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Técnicas de Persuasão Utilizadas em Campanhas de Comunicação da Netflix

Persuasion Techniques Used in Netflix’s Communication Campaigns

Las Técnicas de Persuasión Utilizadas en las Campañas de Comunicación de Netflix

Carolina Figueiredo
Instituto Politécnico da Guarda, Portugal
Handerson Engrácio
Instituto Politécnico da Guarda, Portugal

Revista Comunicando

Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, Portugal

ISSN: 2184-0636

ISSN-e: 2182-4037

Periodicidade: Semestral

vol. 12, núm. 1, e023004, 2023

revistacomunicando@gmail.com

Recepção: 09 Novembro 2022

Aprovação: 27 Fevereiro 2023

Publicado: 27 Março 2023



DOI: https://doi.org/10.58050/comunicando.v12i1.307

Resumo: Este estudo procurou verificar a utilização de técnicas de persuasão e manipulação nas campanhas de comunicação publicitárias da marca Netflix: One story away e We watched it all ambas lançadas em 2020. A análise baseou-se em três objetivos: (a) identificar as técnicas de persuasão utilizadas; (b) verificar se também foram utilizadas técnicas de manipulação e (c) verificar e comparar a utilização de técnicas comuns às campanhas. Para tal enquadraram-se teoricamente os temas tratados, caracterizando brevemente a Netflix, os seis princípios da persuasão de Robert Cialdini (2021), outras técnicas de persuasão publicitárias e as falácias Sofistas. Por forma a apontar as técnicas de persuasão procedeu-se à visualização repetitiva das campanhas selecionadas através da plataforma YouTube, anotando-se numa tabela o minuto de cada vídeo ao que correspondia a utilização de cada técnica. Posteriormente compararam-se as técnicas identificadas em ambas campanhas determinando as técnicas comuns.

Relativamente aos princípios da persuasão de Cialdini, constatou-se em ambas campanhas se recorre aos princípios coerência e compromisso; gostar/simpatia e escassez. Quanto às outras técnicas de persuasão, concluiu-se que dez das dezasseis identificadas são utilizadas em ambas as campanhas, a saber: aliteração, altercasting, emoção, hipérbole, influência dos meios escolhidos na interpretação, música, repetição, rima, ritmo e storytelling. Por fim, verificou-se que também existe a possibilidade de terem sido usadas técnicas de manipulação uma vez que foram identificados três argumentos constituídos com recurso à falácia formal da afirmação do consequente, dois em One story away e um em We watched it all.

Palavras-chave: Persuasão, Manipulação, Campanhas de Comunicação, Netflix.

Abstract: This study aimed to verify the use of persuasion and manipulation techniques in the communication advertising campaigns of the Netflix brand: One story away and We watched it all both launched in 2020. The analysis was based on three objectives: (a) to identify the persuasion techniques used; (b) to verify if manipulation techniques were also used and (c) to verify and compare the use of techniques common to the campaigns.

To this end, the themes were theoretically framed, briefly characterizing Netflix, Robert Cialdini's six principles of persuasion (2021), other advertising persuasion techniques and the Sophistic fallacies. In order to identify the techniques of persuasion, we proceeded to the repetitive viewing of the selected campaigns through the YouTube platform, noting in a table the minute of each video to which corresponded the use of each technique. Subsequently, the techniques identified in both campaigns were compared, determining the common techniques. Regarding Cialdini's principles of persuasion, it was found that both campaigns use the principles of coherence and commitment; likeability/sympathy and scarcity. As for the other techniques of persuasion, it was concluded that ten of the sixteen identified are used in both campaigns, namely: alliteration, altercasting, emotion, hyperbole, influence of the media chosen in the interpretation, music, repetition, rhyme, rhythm and storytelling. Finally, it was verified that there is also the possibility that manipulation techniques have been used since three arguments were identified that were constituted using the formal fallacy of the consequent statement, two in One story away and one in We watched it all.

Keywords: Persuasion, Manipulation, Communication Campaigns, Netflix.

Resumen: Este estudio buscó verificar el uso de técnicas de persuasión y manipulación en las campañas de comunicación publicitaria de la marca Netflix: One story away y We watched it all ambas lanzadas en 2020. El análisis se basó en tres objetivos: (a) identificar las técnicas de persuasión utilizadas; (b) verificar si también se utilizaron técnicas de manipulación y (c) verificar y comparar el uso de técnicas comunes a las campañas. Para ello, se encuadraron teóricamente los temas, caracterizando brevemente Netflix, los seis principios de la persuasión de Robert Cialdini (2021), otras técnicas de persuasión publicitaria y las falacias sofísticas. Para señalar las técnicas de persuasión, se procedió al visionado repetitivo de las campañas seleccionadas a través de la plataforma YouTube, anotando en una tabla el minuto de cada vídeo al que correspondía el uso de cada técnica. Posteriormente, se compararon las técnicas identificadas en ambas campañas, determinando las técnicas comunes.

En cuanto a los principios de persuasión de Cialdini, se encontró que ambas campañas utilizan los principios coherencia y compromiso; agrado/simpatía y escasez. En cuanto a las demás técnicas de persuasión, se concluyó que diez de las dieciséis identificadas se utilizan en ambas campañas, a saber: aliteración, altercasting, emoción, hipérbole, influencia del medio elegido en la interpretación, música, repetición, rima, ritmo y storytelling. Por último, se comprobó que también existe la posibilidad de haber utilizado técnicas de manipulación ya que se identificaron tres argumentos que se constituyeron con recurso a la falacia formal de afirmación del consecuente, dos en One story away y uno en We watched it all.

Palabras clave: Persuasión, Manipulación, Campañas de Comunicación, Netflix.

