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Paralelos e paradoxos entre serviços públicos europeu e brasileiro: transição neoliberal e exclusão
Parallels and paradoxes between european and brazilian public utilities: neoliberal transition and exclusion
Percursos, vol. 22, núm. 49, pp. 340-369, 2021
Universidade do Estado de Santa Catarina

CONTÍNUA

Percursos
Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil
ISSN-e: 1984-7246
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 22, núm. 49, 2021

Recepção: 04 Março 2021

Aprovação: 10 Agosto 2021

Resumo: Compreender as transformações pelas quais a sociedade vem passando nas últimas décadas é crucial para que se possa entender a histórica relação entre Estado e Mercado. Nesse ínterim, os serviços públicos são o foco que os une e, ao mesmo tempo, os separa. Evidenciar as diferenças entre a gradativa transferência de serviços públicos essenciais à iniciativa privada como parte do processo neoliberal iniciado na Europa em fins dos anos de 1970 e, preconizado em etapas mais lentas no Brasil, é o objetivo desse texto. Analisar as convergências entre o que ocorreu lá, inclusive com múltiplas conceituações, e o que acontece no território nacional principalmente após 2016, possibilita compreender um processo que possui particularidades e determinações históricas próprias em cada contexto geográfico, apesar de apresentar alguns pressupostos históricos e interrelacionados. Nesse sentido, implementar um Estado Mínimo em um país caracterizado por processos de cidadania incompleta e desigualdades as mais diversas, incide em ampliar a retirada de parcos Direitos e contribuir sobremaneira para a injustiça social e miserabilidade de parcela significativa da sociedade brasileira. O procedimento de pesquisa - bibliográfica - é, ao mesmo tempo, analítico e comparativo, baseando-se na literatura oriunda do contexto Europeu (Serviços de Interesse Econômico Geral - SIEG) para averiguar o processo aqui empreendido.

Palavras-chave: serviços públicos, neoliberalismo, Estado mínimo.

Abstract: Understanding the transformations that society has been going through in recent decades is crucial for understanding the historical relationship between State and Market. In the meantime, public services are the focus that unites them and, at the same time, separates them. Evidencing the differences between the gradual transfer of essential public services to the private sector as part of the neoliberal process initiated in Europe in the late 1970s and recommended in slower stages in Brazil is the objective of this text. Analyzing the convergences between what happened there, including multiple concepts, and what happens in the national territory, especially after 2016, makes it possible to understand a process that has particularities and historical determinations in each geographic context, despite presenting some historical and interrelated assumptions. In this regard, implementing a Minimum State in a country characterized by processes of incomplete citizenship and the most diverse inequalities, focuses on expanding the removal of meager rights and greatly contributing to the social injustice and misery of a significant portion of Brazilian society. The research procedure - bibliographical - is at the same time analytical and comparative, based on literature from the European context (Services of General Economic Interest - Serviços de Interesse Econômico Geral, SIEG) to investigate the process undertaken here.

Keywords: public utilities, neoliberalism, minimal State.

NOTAS INTRODUTÓRIAS

É indubitável que o atual estágio do capitalismo no qual estamos inseridos complexifica as análises - geográficas, sociais, econômicas, políticas, culturais, tecnológicas etc. - pelas vicissitudes que se apresentam em um modelo de produção hegemônico no mundo ocidental.

As características e consequências desse processo inspiram uma plêiade de trabalhos, nas mais diversas áreas. De nossa parte, compreendemos, referenciados em Gonçalves (1999), que é produto de três processos distintos, que têm ocorridos desde a década de 19901. Respectivamente: expansão extraordinária dos fluxos internacionais de bens, serviços e capitais2; acirramento da concorrência nos mercados internacionais e a integração entre os sistemas econômicos nacionais. Enfim, é um produto histórico de aceleradas mutações operadas em diversos âmbitos: tecnológico, econômico, político, geopolítico, social, ideológico etc.

Tais processos foram institucionalizados pela revolução da informática e das telecomunicações - o chamado meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 2000)3 - que possibilitou a redução, em proporções jamais registradas anteriormente, dos custos operacionais e transnacionais em escala mundial. A ascensão das ideologias liberalizantes a partir da década de 1980 (sustentado no discurso e na prática, e também imposto por organismos como o FMI)4 está presente no conjunto dessas mudanças históricas e interrelacionadas. Uma ascensão irresistível - mais ou menos irregular e desigual, porém persistente - da agenda política5 e econômica neoliberal. É o que Gonçalves (1999), aponta como “política institucional” vinculada à ascensão das ideias liberais dos anos 80 referenciado nos governos de Margaret Thatcher na Grã-Bretanha e de Ronald Reagan nos Estados Unidos (GONÇALVES, 1999, p. 29).

Refletindo acerca dessa temática, Santos (2000, p. 81) leciona que: “com a globalização, todo e qualquer pedaço da superfície da Terra se torna funcional às necessidades, usos e apetites de Estados e empresas nesta fase da história.” Ou seja, a atuação das empresas no processo de globalização se implementa decorrente ao tipo de modelo de Estado que a executa, neste caso o Estado capitalista, que é responsável - não exclusivo, evidentemente - por produzir o espaço através de suas instituições políticas e administrativas.

