Artigos
TERRITÓRIO ÉTNICO, EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: ENTRE PRÁTICAS E PROCESSOS ETNOEDUCACIONAIS
ETHNIC TERRITORY, INDIGENOUS SCHOOL EDUCATION: BETWEEN ETHNO-EDUCATIONAL PRACTICES AND PROCESSES
TERRITORIO ÉTNICO, EDUCACIÓN ESCOLAR INDÍGENA: ENTRE PRÁCTICAS Y PROCESOS ETNOEDUCATIVOS
Linguagens, Educação e Sociedade
Universidade Federal do Piauí, Brasil
ISSN: 1518-0743
ISSN-e: 2526-8449
Periodicidade: Trimestral
vol. 27, núm. 53, 2023
Recepção: 20 Junho 2022
Aprovação: 16 Março 2023
Publicado: 24 Março 2023
Resumo: No presente artigo, apresentamos uma discussão acerca do Território Etnoeducacional, fundamentado no Decreto 6.861/2009 que acrescenta uma conquista singular, referente ao reconhecimento da afirmação e identidade étnicas dos povos indígenas. Com enfoque na categoria político-jurídica, legitima-se a Educação Escolar Indígena numa estrutura, a partir da territorialidade de seus povos. E contextualiza-se o Território Etnoeducacional do Médio Xingu (TEEMX), em Altamira-PA. Para tanto, a pesquisa enveredou-se pelos caminhos da etnografia, por entender que este método nos conecta com as intersubjetividades do campo de pesquisa, o TEEMX, um contexto etnoeducacional que apresenta um conjunto de elementos identitários e culturais, além dos arranjos institucionais e normativos compreendem-se as perspectivas e práticas dos povos indígenas da região quanto às demandas educacionais. Priorizam-se as teorias de Baniwa (2010), Haesbaert (1999), Bergamaschi; Gomes (2012), Candau (2008), Brandão (2007). Neste diálogo, concluímos que os caminhos sinalizam um significado legal, de um potencial dinâmico e decisivo para a construção da Educação Escolar Indígena na região e o corpo político seguem mais visíveis quando constituído coletivamente.
Palavras-chave: Prática de Ensino, Território Etnoeducacional, Educação Escolar Indígena.
Abstract: In this article, we present a discussion about the Ethnoeducational Territory, based on Decree 6.861/2009, which adds a unique achievement, referring to the recognition of the affirmation and ethnic identity of Importar imagenImportar tabla indigenous peoples. Focusing on the political-legal category, Indigenous School Education is legitimized in a structure, based on the territoriality of its peoples. And the Ethnoeducational Territory of the Middle Xingu (TEEMX), in Altamira-PA, is contextualized. To this end, the research embarked on the paths of ethnography, understanding that this method connects us with the intersubjectivities of the research field, the TEEMX, an ethnoeducational context that presents a set of identity and cultural elements, in addition to the institutional and normative arrangements understanding the perspectives and practices of indigenous peoples in the region regarding educational demands. Priority is given to the theories of Baniwa (2010), Haesbaert (1999), Bergamaschi; Gomes (2012), Candau (2008), Brandão (2007). In this dialogue, we conclude that the paths signal a legal meaning, a dynamic and decisive potential for the construction of Indigenous School Education in the region and the political body remains more visible when constituted collectively.
Keywords: Teaching Practice, Ethnoeducational Territory, Indigenous School Education.
Resumen: En este artículo, presentamos una discusión sobre el Territorio Etnoeducativo, con base en el Decreto 6.861/2009, que agrega un logro único, respecto al reconocimiento de la afirmación y la identidad étnica de los pueblos indígenas. Centrándonos en la categoría político-jurídica, la Educación Escolar Indígena se legitima en una estructura, basada en la territorialidad de sus pueblos. Y se contextualiza el Territorio Etnoeducativo del Medio Xingu (TEEMX), en Altamira-PA. Para ello, la investigación emprendió los caminos de la etnografía, entendiendo que ella nos conecta con las intersubjetividades del campo de investigación, el TEEMX, un contexto etnoeducativo que presenta un conjunto de elementos identitarios y culturales, además de los institucionales y normativos, comprendiendo las perspectivas y prácticas de los pueblos indígenas de la región frente a las demandas educativas. Se da prioridad a las teorías de Baniwa (2010), Haesbaert (1999), Bergamaschi; Gomes (2012), Candau (2008), Brandão (2007). En este diálogo concluimos que los caminos señalan un sentido jurídico, un potencial dinámico y decisivo para la construcción de la Educación Escolar Indígena en la región y el cuerpo político se hace más visible cuando se constituye colectivamente.
Palabras clave: Práctica Docente, Territorio Etnoeducativo, Educación Escolar Indígena.
INTRODUÇÃO
A criação do território etnoeducacional por meio do Decreto nº 6.861, de maio de 2009 cria outras situações no campo jurídico e político para a história da Educação Escolar Indígena no Brasil, esta categoria busca garantir a legitimação, a afirmação e a identidade dos povos indígenas. Porém, o enfrentamento para a formação educacional dos indígenas no território do Médio Xingu abrangem importantes problemáticas, como o amplo espaço geográfico, formação acadêmica, barreiras linguísticas de nove povos diferentes, interesses externos a biodiversidade, dentre outras. Neste contexto, os atores sociais lutam pela autoafirmação através do direito conquistados na legislação, assim como, demarcam resistência ao jogo de interesses políticos, ora protelados o direito constitucional à educação e às culturalidades.
Na concepção de Baniwa (2010), com a criação dos territórios etnoeducacionais, os indígenas reafirmam suas identidades étnicas, com visibilidade e espaço político nesse processo histórico. O sentido do território vai além das políticas de demarcação de terras:
[...] o etnoterritório recupera o sentido e a força do espaço simbólico e cosmológico do lugar e habitat tradicional e ancestral dos povos indígenas, uma vez que com a tradição de relembrar os tempos dos antigos, os povos indígenas nunca ficam sem território, pois é o território de onde saíram e onde estão presentes nos rituais, nas crenças e, principalmente, nas histórias e mitos de criação (BANIWA, 2010, p. 05).
Evidentemente, com a criação dos etnoterritórios, a Educação Escolar Indígena ganha maior autonomia, pois será organizada conforme a territorialidade dos povos. No município de Altamira, o etnoterritório. abrange uma totalidade de nove terras indígenas, aproximadamente 72 (setenta e duas) aldeias e/ou comunidades, assim, os agentes envolvidos que trabalham para efetivar a educação neste território esbarram em alguns processos mais sistemáticos, de implementação efetiva dessas políticas educacionais, entre elas: Leis, Diretrizes, Parâmetros, Referencial Curricular Nacional de Educação Indígena e Base Nacional Comum Curricular, esta última é mais séria ainda, uma vez que essa base não visibiliza os povos indígenas a partir de sua identidade territorial, embora haja menção de forma superficial e pontual para algumas ações. No entanto, os protagonistas indígenas do Médio Xingu. lutam por autonomia e afirmação étnica, como representantes identitários dos anseios de seu povo em busca de objetivos unificados, respeitando as particularidades de cada cultura e com foco na educação, visualizados na segunda reunião do Território Etnoeducacional do Médio Xingu (TEEMX).
Ainda com relação à Educação Escolar Indígena, os povos do Médio Xingu travam lutas, com desafios, perdas e conquistas significativas, assim, vão traçando caminhos de resistência através da participação direta e efetiva em reuniões, audiências, conferências e formações educacionais que acontecem nas esferas municipal, estadual e nacional. Os profissionais da educação, professores indígenas e não-indígenas, trabalham em três polos da região de Altamira – PA (Figura 1): região esta que abrange os rios Xingu, Iriri e Bacajá – rotas de acesso às aldeias e fazem parte do Território Etnoeducacional do Médio Xingu. Ademais, Importar imagenImportar tabla por meio da Constituição Federal do Brasil (CF) de 1988, os povos indígenas legitimam um ganho jurídico e garantem que as escolas indígenas utilizem processos educacionais próprios.
por meio da Constituição Federal do Brasil (CF) de 1988, os povos indígenas legitimam um ganho jurídico e garantem que as escolas indígenas utilizem processos educacionais próprios.