1. Introdução

O entretenimento, que na Roma e Grécia antigas se denominava ócio, sempre foi uma das necessidades do ser humano (Coriolano, 2020, p.46249). Ao longo da história, as manifestações de entretenimento foram permanentes e diversas: dança, pintura, teatro, música, poesia, ilusionismo, luta, cinema, jogos, desporto, etc. A noção de lazer/entretenimento é por vezes difícil de distinguir do seu oposto, o trabalho. O lazer remete-nos para as atividades e tempo fora daquilo que é obrigatório. Este tempo tem efeitos positivos como por exemplo livrar-se da fadiga do trabalho e escapar do aborrecimento diário (Borsay, 2006, p. 11).

Ao longo dos anos, o entretenimento sofreu um contínuo aperfeiçoamento (Coriolano, 2020, p. 46248). A televisão e o cinema são duas formas de entretenimento atuais que também evoluíram com o passar do tempo (Fernandes, 2016, p.93), em particular na sua forma de reprodução, recorrendo a suportes como cassetes, disquetes, CD/DVD, e, mais recentemente, aos serviços de streaming. O desenvolvimento contínuo da Internet permitiu aceder a filmes, séries e programas de televisão em qualquer momento e, principalmente, em vários dispositivos (Fernandes, 2016, p. 93): móveis (telemóvel, tablet) ou fixos (televisão, computador).

Assim, temos assistido a um constante crescimento da indústria do entretenimento suportado, entre outros fatores, pelo investimento em publicidade na Internet (PwC, 2022).

Pode afirmar-se que a finalidade da publicidade é vender, uma vez que os clientes adquirem produtos que foram desenvolvidos para suprir as suas necessidades e cujos vendedores comunicaram de forma atraente e credível (Caetano, 2013, p. 251). Neste sentido, constata-se que a publicidade está presente em todos os locais e momentos diários dos consumidores: na rádio (Almeida, 1993, p.85), na televisão (Miguel, 2002), na imprensa, no cinema, no desporto, na Internet (Freitas-da-Costa et al., 2015) inclusivamente através de pop ups, isto é, janelas que surgem automaticamente no ecrã quando se abre um Website, sem a solicitação do utilizador (Porto Editora, 2023a), etc. Esta exposição contínua à publicidade influencia o processo de tomada de decisão dos consumidores (Almeida, 1993, p. 85; Ciríaco & Melo, 2021). Esta influência pode ser denominada persuasão (Porto Editora, 2023b).

Tendo por base as previsões da continuidade no aumento de consumidores no setor de media e entretenimento (PwC, 2022) considerou-se relevante analisar duas campanhas de comunicação publicitárias da plataforma de streaming norte-americana Netflix, uma das plataformas de streaming de filmes e séries mais utilizadas em todo o mundo com cerca de 223 milhões de utilizadores em todo o mundo, no primeiro trimestre de 2022 (Pallotta, 2022). Fundada a 29 de agosto de 1997 no estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América, esta empresa acompanhou a evolução dos serviços de entretenimento audiovisual, começando por lançar um site de aluguer e venda de discos em DVD passando pela introdução do serviço de streaming em 2007, produzindo filmes e séries originais reconhecidas com vários prémios entre eles Óscar e Emmy (Netflix, 2023). Atualmente dispõe de 22 escritórios distribuídos pelos continentes americano, asiático e europeu (Glassdoor, 2023).

No que respeita à comunicação com o público, a Netflix cria campanhas específicas para cada público-alvo que podem ser maioritariamente visualizadas no website da Netflix, assim como no seu canal do Youtube. Importa destacar que uma das campanhas analisadas, intitulada One story away foi a primeira campanha de comunicação global da marca, tendo sido lançada em 27 mercados (Netflix, 2020). We watched it all foi a segunda campanha selecionada para análise.

Neste sentido, a finalidade do estudo consiste em compreender quais as técnicas de persuasão e manipulação utilizadas e aferir a existência de técnicas comuns às duas campanhas, através dos seguintes objetivos: (a) identificar as técnicas de persuasão utilizadas; (b) verificar se também foram utilizadas técnicas de manipulação e (c) verificar e comparar a utilização de técnicas comuns às duas campanhas.

O documento foi dividido em três pontos a par do resumo, da introdução, das conclusões e das referências. No primeiro apresenta-se uma sucinta revisão teórica que conta com a caracterização da empresa emissora das campanhas publicitárias, breve apresentação dos seis princípios da persuasão de Robert Cialdini assim como outras técnicas de persuasão e uma referência sumária às falácias Sofistas como técnicas de manipulação. No segundo explica-se a metodologia do estudo e, no terceiro referem-se os resultados.

2. Revisão Teórica

Neste ponto, realiza-se uma breve caracterização dos seis princípios da persuasão de Robert Cialdini (2021), outras técnicas de persuasão e falácias sofistas.

2.1. Os Seis Princípios da Persuasão

A Persuasão consiste num processo de comunicação no qual o comunicador compele um recetor ou grupo de recetores a concordar voluntariamente com a sua solicitação, que pode consistir em criar, solidificar ou mudar uma atitude ou comportamento (Steinberg, 1999; Cialdini, 2009).

Robert Cialdini (2021, p. 12) reuniu um conjunto de técnicas de persuasão que estudou em seis categorias, a saber: (1) reciprocidade; (2) compromisso e coerência; (3) sansão social; (4) simpatia ou gostar; (5) autoridade e (6) escassez. Procurámos sumariar o conteúdo de cada uma dessas categorias:

  1. 1. 1. Reciprocidade: Um dos comportamentos base do ser humano consiste em agir perante um indivíduo da mesma forma que esse individuo agiu em relação a si. Deste modo, quando alguém recebe um favor de outrem, inconscientemente, sentir-se-á desconfortável até que retribua com outro favor do mesmo tipo. Igualmente, quando alguém faz uma concessão, sente-se na obrigação de retribuir essa concessão. Estes comportamentos ocorrem inclusive perante indivíduos pelos quais não se nutre afeição (Cialdini, 2021, pp.37—87).

