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Corredores Bioceânicos Peru-Brasil: integração regional como via de projeção internacional

Carlos Henrique Ferreira da Silva Júnior
UFRJ, Brasil

Hoplos Revista de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais

Universidade Federal Fluminense, Brasil

ISSN: 2595-699x

Periodicidade: Semestral

vol. 3, núm. 4, Esp., 2019

revistahoplos@gmail.com



UFF/BR

Resumo: Compreendendo que o grande marco para a integração por infraestrutura regional na América do Sul deu-se a partir do início do século XXI, com o advento da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), o presente estudo busca contribuir com uma nova abordagem para a pesquisa que relaciona Integração Regional e Geopolítica na relação Brasil-Peru. Dessa maneira, diferente do que é tradicionalmente produzido, este artigo irá abordar o anseio da integração física por transportes através da perspectiva peruana, utilizando conceitos da sua projeção espacial e a construção da relação bilateral com o Brasil, portanto, além de uma nova perspectiva, conta ainda com um recorte temporal distinto. Dado o déficit de produção acadêmica nacional neste aspecto, utilizar-se-á, principalmente, a literatura peruana sobre o assunto. Caracteriza-se, portanto, como um estudo de caso instrumental, utilizando a premissa dos corredores bioceânicos como ponto de partida para questionar sua participação na projeção internacional do Peru.

Palavras-chave: Corredores bioceânicos, relações Brasil-Peru, integração regional, geopolítica do Peru .

Abstract: Understanding that the major milestone for regional infrastructure integration in South America came from the beginning of the 21st century, with the advent of the Initiative for the Integration of South American Regional Infrastructure (IIRSA), the present study seeks to contribute to a new approach to research relating Regional Integration and Geopolitics in the Brazil-Peru relationship. Thus, unlike what is traditionally produced, this article will address the desire for physical integration by transport through the Peruvian perspective, using concepts of its spatial projection and the construction of bilateral relationship with Brazil, therefore, besides a new perspective, it also has a distinct time frame. Given the deficit of national academic production in this aspect, the Peruvian literature on the subject will be used mainly. Therefore, it is characterized as an instrumental case study, using the premise of the bioceanic corridors as a starting point to question their participation in Peru's international projection.

Keywords: Bioceanic corridors, Brazil-Peru relations, regional integration, geopolitics of Peru .

Introdução

À luz dos anseios de integração regional na América do Sul, o presente trabalho pretende refletir sobre a construção de corredores bioceânicos, restringindo o estudo ao eixo Brasil-Peru. O estudo concentra-se nos corredores bioceânicos não só como recurso de integração e desenvolvimento regional, mas tende a questionar se de fato esse instrumento estabelece uma integração endógena ou exógena1.

Pontua-se também quanto ao recorte temporal deste trabalho. Com o desenvolvimento da pesquisa, percebeu-se que a literatura preconiza o século XXI como tempo próprio para o aprofundamento do processo de integração regional na América do Sul, diante dos arranjos constituídos, especificamente, a Iniciativa para a Integração de Infraestrutura Regional Sul Americana (IIRSA). Dessa forma, de maneira a contribuir com a literatura e de favorecer o estudo da projeção peruana no anseio da integração no/do subcontinente e inserção internacional, optou-se por trabalhar as relações bilaterais com o Brasil construídas, em especial a partir da década de 1950 até o final da década de 1980. Reconhecendo que o estudo da Integração Regional por diversas vezes foca no anseio da projeção do líder regional percebido, entende-se que esta ótica fere a própria proposta deste arranjo geopolítico e geoeconômico de característica minimamente bilateral. Dessa forma, não serão abordados aqui projetos específicos da época, tampouco projetos da cartilha da IIRSA, mas sim as possibilidades de conexão entre os oceanos que cercam o subcontinente.

No que tange a metodologia, caracteriza-se como um estudo de caso instrumental2, com uma abordagem qualitativa, uma vez que se preocupa mais em compreender a dinâmica do projeto infraestrutural nos anseios das políticas externas dos países partícipes, e uma natureza exploratória, pois busca tornar o projeto de corredores bioceânicos mais explícitos, bem como considerar os aspectos relativos à sua construção, seja no que tange à integração regional e/ou na projeção internacional dos Estados.

Utiliza-se, portanto, da pesquisa bibliográfica, tanto de literatura especializada como da apreciação de publicações periódicas locais, e da pesquisa documental - em especial, documentos que norteiam a política externa dos países em questão, como manuais de geopolítica e o Libro Blanco de la Defensa Nacional do Peru. Contudo, ressalta-se aqui a lacuna acadêmica nacional quanto à produção

de pesquisa relacionada à visão dos países vizinhos sobre política externa, geopolítica, relações internacionais e demais assuntos correlatos. Ademais, ainda que tenha se recorrido a literatura peruana especializada, muitas produções não são disponibilizadas em formato físico ou digital. Dado o déficit de produção e a inviabilidade de acesso a determinadas obras que abordam a temática, contou-se, de forma especial, com a obra de Novak e Namihas (2013), que traça o histórico das relações das relações bilaterais Brasil-Peru e que também estabeleceram um contato, ainda que intermediário, com outros autores locais.