Figura 1 – Mapa do Brasil, com destaque para o Estado do Pará e para o município de Altamira, Amazônia Brasileira.
Diante do exposto, objetivou-se apresentar uma discussão acerca do Território Etnoeducacional, fundamentado no Decreto 6.861/2009, acrescentando outros caminhos normativos e demandas educacionais dos povos da região que agrega o reconhecimento da afirmação e identidade étnicas dos povos indígenas..
Assim, tem-se uma disposição subdivida em dois tópicos, que segue uma dialética etnoeducacional reflexiva, fundamentos normativos e o mosaico do TEEMX. A primeira seção apresenta reflexões e práticas etnoeducacionais através de uma educação em comunidade entre dinâmicas, saberes, trabalhos e diversas manifestações culturais dos indígenas. E a segunda seção permite visualizar o Território Etnoeducacional do Médio Xingu, no município de Altamira, de forma mais abrangente, entre a organização social e processo educacional.
Como o município de Altamira é palco deste movimento indígena que desencadeia demandas em relação à educação, com um mosaico impressionante de povos com diferentes modos de vida, um território marcado por processos históricos de exploração, de genocídio, de colonização, estes povos mantem-se firmes na luta pelo direito de serem indígenas, na afirmação de Bergamaschi e Gomes (2012, p. 55) “estes povos mantiveram-se aqui, Importar imagenImportar tabla resistentes, mesmo que por vezes silenciosos. Se apresentam fortes, num movimento político de afirmação étnica, mostrando que aqui estão e permanecerão”.
Ao situar o território etnoeducacional usamos o conceito de (re)territorialização do geógrafo Rogério Haesbaert (1999), em sua concepção esses grupos sociais podem tecer territórios com conjunturas simbólicas e práticas. E segundo o geógrafo dentro da perspectiva territorial, o espaço geográfico é constitutivo de significados e pelo sentimento de pertencimento:
Ao situar o território etnoeducacional usamos o conceito de (re)territorialização do geógrafo Rogério Haesbaert (1999), em sua concepção esses grupos sociais podem tecer territórios com conjunturas simbólicas e práticas. E segundo o geógrafo dentro da perspectiva territorial, o espaço geográfico é constitutivo de significados e pelo sentimento de pertencimento:
Partimos do pressuposto geral de que toda identidade territorial é uma identidade social definida fundamentalmente através do território, ou seja, dentro de uma relação de apropriação que se dá tanto no campo das ideias quanto no da realidade concreta, o espaço geográfico constituindo assim parte fundamental dos processos de identificação social. […] De forma muito genérica podemos afirmar que não há território sem algum tipo de identificação e valoração simbólica (positiva ou negativa) do espaço pelos seus habitantes (HAESBAERT, 1999, p. 172).
O espaço da aldeia constituído dentro do território etnoeducacional tem marcas significativas de pertencimento, autonomia e legitimidade no que se refere à construção dos territórios étnicos, também entendem que a educação é um desafio nas aldeias. Quanto à revitalização da língua, muitas comunidades estão tecendo um caminho para o ensino da Língua Materna, pensam possibilidades como a de montar uma metodologia de ensino por meio de comunicação da rádio. como objetivo de ajudar nas atividades e potencializar o ensino e a proposta do Projeto Político-Pedagógico.. Neste contexto, outras reflexões se desencadeiam, a seguir, compreendem os embates e desafios da Educação Escolar Indígena feita no território étnico.
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: REFLEXÕES E PRÁTICAS ETNOEDUCACIONAIS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
Os indígenas da região do Médio Xingu têm línguas variadas, mas a Educação Escolar Indígena tem priorizado o ensino na Língua Portuguesa, hoje tem aldeias que só existe um falante da Língua Materna, os indígenas são falantes da Língua Portuguesa. Não tendo outros falantes na aldeia, como no exemplo, da Língua Xipaia que está em estado de obsolescência., apresentando risco de extinção, mas para o povo, ela está somente adormecida, pois buscam a revitalização, por meio do ensino da língua materna e das tradições dos antepassados.
Por sua vez, a Língua Portuguesa encontra-se em posição de prestígio, logo, configura-se a difícil tarefa da manutenção na Língua Materna por diversos fatores, as aulas são cotidianamente lecionadas em português, a escola conta com professores não-indígenas e falantes somente em Língua Portuguesa, lecionando do primeiro ao quinto ano e o sexto ano iniciado somente em 2019. Por outro lado, o professor indígena tem contratação pela Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e tem lecionado, na maioria das vezes, em português, especialmente com a ajuda do livro didático distribuído por esta Secretaria de Educação que está escrito todo em português.
A Educação Escolar Indígena encara importantes experiências na comunidade, pois considera a escola um seguimento coletivo. Entretanto, caminha em meio às contradições das necessidades específicas da educação e dos problemas quanto ao ensino da Língua Materna. Para Candau (2008), educação e cultura andam lado a lado, precisam estar entrelaçadas e articuladas intimamente, mesmo estas apresentando contradições, a educação se encontra imersa nos processos educativos, complementarmente, destacamos que há “outra contribuição que consideramos muito interessante para uma nova compreensão das relações entre educação e cultura(s) diz respeito a uma concepção da escola como um espaço de cruzamento de culturas, fluido e complexo, atravessado por tensões e conflitos” (CANDAU, 2008, p. 15).
A complexidade vai ainda mais longe, os professores indígenas em sua maioria tem formação em magistério ou concluíram o Ensino Médio pelo Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA). No caso da EJA, o professor ao ser contratado pela SEMED, ocupa a cadeira de professor da EJA, correspondente a 2ª etapa (4° e 5° ano) do Ensino Fundamental no ensino regular10 . Um educador indígena, em conversa informal admite que o ensino em território etnoeducacional, apresenta complexidades, Importar imagenImportar tabla quanto ao compromisso em estar trabalhando conteúdos pré-determinados nos moldes curriculares da cidade (urbanocêntrico). Ao que se referem a esta etapa, a prática pedagógica para o uso e ensino da Língua Materna, as aulas estão baseadas unicamente na gramática, e/ou nas falas orais, com o ensino de algumas palavras, na escrita e na fala, usa os cantos que já sabem, para ensinar frases ou palavras, a música serve como estratégia didático-metodológica para a prática de ensino.
Aos alunos de 1º ao 5º ano11, que terminam a fase inicial, são chamados encostados – aqueles que já concluíram o quinto ano e aos matriculados na EJA que querem participar da revitalização da língua, porém, destes matriculados na EJA, alguns ainda preferem não participar das aulas. Dentro do plano de aula dos docentes, intercalam aulas na Língua Materna, pelo menos duas vezes por semana para trabalhar com os alunos.
Todavia, as relações de aprendizado não acontecem somente em sala de aula, as interações sociais transcorrem coletivamente nos trabalhos realizados dentro da aldeia, como na roça, na coleta de recursos naturais, na caça, na pesca, nos eventos culturais, enfim, em todo o movimento da aldeia, considerando principalmente, a dinâmica de trabalho dos indígenas desta comunidade. Estar em território etnoeducacional permite uma educação não só dita pelos currículos, os povos interagem em todos os processos culturais.
Entendemos que a escola é espaço de mediação entre as diferentes culturas, “[...] é o lugar da razão crítica, é o lugar de se prover os meios cognitivos de compreender o mundo e transformá-lo [...]” (LIBÂNEO, 2001, p. 26). O espaço da aldeia onde a escola está inserida congrega uma cultura organizacional, ou seja, todos os membros estabelecem relações de interação e mediação em todo o processo de aprendizagem. Ainda, refletimos que o processo de aprendizagem, a troca de saberes e as tensões entre os espaços educativos são essenciais para a consolidação dos saberes necessários à prática educativa transformadora.
É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo- se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção (FREIRE, 1996, p. 12).