    2. Compromisso e coerência: o Homem sente necessidade de ser e parecer coerente no seu modo de agir e pensar, uma vez que demonstrar coerência é habitualmente associado a força profissional e intelectual e evita a necessidade de refletirmos novamente sobre um tema. Isto leva a que, depois de ter feito uma escolha/adotado uma postura crie/encontre pressões pessoais ou interpessoais que o impulsionem a ser coerente com o compromisso assumido decidindo de forma automática, tomando por vezes decisões desastrosas. A eficácia de um compromisso aumenta quando é colocado por escrito pelo seu autor, assumido publicamente e/ou resulte de um esforço prévio (Cialdini, 2021, pp.88—163).

    3. Sanção social: este princípio estabelece que quando as pessoas precisam de decidir como pensar ou atuar em determinadas situações têm tendência a considerar corretas as opiniões e ações das outras pessoas, seguindo-as. Assim, a sanção social tem a sua influência máxima quando se verificam duas condições: a incerteza e a semelhança. No que respeita à incerteza, quando as pessoas se sentem inseguras têm tendência a ver as ações dos outros como corretas. Já relativamente à semelhança, sabemos que as pessoas têm tendência a seguir o exemplo das pessoas que consideram suas semelhantes (Cialdini, 2021, pp.165 —232)

    4. Gostar/simpatia: preferimos dizer «sim» aos pedidos das pessoas que conhecemos e pelas quais temos simpatia. Deste modo, as pessoas simpáticas são consideradas mais convincentes, tanto no momento de pedir algo como na hora de modificar as atitudes dos outros. Existem cinco fatores que influenciam a nossa perceção e categorização dos outros como simpático ou não simpáticos: (a) aspeto físico: quanto mais atrativo for o aspeto físico, mais simpática a pessoa vai parecer; (b) semelhança, isto é, temos tendência a gostar mais das pessoas com as quais nos identificamos; (c) elogio: quando somos elogiados por alguém temos tendência a considerá-los mais simpáticos. No entanto, é preciso ter em conta que elogios que soem falsos ou demasiado forçados podem ter o efeito contrário; (d) aumento da familiaridade através do contacto repetido com pessoas ou coisas, principalmente quando este contacto acontece em circunstâncias positivas, nunca em negativas e e) associação, isto é, a ligação da própria pessoa ou um determinado produto com aspetos positivos, políticos e anúncios comerciais (Cialdini, 2021, pp.233–286).

    5. Autoridade: desde tenra idade que os seres humanos são ensinados que é correto obedecer à autoridade e incorreto desobedecer. Por autoridade entende-se alguém que tem mais conhecimentos que nós ou que controla recompensas e castigos. Isto leva a que a obediência se transforme numa reação automática perante símbolos que associamos à autoridade tais como títulos, uniformes, fatos e carros de marcas caras, não sendo necessário estar perante uma autoridade verdadeira, para se produzir a obediência. Existem várias entidades que se aproveitam deste comportamento para influenciar as nossas reações, invocando autoridades falsas como, por exemplo, fazer um anúncio publicitário em que o ator interpreta o papel de médico ou dentista sem ter qualquer conhecimento destas matérias (Cialdini, 2021, pp. 287–319).

    6. Escassez: quando um indivíduo se apercebe de que vai perder algo fica mais motivado para obter essa coisa do que se não existisse esta ideia de perda. Isto ocorre porque se considera que, quando as coisas ficam menos acessíveis existe uma perda de liberdade e o ser humano detesta perder liberdades. Neste sentido, o autor defende que é mais perigoso dar uma liberdade temporária do que não a dar por completo uma vez que, haverá uma maior probabilidade de, quando a liberdade for revogada, o individuo se revoltar do que se nunca tivesse tido essa liberdade (Cialdini, 2021, pp.321—358).

2.2. Outras Técnicas de Persuasão

Através de uma breve análise bibliográfica identificámos um conjunto aleatório de técnicas de persuasão utilizadas na publicidade, a saber: reconhecimento da resistência; fluência; pé na porta; a terra prometida; autopersuasão; altercasting; prova social; garantias; atratividade; humor; escassez; atração passageira; chamariz; isso não é tudo; mera exposição; ancoragem; astroturfing; antropomorfismo; confiabilidade; rutura e reformulação; metáforas; implementação de intenções; reciprocidade; god terms; sexo; autoridade; perspetiva de perda ou ganho; recenticidade e primazia; apelo ao medo; dupla linguagem; projeção; porta na cara; mensagens subliminares; cartoons e personalização (Andrews et al., 2013, pp. 6—7; Castro, 2007, p.13) e storytelling (Salmon, 2010).

De entre técnicas referidas destaca-se a utilização de figuras de retórica clássicas detetáveis na mensagem, um dos componentes do modelo tripartido da retórica de Aristóteles que considerava a interação entre o orador, a mensagem e o auditório. Embora a retórica clássica se centrasse no discurso oral e presença física, atualmente estas figuras de retórica utilizam-se num discurso que é “vinculado através dos meios de comunicação que o transportam muito para além do local onde é proferido” (Ferreira & Fidalgo, 2005, p. 151) e associando-lhe imagens que “o modificam ou alteram” (Ferreira & Fidalgo, 2005, p. 151). Esta utilização denomina-se retórica mediatizada. Consideram-se as seguintes figuras: ritmo, rima, aliteração, onomatopeia; metáfora; comparação; metonímia; anacoluto; paralelismo; repetição; trocadilho; antítese; paradoxo; personificação; hipérbole; sinestesia; ironia; eufemismo e acumulação (Sante & Santos, 2012, pp.10—24).

Dada a elevada quantidade de técnicas existentes, definiremos apenas as identificadas nas campanhas de comunicação em estudo que analisaremos no ponto 4:

  1. · Aliteração: consiste na repetição das mesmas letras, sílabas ou sons, na mesma frase (Porto Editora, 2021b). Isto torna a mensagem mais apelativa e facilita a sua memorização.

    · Altercasting: existem dois tipos: o imposto e o assumido. No altercasting imposto, uma pessoa é colocada numa posição social através de um texto ou indicação verbal, quando por exemplo dizemos a uma criança: “Tu, como uma princesa que és vais portar-te bem e lavar os dentes”. Já no altercasting assumido, costumam utilizar-se imagens subtis e sugestivas para fazer uma pessoa assumir um papel voluntariamente, de forma espontânea (Andrews et al., 2013, pp. 44– 47).