Nos termos apontados por Massey e Rustin:

A “globalização” - na forma da exposição do mercado de trabalho ocidental à competição dos produtores de baixo custo - e o ataque às instituições de proteção da classe trabalhadora (sindicatos e benefícios do Estado de bem-estar social) foram os meios pelos quais esta mudança ocorreu na balança do poder econômico durante as décadas de 1980 e 1990. (MASSEY; RUSTIN, 2017, p. 42)

O meio geográfico produzido e transformado pela determinação de interesses econômicos a partir do uso da técnica, alinhado ao uso da ciência é submetido a um processo de estruturação espaço-temporal que se expressa no controle da velocidade/aceleração do tempo e do espaço imprimindo uma transformação qualitativa na lógica social e nas relações. Santos (2014, p. 238) arrazoando acerca dessa problemática, argumenta: “Estamos diante da produção de algo novo, a que estamos chamando de meio-técnico-científico-informacional”.

Trata-se do processo denominado “compressão espaço-temporal”, no interior do qual a compressão do espaço “tudo se passa aqui - sem distâncias, diferenças nem fronteiras - e a compressão do tempo - tudo se passa agora, sem passado e sem futuro.” (CHAUÍ, 2008, p. 62).

Como produto desse processo histórico, expressam-se as tensões e conflitos entre países, corporações e conglomerados transnacionais, classes sociais e mesmo entre os detentores do capital em suas diversas frações dominantes (POULANTZAS, 2000). Com tais pressupostos, alguns setores dos serviços públicos são inseridos nessa dinâmica. Outrora foram compreendidos como sinônimos de “coisa estatal”, agora são paulatinamente desconstruídos via neoliberalismo - concebidos como mercadoria - e vão sendo incorporados pelo mercado.

Nos dizeres de Dardot e Laval:

O capitalismo está passando por mudanças profundas, nenhuma das quais é irredutível ao jogo de aparências que espelham uma identidade própria inalterável. O traço mais característico do capitalismo neoliberal é - [...] - a expansão e intensificação da concorrência pela mundialização. (DARDOT; LAVAL, 2016, [p. 3])

E seguem os mesmos autores:

Esta mudança ocorre no final dos anos 70 e início dos 80 - não por causa de qualquer “conspiração”, mas por efeito de múltiplos e convergentes processos que produziram os mercados “globalizados” e a concorrência generalizada. Por meio de efeitos de encadeamentos e retroalimentações, a acumulação de capital foi muito acelerada. A crescente influência dos oligopólios transnacionais junto às autoridades estatais, assim como a expansão dos circuitos financeiros offshore, favoreceu a multiplicação de “micro decisões” políticas favoráveis à sua expansão. Ao mesmo tempo em que o “fordismo” se esgotava nas esferas nacionais, as corporações transnacionais surgiram como modelos de desempenho, capazes de manter altos níveis de produtividade e de rentabilidade, pelo mesmo fato da expansão global de suas atividades. A política dos governos nestas condições experimentou uma mudança significativa: o Estado passou a se comprometer com apoios logísticos, fiscais e diplomáticos, mais e mais ativos em favor dos oligopólios, tornando-se assim seus parceiros na guerra econômica global. Isso explica porque o Estado se tornou um receptor da pressão da concorrência global, passando notadamente a conduzir diretamente a “reforma” das instituições públicas e das organizações de assistência social em nome da competitividade “nacional”. (DARDOT; LAVAL, 2016, [p. 5])

Trata-se do “retorno do velho liberalismo, agora revestido com roupagens modernas.” Kurz (1998, p. 93) concebe, apropriadamente que, assim como os dois princípios de uma bateria elétrica não se excluem apenas, mas igualmente se condicionam reciprocamente e são, em decorrência, complementares, de modo símile ocorre com as posições antípodas da modernização. Assim, o mercado e o Estado constituem dois princípios de um mesmo campo histórico da modernidade e que não poderão, por sua natureza, existir exclusivamente para si enquanto existir o campo histórico que os constitui na sua oposição.

Esse campo histórico, considerado na sua totalidade, é o moderno sistema produtor de mercadoria, a forma da mercadoria totalizada, a transformação incessante do trabalho abstrato em dinheiro e, com isso, na forma de um processo, a “valorização” ou economicização abstrata do mundo. (KURZ, 1998, p. 93)

Com gana de adentrar em territórios lucrativos e estender seus tentáculos, o capital não mede esforços para ampliar seu raio de atuação, espraiando-se mediante vários modelos como Concessões, Parcerias Público-Privada (PPP), Organizações Sociais etc., e, como meta-mor, as Privatizações, que são expressões consolidadas do establishment do mercado. Eis assim, o que tem sido chamado de Estado Mínimo6.

Como já mencionamos, esse processo ocorreu, pioneiramente, na Europa e Estados Unidos e, hoje, abrange bilhões de pessoas em todos os continentes. A partir de 1990, começa a “adentrar” no Brasil7, estando nos dias que correm no interior desse movimento liberal-autoritário.