Portanto, este trabalho partirá da argumentação de como os corredores bioceânicos se inserem dentro das dinâmicas do Estado peruano, desde seus anseios de projeção regional e internacional, à construção das relações bilaterais com o Brasil. Nesse sentido, a hipótese apresentada é que o discurso da integração regional representa uma estratégia de projeção internacional que não é exclusiva ao líder regional percebido – no caso sul-americano, o Brasil.

Integração regional e corredores bioceânicos

Para Herz & Hoffman (2004, p. 168 apud SANTOS, 2014, p. 59), “a integração pode ser definida como um processo ao longo do qual atores, inicialmente independentes, se unificam, ou seja, se tornam parte de um todo.”. Não necessariamente estes atores precisam ser governamentais, como as autoras exemplificam posteriormente, contudo, nesta proposta trabalha-se com atores estatais que possuem interesses em ganhos e em reduzir suas vulnerabilidades. Exposto isto, Chiarella e Cortegiano Junior (1995) percebem como argumento da integração o desejo nacional de inserção no sistema internacional, destacando na relação Brasil-Peru, o papel da Amazônia para além de região compartilhada, mas como via de comunicação entre os Oceanos Atlântico e Pacífico.

Cabe reforçar aqui que não é do interesse deste trabalho descrever os pormenores dos diversos processos de integração, mas sim entender, dentro da dinâmica internacional e da relação Brasil-Peru, como esse arranjo surge e é construído ao longo do tempo. Segundo García Belaunde3 (2015, p. 41), o esforço em prol da integração sempre fez parte da política externa peruana, quando Estado independente, tendo no Congresso do Panamá seu marco inicial – de certa maneira, o autor acredita que esse esforço cabia como uma estratégia para gerenciar os conflitos frente aos países vizinhos.

Portanto, se por um lado pode ser dito que a integração “é o resultado dos esforços dos países em prol do desenvolvimento” (CHIARELLA; CORTEGIANO JUNIOR, 1995, p. 27, tradução nossa) ou ainda que é um projeto multifacetado – portanto não se limita somente à aspectos econômicos,

como comumente é abordado – interessado na promoção de políticas que favoreçam tanto no desenvolvimento socioeconômico quanto na redução de desigualdades e assimetrias (SANTOS; DINIZ JÚNIOR, 2017), cabe aqui a provocação de Rodríguez Rey (2014, p. 169), que entende que no ambiente sul-americano a integração é mais próxima de um mito do que da objetividade dos Estados; baseada na argumentação histórica quanto à construção da região a partir de políticas coloniais de fragmentação administrativa e econômica, bem como de confrontação (coroas da Espanha e Portugal), e a combinação de uma geografia acidentada com tecnologias de transporte e comunicação atrasadas (CAVAROZZI, 1998, p. 3-4 apud RODRÍGUEZ REY, 2014, p. 169). García Belaunde (2015, p. 41, tradução nossa) reitera, afirmando que "nossa integração pareceu sempre uma homenagem, demasiadamente retórica, aos pais fundadores das nossas independências".

Compreendendo que a América do Sul faz parte do tabuleiro geopolítico global, essa mesma região e os Estados que a compõem possuem anseio de inserção e autonomia na cena internacional – autonomia essa cada vez mais vulnerável dada as consequências, positivas e negativas, de uma interdependência complexa. Segundo Chuquihuara Chil (1995, p. 91, tradução nossa) “hoje se impõe uma nova visão que prioriza a projeção sul andina em direção à bacia amazônica como um objetivo estratégico do Estado peruano”. Também é do entendimento do autor o desejo brasileiro de acesso ao Oceano Pacífico, hoje denominado como a região econômica de maior dinamismo e crescimento. Concorda-se, então com Manuel Luis Rodríguez Uribe (2011) que destaca o século atual com grandes transformações econômicas, sociais, tecnológicas, políticas e estratégicas, que não se limitam aos espaços terrestres, mas transbordam para as relações estatais através dos oceanos.

Exposto isto, apresentam-se enfim os corredores bioceânicos, que são instrumentos específicos na integração infraestrutural de transportes, podendo assumir diversos modais, tais quais: hidroviário, ferroviário, rodoviário, dutoviário e aéreo. Oliveira (2010) entende que os corredores são segmentos que ligam a área de produção e consumo, a partir de sistemas integrados entre dois ou mais modais. Como se tratam de corredores no eixo Brasil-Peru, a ligação bioceânica se faz entre o Oceano Atlântico, costeiro ao primeiro, e o Oceano Pacífico, costeiro ao último.

Dessa maneira, além da conexão ao longo da extensão territorial, os corredores bioceânicos apresentam uma abertura às realidades para além dos oceanos (INOSTROZA FERNANDÉZ; BOLÍVAR ESPINOZA, 2004). Reforça-se, portanto, que os corredores na América do Sul não só apresentam uma ponte do Brasil para a Ásia-Pacífico, tampouco do Peru para África e/ou Europa, mas também configuram um novo caminho entre as duas regiões exógenas, tal como acontece com o Canal do Panamá. Baseando-se somente na conceituação apresentada, reforça-se um caráter muito mais econômico-comercial dos corredores do que seu potencial integrador.

A partir disso, pode-se trabalhar com a conceituação de Rosas (2006), que estabelece a diferença entre corredor bioceânico e corredor comercial. Enquanto o primeiro é definido como uma faixa terrestre que, atravessa o continente, conecta duas costas oceânicas, a autora relaciona o segundo, citando Sahil (1995), aos eixos rodoviários que conectam regiões do interior do continente – pelas ramificações à via principal, por exemplo – com os portos marítimos. Esta definição de Sahil (ibid) de corredor comercial muito se assemelha aos corredores preconizados pela cartilha de projetos da IIRSA, que recorrem a intermodalidade, de maneira que possam otimizar a relação tempo x custo, e se aproximam mais de um caráter exportador.