    · Autopersuasão: o ser humano tem tendência a fugir da persuasão exercida por outros. No entanto, quando sente que foi ele próprio que tomou uma decisão, as suas defesas internas são derrubadas quase na totalidade. Deste modo, se uma pessoa sentir que a decisão é da sua autoria e sem influencia de outros é muito mais provável que acredite nesses argumentos e se comporte de acordo com a decisão tomada (Andrews et al., 2013, p. 40 —43).

    · Emoção: esta figura retórica pode ser considerada como um meio para construir uma imagem de marca junto de um determinado público-alvo. Existem emoções que podem ser transmitidas através de imagens, sons ou palavras, tais como nostalgia, compaixão, ternura, amor, vaidade, avareza, orgulho, fula, vergonha, medo e/ou culpa (Castro, 2007, p. 245).

    · Hipérbole: isto é, o exagero, é muitas vezes utilizado em conjunto com o humor com o intuito de mostrar ao público que não se pretende ridicularizá-lo ou pôr em causa a sua inteligência, mas sim, convidá-lo a descobrir a piada do anúncio (Castro, 2007, p. 253).

    · Humor: dos vários tipos de humor existentes, o mais utilizado relaciona-se com a procura em resolver uma incongruência. Geralmente é colocado no anúncio um elemento incomum, estranho ou inesperado e aguarda-se que o público o detete, tente resolvê-lo e reaja positivamente rindo-se. Assim, consegue-se chamar a atenção do público e fazer com que a situação/ a piada seja lembrada, no entanto, existe alguma tendência para que o nome da marca seja esquecido. Deste modo podemos dizer que “o humor diminui a memória que temos da marca, mas aumenta a nossa simpatia por ela” (Andrews et al., 2013, p. 71).

    · Influência dos meios escolhidos na interpretação: os meios através dos quais a informação é transmitida determinam o modo como as pessoas interpretam as mensagens. Quando uma mensagem é transmitida por meios audiovisuais geralmente origina uma maior mudança de atitude do que as transmitidas apenas por áudio. Por sua vez, as mensagens transmitidas através de meios áudios geram mais aceitação e mudança de atitude do que as transmitidas apenas por texto. No entanto, se a mensagem a passar for complexa, os meios escritos são mais efetivos (McLuran & Fiore, 1967, Larson, 1989, como citado em Madhulika, 2018, pp. 33—41).

    · Ironia: consiste em dizer o contrário do que se pretende expressar (Porto Editora, 2023c).

    · Música: as músicas utilizadas nas campanhas publicitárias, sejam originais ou adaptadas, permitem prolongar a permanência da marca na memória consumidores (Castro, 2007, p. 267). A par disto, a música surge também como um gatilho emocional, pois consegue evocar emoções fortes incluindo sentimentos de prazer (Simões, 2012).

    · Paradoxo: associação de afirmações aparentemente contraditórias ou que desafiam o senso comum e a lógica (Porto Editora, 2023d).

    · Personalização: consiste em associar uma personagem com as características da marca. A personagem criada pode ser uma pessoa real que se representa a si própria; ficcional, representada por um ator; inteiramente imaginária (ex. um mimo) ou virtual, como um desenho animado ou um cartoon (Castro, 2007, p. 276).

    · Repetição: consiste na “Mera Exposição” a diversas mensagens (palavras, sons ou imagens) repetidamente aumentando a tendência de o consumidor gostar mais de algo. Quanto maior a frequência da exposição, maior a probabilidade de gostar e se recordar do que ouviu. Esta figura de retórica deve ser utilizada com peso e medida uma vez que, uma mensagem repetida em excesso pode causar o efeito contrário ao pretendido, nomeadamente a exaustão e fuga da mensagem (Andrews et al., 2013, pp. 90—93).

    · Rima: consiste em repetir sons iguais ou semelhantes nas sílabas ou palavras no final de pelo menos dois versos (Porto Editora, 2023e).

    · Ritmo: sequência que agrada ao ouvido de silabas tónicas, intervalos regulares e/ou acentos prosódicos (Porto Editora, 2023f).

    · Storytelling: consiste na atividade de escrever ou contar histórias (Zaro & Salaberri,1995). Atualmente, esta técnica é cada vez mais utilizada na publicidade através da criação de narrativas que diferenciam os diversos anunciantes (Gomes, 2018, p. 3; Salmon, 2010).

    · Trocadilho: jogo de palavras utilizado geralmente para fins humorísticos que recorre a ambiguidades semânticas e/ou multiplicidades de sentidos (Porto Editora, 2023g).

2.3. As falácias Sofistas

No seu livro sobre refutações Sofísticas, Aristóteles apresentou treze falácias do discurso Sofista (Aristóteles,1986; Hamblin,1970). Por falácia entendemos um “defeito no raciocínio” (Henne, 2023, s/p), isto é, a apresentação de um argumento que parece lógico e verdadeiro, mas, no entanto, tem uma falha ou uma mentira que o torna inválido. Este defeito no raciocínio pode ser intencional ou não intencional (Henne, 2023). Quando um orador utiliza intencionalmente uma falácia deixa de tentar persuadir o seu público e passa a tentar manipulá-lo. Em muitas circunstâncias as campanhas publicitárias apresentam argumentos efetivamente falaciosos pelo que, o público já aprendeu a incorporar esses elementos como parte da liberdade criativa. No entanto, eles mantêm o seu poder manipulador.

Por manipulação considera-se a capacidade de recorrer a técnicas como a omissão ou distorção de informação, entre outras ferramentas linguísticas (Chilton & Schäffner, 2002) que põem em causa a veracidade da informação transmitida, induzindo em erro o recetor de modo que ele adote a atitude ou comportamento desejado pelo emissor.