A lógica de aprendizado se dá em torno de relações com seus entes familiares. Bem como, com a escola como referencial, espaço este, onde os conhecimentos associam-se entre os dois mundos, do branco e do indígena. Quanto, a proposta do Projeto Político-Pedagógico (PPP)12, que se desenha na perspectiva da política educacional, a etnia Xipaya do Médio Xingu, acredita que não vão deixar de lado o aprendizado em Língua Portuguesa e de outros conhecimentos dos não-indígenas, pois é a possibilidade de viver na atual sociedade, mas que o foco da educação nas aldeias está em seus modos de vida e suas tradições.
Nessa perspectiva, cada povo potencializa a escola como meio de aprender o sistema de fora e agrega conhecimento com a sociedade envolvente. Assim, podemos notar a professora não-indígena13 em suas experiências em escola indígena buscava dialogar entre o currículo normatizado – base nacional comum, e os saberes da aldeia – parte diversificada que inclui a educação intercultura, comunitária, específica e diferenciada, esta dialogava com o Projeto Político-Pedagógico e tentava desenvolver atividades dinâmicas, aproximando os interesses socioculturais da aldeia com a escola. Em muitos momentos a apreciação dessas atividades culturais acontecia sem que a professora marcasse ou esperasse “Tem dia que eles tão com vontade de dançar, os jovenzinhos, então, eles vão lá se pintam se arrumam e diz: professora abre a escola que a gente vai dançar! [...] aí eles vão pra lá, cantam e dançam até quando tiverem com vontade” (Professora não-indígena, entrevista, 2018).
Em outros momentos, ainda nas falas da professora, quando em trabalhos de campo, passeios aos arredores da comunidade, em lugares históricos, a aprendizagem desencadeiam saberes internalizados na memória destes mais novos, ao longo do passeio começavam a falar sobre a história que os avós ou pais contaram, sobre mitos, lendas, ou até que parentes estavam enterrados naqueles espaços. E assim, a professora inicia um processo de reconhecimento identitário étnico, cultural e legítimo destes alunos. Começa a visualizar outras estratégias de ensino, pontuando principalmente os conhecimentos prévios dos indígenas da comunidade.
Ao compreender essas relações de troca, aprendendo com o outro, “[...] a gente aprende muito mais do que ensina, [...] aprende coisas diferentes, ver a cultura de outras formas e a gente aprende muito, como profissional, como professora [...]” (Professora não- indígena, entrevista, 2018), o planejamento das aulas congregava em observatório diário das tradições e dos saberes da comunidade.
A ecologia de saberes assenta na ideia pragmática de que é necessária uma reavaliação das intervenções e relações concretas na sociedade e na natureza que os diferentes conhecimentos proporcionam. Centra-se, pois nas relações entre saberes, nas hierarquias que se geram entre eles, uma vez que nenhuma prática concreta seria possível sem essas hierarquias. No entanto, em vez de subscrever uma hierarquia única, universal e abstrata entre os saberes, estabelece hierarquias em conformidade com o contexto, à luz dos resultados concretos pretendidos ou atingidos pelas diferentes formas de saber. Hierarquias concretas emergem do valor relativo de intervenções alternativas no mundo real. Entre os diferentes tipos de intervenção pode existir complementaridade ou contradição (SANTOS, 2007, p. 90).
A reflexão da ecologia dos saberes em Santos (2007) perpassa pelo pensamento pós- abissal, ou seja, rompe radicalmente com as atuais formas de pensamentos, princípios e práticas hegemônicas, levando-nos a pensar a partir do “outro lado da linha”, “conhecimentos tornados incomensuráveis e incompreensíveis por não obedecerem nem aos critérios científicos de verdade nem aos critérios dos conhecimentos reconhecidos como alternativos, da filosofia e da teologia” (SANTOS, 2007, p. 73).
A educação em comunidade se faz sob muitas dinâmicas, pelas práticas culturais, entre os saberes, entre os trabalhos, entre as diversas manifestações dos indígenas. Nas práticas escolares, os professores que atuaram nos períodos da pesquisa agregam os conhecimentos formais da educação com os conhecimentos da comunidade em suas aulas, como exemplo, na época das colheitas, da caça ou nos preparativos e rituais da aldeia, os educadores tentam incluir às aulas o tema que a comunidade vive, abarcando áreas do conhecimento como linguagens, matemática, ciência da natureza, ciências humanas e cosmologia, assim, as aulas apresentam um planejamento a partir de temas geradores, sequências didáticas, e/ou plano de aula.
Nas conversas informais com uma educadora, são descritas algumas rotinas que passaram durante o ano que trabalhou em uma aldeia, por exemplo, os afazeres da aldeia: colocar palhas novas na casa grande, na confecção de artesanatos e artefatos, na limpeza geral da aldeia, na feitura da bebida, na busca do jenipapo na mata e pintura corporal; os eventos socioculturais entram nas práticas em sala de aula, pois os alunos ficam empolgados com o movimento dos envolvidos em qualquer tarefa feita nas comunidades e querem participar de todos os momentos. A docente consegue agregar os saberes do cotidiano da aldeia aos conhecimentos enquadrados aos moldes curriculares, de matrizes conceituais tidos como normatizados, contudo os grupos étnicos da região estão cientes que a educação também se faz a partir de seus saberes, apoderando-se como grupo identitário, sabedor de seus direitos, legitimando suas tradições, isto é, fica claro no Projeto Político-Pedagógico do povo indígena Xikrin do Bakajá.
O PPP Xikrin é um documento que ajuda a orientar o trabalho dos professores indígenas e de outros funcionários das escolas que estão atuando nos dias de hoje e os que ingressarão nestas práticas no futuro, pois indica o que deve ser ensinado e como deve ser ensinado em suas escolas. Além disso, é um importante suporte que contribui para firmar um diálogo mais estreito da escola com a comunidade sobre os assuntos e questões referentes às atividades escolares, uma vez que a sua construção foi feita de forma que procurou envolver a participação de todas as aldeias (PPP XIKRIN BAKAJÁ, 2015, p. 3-4).
Neste contexto, Gohn (2006) propõe uma articulação entre educação formal e não- formal, onde a educação esteja viabilizando mudanças significativas no processo de aprendizagem. Conceitua educação não-formal a partir da coletividade e das escolhas entre os grupos, com a mediação dos saberes na continuidade de suas ações rotineiras fora do ambiente formal da escola.
E a educação não-formal é aquela que se aprende “no mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de experiências, em especial em espaços e ações coletivos cotidianos [...] atua sobre aspectos subjetivos do grupo; trabalha e forma a cultura política de um grupo. Desenvolve laços de pertencimento. Ajuda na construção da identidade coletiva do grupo (GOHN, 2006, p. 28-30).
Brandão (2007) afirma que a educação apresenta-se perante os contextos do cotidiano, ainda revelada em diferentes formas “Educações”. E que não existe somente um modelo de educação baseada na visão ocidental, pois a manifestação do saber se encontra em todos os lugares, em variadas sociedades, em muitas culturas. Para o autor, a educação está em constante construção, continuidade e legitimação dos povos em seus derivados costumes, tradições e crenças.
Quando um povo alcança um estágio complexo de organização da sua sociedade e de sua cultura; quando ele enfrenta, por exemplo, a questão da divisão social do trabalho e, portanto, do poder, é que ele começa a viver e a pensar com o problema as formas e os processos de transmissão do saber. É a partir de então que a questão da educação emerge à consciência e o trabalho de educar acrescenta à sociedade, passo a passo, os espaços, sistemas, tempos, regras de prática, tipos de profissionais e categorias de educandos envolvidos nos exercícios de maneiras cada vez menos corriqueiras e menos comunitárias do ato, afinal tão simples, de ensinar-e-aprender (BRANDÃO, 2007, p. 4).
Este documento, o Projeto Político-Pedagógico, construído pelos povos, agrega valor simbólico para a consolidação dos direitos definidos em lei voltada aos povos indígenas, de grande relevância e referência matricial para a escola. Ainda em destaque, a organização de suas atividades com base no calendário tradicional e cultural.