De toda forma, Rosas (2006) contribui, singularmente, com a noção ultramarina dos corredores, relacionando o impacto das variáveis de custo e tempo até o porto da região além-mar na escolha do trajeto terrestre – consequentemente, isso influencia no modal a ser escolhido. Isto levanta um ponto trabalhado por Inostroza Fernández [200-?], que enxerga os corredores bioceânicos como objetos de política pública, não só pelo impacto no mercado nacional, regional e internacional, mas também pela influência em áreas relacionadas ao turismo, arqueologia e proteção ambiental, por exemplo, além da (re)distribuição espacial dos centros produtivos e, é claro, da população próxima ao trajeto ou que obstaculize o percurso.

Assim, quais são os caminhos que o Peru pode percorrer para alcançar a saída para o Atlântico e o Brasil para o Pacífico? Dentre as possibilidades, mencionar-se-á pelo menos duas interconexões que foram propostas ao longo das relações bilaterais: hidroviária e rodoviária.

Considerando os fatores citados – tais quais: (i) integração como desejo nacional e estímulo ao desenvolvimento regional; (ii) contrapeso da ausência de políticas efetivas para o estabelecimento da integração, configurando-a como “mito” ou “homenagem retórica”; (iii) necessidade de investimentos em infraestrutura de conexão regional, seja de transporte, comunicação e/ou energética; e (iv) a reinserção da região sul-americana no tabuleiro geopolítico, evidenciando que os movimentos primários de integração regional alcançaram um dos objetivos previstos no processo – a integração regional, em especial a construção dos corredores bioceânicos, deveria representar um projeto geopolítico de projeção internacional.

Relações Peru-Brasil: o início da iniciativa de integração bioceânica

Como se estabeleceu inicialmente que o trabalho apresenta um recorte temporal anterior a IIRSA, é necessário elucidar como se construiu a relação bilateral dos principais atores estatais deste estudo: Peru e Brasil. Concorda-se que a IIRSA é um marco para a integração física sul-americana, mas se acredita que é necessário aprofundar a visão de associação de ambos os Estados mencionados, bem como entender de onde surge essa necessidade e/ou possibilidade da integração bioceânica, especialmente na perspectiva do país andino.

Para Novak e Namihas (2013, p. 11), as relações entre Peru e Brasil passaram por uma evolução claramente pragmática, do ponto de vista peruano, a fim de internalizar os ganhos dessa aproximação. Iniciada em 1826, no Congresso do Panamá, basicamente estava estabelecida em dois pontos: a definição dos limites, uma vez que ambos eram recém independentes de suas metrópoles – Espanha (1821) e Portugal (1822), respectivamente –, e a livre navegação peruana pelo Amazonas, que viria a ser conquistada, de maneira inicial, com a Convenção Fluvial de 1851.

A partir do exposto, podem-se identificar as primícias da percepção peruana sobre sua bioceanidade, que havia sido negligenciada, de certa forma, desde a coroa espanhola - a metrópole do país andino de 1532 a 1821 -, que pouco avançou sobre o território amazônico (Ibid., p. 22-23). Considerando a época, o modal fluvial era o grande facilitador da comunicação entre os centros do território estatal e do comércio internacional; portanto, segundo Ulloa (1997, p. 277-278 apud NOVAK; NAMIHAS, 2013, p. 26), como o Brasil era o detentor da parte baixa e navegável do rio Amazonas, isso dava-lhe a vantagem na expansão e exploração sobre o condomínio amazônico. O autor ainda ressalta que “o trânsito pelo Amazonas era, pois, uma necessidade vital do leste peruano” (Ibid.), dessa forma atribuindo um caráter geopolítico sobre essa via de comunicação.

Nogueira (2015, p. 75-76) também destaca esse fator geopolítico dos rios, trazendo-o ainda como um fator de divergência entre os Estados da América do Sul:

Controlar as nascentes, bloquear as saídas ou expulsar um rival de uma margem, grande parte da afirmação do poder dos Estados construiu-se em torno dos grandes rios e das suas bacias. Para o Brasil, por exemplo, a bacia Amazónica foi (e é) percebida como uma reserva de imensas riquezas naturais, pelo que desde muito cedo envidou esforços para dela afastar o mais que pode os outros Estados que com ele fazem fronteira. Mas igualmente esses Estados, não só procuraram contrariar a pressão brasileira como também disputar entre si o domínio de porções da bacia amazónica. Foi o que aconteceu entre a Venezuela e a Colômbia, entre esta e o Peru e entre este e o Equador.

A relação entre ambos ganhou importância especialmente após 1909, com o Tratado de Velarde-Rio Branco, que definiu as fronteiras entre ambos, conforme traçado pela Convenção de 1851, e que só teriam sua demarcação finalizada em meados de 1927. É importante ressaltar que, durante a primeira metade do século XX, o papel mediador do Brasil em questões peruanas com seus outros vizinhos, Chile, Colômbia e Equador4. Neste ponto, fica evidente o papel da política externa brasileira na construção da imagem protagonista do país no subcontinente.