3. Metodologia

Este estudo de caso tem como finalidade compreender quais as técnicas de persuasão e manipulação comuns a duas campanhas de comunicação da marca Netflix intituladas One story away, lançada a 10 de setembro de 2020 e We watched it all, lançada a 19 de dezembro de 2020. Com o intuito de atingir esta finalidade foram definidos três objetivos enumerados na introdução.

Para a elaboração do ponto dois procedeu-se à recolha de informação teórica pré-existente sobre persuasão, os princípios de Robert Cialdini, técnicas de persuasão utilizadas na publicidade e manipulação. Dada a imensidão de técnicas de persuasão identificadas através de uma pesquisa exploratória, apenas se definiram no ponto 2.2. as técnicas que foram identificadas como utilizadas nas campanhas de comunicação em análise. Para essa recolha de informação, recorreu-se a técnicas de pesquisa documentais clássicas (Almeida, 1994), consultando diversas fontes de informação tais como livros, artigos científicos e ficheiros multimédia procurando analisar autores de referência e estudos mais recentes subordinados às temáticas abordadas.

Relativamente à análise do conteúdo das campanhas de comunicação, procedeu-se à sua visualização através da plataforma Youtube, e identificação das técnicas utilizadas através da procura de momentos nos vídeos que correspondessem às técnicas definidas. Durante a visualização dos vídeos preencheram-se as tabelas apresentadas no ponto quatro fazendo uma análise de conteúdo (Almeida, 1994) por categoria, isto é, por técnica identificada. Para tal, procurámos identificar o minuto em que se verificava o recurso à técnica, analisando em particular a argumentação oral e escrita utilizada assim como os elementos visuais.

Por fim, procedemos à comparação quantitativa entre as técnicas de persuasão e manipulação utilizadas em cada campanha com o intuito de compreender quais as técnicas comuns às duas campanhas.

4. Resultados

Apresentam-se em seguida os resultados da análise do conteúdo das campanhas publicitárias em estudo, à luz dos conteúdos teóricos analisados.

4.1. Os Seis Princípios da Persuasão

Na campanha de comunicação One story away, verificámos a utilização de três princípios, a saber:

Tabela 1
Princípio: Localização: Evidência:
Coerência e Compromisso 0:15; 0:28; 0:42 “Maybe you don’t know”
01:22 “Sure, there is a lot you may not know”
01:26 “But that’s exactly what makes a story worth watching, because in the end, we are only one story away”.

Princípio da Coerência e Compromisso na campanha One Story Away

Ao longo da narrativa, o expectador é lembrado repetidamente que há algo que pode não saber. Depois, afirma-se que não tem nada de mal em não saber muitas coisas porque é exatamente isso o que faz com que valha a pena ver uma história. Assim, quando o recetor é informado que apenas está a uma história de distância de saber como é sentir/ser/fazer tudo o que foi referido demonstra-se que é fácil adquirir todo o conhecimento apresentado pelo que, inconscientemente, o espectador é levado a pensar que se é uma pessoa que gosta de saber coisas novas, deve ver aquelas histórias, apelando assim à coerência de pensamento.

Tabela 2
Princípio: Localização: Evidência:
Gostar/simpatia 00:02 “Here you are, the beginning, your first step into the unknown”

Princípio do Gostar/Simpatia na campanha One Story Away

Ao dizer ao expectador, “aqui estás tu”, pretende-se torná-lo parte da narrativa e, fazê-lo identificar-se com todo o conteúdo apresentado no vídeo, em particular as emoções ilustradas.

Tabela 3
Princípio: Localização: Evidência:
Escassez 01:32 “We are only one story away”

Princípio da Escassez na campanha One Story Away

Está implícita a mensagem de todos os conteúdos apresentados na campanha de comunicação serem exclusivos da plataforma Netflix e esta ideia é reforçada com a frase central da campanha “We are only one story away”, principalmente ao dizer “We”, referindo-se a todos os personagens e à Netflix em simultâneo.

Depois da visualização da campanha de comunicação da Netflix We watched it all, identificaram-se de quatro dos seis princípios de Cialdini (2021):

Tabela 4
Princípio: Localização: Evidência:
Reciprocidade 2:58 min “Thanks for watching”

Princípio da Reciprocidade na campanha We watched it all

Tendo em conta que durante todo o vídeo o protagonista passa a mensagem que ao chegar ao fim de 2020 já viu tudo o que a Netflix disponibilizou, esta mensagem final de agradecer ao recetor por ter visto Netflix, de acordo com a nossa análise pode ser interpretada de duas maneiras: se o recetor da mensagem já for cliente Netflix e efetivamente tiver visualizado diversos conteúdos na plataforma, esta mensagem pretende mostrar que a Netflix agradece a preferência do consumidor. Assim, o recetor vai sentir que existe uma relação de reciprocidade entre ele e a plataforma, na medida em que ele viu e a Netflix agradece. Por outro lado, se o recetor da mensagem ainda não for cliente Netflix, quando visiona a campanha de comunicação, poderá sentir necessidade de ver algum desse conteúdo para ter uma atitude recíproca com a plataforma que lhe proporcionou este vídeo.

Tabela 5
Princípio: Localização: Evidência:
Coerência e compromisso 02:38 “But I think that’s enough Netflix for this year [2020].”
Botão/imagem: “Skip to 2021”

Princípio da Reciprocidade na campanha We watched it all

Este vídeo leva-nos a pensar que, tendo em conta que já vimos tudo o que havia para ver em 2020, se formos coerentes, passaremos para 2021 e continuarem a ver “todos” os conteúdos que a Netflix tem para oferecer.