No seguinte tópico, sobre o TEEMX – Território do Médio Xingu visualizam-se algumas demandas da Educação Escolar Indígena, exposta pelos indígenas da região em reunião. Sua abrangência étnica e atendimento educacional pelo município de Altamira.
TERRITÓRIO ETNOEDUCACIONAL DO MÉDIO XINGU – TEEMX
Esta reflexão sobre o TEEMX faz uma discussão acerca do Território Etnoeducacional, com definição de sua organização a partir do Decreto 6.861/2009, que acrescenta uma conquista singular referente ao reconhecimento da afirmação e da identidade étnica dos povos indígenas. Com a intenção de apresentar em parte o reconhecimento oficial e os embates políticos para a autonomia dos povos em seus territórios. Embora, a obrigatoriedade legal para com os povos tradicionais tenham caminhos promissores dentro da Constituição, as lutas e os desafios são constantes, as pressões políticas sobre seus territórios, a educação fragmentada elaborada por programas não diretivos às peculiaridades das culturas e dos interesses dos povos indígenas são percalços que dificultam. Porém, os indígenas buscam superá-los na luta constante pelo reconhecimento como protagonistas de sua própria história. Resistem e (res)significam suas tradições.
O TEEMX está localizado na região de Altamira14, atualmente abrange nove Terras Indígenas e setenta e duas aldeias e/ou comunidades. As constantes divisões de aldeias acontecem nestes contextos com assiduidade, seja pelos desentendimentos familiares, pela falta de recursos naturais, para resguardar os territórios, então essa criação e aumento de aldeias são feitas para que possam sustentar suas famílias, formar outras comunidade e novas famílias, entre outros.
O Médio Xingu, no Estado do Pará, Amazônia Legal Brasileira congrega dez etnias, pertencentes a três troncos linguísticos15 distintos: “Tupi (povos Asuriní do Xingu, Araweté, Parakanã, Juruna, Xipaya e Kuruaya), Macro-Jê (povos Xikrin e Kararaô) e Karib (povos Arara e Arara Maia)”.
Destes dez povos, a Secretaria de Educação em Altamira atende oito povos, por meio de uma Coordenadoria de Educação Indígena (CEI), tendo a responsabilidade de políticas educacionais nas fases iniciais e finais do Ensino Fundamental e EJA. O atendimento as etnias tem três rotas ou polos de acesso às comunidades: Polos Xingu, Iriri e Bacajá, são rotas por meio destes rios chegam até as comunidades: Professores, coordenadores, diretores e todo corpo educacional percorrem esses “caminhos” dos rios para trabalhar nas aldeias.
O atendimento educacional em Altamira divide-se da seguinte forma: Polo Xingu com os povos Asuriní, Araweté e Parakanã; polo Iriri com os povos Arara, Kaiapó Kararaô e Kuruaia e Xipaia, polo Bacajá com o povo Xikrin. Em 2012, segundo Santiago (2014, p. 56) “Em 2012, a SEMED atendia a 910 alunos, em 28 escolas”. E no ano de 2018, observa-se um crescimento no número de alunos e escolas, a SEMED tem atendido a educação infantil, ensino fundamental até 5º ano e 6º ao 9º ano e EJA, em 38 escolas e 1.150 alunos matriculados. A partir do 6º ano as aulas acontecem pelo sistema modular intensivo de ensino, os professores desta modalidade trabalham suas disciplinas, cumprem a carga horária, depois vão se reversando em outras aldeias (informações da Coordenação de Educação Escolar Indígena do Munícipio de Altamira). Enquanto a etnia Juruna, é atendida pelo município de Vitória do Xingu e a etnia Arara Maia, por Senador José Porfírio.
Visualiza-se neste contexto, um território com uma amplitude geográfica, as dificuldades de acesso são grandes, algumas levam cerca de dez dias para chegar às aldeias em embarcações, outras aldeias são acessadas pela rodovia BR 230; em tempo mais chuvoso quando o acesso é feito pela transamazônica acresce-se as dificuldades pela deficiência da estrada, além da gama étnica, linguística e cultural, estes povos estão situados numa região, cuja área geográfica é única e enorme, o acesso a essas TI´s é majoritariamente feito a barco em alguns casos faz-se o percurso a carro. As condições de acesso tornam a logística da EEI, em certa medida, elevada financeiramente. Para ilustrar um pouco mais o contexto etnoeducacional, como exemplo, de Altamira até a Aldeia Tukamã, na TI Xipaya, para fazer o percurso de ida e volta de lancha, são consumidos aproximadamente 800 litros de gasolina. Para além dessas complexidades, há a necessidade urgente de formação profissional aos professores indígenas, pois muitos têm somente o magistério.
É importante ressaltar que mesmo com essa carência, em 2019 o município de Altamira conta com quarenta e cinco professores indígenas e quinze professores não- indígenas, para atender quarenta e cinco escolas de três polos: Xingu, Iriri e Bacajá em muitas aldeias do território etnoeducacional. Para entender o território etnoeducacional, nos apoiamos na ideia de Bergamaschi; Sousa (2015) quando retrata o processo educacional por meio da metáfora “território de formigas”, onde a Educação Escolar indígena é parte de uma política em construção, ao fazer à imersão metafórica à lógica da territorialidade, denota que o movimento da educação escolar indígena começa a ser traduzidas de outras formas, agregando outras noções e valores a cultura e a identidade dos povos nestes etnoterritórios.
Logo em 2009, quando o Governo por meio do Decreto Nº 6.861, criou os Territórios Etnoeducacionais (TEEs).
[...] no que diz respeito ao reconhecimento das identidades étnicas dos povos indígenas, e a possibilidade de uma gestão mais autônoma de seus processos escolares, ao aliar a questão educacional à territorial, essa política inaugura um novo momento no processo histórico de protagonismo escolar indígena. Em linhas gerais, a ideia de território etnoeducacional significa um movimento de organização da educação escolar indígena em consonância com a territorialidade de seus povos, independentemente da divisão política entre estados e municípios que compõem o território brasileiro (BERGAMASCHI; SOUSA, 2015, p. 145).
Com a criação dos territórios, outras possibilidades podem ser visualizadas na construção educacional, tendo a participação efetivamente dos povos, em consonância com as organizações governamentais e não governamentais. No TEEMX, foram feitas duas reuniões em 2012 e 2017, que efetivaram pactos em todos os âmbitos da Educação Escolar Indígena.
Os indígenas da região têm juntado forças para trabalharem em prol de construir coletivamente políticas educacionais consistentes, para atender todas as etnias, com respeito a cada grupo, segundo sua cultura e identidade. Então, a partir Decreto 6.861 e a Portaria 1.062, o TEEMX em Altamira no Pará ganha relevância e os povos indígenas exercem um protagonismo frente à educação da região.
Já no ano de 2012, aconteceu a 1ª Reunião do TEEMX e compactuou o plano de ação com as comunidades indígenas, organizações indígenas e especialistas no estudo dos povos indígenas, Instituição Municipal, Estadual e Federal, promovendo assim, a qualidade no ensino da Educação Escolar Indígena. Nesta reunião estiveram presentes representantes de nove povos indígenas: Juruna, Xipaya, Kuruaya, Arara, Kayapó, Xikrin, Asuriní, Araweté e Parakanã.
A reunião ocorreu no período de 18 a 20 de maio de 2012, as demandas foram identificadas por meio de um diagnóstico da situação sobre a Educação Escolar Indígena. Dentre as demandas estava infraestrutura como a construção de escolas com todos os equipamentos necessários, desde mobilha até instalação de placa solar e rede de água. Ampliação da oferta nos níveis de ensino para os anos finais, Ensino Médio regular e Ensino Superior aos indígenas. Formação de professores com ampliação do magistério intercultural16.