Apresentados os fundamentos da relação bilateral - livre navegação pelo Amazonas e demarcação das fronteiras - iniciada no século XIX e avançando pela primeira metade do século XX, tomam-se como ponto de partida principal para a análise as relações Brasil-Peru a partir da década de 1950, tendo em vista os contextos para sua integração regional e bioceânica. De acordo com Costa (1988, p. 54-55 apud NOVAK; NAMIHAS, 2013, p. 51), foi neste período, por intermédio das condições de industrialização brasileira e do processo de consolidação da sua integração territorial, baseada na expansão amazônica e na modernização do sistema viário, preferencialmente rodoviário, que a agenda bilateral entre os países ganhou maior dinâmica.

O período da década de 1940 à década de 1950 marca uma reviravolta no estudo das Relações Internacionais, vide o fim da II Guerra Mundial e a criação da Organização das Nações Unidas (ONU). Também neste período, tem-se o marco para o estudo da Integração Regional, o que seria definido posteriormente com a formação de blocos econômicos e políticos regionais, em especial, a partir de abril de 1951, com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), por meio do Tratado de Paris (MALAMUD, 2012).

Cabe observar que essa década de transição é marcada pela reorientação da preocupação dos Estados com a ordem econômica mundial, como pode ser observado os Acordos de Bretton Woods e na polarização sistêmica entre os promotores do capitalismo e do socialismo, Estados Unidos da América (EUA) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), respectivamente. Para Alcalde Cardoza (2015), o período compreendido entre 1950 e 1973 pode ser considerado como a era de ouro da economia mundial moderna, devido às taxas de crescimento e arranjos internacionais que estimulavam a interdependência entre os países.

Todavia, de acordo com Magnoli (2004), o movimento europeu de integração regional, já com a constituição da Comunidade Econômica Europeia (CEE), com o Tratado de Roma, de 1957, não foi percebido pela América Latina (AL) como a contenção geopolítica à projeção soviética no Ocidente, mas como um modelo de desenvolvimento autônomo em meio ao capitalismo preconizado pelos EUA. Sobre isso, Sau Aguayo (2011, p. 23, tradução nossa) comenta que:

[...] os países latino-americanos se protegiam dos efeitos da Segunda Guerra Mundial na economia internacional e nas suas próprias economias nacionais com a estratégia cepalina de substituição de importações e com o desenvolvimento voltado “para dentro”, como vimos anteriormente. Somente quando a economia mundial recuperou sua dinâmica e, consequentemente, a estratégia de substituição de importações dava sinais de obsolescência, a América Latina revitalizou sua inserção na economia internacional e começou a pensar na integração econômica no início da década de 60.

Ainda que o cenário internacional possibilitasse a aproximação na relação Peru-Brasil, bem como o cenário local, com a interiorização de ambas as populações e a aparente vontade política (MENDIBLE ZURITA, 2015, p. 555), por exemplo, até o final da década de 1960, pouco se produziu efetivamente em matéria de integração física a partir dessa relação. Durante essa década, a ditadura militar instaurada no Brasil, em 1964, causou, em um primeiro momento, um distanciamento com os países do seu entorno - dado o ressurgimento de temores geopolíticos e de segurança nacional, centrados no perigo comunista, bem como a expansão amazônica brasileira e o alinhamento dos EUA (VIZENTINI, 2012).

A ditadura que surgiu no Peru, em 1968, quando o general Juan Velasco Alvarado depôs o então presidente Fernando Belaúnde Terry, enfrentou contrabalanços com o Brasil em alguns momentos. Se para Mendible Zurita (2015, p. 588), a partir do período em que o general Emílio Médici foi presidente, em 1969, existiriam pontos em comum para a relação bilateral, como a “cooperação para o desenvolvimento e a defesa das 200 milhas marítimas; a cooperação para o desenvolvimento e a existência de uma fronteira comum como a Amazônia”, estes são descritos por Novak e Namihas (2013, p. 56-57) como “aproximações esporádicas e pontuais”, uma vez que enxergam que o comando do Brasil sob o então chefe do Serviço Nacional de Informações, aprofundou o distanciamento entre os países.

O período de transição da ditadura militar brasileira para o regime civil, projeto do penúltimo governante militar, general Ernesto Geisel (1974-1979), abriu a política externa do Brasil a uma aproximação maior da América do Sul, seu centro gravitacional de influência. Vizentini (2012) confirma isso ao apresentar a ação da política externa do chanceler Antônio Azeredo da Silveira, denominada como Pragmatismo Responsável e Ecumênico, para a América do Sul, com o abandono da retórica de grande potência e da internacionalização da Amazônia.

Segundo Hoyle (1995, p. 115),

(...) na década de 70, a política exterior brasileira - ‘Itamaraty’- propõe o desenho de uma nova orientação que crie condições favoráveis à cooperação nos campos econômicos, científico- tecnológicos e de integração físico-rodoviária no espaço amazônico, propondo aos seus vizinhos um acordo subregional para a cooperação que, ao tomar forma, constitui o ‘Tratado de Cooperação Amazônica’, assinado na cidade de Brasília em 3 de julho de 1978.

Para Novak e Namihas (2013, p. 58) a postura do último governante militar peruano, o general Francisco Morales Bermúdez (1975-1980), também comprometido com a transição para um governo civil e alterando o modelo socioeconômico de desenvolvimento peruano, contribuiu para a aproximação entre os países, reconhecendo que é o Brasil que irá desempenhar o papel de liderança na América do Sul (COSTA, 1988, p. 60-62 apud NOVAK; NAMIHAS, 2013, p. 58).