Tabela 6
Princípio do Gostar/ Simpatia na campanha We watched it all
Princípio: Localização: Evidência:
Gostar/Simpatia Todo o vídeo Cenário
Roupas
Personagens

Utiliza-se esta técnica com o intuito de o que o recetor se identifique com o personagem principal. O protagonista encontra-se na sua casa, em particular na sua sala, sentado no sofá, em frente à televisão e é retratado como um indivíduo comum que gosta de ver séries, filmes e/ou documentários na sua televisão. Ao longo do vídeo conta-nos o que sentiu a ver os vários conteúdos da Netflix durante o ano de 2020, em particular durante o tempo que esteve confinado devido a pandemia da Covid-19. Deste modo, procura-se que os recetores se identifiquem com o personagem e tenham pensamentos como: «Se ele viu tudo, como é que eu não consegui ver tudo? Ou, se ele viu tudo, eu, que me identifico com ele, também deveria ver tudo!»

Tabela 7
Princípio da Escassez na campanha We watched it all
Princípio: Localização: Evidência:
Escassez 00:02 “You have finished Netflix”
02:10 “Every movie, every stand up every doc and every show”*

Quando um produto é percebido como exclusivo, existe uma maior vontade de o possuir. Nesta campanha, são referidos vários conteúdos que a Netflix disponibiliza e que a personagem sumaria na sua música*. Embora não seja uma mensagem totalmente explícita, sabe-se que apenas quem adquire os serviços Netflix tem acesso aos conteúdos, pelo que está implícita a sua exclusividade. Para além disto, também se procura criar um sentimento de urgência em visualizar os conteúdos uma vez que 2020 está a acabar e, em 2021 existirão novos conteúdos para ver.

4.2. Outras técnicas de Persuasão

A par dos princípios analisados, existem outras técnicas utilizadas com o intuito de levar o recetor a concordar voluntariamente com uma solicitação do emissor.

Na campanha One story away identificaram-se cinco técnicas que estão presentes ao longo de todo o vídeo tornando difícil isolar um momento específico como referência, a saber: influência dos meios escolhidos na interpretação, música, storytelling, altercasting e hipérbole.

A mensagem desta campanha é transmitida com recurso audiovisual que agrupa imagem e áudio em vídeo. Para tal, foi criada uma narrativa que conta uma história em que o recetor é convidado a refletir e na qual se misturam personagens de várias histórias da Netflix. Todas as imagens apresentadas neste vídeo, assim como a narrativa verbal estão coordenadas com o tema musical que as acompanha. Deste modo, a música procura guiar o recetor por um conjunto de emoções começando por ser dramática, depois entusiasmada e, por fim, mais calma e feliz, contribuindo significativamente para uma transmissão da mensagem mais eficaz. O convite feito ao recetor para refletir na mensagem é feito através da narrativa. Esta técnica, referida por Cialdini como parte do principio gostar é também denominada por outros autores altercasting assumido. Logo no início do vídeo somos transportados para dentro do seu contexto, da sua realidade paralela quando a voz nos diz “here you are, the beginning, your first step into the unknown”. Depois, mostram-nos várias personalidades e os seus papéis na sociedade e dizem-nos que muito provavelmente não sabemos como uma pessoa se sente ao assumir aquele papel, e imediatamente a nossa imaginação começa a funcionar e começamos a imaginar-nos no lugar daquela personagem. Por fim, dizem-nos que só estamos a uma história de distância e fica subjacente que só estamos a uma história de distância de nos sentirmos como aquelas personagens.

A última técnica que referiremos como estando presente em todo o vídeo é a hipérbole. A campanha transmite-nos que apenas a uma história de distância de podermos assistir e sentir tudo o que é referido no vídeo, mas a verdade é que isto é um exagero. Não é uma história que nos vai fazer viver e sentir tudo o que é descrito e nem todos têm a possibilidade de ver essas histórias na Netflix. Portanto não estamos “só/apenas” a uma história de distância, existem outros fatores que influenciam a possibilidade de experienciar tais emoções.

Apresentamos na tabela 8 as restantes técnicas e respetivas evidências identificadas nesta campanha. Apenas apresentamos alguns exemplos que comprovam a existência da técnica não referindo todas as evidências do mesmo.

Tabela 8
Técnicas de persuasão identificadas em One Story Away
Técnica Minuto do Vídeo Evidência Comentário
Aliteração e repetição 00:16 “Maybe you don’t know”
00:28
00:41
00:57
01:22 “Sure there is a lot you may not know”
a) 0:42 Love: (a) “Maybe you don’t know how it feels to have your love revealed”, (b) “learn about love for the first time”, (c)“or learn to love yourself”.
b) 0:47
c) 0:51
d) 1:06 World: (d) “Or how it feels to lose your world”, (e) “flip your world”, (f) “guard the world”, (g) “or run the world”.
e) 1:10
f) 1:13
g) 1:16
Autopersuasão 01:23 “Sure, that it’s a lot you may not know, but that’s exactly what makes a story worth watching”; “we are only one story away”, Isto pode levar uma pessoa a pensar: se posso aprender tudo isto com as histórias Nedtflix devia assistir a estes conteúdos. Este pensamento é da autoria do espectador e não foi diretamente dito na campanha pelo que a pessoa vai ter uma maior tendência a aceitá-lo e pô-lo em prática.
Emoção 00:09 “Your first step into the unknown”. Transmite insegurança
00:16 “Maybe you don’t know what it’s like to be (…) the most wanted person in the world”. Transmite medo
00:45 “To have your loved revealed” / “live life behind bars”. Transmite vergonha
01:16 “Run the world” Transmite entusiasmo
01:28 Imagens com pessoas a rir-se e a dançar. Transmite alegria
01:31 Imagens de famílias/amigos abraçadas Transmite segurança e tranquilidade
Todo o vídeo Utilização dos versos ser, custar e sentir (“To be”; “what it takes”; “how it feels”; “what it’s like”). Leva o recetor a sentir empatia pelos personagens
Rima 00:09 “Yout first step into the unknown” / “maybe you don’t know”
00:30 “To lead a team” / “cary a dream”
Ritmo Até 0:21 Início lento/suave – fade in
0:23; 1:17 Aumento de ritmo
00:52 Diminuição de ritmo
01:34 Final lento – fade out

