou “excecionais”, estando concomitantemente associados a um continuum de violência (Bandeira et al., 2017; Barros & Silva, 2019).
As narrativas estão assentes numa dicotomização entre vítimas e agressores, sendo apresentados conteúdos informativos que justificam a prática do crime, desculpabilizam ou estabelecem relações de causalidade através da apresentação de traços da personalidade ou comportamentos da vítima e da pessoa agressora, o que reforça a impunidade dos homicidas e coloca as vítimas numa situação de descrédito (Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, 2019). A compreensão das desigualdades estruturais entre homens e mulheres é obscurecida nas peças noticiosas, uma vez que a violência ocorrida em contextos de intimidade não é devidamente explicada e contextualizada, parecendo denotar um desconhecimento por parte dos meios de comunicação social sobre as dinâmicas de complexidade que caracterizam os relacionamentos abusivos.
A forma como os femicídios são noticiados pelos media é, pois, determinante para o modo como são entendidos e interpretados pelos leitores (Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, 2019), podendo estes banalizá-los e legitimá-los (Bandeira & Magalhães, 2019). Como tal, para ser criada uma verdadeira consciência pública sobre a violência nas relações de intimidade e contribuir para a transformação das relações de género e a construção de sociedades mais igualitárias, é importante que os meios de comunicação social, enquanto agentes educativos e preventivos (Gligorijević et al., 2021; Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, 2019), possam visibilizar e enquadrar corretamente o fenómeno da violência contra as mulheres. Nesse sentido, deverão procurar noticiar “crimes com perspetiva de género” (Cerqueira & Gomes, 2017, p. 231), explicitando que a violência nas relações de intimidade é fruto das relações assimétricas entre homens e mulheres (Conselho da Europa, 2011; Impe, 2019; Figueiredo et al., 2018; Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, 2019); desconstruindo estereótipos, mitos e preconceitos; apontando os principais riscos que aumentam a probabilidade de um desfecho fatal — o abuso prévio, o momento em que a mulher decide abandonar ou denunciar o agressor e o facto de o agressor possuir uma arma —; e divulgando recursos que visem a proteção das vítimas e sirvam para empoderar outras mulheres que vivenciem situações idênticas. Além disso, é conveniente não restringir as notícias aos casos mais extremos de violência doméstica, como os femicídios íntimos, sendo importante tornar visível outras formas de violência contra as mulheres e violência doméstica (Figueiredo et al., 2018; Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade, 2019), ajudando a sociedade a reconhecê-las e a contribuir para a sua desocultação, compreensão e prevenção.
Para que a cobertura noticiosa possa vir a ser efetivamente “mais inclusiva e com capacidade de transformação social” (Cerqueira & Gomes, 2017, p. 232), torna-se imperativo o comprometimento consciente e responsável com a causa, obedecendo e respeitando as recomendações e as guidelines de atuação para a promoção de um discurso noticioso adequado acerca do fenómeno da violência contra as mulheres e a violência doméstica na esfera mediática.
Referências
Almeida, F. (1999). Homicidas em Portugal. Publismai.