Posteriormente, a década de 1980 foi marcada pela crise da dívida, consequência da elevação dos juros internacionais dos empréstimos bancários concedidos aos países em desenvolvimento (MAGNOLI, 2004, p. 233). Para Vizentini (2012, p. 62), “a crise da dívida” constituía um instrumento de pressão contra a política econômica desses países e um golpe mortal no projeto de desenvolvimento de nações como o Brasil”. Mendible Zurita (2015) ressalta esse evento como o ocaso do governo militar no Brasil, que só viria a terminar em 1985.

Para o Peru, que voltava a um governo democrático no início da década, com o segundo mandato de Fernando Belaúnde, anteriormente deposto pela Junta Militar, esse período foi de aprofundamento das relações bilaterais. No campo econômico, registrou-se um aumento de 123% no comércio bilateral entre os períodos de 1974-1978 (US$ 559 milhões) e 1978-1984 (US$ 1,245 bilhão); e no campo diplomático-militar, a reação mediadora do Brasil à invasão do território peruano por parte do Equador vista com mostras de confiança histórica (NOVAK; NAMIHAS, 2013). Ponto importante desse aprofundamento, que deve ser destacado para o propósito deste trabalho, é a Declaração Conjunta de 26 de junho de 1981, quando da visita oficial ao Peru do então presidente do Brasil, o general João Baptista de Oliveira Figueiredo. Merecem destaque o seguinte trecho e a Figura 1, para melhor ilustrar:

O Presidente do Peru salientou a conveniência de uma interconexão entre as regiões das bacias do Orinoco, do Amazonas e do Prata, por meio de um sistema misto de vinculação, no qual as redes viárias do Brasil e do Peru constituam os eixos principais de integração.

O Mandatário peruano expôs que, a esse respeito, seu Governo estava realizando trabalhos internamente, e que havia sido estabelecido contato com a OEA, para concretizar uma iniciativa destinada a celebrar uma reunião em Lima, em outubro próximo, dos países interessados na mencionada proposta de interconexão de bacias, na qual se estudariam a projeção e possibilidades de tal proposição.

O Presidente do Brasil acolheu com especial interesse a iniciativa peruana e informa que seu país participará da projetada reunião de outubro próximo em Lima. (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES - BRASIL, 1981, p. 48).

Interconexão fluvial das bacias hidrográficas
Figura 1
Interconexão fluvial das bacias hidrográficas
CASTRO CONTRERAS (1996).

Segundo Novak e Namihas (2013), este ponto é considerado por alguns como predecessor ao que seria a IIRSA, firmada 20 anos depois. Além da declaração, 12 acordos foram assinados, entre eles o Acordo de Interconexão Rodoviária, que considera a interconexão viária e a facilitação de transportes, previstas no Convênio sobre Transporte Internacional Terrestre (1977), e o vínculo de cooperação do Tratado de Cooperação Amazônica (1978), para então justificar a interconexão dos sistemas rodoviários entre Brasil-Peru, prioritariamente, entre Assis Brasil (Acre/BR) e Iñapari (Madre de Dios/PE). Em junho de 1984, quando da visita do presidente peruano ao Brasil, essa interconexão foi reforçada em mais uma declaração conjunta. Observa-se aqui a espinha dorsal para a integração entre os dois países: a Amazônia.

Em 1985, tem-se então o fim da ditadura no Brasil, com o presidente civil José Sarney5, e o segundo presidente peruano pós-ditadura militar, Alan García Pérez. A política externa brasileira toma forma de um projeto universalista, consolidando a América do Sul (e Latina) como prioridade e sob sua liderança (VIZENTINI, 2012; NOVAK; NAMIHAS, 2013). Em relação aos mecanismos de aproximação entre ambos os países, além dos incentivos à conexão Assis Brasil-Iñapari; contudo, destacam-se a Declaração de Rio Branco sobre promoção do desenvolvimento fronteiriço, de julho de 1987, bem como o Programa de Ação de Puerto Maldonado, que propunha a conexão bioceânica entre Santos (Brasil) e Ilo (Peru), através do Iñapari (NOVAK; NAMIHAS, 2013, p. 68) - ver Figura 2.

Interconexão
rodoviária Ilo-Santos
Figura 2
Interconexão rodoviária Ilo-Santos
HOYLE (1995).

Para Hoyle (1995), a interconexão mencionada acima era de interesse endógeno e exógeno à região. Quanto ao primeiro, o autor destaca o próprio Brasil, que ganharia com a rota uma competitividade maior na exportação de seus produtos locais (madeira, minérios e grãos) por conta do custo do frete, que seria barateado. Os mercados de destino seriam a Costa Oeste dos EUA e Ásia, de onde vinha o interesse exógeno, mais especificamente o Japão, visto que as importações de madeira tropical deste país somavam US$ 450 milhões/ano. Amayo Zevallos (1995, p. 71, tradução nossa) confirma afirmando que:

No Brasil está generalizada a ideia de que a rodovia tem que servir para levar sua produção ao Pacífico, para assim economizar, ao fazê-la chegar ao Japão, ao Noroeste asiático e a costa ocidental dos EUA a preços mais competitivos.