Ademais, outras demandas foram evidenciadas, como materiais didático e paradidático com produção e edição de livros da cultura das etnias transporte escolar. Atenção pedagógica nas aldeias, para um melhor acompanhamento de alunos e professores. Merenda escolar17 com a compra e venda dos produtos da comunidade. Para o ensino superior que seja ofertada cursos que atendam as necessidades das comunidades indígenas. E o fortalecimento dos sistemas de ensino com gestão autônoma e equipe mais sólida para as demandas da escola na comunidade.
Segundo Grupioni (2000), a Educação Escolar Indígena apresenta-se no território nacional como pauta política relevante dos indígenas, do movimento indígena e de apoio aos indígenas. A temática torna-se primária ganhando importância à medida que a mobilização dos diferentes atores, instituições e recursos passam a ser contínuos. As demandas educacionais têm muitos obstáculos apresentadas no processo educacional, os passos estão sendo dados, a partir das recorrentes discussões em eventos, encontros, reuniões e seminários da legislação educacional, de propostas curriculares para a escola indígena, de formação de professores indígenas, do direito de terem uma educação que atenda a suas necessidades e seus projetos de futuro.
O pacto para tais demandas abarca instituições de âmbito Municipal, Estadual e Federal, entre outras secretarias e coordenadorias de abrangência educacional, cada uma assumiu as demandas para serem executadas em curto, médio e longo prazo, sendo algumas de cunho urgente, como a construção de escolas e formação continuada dos professores indígenas. A lista de exigências é bem longa, mas as instituições que atendem à Educação Escolar Indígena têm respondido às necessidades educacionais com morosidade, isso ficou manifesto na segunda reunião do território.
Em 2017, a 2ª Reunião do TEEMX também contou com a presença destes nove povos, mais uma vez, fizeram o pacto de ação para as demandas levantadas no que diz respeito à Educação Escolar Indígena e reformularam as antigas demandas que não foram executadas. Algumas falas, principalmente dos representantes e caciques de aldeias, deixaram uma palavra de descontentamento para com os órgãos executores, pois assumiram um pacto e não cumpriram nem a metade das necessidades educacionais, além da insatisfação e desrespeito para com os povos do Médio Xingu, pois estavam mais uma vez para demandar das instituições as mesmas obrigações do ano de 2012. Outras falas são definidas a partir de relações internas ou externas, os indígenas cobraram assertivamente seus direitos, quanto à educação protestaram pela qualidade, não somente no papel, mas efetivamente executada, de forma plena.
Diante do acordo firmado com os povos indígenas, esta reunião teve o intuito de reafirmar e trazer outras demandas para o plano de ação de desenvolvimento e institucionalização da educação no Médio Xingu, ainda garantir a participação efetiva das comunidades. Mas no decorrer da reunião, ora as falas se apresentaram de forma a cobrar a demora em efetivar as demandas, ora se apresentaram como um momento único para que os povos pudessem falar de sua realidade educacional, sobretudo, desafios, enfrentamentos e possibilidades para que a educação possa se realizar a contento.
Entretanto, o mais contundente e urgente das demandas apresentadas pelos povos que ali estavam era sobre os encaminhamentos e o compromisso das instituições de ensino para a formação de professores18 , a maioria destes professores indígenas que atuam no Médio Xingu, tem a formação em magistério, logo a educação continuada é necessária. O Importar imagenImportar tabla curso de Licenciatura e Bacharelado em Etnodesenvolvimento, vinculado a Faculdade de Etnodiversidade (FacEtno) do Campus Universitário de Altamira, da Universidade Federal do Pará (UFPA), desde 2010 abre turmas por meio de seletivo especial, a representatividade é grande entre as etnias indígenas (Araweté, Kuruaya, Juruna, Xipaya, Assurini, Munduruku e Bakairi), no entanto, há um déficit na demanda de formação para professores indígenas na região do Médio Xingu.
Entre outras demandas, pontuaram mais uma vez, a construção das escolas, em muitas comunidades do Médio Xingu, falta o mínimo de infraestrutura, em muitos casos a própria comunidade constroem os espaços, com seus próprios recursos naturais, com estruturas improvisadas, para que seus filhos possam ter acesso ao espaço de sala de aula.
Outras reflexões propuseram o evento, como exposto pelos indígenas por uma educação representativa, efetiva, com ensinamentos consistentes na prática. Estas ponderações foram ouvidas em rodas de conversas, bem como, por uma educação que integre o aprendizado de forma mais específica e diretiva aos grupos étnicos. Os indígenas se fizeram componentes principais da reunião, um momento em que são protagonistas ao ganhar visibilidade dentro do movimento para a Educação Escolar Indígena, não sendo meros receptores das formalidades educacionais, mas conduzindo a discussão para suas necessidades próprias e projetos futuros de uma escola construída com e para o povo indígena.
O Território Etnoeducacional do Médio Xingu ganha um novo olhar sobre as questões indígenas, no que diz respeito ao planejamento e estratégias para executarem durante quatro anos, aonde as instituições, organizações e executoras também se responsabilizam para implementar as demandas educacionais, apontadas pelos grupos étnicos da região. Mesmo com os avanços apontados, nota-se que muitos desafios precisam ser superados: qualificação de professores, aprimoramento pedagógico, financiamentos específicos para as comunidades, estrutura e construção adequada para as escolas, material didático, construção e execução de políticas para a Educação Escolar Indígena, entre outros.
Com uma legislação mais consolidada para os povos indígenas, no que dispõe sobre a Educação Escolar Indígena, a organização dos Territórios Etnoeducacionais, observada a legitimação, o respeito e especificidades das etnias que engloba o território do Médio Xingu, há conquistas significativas, mas será necessário um estudo mais aprofundado de teor empírico e teórico que nos levem para reflexões numa perspectiva mais abrangente sobre o processo Etnoeducacional Indígena.
A agenda para a realização de eventos, seminários tem mobilizado os indígenas de toda região e das instituições públicas. Em busca de soluções, realizam frequentemente, oficinas pedagógicas aos professores, a fim de elaborar materiais didáticos e participação de indígenas em intercâmbios de ensino. Aos professores não-indígenas também participam de oficinas formações para se inteirarem das dinâmicas dos povos e aprenderem com os grupos étnicos. E são educadores com formação acadêmica em Letras, Pedagogia, Etnodesenvolvimento, Geografia, História, entre outras. E entre os professores indígenas, a falta de titulação específica, torna a EEI, no Médio Xingu, uma bandeira de luta pelo direito à qualificação acadêmica.
Espelho Etnográfico: Educação Escolar Indígena e Processo Educacional
O espelho etnográfico se faz com impressões a partir do olhar pesquisador, das reflexões teóricas e das descrições dos momentos em campo (formações e reuniões). Tal processo educacional destaca-se nas especificidades dos povos indígenas do Médio Xingu, que envolve diversas barreiras, desde as idas e vindas dos profissionais que se locomovem no itinerário centro urbano de Altamira e aldeias, até os entraves deliberativos do ano letivo. E a educação escolar indígena transcorre pela inserção no processo de planejamento, deslocamento e reencontros entre professores, alunos e comunidade.
Entre estes momentos de formação estão os agentes étnicos, as instituições, professores, coordenadores e diretores das escolas. A semana de formação continuada para professores indígenas, professores não indígenas das comunidades da Reserva Extrativista Terra do Meio (RESEX)19, aconteceu entre os dias 11 a 15 de fevereiro de 2019, em Altamira, estado do Pará. A formação sediada na Secretaria Municipal de Educação, conduzida pela coordenação de Educação Escolar Indígena.
Estes professores são contratados para irem trabalhar como professores nas aldeias do Médio Xingu e nas reservas extrativistas. O desenho geográfico se dá por meio de rotas, que são feitos pelos rios Iriri, Xingu e Bacajá, por onde os que fazem parte da Educação Escolar Indígena se destinam a exercer os mais variados cargos: diretores de escolas, coordenadores pedagógicos, professores indígenas e não indígenas de sala de aula, professores responsáveis de escola de porte pequeno (e também são responsáveis para atender demandas pedagógicas nas escolas anexas), merendeiras, secretárias escolares, serviços gerais, conta também com outros serviços de transporte escolar por meio de embarcações: barcos, voadeiras, lanchas, balsa e transporte terrestre: ônibus, caminhões, carros e caminhonetes.