Almeida, K. (2016). Orfandade por violência doméstica contra a mulher. Uma pesquisa biográfica. Civitas, 16(1), e-20–e35. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2016.1.23288
António, H. (2021). Violência na intimidade e procura de ajuda: Diferentes vítimas, barreiras iguais? [Dissertação de Mestrado, Universidade Lusófona]. Repositório Científico Lusófona. http://www.hdl.handle.net/10437/11979
Associação Portuguesa de Apoio à Vítima. (2012). Violência doméstica. https://apav.pt/vd/index.php/features2
Azambuja, M., & Nogueira, C. (2007). Violência de género: Uma reflexão sobre a variabilidade nas terminologias. Revista Saúde em Debate, 31(75), 97–106. https://core.ac.uk/download/pdf/143403209.pdf
Azeredo, A. (2015). Estudo de um homicida nas relações de intimidade [Dissertação de Mestrado, Instituto Universitário da Maia]. Repositório Científico da UMAIA. https://repositorio.umaia.pt/handle/10400.24/506
Bandeira, L., & Magalhães, M. (2019). A transversalidade dos crimes de femicídio/feminicídio no Brasil e em Portugal. Revista Defensoria Pública do Distrito Federal, 1(1), 29–56. https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/123178/2/361526.pdf
Bandeira, L., Vieira, L., & Campos, S. (2017, 3-8 de dezembro). O enquadramento mediático dos crimes de feminicídio no Brasil: O padrão de reprodução e a invisibilidade de mulheres assassinadas [Apresentação em Congresso]. XXXI Congreso Asociación Latinoamericana de Sociología, Uruguay. https://www.easyplanners.net/alas2017/opc/tl/7790_larissa_vieira.pdf
Barbosa, S., Gonçalves, M., & Magalhães, M. (2020). Padrões linguísticos do femicídio na imprensa escrita portuguesa. Revista Associação Portuguesa de Linguística, 7(11), 21–36. https://doi.org/10.26334/2183-9077/rapln7ano2020a2
Bardin, L. (2013). Análise de conteúdo (L. A. Reto & A. Pinheiro, Trad.). Edições 70. (Trabalho original publicado em 1977)
Barros, A., & Silva, G. (2019). Feminicídio: O papel da mídia e a culpabilização da vítima. Jornal Eletrónico Faculdades Integradas Viana Júnior, 11(2), 302–322. https://www.jornaleletronicofivj.com.br/jefvj/article/view/729
Boyle, K. (2005). Media and violence: Gendering the debates. Sage Publications.
Carruthers, G. (2016). Making sense of spousal revenge filicide. Aggression and Violent Behavior, 29, 30–35. https://doi.org/10.1016/j.avb.2016.05.007
Cerqueira, C., & Gomes, S. (2017). Violência de género nos media: Percurso, dilemas e desafios. In S. Neves & D. Costa (Eds.), Violências de género (pp. 217–238). Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
Coimbra, A. (2007). Crónicas de mortes anunciadas: Violência doméstica, imprensa e questões de género em articulação com a educação da cidadania [Dissertação de Mestrado, Universidade do Porto]. Repositório Aberto da Universidade do Porto. https://hdl.handle.net/10216/23379
Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. (2013). Estratégias internacionais para a igualdade de género: A plataforma de acção de Pequim (1995-2005). https://plataformamulheres.org.pt/site/wp-content/ficheiros/2016/01/Plataforma-Accao-Pequim-PT.pdf
Conselho da Europa. (2011). Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e a violência doméstica. CIG. https://www.cig.gov.pt/wp-content/uploads/2013/12/conv_ce.pdf
Correia, A., & Neves, S. (2021). Narrativas mediáticas sobre o femicídio na intimidade em Portugal. Media & Jornalismo, 21(39), 229–245. https://doi.org/10.14195/2183-5462_39_12
Correia, A., Neves, S., Gomes, S., & Nogueira, C. (2017). O femicídio na intimidade sob o olhar dos media: Reflexões teóricas- empíricas. Género & Direito, 6(1), 34–59. https://doi.org/10.22478/ufpb.2179-7137.2017v6n1.29612
Dias, C. (2015). O sensacionalismo na imprensa em Portugal: Estudo de caso dos Jornais Correio da Manhã, Jornal de Notícias e Público [Dissertação de Mestrado, Universidade do Porto]. Repositório Aberto da Universidade do Porto. https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/81769/2/37514.pdf
Dias, I. (2000). A violência doméstica em Portugal: Contributos para a sua visibilidade. In IV Congresso Português de Sociologia. Associação Portuguesa de Sociologia. https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/19973
Dias, I. (2018). Violência doméstica e de género: Uma abordagem multidisciplinar. Pactor.
European Institute for Gender Equality. (2021). Intimate partner violence. https://eige.europa.eu/thesaurus/terms/1265?lang=pt
Figueiredo, A., Marques, T., & Pestana, H. (2018). Representações da violência doméstica nos telejornais de horário nobre. Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
Gligorijević, J, Pavlović, S., & Knežević, H. (2021). Guidelines on media reporting on violence against women. United Nations Development Programme.