Neste momento, não só as relações Brasil-Peru, mas especialmente elas para a finalidade deste trabalho, estão inseridas num contexto global onde a gravitação da economia global é transferida do Oceano Atlântico para o Oceano Pacífico6, em especial o Noroeste asiático e, especificamente, o Japão7. Amayo Zevallos (1995, p. 40) reforça esse vínculo entre o gigante da América do Sul e o país andino ao indicar este como saída natural, por ser a distância mais curta entre a massa continental amazônica brasileira e o Pacífico, além da costa peruana ser a parte mais ocidental do subcontinente, portanto, mais próxima do Noroeste asiático.

A possibilidade da rodovia como modal para o corredor bioceânico também despertou oposição, em especial, dos EUA, pois entendiam o caráter estratégico da via. Segundo Amayo Zevallos (1995, p. 42-43), a rodovia diminuiria a importância do Canal do Panamá, inaugurado em 1914, bem como tornaria ultrapassada qualquer remodelagem do Canal. Contudo, até hoje, somente cerca de 50% das estradas na América do Sul são asfaltadas (RUCKERT; CARNEIRO, 2018, p. 3). Além disso, foram levantados outros problemas quanto à construção da rodovia interoceânica, tais quais: (i) a variedade natural peruana que, apesar de ocupar somente 0,87% da superfície de terra, abriga 84% das zonas de vida do mundo; (ii) a adaptação de trabalhadores não andinos num ambiente de grandes alturas, por grandes períodos; (iii) a limitação tecnológica; (iv) os impactos sobre sítios arqueológicos desconhecidos; e (v) insegurança com os remanescentes do Sendero Luminoso e com o narcotráfico, que sempre foi um subterfúgio estadunidense para intervir na região (AMAYO ZEVALLOS, 1995, p. 59-69).

Projeção peruana

O estudo da Geopolítica, propriamente com este nome, foi iniciado na primeira década do século XX. Cabe ressaltar que nesta seção não será feita uma linha histórica do processo de definição da Geopolítica, embora se reconheça a importância de cada abordagem. De forma a contribuir para a literatura, serão feitas menções aos estudiosos locais, bem como as percepções de autores estrangeiros sobre a geopolítica peruana.

Child (1985), por exemplo, considera que o Peru, diferentemente da Argentina, do Brasil e do Chile, apesar de não ter construído uma “escola geopolítica” elaborou sua política externa aprofundando-a em temas de relevância geopolítica para o país. O autor identifica que o Peru construiu um pensamento geopolítico, baseado na preocupação com as fronteiras e os países vizinhos, as reivindicações marítimas, o uso do espaço amazônico e o conceito de segurança integral, que estabelece uma conexão entre o desenvolvimento (com inclinações sociais) e as premissas em segurança.

Para aprofundar neste pensamento geopolítico peruano, é necessário enxergar a espacialidade do país: andino, marítimo (costeiro ao Oceano Pacífico), amazônico, antártico e bioceânico (CASTRO CONTRERAS, 1996). Exposto isto, o Centro de Altos Estudos Militares (CAEM) peruano entende a geopolítica como a ciência que estuda a influência da geografia no destino do Estado, oferecendo

critérios para “a melhor ocupação do território nacional e para exploração dos recursos naturais, bem como na identificação das áreas de interesse estratégico” (MOROTE SOLARI8, 1987, p. 13, tradução nossa).

Corroborando com a primeira parte da definição elaborada pelo CAEM, quanto à ocupação territorial e à exploração dos recursos, o Livro Branco de Defesa do Peru9 (2005) aborda a geografia peruana quanto à constituição do seu território, dividindo-o em três regiões: a Costa (entre 11 e 12% do território), a Serra (entre 27% e 30%) e a Selva (entre 59% e 61%). É interessante notar que Nogueira (2015) considera as mesmas regiões mencionadas como regiões geopolíticas naturais, cada qual com sua atividade produtiva específica, seu clima e relevo distintos e sua formação e expressão cultural. Sobre isso, Borges Neto (2015, p. 186-187) recorda uma herança desde o Império Inca10, que se estendeu à condição de Vice-reinado do Peru, quando colônia espanhola, e continua até os dias atuais. O autor correlaciona a distribuição populacional11 peruana com a ausência de integração entre as províncias do povo original, ou seja, a concentração da população na Costa - e aqui adicionam-se as atividades econômicas de maior importância - esvaziou o interior do território, resultando numa falha integração nacional e no temor expansionista dos países vizinhos, sobretudo o Brasil na região amazônica.

Tabela 1
Distribuição espacial da população peruana, por ano de censo, segundo região natural (1940-2017)
Distribuição espacial da população peruana, por ano de
censo, segundo região natural (1940-2017)
INSTITUTO NACIONAL DE ESTADÍSTICA E INFORMÁTICA (2018).

Quanto à identificação das áreas de interesse, Castro Contreras (1996, p. 70-71) enfatiza que a localização peruana andino-amazônica, bem como sua posição marítima contribuem para o que ele chama de uma Nova Visão Geoestratégica12 do Peru. Dessa forma, o posicionamento global do Peru a partir do se interesse nacional13 permite a comunicação com as bacias do Pacífico, do Orinoco, do Amazonas e do Prata, além da Antártida, como pode ser visto na Figura 3.

Nova Visão Geoestratégica do Peru
Figura 3
Nova Visão Geoestratégica do Peru
CASTRO CONTRERAS (1996).