Por sua vez, na campanha We watched it all identificaram-se cinco técnicas que estão presentes ao longo de todo o vídeo tornando difícil isolar um momento específico como referência, em particular: música; storytelling; personalização, altercasting e influência dos meios escolhidos na interpretação. Todas as mensagens do vídeo são passadas através de uma canção, com letra e melodia teatralizada pelos personagens. Deste modo, cria-se uma maior probabilidade de público lembrar mais facilmente esta campanha. Esta técnica também permite levar o público a passar por uma sequência de emoções relacionadas com a mensagem verbal e visual assim como enfatizar algumas palavras e frases que são cantadas pelo personagem conjugando outra técnica, o ritmo. Neste sentido, a música é um recurso utilizado para contar a história de um jovem que, tal como nós, se viu no meio de uma pandemia e, perante a obrigação de ficar confinado em casa teve de encontrar um entretenimento que o satisfazesse e mantivesse mentalmente saudável. Embora este ator seja exageradamente caracterizado, ele apresenta diversas características físicas e psicológicas comuns aos utilizadores da plataforma Netflix e com as quais muitos deles se podem identificar. Esta técnica de personalização promove a identificação, defendida por Cialdini (2021) quando se referia ao princípio do gostar. Como referido no enquadramento teórico, a identificação de Cialdini (2021) é intitulada por outros autores de altercasting assumido. Com sua utilização pretende-se que quem visualize o vídeo se identifique com o personagem principal para que possam considerá-lo como exemplo. Portanto ao envolverem-nos no imaginário da personagem principal do vídeo levam-nos a agir como ela, avançar para 2021 e continuar a ver séries na Netflix. Neste sentido, compreendemos que todos os meios escolhidos influenciam a interpretação do conteúdo a transmitir, sendo que, nesta campanha se utilizaram sons musicais, narrativa áudio e imagens. A combinação de todos estes meios aumenta a probabilidade de aceitação e mudança de atitude face às mensagens transmitidas.

Apresentamos na tabela 9 as restantes técnicas e respetivas evidências identificadas nesta campanha. Apenas apresentamos alguns exemplos que comprovam a existência da técnica não referindo todas as evidências do mesmo.

Tabela 9
Técnicas de persuasão identificadas em We watched it all
Técnica Minuto do Vídeo Evidência Comentário
Aliteração 00:19 “I watched sunsets being sold. Every episode of Avatar like I was ten years old”; Semelhança de sons e sílabas recorrente em todo o vídeo
00:29 “Is it Wednesday?” “Is it Friday?”
00:55 “But also kind of went fast”; “well the answer is always yes”.
02:40 “But I think that’s enough Netflix for this year! “I’m glad the end of 2020 is here.”
Emoção 02:16 “This year has been a cluster fuck and so” Transmite raiva/exasperação
02:23 “We watched it all (…) what we love watched, what we hate hatched, doesn’t matter, watched it all.” Transmite desespero
00:49 “Thank God the end of 2020 is here.” Transmite alívio
02:42
Hipérbole 00:06 “I watched it all”. É muito difícil ver todos os conteúdos da plataforma num ano
00:10 “I started streaming in the spring, next thing I noticed it was fall.” O tempo não passa tão depressa que não permita distinguir a passagem pelas restantes estações
01:42 “I trained with Cobra Kai.”
Todo o vídeo Hipérboles visuais: cenários e personagens.
Humor 01:11 Reação dos personagens da série ao comportamento do personagem da campanha de comunicação (choque).
01:27 “Though I couldn’t help but wonder why he did it with no shirt.”
Paradoxo 2:25 min “What we loved watched; what we hate-watched; doesn’t matter, we watched it all!” Ver aquilo que não se gosta é um paradoxo. Se não se gosta, normalmente não se vê
Ironia 02:40 “But I think that’s enough Netflix for this year!”; Se o indivíduo viu todos os conteúdos de 2020 e pretende continuar a ver Netflix em 2021, ele não pode estar farto de ver estes conteúdos pelo que a expressão é irónica
“Thank God the end of 2020 is here!”
Repetição 00:05 “I watched it all”;
00:08
00:24
00:27
1:15 (…)
00:15 “I watched”;
00:18
01:17
01:22
1:23 (…)
00:44 “Year”
00:54
01:31
01:37
2:40 (…)
Ritmo Até 0:48 Início lento/suave – fade in
0:49; 1:58; 2:19 Aumento de ritmo
1:38; 2:09 Diminuição do ritmo
02:43 Diminuição gradual do ritmo – fade out
Rima 00:08 “I watched it all” / “next thing i noticed it was fall” Toda a letra da canção está feita com recurso à rima
00:18 “Sunsets being sold”/ “like I was ten years old”
1:24 (…) “Rule the earth”/ “with no shirt!”
Trocadilho 01:34 “Wait, I guess there was no Stranger Things this year…”
“Well that’s ok it’s been a plenty strange year”.

4.3. Análise Comparativa das Técnicas de Persuasão Utilizadas

Por forma a verificar quais as técnicas de persuasão identificadas em ambas campanhas de comunicação, elaboraram-se as tabelas 10 e 11. O X indica que a técnica foi identificada.

Tabela 10
Comparação dos princípios de persuasão identificados
Princípios da persuasão de Robert Cialdini
One story away We watched It all Princípios Comuns
Reciprocidade X
Coerência e Compromisso X X X
Sansão Social
Gostar/simpatia X X X
Autoridade
Escassez X X X

Tabela 11
Comparação das técnicas de persuasão identificadas
Outras técnicas de persuasão
One story away We watched It all Técnicas Comuns
Aliteração X X X
Altercasting X X X
Autopersuasão X
Emoção X X X
Hipérbole X X X
Humor X
Influência dos meios escolhidos na interpretação X X X
Ironia X
Música X X X
Paradoxo X
Personalização X
Repetição X X X
Rima X X X
Ritmo X X X
Storytelling X X X
Trocadilho X

4.4. As Falácias Sofistas

Alguns dos exemplos de falácias clássicas são afirmação do antecedente e do consequente[1]. Referimos em seguida exemplos dos argumentos falaciosos identificados nas campanhas de comunicação.