Hodiernamente, o munícipio de Altamira atende dentro do território do Médio Xingu quarenta e sete escolas, de 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental com quarenta e cinco professores indígenas, quinze professores não indígenas, abarcando oito etnias que estão situadas nas rotas Xingu, Iriri e Bacajá20, com os povos: Asuriní, Araweté, Parakanã, Arara, Kaiapó Kararaô, Xipaya, Kuruaya e Xikrin. Segundo o Censo educacional (2017), Xingu tem 16 escolas, Iriri com 12 escolas e Bacajá 19 escolas.
A demanda de atendimento é bastante grande, além do espaço geográfico, composto por muitas problemáticas de acesso, sendo necessários vários tipos de transporte e as condições climáticas, do rio seco ou cheio, também compõem o processo de chegada ao destino das aldeias, além do amplo contexto étnico, com várias línguas diferentes e culturas diversificadas.
Como se pode notar a organização estrutural e logística leva tempo e compromisso por parte de todos os envolvidos, há o envolvimento de diferentes entidades governamental e de outras empresas que são contratadas via licitação para compor a preparação da viagem.
O envolvimento de trabalho se dá desde o compromisso do corpo docente até outras estruturas técnicas, ou seja, a movimentação para dar andamento depende de um todo, secretárias, coordenação geral (secretário de educação e coordenação da Educação Escolar Indígena), departamento da merenda escolar, transporte e combustível. As tarefas são complexas, um depende do outro, a maioria dos professores não-indígenas só vão pra aldeia quando a viagem é liberada, em poucos casos, quando há “caronas”, as lideranças levam antes estes professores, quanto aos professores indígenas, tem toda liberdade de iniciar suas aulas nas aldeias.
A merenda escolar deve estar embalada e devidamente especificada, rota, povo e aldeia, o gás e o combustível também passam por controle de quantidade, este combustível é levado em galões e tambores de plástico e quando chega à aldeia retira-se com uma mangueira para outro galão que fica na aldeia, e depende da quantidade de alunos na escola, o combustível é usado para afazeres referente ao processo educativo daquela localidade, coloca no motor de acordo com as tarefas do professor ou pode ser usado em motosserra para o corte de madeira para fazer reparos na escola, carteiras, bancos para a sala de aula, o professor juntamente com o cacique é que determinam para qual atividade será usada para o bem da escola e da comunidade.
A alimentação escolar que vai para as aldeias são planejadas e vistoriadas pela nutricionista, tendo um cardápio sinalizado e entre os alimentos embutidos e enlatados está o mesocarpo21 . Em contraponto, algumas associações das aldeias estão lutando para que a merenda escolar seja oferecida pela própria comunidade, alimentos da cultura destes povos, produzidos nas aldeias, e que seja um meio de capital de giro para as comunidades.
De acordo com a Lei nº 11.947/2009, do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) garante o respeito a cultura alimentar das populações tradicionais, e nesse prisma, a lei supracitada propõe no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) dos recursos enviados, deve ser com gêneros alimentícios produzidos pelas comunidades.
Art. 12. Os cardápios da alimentação escolar deverão ser elaborados pelo nutricionista responsável com utilização de gêneros alimentícios básicos, respeitando-se as referências nutricionais, os hábitos alimentares, a cultura e a tradição alimentar da localidade, pautando-se na sustentabilidade e diversificação agrícola da região, na alimentação saudável e adequada.
Art. 14. Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas (BRASIL, 2009, p. 4).
Produção é que não falta, ao longo do rio observa-se que em muitas aldeias há plantações diversas do cotidiano dos indígenas, além do peixe, recurso que está à beira de cada aldeia. O que falta é um incentivo efetivo destas propostas, principalmente pelo poder público, para de fato tenha esses produtos na escola.
Ao longo desse processo de organização, acontecia a formação da Educação Escolar Indígena, os debates permearam em volta do tema gerador da formação: Base Nacional Comum Curricular (BNCC), um embate por meio da constituição da Educação Escolar Indígena, proposta que vai de encontro à prática diferenciada do ensino etnoeducacional, intermediada pelos professores Adriane Melo de Castro Menezes22 e Rodrigo Mesquita23 , pelo programa de Educação Escolar Indígena Pacatu (Assessoria em Projetos Culturais).
No decorrer da formação, os participantes contavam experiências na área educacional, anseios, dificuldades e realidades neste campo tão cheio de variedades linguísticas, sociais, culturais e geográficas. Em um dos relatos de experiência, um professor indígena contou que antes de ser educador, era cacique, mas pela necessidade da comunidade ter um professor conhecedor, mesmo minimamente, da Língua Materna, das tradições e da cultura, debruçou-se na tarefa de educar, mas em sua fala relata que não era seu propósito ser professor, no início foi muito difícil, não sabia como funcionava a rotina da escola, planejamento de aula, conteúdo a ensinar.
O desafio da Educação Escolar Indígena se torna evidente, frente ao entendimento do papel da escola em comunidades tradicionais indígenas. Uma educação com propósitos na realidade cultural? Ou uma educação com propósitos num currículo de base nacional? São perguntas que podem ser refletidas do ponto de vista dos sujeitos, observados na interação no decorrer do evento, com as narrativas movidas pelo sentimento de pertencimento de ser professor indígena de sua comunidade, pelo sentimento de fazer parte de uma realidade diversificada, onde as diferenças socioculturais se encadeiam numa teia emaranhada aos conhecimentos normatizados e aos saberes do contexto das aldeias e comunidades ribeirinhas. Para tanto, Ângelo (2002, p. 38) diz que:
Esse é o nosso grande desafio, diante das experiências da sociedade ocidental, sendo também o desafio da escola pública dos não-indígenas para garantir um ensino de qualidade para todos e, ao mesmo tempo, respeitar a diversidade regional, social e cultural. [...] sabemos que a história de nossos antepassados, guardados na memória coletiva de cada povo, será alerta da experiência vivida pelo contato. Cada povo construirá sua própria escola indígena baseada nessas experiências.
O cenário nacional da Educação Escolar Indígena caminha por mudanças de paradigmas, pois os povos indígenas passam a ser protagonistas na organização e articulação em todos os espaços sociais, contribuindo para a efetivação e reconhecimento das populações tradicionais. Essa construção parte das próprias demandas em suas comunidades, e propõem uma escola que valorize a cultura e tradições de cada povo.
Outro relato interessante foi de uma professora não-indígena24 , que nos relatou que trabalha cerca de nove anos em área indígena, contou que logo no início passou por muitas dificuldades, por não entender a língua da etnia, a cultura e a rotina daquele povo. Queria que logo cedo as crianças já tivessem na escola, dentro da sala, sentados nas carteiras para estudarem, até se habituar ao espaço da aldeia levou tempo:
[...] queria que eles ficassem sentadinhos ali, ouvisse a aula todinha como é na regra, e com eles não é assim [...] porque eles não te acompanham, a cultura deles não é a nossa, o ensino deles não é como a gente costuma trabalhar [...] tem que vê o ritmo da aldeia e tentar acompanhar o ritmo deles, porque nós estamos no mundo deles (DIÁRIO DE CAMPO, 2019).
Hoje, tem-se o entendimento e respeito às diferenças étnicas, consegue interagir com os saberes da comunidade, usa as experiências do cotidiano da comunidade a favor do aprendizado sistematizado pelo conteúdo programático e currículo educacional proposto pelas esferas educacionais. Mesmo os docentes buscando alternativas dialógicas e diferenciadas para lecionar em áreas indígenas, há momentos de instabilidade pedagógica, acabam aderindo sistematicamente o livro didático e os conteúdos programáticos das disciplinas.