Mercado Jarrín (1998), citado por Borges Neto (2015, p. 201-202), reforça a posição central do Estado peruano em relação à Bacia do Pacífico, na sua porção sul, como via que favorece a projeção do Mercado Comum do Sul14 (MERCOSUL) em direção aos vizinhos andinos. A via de conexão, neste caso, deveria ser estimulada em direção ao polo Ilo-Matarani (litoral peruano), partindo de dois pontos distintos do Brasil, São Paulo - julga-se Santos como o ponto de origem específico, apesar do autor não o mencionar - e Assis Brasil-Rio Branco/Acre.

Chiarella e Cortegiano Junior (1995), por outro lado, são contrários ao Corredor Transoceânico15, proposta de conexão Rio Branco/Acre-Puerto Maldonado/Madre de Dios- Ilo/Moquegua, justamente a segunda defendida por Mercado Jarrín, pois consideram que esta atende mais ao Brasil quanto à exportação de soja para o mercado asiático e a inserção de seus produtos no mercado andino. Como alternativa, os autores consideram uma via férrea, economicamente mais favorável e menos agressiva ambientalmente. De toda forma, entendem que a verdadeira integração viária entre os dois países deveria alcançar a interdependência de seus mercados, bem como ser conjugada por um projeto multimodal, favorecendo as rodovias já construídas e investindo em ferrovias e hidrovias.

Para este trabalho, destaca-se a bioceanidade peruana vide suas saídas naturais para os oceanos Pacífico, a partir da sua costa, e Atlântico, por meio do Rio Amazonas que tem sua nascente dentro do Andes peruano. Castro Contreras (1996) ratifica o caráter geopolítico do rio Amazonas, pois ele que materializa a bioceanidade do país. Morote Solari (1987) vai além, pois entende que a saída para o Atlântico deve, também, partir por dentro do próprio território nacional e, consequentemente, através do território sul-americano. Enquanto este enxerga a natureza sensível do Canal do Panamá, por ser um ponto altamente estratégico, e do longo caminho pelo Estreito de Magalhães, no extremo sul do continente, àquele identifica o valor do rio Amazonas como redutor das vulnerabilidades que as outras duas vias carregam consigo.

Morote Solari (1987) também reforça um ponto que nos lança a visão de integração regional que deve ser inerente aos corredores bioceânicos: vias terrestres de penetração complementando a saída natural. Conta, portanto, com saídas naturais e multiplicando as possibilidades com saídas “artificiais”, observa-se que os corredores são uma estratégia de irradiação peruana no subcontinente e fora dele.

Conclusão

O objeto selecionado para esta pesquisa, ou, ao menos, o objeto central, foi o corredor bioceânico. Sem distinção do modal ou restrição de localização do mesmo, o principal objetivo deste trabalho consistiu em entender se, de fato, os corredores bioceânicos representam um projeto de integração “para dentro” da América do Sul, especialmente entre o Brasil e o Peru, ou “para fora”, constituindo-se em corredores de exportação.

Considerando o marco temporal, este trabalho apoiou-se nas relações bilaterais Brasil-Peru e nos anseios geopolíticos do último relacionados à integração regional, utilizando os corredores bioceânicos como recurso de interconexão. A definição amplamente aceita para os corredores é a conexão viária entre duas costas oceânicas. Contudo, como alguns autores conceituaram os corredores como faixas de conexão terrestre entre duas costas oceânicas opostas, cabe a crítica a esse tipo de definição, dadas suas limitações.

A bioceanidade, para além de instrumento a favor da integração regional, representa uma característica espacial do Estado peruano. Deve, então, ser entendida não só como uma realidade natural, mas como uma construção política em três momentos: (i) na conquista da delimitação das fronteiras com os países vizinhos, bem como no seu livre e soberano acesso ao rio Amazonas (ainda que compartilhado com as demais nações do condomínio amazônico), no início do século XX; (ii) na pragmática mudança de visão em relação ao Brasil, que se até a década de 1980 era visto como expansionista, principalmente em relação à Amazônia, fora reconhecido como aquele que assumiria a liderança regional; e (iii) na percepção do próprio papel do Peru no sistema internacional, como aquele a ser o pivô de ligação entre os dois polos marítimo-econômicos.

Observa-se, portanto, que em meio às transformações das relações internacionais, que ainda acontecem, a proposta do corredor bioceânico também é alcançada pelos reflexos das tendências político-econômicas do sistema internacional, das possibilidades regionais e das pretensões nacionais. Em um primeiro momento, a livre navegação do rio Amazonas era matéria fundamental na relação bilateral, não só por ser o país com o segundo maior território amazônico – atrás do Brasil – e por ter a nascente do mencionado rio, mas por reconhecê-lo como sua saída natural para o Atlântico, região de maior intensidade econômica. Entretanto, percebe-se também que a visão de projeção peruana seguiu (e segue) acompanhando a mudança pendular dos eixos econômicos no cenário internacional, quando a atração do mercado asiático voltou a projeção para o seu posicionamento em relação ao Oceano Pacífico, já na segunda metade do século passado até os dias de hoje.