Gomes, I. (2018). Feminicídios: Um longo debate. Revistas Estudos Feministas, 26(2), 1–16. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2018v26n239651
Guerra, I. (2010). Pesquisa qualitativa e análise de conteúdo: Sentidos e formas de uso. Princípia.
Guerra, P., & Gago, L. (2016). Violência doméstica: Implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do fenómeno - Manual pluridisciplinar (2.ª ed.). Centro de Estudos Jurídicos.
Hauber, G. (2020). Porque o feminicídio incomoda tanto? Um estudo de caso de comentários de posts da página do Facebook do jornal o Globo. Cadernos Pagu (59), 1–32. https://doi.org/10.1590/18094449202000590013
Impe, A. (2019). Reporting on violence against women and girls. UNESCO.
Krug, E., Dahlberg, L., Mercy, J., Zwi, A., & Lozano, R. (Eds.). (2002). Relatório mundial sobre a violência e saúde. Organização Mundial da Saúde. https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2019/04/14142032-relatorio-mundial-sobre-violencia-e-saude.pdf
Lobos, P., & Cabecinhas, R. (2018). Retratos de género nas notícias televisivas: uma análise das desigualdades por detrás da representação numérica. Estudos em Comunicação, 26(1), 81-99. https://hdl.handle.net/1822/55066
Machado, I., & Elias, M. (2018).Feminicídio em cena: Da dimensão simbólica à política. Tempo Social, 30(1), 283–304. https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2018.115626
Magalhães, T. (2010). Violência e abuso: Respostas simples para questões complexas. Universidade de Coimbra
Manita, C., Ribeiro, C., & Peixoto, C. (2009). Violência doméstica: Compreender para intervir: Guia de boas práticas para profissionais de saúde. Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género.
Matos, M. (2006). Violência nas relações de intimidade: Estudos sobre a mudança psicoterapêutica na mulher [Tese de Doutoramento, Universidade do Minho]. Repositório Institucional da Universidade do Minho. https://hdl.handle.net/1822/5735
Mediterranean Network of Regulatory Authorities. (2021). Recommendations on media coverage of gender violence.https://www.rirm.org/wp-content/uploads/2021/10/MNRA-Recommendations-on-media-coverage-of-media-violence_ENG.pdf
Moisés, J. (2018). Os média e a violência doméstica: Uma análise à cobertura noticiosa da imprensa portuguesa [Dissertação de Mestrado, Instituto Politécnico de Portalegre]. Repositório Comum. http://hdl.handle.net/10400.26/22785
Neves, P., & Ramalho, N. (2022). Violência conjugal em Portugal: Um olhar sobre a última década (2010-2020). Revista Temas Sociais, 2, 117–134. https://doi.org/10.53809/TS_ISS_2022_n.2_117-134
Neves, S. (2016). Femicídio: O fim da linha da violência de género. Revista ex aequo, 34, 9–12. https://doi.org/10.22355/exaequo.2016.34.01
Neves, S., Gomes, S., & Martins, D. (2016). Narrativas mediáticas sobre o femicídio na intimidade: Análise de um jornal popular português. Revista ex aequo, 34, 77–92. http://doi.org./10.22355/exaequo.2016.34.06
Observatório da Comunicação. (2021). Anuário da comunicação - 2020. https://obercom.pt/wp-content/uploads/2021/07/Anuario_2020_final.pdf
Organização das Nações Unidas. (1979). Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres.https://www.ministeriopublico.pt/instrumento/convencao-sobre-eliminacao-de-todas-formas-de-discriminacao-contra-mulheres-0
Organização Mundial de Saúde. (2012). Understanding and addressing violence against women: Femicide. https://iris.who.int/bitstream/handle/10665/77421/WHO_RHR_12.38_eng.pdf?sequence=1
Pasinato, W. (2011). Feminicídios e as mortes de mulheres no Brasil. Cadernos Pagu, 37, 219–246. https://doi.org/10.1590/S0104-83332011000200008
Pérez, V., & Fiol, E. (2016). Analisis psicossocial de las barreras que dificultan la denuncia: El caso de los femicídios íntimos. Revista ex æquo, 34, 59–76. https://doi.org/10.22355/exaequo.2016.34.05
Pereira, J. (2007). Agenda setting no contexto das legislativas de 2005 [Dissertação de Mestrado, Universidade de Lisboa]. Repositório da Universidade de Lisboa. https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/284/1/16301_O_Poder_da_Imprensa.pdf
Radorf, J., & Russell, D. (Eds.). (1992). Femicide: The politics of woman killing. Twayne Publishers/Maxwell Macmillan Canada.