Em One story away identificámos dois argumentos com a falácia de afirmação do consequente:

● Argumento 1:

P1: As histórias (séries e filmes) da Netflix ensinam estas coisas (amor, amizade)

P2: Talvez tu não saibas o que são estas coisas.

C: Então tu tens de ir ver as histórias da Netflix.

Relativamente à premissa 1 (P1), a campanha em análise foi produzida pela da marca Netflix e apenas mostra conteúdos que podem ser visualizados nesta plataforma e que sugerem/ ensinam as coisas/sentimentos referidos ao longo da campanha de comunicação. Em seguida, a premissa 2 (P2) é explicitamente reiterada pela voz ao longo da narrativa (“Maybe you don’t know how it feels/what is”). Pelo que, acreditamos que as conjugações destas duas premissas levam à conclusão (C) apresentada. Embora, a campanha não diga explicitamente que para aprender tudo isto as pessoas devem ver as histórias Netflix, a campanha diz que todas estas coisas/emoções ou experiências estão apenas a uma história de distância (“One story away”) e, portanto, subentende-se que para as aprendermos teremos de ver aquelas histórias na Netflix.

● Argumento 2:

P1: As histórias (séries e filmes) da Netflix ensinam estas coisas (amor, amizade)

P2: Talvez tu não saibas o que são estas coisas.

C: Então talvez tu não vejas as histórias da Netflix.

No que diz respeito à primeira e segunda premissas (P1 e P2) deste argumento seguem a mesma linha de pensamento das explicações apresentadas no argumento 1. Por sua vez, no que respeita à conclusão (C), tal como no argumento anterior esta frase não é verbalizada, mas considera-se que poderá ser subentendida. Embora todas as premissas de ambos os argumentos sejam verdadeiros é possível identificar erros na sua forma, tornando-as inválidas por incorrerem na falácia formal de afirmação do consequente.

Também em We watched it all identificámos a falácia de afirmação do consequente:

P1: Ver todos os conteúdos Netflix ajudou-me a lidar com as coisas más de 2020.

P2: Em 2021 quero lidar com as coisas más.

C: Em 2021 vou ver todos os conteúdos Netflix.

A premissa 1 (P1) pode ser facilmente identificada através do visionamento da campanha de comunicação em questão uma vez que faz parte da letra da música que afirma expressamente: “Watching other people’s stories helps us deal with all the badness”. Já a premissa 2 (P2) não é explicitamente transmitida, mas pode ser compreendida pela constante referência ao fim do ano de 2020 e, à opção que surge no vídeo no fim da campanha e que diz “Skip to 2021”, (minuto 2:56). A conclusão (C) não é expressa verbalmente ou por imagens, mas considera-se que algumas das técnicas de persuasão utilizadas nesta campanha levam o recetor a conclui-lo inconscientemente.

5. Conclusões

Este estudo teve três objetivos. Relativamente a identificar as técnicas de persuasão utilizadas (a), verificou-se que na campanha One story away se identificaram três princípios da persuasão de Robert Cialdini, a saber: coerência e compromisso, gostar/simpatia e escassez. Por sua vez, na campanha de comunicação We watched It all foram identificados quatro dos seis princípios da persuasão de Cialdini, nomeadamente: reciprocidade, coerência e compromisso, gostar/simpatia e escassez. No que diz respeito a outras técnicas de persuasão, na campanha One story away identificaram-se onze técnicas, a saber: aliteração, altercasting, autopersuasão, emoção, hipérbole, influência dos meios escolhidos na interpretação, música, repetição, rima, ritmo e storytelling. Já na campanha We watched It all, identificaram-se quinze outras técnicas, tais como: aliteração, altercasting, emoção, hipérbole, humor, influência dos meios escolhidos na interpretação; ironia; música, paradoxo; personalização; repetição; rima; ritmo; storytelling e trocadilho.

Quanto a verificar se também foram utilizadas técnicas de manipulação (b), concluímos que existe a possibilidade de terem sido utilizado três argumentos construídos com recurso à falácia formal afirmação do consequente, um desses argumentos na campanha de comunicação We watched It all e dois deles na campanha One story away.

No que concerne a comparar e verificar a utilização de técnicas comuns às duas campanhas (c) identificaram-se os princípios de Persuasão compromisso e coerência; gostar e escassez em ambas campanhas analisadas. Por sua vez, aliteração, altercasting, emoção, hipérbole, influência dos meios escolhidos na interpretação, música, repetição, rima, ritmo e storytelling foram as outras dez técnicas de persuasão verificadas nas duas campanhas. Constatou-se também a utilização da falácia Sofista de afirmação do consequente em ambos vídeos.

Este trabalho pretende contribuir com uma visão prática da persuasão em novos produtos e serviços nomeadamente no segmento de mercado de conteúdos em streaming. Tratando-se de um estudo de caso a sua a validade limita-se a esta realidade concreta. No entanto, e como as estratégias de comunicação e persuasão assentam em estruturas clássicas complementadas por investigações mais recentes, entendemos que poderão ser desenvolvidos outros trabalhos que procurem caracterizar e analisar as formas de persuasão mais usadas em serviços de streaming. Outra linha de investigação poderá passar por contabilizar o recurso às técnicas de persuasão e manipulação em cada uma das campanhas analisadas assim como analisar outras ações de comunicação da Netflix.

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Notas

[1] Para aprofundar as falácias clássicas cf., Dias & Spinillo (2005) ou Ritondale (2012).

Autor notes

Carolina Figueiredo é Bolseira de Investigação no Instituto Politécnico da Guarda. Mestranda de Marketing e Comunicação na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico da Guarda. Licenciada em Recursos Humanos pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto do Politécnico do Porto.
Handerson Engrácio é Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Mestre em Comunicação Educacional Multimédia pela Universidade Aberta. Licenciado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho e em Comunicação e Relações-Públicas pelo Instituto Politécnico da Guarda.
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