Além do exposto, existiu o consenso dentro do pensamento geopolítico peruano, à época, de que a construção dos corredores bioceânicos no eixo Brasil-Peru deveria levar a uma verdadeira integração de ambos os territórios, ou seja, deveria ter sentido em integrar o interior em prol do desenvolvimento, e não só uma ligação da costa Pacífica à costa Atlântica. Ressalta-se, nesse contexto, que a bioceanidade é, por si só, uma característica integradora (física) na América do Sul. Adicionalmente, é importante reconhecer o papel integrador dos oceanos, que também são vias de comunicação. Assim sendo, reforça-se o que foi exposto sobre os corredores também serem pontes ultramarinas, uma vez que mesmo que os oceanos não proporcionem uma integração física entre dois continentes, eles surgem como a via de contato entre as duas massas terrestres.

Dessa forma, caminhando para o desenlaço deste estudo e alinhado com o tempo presente quanto à integração física na América do Sul, percebe-se a grande correlação entre a Geopolítica, Geoeconomia e Integração Regional, como campos de estudo, nesta temática. Nota-se, portanto, que as percepções das potencialidades do território peruano, por sua própria parte, alimentaram o anseio da integração regional para além de um discurso ufanista, ponderando as vantagens que cada possibilidade poderia trazer. Portanto, para a proposta específica deste trabalho, entende-se que a integração com o Brasil por via dos corredores bioceânicos assume um caráter exógeno em detrimento do endógeno, por perceber sua posição geopolítica como a plataforma de conexão entre as economias do Atlântico e do Pacífico.

Fica evidente, contudo, que, assim como o sistema internacional transformou-se em meados do século XX, tornando a integração uma estratégia de sobrevivência e reinserção dos Estados, a guinada neoliberal do final do século passado também transformou essa mesma estratégia. Cabe refletir, e aqui abrem-se novas possibilidades de estudo, bem como o aprofundamento deste, como as atuais políticas de integração regional refletem as potencialidades geopolíticas nacionais e regionais, resistindo à gravitação de geopolíticas e/ou geoeconomias exógenas.

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Notas

1 Por “endógena”, entende-se uma integração do interior da região, “para dentro”; enquanto "por “exógena” compreende-se uma integração “para fora”, em que a visão de projeção para o espaço externo sobreponha a conexão do espaço interno.
2 Segundo Yin (2001, apud PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 60-61), um estudo de caso investiga um ou poucos objetos de maneira aprofundada, em vista de identificar novas descobertas que não foram percebidas nos primeiros estudos correlatos. De certa forma, tenta entender um determinado fenômeno em meio ao contexto em que está inserido. Quanto ao caráter instrumental, segundo Alves-Mazzoti (2006, p. 641-642), é aplicado quando “o interesse no caso deve-se à crença de que ele poderá facilitar a compreensão de algo mais amplo, uma vez que pode servir para fornecer insights sobre um assunto”. Ratifica-se, dessa maneira, o que a autora qualifica como um questionamento a uma assertiva amplamente aceita.
3 Ministro das Relações Exteriores do Peru (2006-2015).
4 Mediação nos conflitos até metade do século XX: Peru x Equador (1910 e 1941); Peru x Chile (1910); Peru x Colômbia (1922 e 1932).
5 Tancredo Neves fora o presidente eleito, contudo, foi internado às pressas e fez uma operação de emergência. Quem tomou posse em seu lugar foi o vice, José Sarney, ex-presidente do Partido Democrático Social (PDS), partido que apoiava a ditadura. Tancredo foi declarado morto em 21 de abril daquele ano.
6 Em maio de 1989, é assinada a Declaração Conjunta de Manaus, onde os chefes de Estado do Brasil e do Peru reconhecem essa gravitação e mencionam a possibilidade de cooperação voltada à bacia do Pacífico (NOVAK; NAMIHAS, 2013, p. 69).
7 Atualmente, o centro de gravidade do oceano Pacífico é a China, que não se furta de atuar em prol da integração bioceânica na região, vide seus próprios interesses e necessidades, conforme mencionados na seção anterior.
8 Coronel do Exército peruano (reformado).
9 Documento oficial que explicita a visão do país - objetivos e políticas - sobre os temas de Defesa e Segurança.
10 Povo que ocupava a costa andina antes do processo de colonização.
11 Segundo o Instituto Nacional de Estadística e Informática (2018), no censo referente a 2017, a distribuição populacional peruana estava configurada da seguinte maneira: 58% na Costa; 28,1% na Serra e 13,9% na Selva.
12 Segundo o Instituto Espanhol de Estudos Estratégicos (2010), a geoestratégia estudará quais são os meios adequados, incluindo os meios militares, para se obter um melhor resultado diante de uma determinada situação. Ainda, correlaciona a política exterior com raízes geográficas e uma estratégia militar para executá-la. Portanto, percebe-se uma relação da visão do autor com o conceito de segurança integral do general Mercado Jarrín, descrito por Child (1985).
13 Para o autor, o interesse nacional é uma temática importante para avaliar a concepção geopolítica peruana. A visão estática da geografia mundial, que secundariza, por assim dizer, a posição peruana, não favorece na construção do pensamento de projeção global do Peru.
14 Projeto de integração regional, especialmente econômico e comercial, concebido por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, a partir do Tratado de Assunção de 1991.
15 Além deste, os autores citam outros dois corredores: o Corredor Biocenânico, conjugado pelos rios amazônicos e mudando para rodovias, com o objetivo de chegar aos portos de Bayóvar e Paita, no Norte do país; e o Corredor Transamazônico, totalmente rodoviário, ligando Cruzeiro do Sul/Acre-Pucallpa/Ucayali-Callao.
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