Cabe aos envolvidos no processo etnoeducacional, abandonar o preconceito da lógica comparativa, de superioridade do conhecimento sistematizado em detrimento aos saberes tradicionais. Dando outro olhar, às potencialidades culturais da comunidade, assim, podemos dizer que os frutos, a partir de uma educação diferenciada, prevista nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena, comunitária, intercultural, bilíngue, específica e diferenciada (BRASIL, 1998), podem ser realidade nas aldeias. Ainda, potencializando-se alguns núcleos fundamentais relativos à interculturalidade e educação, pontos como desconstrução, articulação, resgate e promoção:
[...] promover processo de desnaturalização e explicitação da rede de estereótipos e pré-conceitos, [...] relaciona-se à articulação entre igualdade e diferença no nível das políticas educativas, assim como as práticas pedagógicas. [...] ao resgate dos processos de construção das identidades culturais, tanto no nível pessoa como coletivo. Um elemento fundamental nessa perspectiva são as histórias de vida e da construção de diferentes comunidades socioculturais. [...] promover experiências de interação sistemática com os “outros” (CANDAU, 2012, p. 53-54).
Assim como, outras experiências relatadas por educadores indígenas e não-indígenas, dão um norte para aqueles que vão pela primeira vez para áreas indígenas. Mesmo com desafios porvir, têm-se indivíduos que querem aprender, ensinar e construir um lugar de aprendizados. Para aqueles de primeira viagem, ficam a ansiedade de conhecer um lugar novo, os outros que já tem experiências mais antigas, levam consigo a esperança de dias melhores, apoio e acompanhamento pedagógico por parte da esfera educacional do município e entidades que acompanham a Educação Escolar Indígena na região do Médio Xingu. Há escolas de grande e médio porte, estas agregam outras de pequeno porte, que são anexas e devido às longas distâncias entre as escolas sede e as escolas das aldeias (anexas), às vezes o professor responsável e coordenadores pedagógicos não chegam a todas as aldeias, e os professores dessas escolas fazem o trabalho sem uma orientação mais de perto.
Ademais, problemáticas são postas em evidencia nesta formação da Educação Escolar Indígena, os entraves políticos na área educacional, são de longa data, educadores e demais trabalham nestas áreas somente via contratação, a formação específica dos professores ainda tem limitações, principalmente os professores indígenas, por terem formação em magistério ou a conclusão do ensino médio pelo ENCCEJA25 , também falta formação continuada no ensino superior, não atendendo os dispositivos para uma educação como garante a Constituição Federal.
Os povos indígenas, da região do Médio Xingu têm pressionado e reivindicado essas ações das instituições, por meio de reuniões, conferências e audiências públicas. No entanto, as discussões tem caminhado no campo do direito, da representação legal e nos debates de uma educação diferenciada, implementada pela política educacional que fortalece os povos e comunidades tradicionais (Instituída pela lei 10.172 de 2001, no Plano Nacional de Educação, Importar imagenImportar tabla sobre a educação diferenciada) existentes na região do Médio Xingu. Na prática, os caminhos estão abertos e assegurados, os protagonistas indígenas estão no processo e no contexto de discussão, e esse fortalecimento da política educacional será efetivo quando chegar, de fato, na formação destes educadores, na comunidade, na aldeia, no contexto do lugar de pertencimento dos sujeitos étnicos.
Neste contexto, as formações a estes professores têm trazido temas relevantes à Educação Escolar Indígena, debates quanto à educação diferenciada e quanto ao fortalecimento da educação indígena. No início deste ano de 2019, a formação para os professores indígenas e não indígenas teve como tema a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), no entanto, poucos estavam atualizados ou nunca ouviram falar de tal termo, os professores que subsidiaram as palestras deram ênfase na garantia de direitos. Apresentando a base nacional não como currículo, mas como alicerce para se construir e (res)significar a Educação Escolar Indígena em contextos e práticas diversificadas.
Nos textos legais, a política nacional de educação sobre as relações étnico-raciais, apresenta respectivas resoluções: Parecer número 03/2004 e Resolução número 01/2004; A Resolução nº 8/2012; Parecer 14/2011 e Resolução nº 03/2012, e a implementação da BNCC, expõe um documento nacional normatizando e definindo a construção das “aprendizagens essenciais”, aos alunos desse decurso precisam passar por etapas e modalidades da Educação Básica, assim, há a garantia dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em consonância com o Plano Nacional de Educação (PNE).
Na BNCC, a proposta mostra alguns pontos de entrada para direcionar a Educação Escolar Indígena, nos componentes curriculares, nos pontos sobre transversalidade, desnaturalização da violência diálogo e vivências, co-oficialização da língua indígena (BNCC, 2018). São orientações a ser desenvolvida no currículo da escola, mesmo a Lei Federal 11.645/2008 alterando a Lei 10.639/03, com a obrigatoriedade do ensino de história a cultura indígena, todavia, os percalços continuam sendo tratadas paralelamente. Todavia, a temática indígena deve ir além dos conteúdos na BNCC, os indígenas e segmentos educacionais precisam continuar as discussões em diferentes matizes, revendo práticas escolares em territórios étnicos. Atualmente, há uma gama de materiais escritos por autores e pesquisadores indígenas, mas estes livros não aparecem nas bibliotecas das comunidades.
O corpo docente da escola, a comunidade tem um caminho longo para se construir um currículo específico ao povo indígena. As comunidades indígenas do Médio Xingu tem se organizado para a construção do Projeto Político Pedagógico, tendo em vista o calendário cultural das etnias, as tradições socioculturais, educação diferenciada, bilíngue e intercultural. Mas todos esses conceitos são construídos de maneira singular, o que se quer numa aldeia, não se quer em outra, há proposições diferentes, do querer uma formação baseada no currículo do “branco”, do querer um currículo de formação cultural, onde a língua seja prioridade e/ou fazer um misto, uma educação que se complemente, sem deixar de lado as tradições dos antepassados, construindo competências e habilidades para a formação de cidadãos críticos. Dentro destas conjecturas, podem-se levantar outras questões, como a garantia às especificidades de cada localidade, a garantia às discussões de tais demanda, e mesmo o fortalecimento para a construção da educação com e para o povo indígena da região Médio Xingu.
Em 2010, o CNE promulgou novas DCN, ampliando e organizando o conceito de contextualização como “a inclusão, a valorização das diferenças e o atendimento à pluralidade e à diversidade cultural resgatando e respeitando as várias manifestações de cada comunidade”, conforme destaca o Parecer CNE/CEB nº 7/2010 (BNCC, 2018, p. 11).
A construção de uma educação, contextualizada que atenda a diversidade cultural, ultrapassa as demandas conceituais, de qualquer base que normatiza a educação, os sujeitos que fazem parte do contexto é que conduzem essa construção, inserindo-se diante a realidade em cada comunidade, interagindo em meio aos desafios, as problemáticas, as rotinas e compartilhando os ensinamentos entre os entes da comunidade. Penso no ritual da sala de aula, cadeiras enfileiradas, com propostas pedagógicas encartilhadas (uso de cartilhas prontas para as tarefas), das matérias decoradas, conteúdos repetidos dos livros didáticos, bem longe da realidade das aldeias, em muitos casos com salas feitas de palha, chão batido, sem mesas ou cadeiras para sentar-se. Estas práticas ainda são produzidas constantemente, um ensino sem contextualização, distribuídos em horários e tarefas planejadas, sem conhecimento prévio da realidade dos sujeitos étnicos, das tradições socioculturais do espaço e do lugar ao qual estão inseridos. Freire (1996) critica estas formas de ensino, defende a pedagogia fundada na autonomia do educando e as práticas na vida dos alunos.
Contudo, as problemáticas chegam ao ponto de algumas reflexões serem formulados por estudiosos e por lideranças indígenas, segundo Queiroz (2011) as expectativas para o aprender difere do conhecimento ocidental, os sujeitos do espaço étnico considera saberes que sejam essenciais para suas demandas do cotidiano indígena.
Alguns deles sustentam que a educação indígena não tem como escapar de sua lógica civilizacional e ocidentalizante. Outros acreditam que a escola ocidental é reconstruída e ressignificada quando tomada sobre o controle da lógica indígena. Outros apostam ainda na possibilidade de que estas duas lógicas possam conviver lado a lado ou uma interagindo e influenciando a outra (QUEIROZ, 2011, p. 146-47).