Reis, D., Prata, L., & Parra, C. (2018). O impacto da violência intrafamiliar no desenvolvimento psíquico infantil. Psicologia.PT. https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1253.pdf
Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/2018, Diário da República n.º 97/2018, Série I de 2018-05-21, 2220–2245 (2018). https://www.cig.gov.pt/wp-content/uploads/2018/07/Resol_Cons_-Ministros_61_2018.pdf
Secretaria de Estado para a Cidadania e a Igualdade. (2019). Guia de boas práticas dos órgãos de comunicação social na prevenção e combate à violência contra as mulheres e violência doméstica.https://www.cig.gov.pt/wp-content/uploads/2019/09/GuiDeBoasPracticas.pdf
Silva, F. (2018). Representações mediáticas da violência nas relações de intimidade [Dissertação de Mestrado, Universidade Lusófona]. Repositório Científico Lusófona. https://recil.ulusofona.pt/items/b4640276-66c2-4646-82a4-4cdc8483cfe5
Silveirinha, M. J. (2004). Os media e as mulheres: Horizontes de representação, de construção e de práticas significantes. In M. J. Silveirinha (Eds.), As mulheres e os media (pp. 5–12). Livros Horizonte.
Sistema de Segurança Interna. (2023). Relatório anual de segurança interna 2022.https://www.portugal.gov.pt/pt/gc24/comunicacao/documento?i=relatorio-anual-de-seguranca-interna-2023
Soares, G. (2002). Matar e, depois, morrer. Opinião Pública, 8(2), 275–303. https://doi.org/10.1590/S0104-62762002000200006
Sousa, T. (2013). Os filhos do silêncio: Crianças e jovens expostos à violência conjugal – Um estudo de caso. [Dissertação de Mestrado, Universidade Lusófona]. Repositório Científico Lusófona. https://core.ac.uk/reader/48581470
Strauss, A., & Corbin, J. (2008). Pesquisa qualitativa: Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. Artmed.
Tavares, M. (2011). Feminismos: Percursos e desafios (1947-2007). Texto.
União de Mulheres Alternativa e Resposta. (2020). Dados preliminares sobre as mulheres assassinadas em Portugal: 1 janeiro a 15 de novembro de 2020. https://www.cig.gov.pt/wp-content/uploads/2021/03/Infografia-dados-preliminares-2020.pdf
União de Mulheres Alternativa e Respost. (2021). Dados preliminares sobre as mulheres assassinadas em Portugal: Dados 1 janeiro a 15 de novembro de 2021. https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/139855/2/532480.pdf
Vala, J. (2014). A análise de conteúdo (16ª ed.). In A. Silva & J. Pinto (Eds.), Metodologia das Ciências Sociais (pp. 101–128). Edições Afrontamento.
Notas
Kele Regina Novato Santiago realizou a concetualização, a investigação, a metodologia e a redação do rascunho original. Nélson Ramalho realizou a supervisão e a redação – revisão e edição.
Kele Regina Novato Santiago é licenciada em serviço social pela Universidade Norte do Paraná e mestre em riscos e violência(s) nas sociedades atuais: análise e intervenção social pela Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa, Portugal. Atualmente é assistente social no Centro de Referência de Assistência Social, em Mato Grosso, Brasil.
Nélson Alves Ramalho é licenciado em serviço social pela Universidade Católica Portuguesa e doutor em serviço social pelo Iscte – Instituto Universitário de Lisboa. Atualmente, é professor auxiliar no Instituto de Serviço Social da Universidade Lusófona – Centro Universitário de Lisboa (Portugal) e investigador integrado do LusoGlobe - Lusofona Centre on Global Challenges.