O contexto da aldeia, os saberes estão constituídos nas mais diversas práticas do dia a dia, contextualizadas nas mais simples tarefas do cotidiano. Os saberes dos povos se complementam densamente em seu território, tendo uma relação mútua com a natureza, concebendo assim, conhecimentos vivenciados nas experiências do aprender com o outro. Em meio às rotinas, as comunidades indígenas vivem o movimento da natureza, da floresta, do rio, com tarefas da roça, da farinha e da caça, os jovens constantemente vão ao rio, para brincar ou mesmo pescar, pega pouco somente para o alimento do dia, e o jogar bola no final da tarde. As crianças vivem o movimento da aldeia, brincam e se banham no rio, acompanham pais e avós no espaço do trabalho. As experiências com a natureza cria momentos de aprendizado, seja com os pais, avós ou entre si, nesta relação é que as tradições, os saberes são repassados pelos entes da comunidade e moldados na memória dos mais jovens.
Quanto aos processos educacionais nas aldeias as preocupações dos indígenas são frequentes no que concerne à educação, à administração da aldeia, à revitalização da língua e as insatisfações compostas pelas problemáticas interpessoais e familiares no contexto da aldeia. Os valores étnicos são muitas vezes desprezados por toda a sociedade. Por isso, as contradições se evidenciam de muitas formas, na área da educação, enfrentamentos de cunho mais sistemático e específico, perpassa pela reprodução dos conhecimentos sistematizados com um currículo em construção.
Neste desenho etnoeducacional, colocar em prática o Projeto Político-Pedagógico das escolas indígenas, construído coletivamente, tarefa nada fácil, pois essa construção não é uma adaptação ao currículo pré-estabelecido, e sim, uma construção intercultural. Na prática, tanto o professor indígena como o professor não-indígena ficam sem uma orientação mais constante na escola, as falas mais constantes são de que o diretor e o coordenador pedagógico não visitam as escolas para ver como estão sendo trabalhadas as aulas, e, para ajudar no planejamento, estes ficam quase sempre nas escolas polo, sabe-se que as distâncias e falta de transporte comprometem esse retorno por parte dos coordenadores.
A referência intercultural mantêm os traços culturais, levam as etnias ao resgate da memória, pois são desencadeados elementos de uma memória dos ancestrais, ou seja, toda atividade exercida pelos povos tradicionais apresentam evidencias imateriais transmitidos, por meio de muitas gerações. Segundo Bosi (2005, p. 63), os mais velhos são os guardiões da memória, onde sua função “a de lembrar” permite retratar momentos singulares de teor sociocultural de um grupo familiar ou de uma sociedade. Os grupos étnicos do Médio Xingu tem essa preocupação de sempre falar dos antepassados, guardar na memória histórias que lhes contavam, para que possam se consolidar suas identidades étnicas.
Neste percurso etnográfico foi mostrada a produção de conhecimento e a ressignificação dos saberes dos indígenas do Médio Xingu, mesmo que resumidamente. Contudo, o ambiente etnoeducacional congrega elementos de trocas e reciprocidades, os povos estão inseridos num espaço étnico, onde podem interagir com outros povos, com os espaços da escola, seja por meio da memória, da história e dos elementos culturais do seu povo, seja pelo sentimento de pertencimento, em está no lugar onde os antepassados viveram. Este espelho etnográfico entre educação e sujeitos está efetivamente em movimento contínuo, a população indígena que habita as comunidades buscam pelo fortalecimento e apropriação dos conhecimentos indígenas, para uma maior autonomia em torno da escola, da tradição e da cultura de suas gerações passadas.
Toda cultura possui uma lógica própria, não se pode deslocar a lógica de um sistema cultural para outro, ou seja, tem que fazer sentido para os entes da comunidade, pois “a coerência de um hábito cultural somente pode ser analisada a partir do sistema a que pertence” (LARAIA, 2001, p. 45). Assim, quando uma comunidade faz referência ao conhecimento local, por exemplo, no preparo e na feitura da farinha, nos modos de pescar, de se alimentar ou na maneira de ensinar a pintura ou o artesanato está associando à cultura e às práticas sociais, isto concretizado de maneira engajada, dentro dos espaços de trabalho e das vivências com o grupo, coletivamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão tecida até o presente momento, se dá acerca do Território Etnoeducacional e da Educação Escolar Indígena, que expressam em seus meandros perspectivas e desafios referente ao reconhecimento da afirmação e à identidade étnicas dos povos indígenas, bem como, apresentam dinâmicas sociais, linguísticas e culturais diversificadas consolidadas nas interações entre indígenas e não-indígenas. O qual, visualizamos que a formação educacional dos povos étnicos no Médio Xingu, apresenta um mosaico geográfico e linguístico de muitas diversidades. E os indígenas da região buscam por seus direitos já preconizados na Constituição e em outros instrumentos legais, para que sejam executados na sua totalidade.
Entre as demandas mais visíveis, estão a capacitação profissional em diversas áreas, educação diferenciada e bilíngue que congregue o povo indígena, aprimoramento pedagógico com formação específica e próprio aos anseios da comunidade indígena, financiamentos específicos para suas comunidades, estrutura e construção adequada para as escolas indígenas, material didático próprio, construção e implementação de políticas para a Educação Escolar Indígena, projetos de revitalização da língua materna, entre outros.
Atualmente, o Território Etnoeducacional do Médio Xingu tem ganhado novas percepções para as questões indígenas, como planejamento e estratégias para executarem durante quatro anos, instituições, organizações e executoras também se responsabilizam por parte da efetivação de demandas educacionais, apontadas pelos grupos étnicos da região.
Estes povos que fazem parte deste território estão firmados pelo protagonismo das lutas, para a legitimação e consolidação da Educação Escolar Indígena para suas comunidades, observamos que tem se organizado de maneira efetiva em todos os eventos temáticos, intercâmbios, reuniões como a do TEEMX, com intuito de fortalecer cada vez mais o povo e as comunidades. No Artigo 231 da Constituição Federal de 1988, expressa o reconhecimento às especificidades e organizações socioculturais indígenas, sendo um marco imprescindível conquistado pelos povos indígenas, um direito legítimo, de reescrever sua própria história. Os caminhos sinalizam um significado legal, de um potencial político decisivo e dinâmico para que os povos contemplem suas especificidades nos espaços etnoeducacionais.
Além do reconhecimento ao território, os avanços são notórios, em parte das políticas públicas, das leis, das resoluções, dos decretos e das emendas implantadas ao longo das reivindicações e lutas travadas pelos povos. No entanto, estas políticas educacionais dentro do TEEMX, caminham a passos lentos, pela complexidade carregada de muitas contradições, demandas estruturais e específicas da educação, que dependem das instituições e de uma articulação efetiva, para chegar às comunidades, lideranças e professores. Além das demandas citadas acima também se encontram outras reunidas no pacto de ação do TEEMX, entre elas os indígenas apontam a formação continuadas de professores das aldeias, concurso com vagas para professores indígenas, merenda escolar com pelo menos trinta por cento com alimentos tradicionais do povo, contratação de apoio nas escolas como merendeiras e secretárias, material didático do povo indígena.
As políticas educacionais no que concerne à Educação Escolar Indígena esbarram numa complexidade étnica e cultural no território etnoeducacional do Médio Xingu, além do imenso espaço geográfico, na qual os povos estão situados.
Os enfrentamentos da Educação Escolar Indígena em Altamira têm reflexos nas políticas educacionais, pois repercutem no espaço da comunidade como um todo, desde a estrutura organizacional, até as recomendações e orientações oficiais. A notoriedade dos povos na construção da educação para seus entes, as práticas etnoeducacionais são consolidadas nas comunidades a partir das interações culturais e interculturais com outros povos, bem como, o processo educacional tornou-se um lugar de fala dos atores sociais, mostrando práticas e intervenções dos povos no contexto do Médio Xingu.
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