Refletindo acerca dessa questão no caso europeu, Sauter (2008, p. 3) leciona que: “The relevance of SGEI has grown apace with the scope of liberalization in the EU. This means in particular that it is now broadly applied in the network sectors, and, entatively, in the social sphere.” Em termos de realidade brasileira, Santos (2018, p. 248), por sua vez, argumenta que: “administração pública tem sido regida pela lógica mercantil, cujos princípios são da eficácia e eficiência. Estes elementos estão na base da redução da infraestrutura pública do Estado e da privatização das suas funções sociais.”

Destarte, buscamos realizar uma contextualização entre as relações públicas (Estado) e privadas (mercado) que são cada vez mais constantes e crescentes no que se refere aos serviços públicos para a sociedade brasileira, sendo estes, nos dias que correm, comumente ofertados também pelo mercado e que, por essa dinâmica histórica particular, merecem um aporte reflexivo. Utilizamos os escritos e experiências existentes para possibilitar comparações entre o que ocorreu/ocorre na Europa e o processo que vem acontecendo no Brasil.

O aporte bibliográfico delineia a metodologia (comparativa e analítica), buscando relacionar a teoria e a prática e vice-versa, uma completando a outra ao mesmo tempo em que são antagônicas. Com tais pressupostos, o texto aqui apresentado trata-se de uma pesquisa de caráter bibliográfico, com teor qualitativo que se utiliza da criticidade em seu delineamento. Ademais, o tema em análise passa pela economia, política, cultura, questões jurídicas, administrativas, gerenciais e sacramenta-se no cotidiano da sociedade em geral, com mais contundência na parcela mais vulnerável8. Por essa ótica, justifica-se a reflexão.

PROLEGÔMENOS DE UMA METÁSTASE NEOLIBERAL: O CASO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS NO BRASIL

Os Serviços de Interesse Econômico Geral (doravante apenas SIEG) são a expressão de um processo específico que se iniciou na Europa pós-Segunda Guerra Mundial e, historicamente se intensificou conforme os países foram se tornando mais envoltos em um espaço do que se concebe, atualmente, por União Europeia.

Assim, conforme Almeida (2013, p. 11), o conceito de serviços públicos é definido como “um instrumento pelo qual os poderes públicos assumem como sua responsabilidade o encargo de fornecer aos cidadãos a satisfação de certas necessidades consideradas essenciais”, sendo, portanto, um serviço universal e que durante décadas foi oferecido em regime de monopólio pelo Estado. Todavia:

No final do século XX assistiu-se na Europa a uma transformação profunda em diversas actividades integradas no serviço público. Muitas destas actividades tradicionalmente exercidas em regime de monopólio foram liberalizadas. Tratava-se de sectores onde eram exigidos avultados investimentos, que naturalmente afastam a iniciativa privada, e tratavase, sobretudo, de actividades que os Estados, na sua lógica de EstadoProvidência, decididamente queriam desenvolver por si mesmos. (ALMEIDA, 2013, p. 12)

Note-se a semelhança com o discurso ideológico - e a prática governamental - que é empregado por diversos setores no Brasil, principalmente, depois de 2016. Usa-se o discurso da falência do Estado e da crise fiscal (AMORIM, 2020) como baluartes para justificar a opção política programática do Estado brasileiro, que é a histórica entrega do patrimônio público ao mercado (CASARA, 2018).

Nesse sentido, o que comumente, na experiência europeia, se denomina liberalização (BEZERRA, 2008) faz parte desse processo do neoliberalismo, preconizado pioneiramente pela Inglaterra e Estados Unidos e que, no Brasil, recebe outras denominações para explicar essa relação entre o público e o privado, tais como flexibilização de trabalho, concessões, terceirização, privatização, parcerias públicoprivadas, convênios via Organizações Sociais, dentre outras.

Assim, e considerando-se tanto a expansão da Comunidade Europeia em termos horizontais (países) e verticais (formas de conexão e abrangência), um Estado cada vez mais - ideologicamente - Mínimo via neoliberalismo se relaciona com seu contraditório face a face, em que agora o bem-estar da sociedade, grosso modo, deve ser oferecido e cumprido através do mercado (ALMEIDA, 2013; VITALIS, 2015).

Com relação ao Estado brasileiro, parece-nos que há uma mudança radical no seu processo de atuação. Refletindo acerca das políticas estatais, Martins assevera que:

[...] decisões políticas podem tanto promover o bem-estar, como se tornarem um fator de agravamento das más condições de vida e saúde do cidadão, em especial das classes menos favorecidas. No Brasil, esta última possibilidade tem ocorrido de forma tão frequente e avassaladora. (MARTINS, 1999, p. 56)

E prossegue a mencionada autora:

[...] uma nova violência de Estado: a de que o Estado-interventor se torne o espoliador de amplas camadas sociais, desviando os fundos públicos das funções para as quais estes foram constituídos, direcionando-os para grupos de interesse, aliados permanentes ou conjunturais dos governos, tornando-se assim um explícito "Estado de Mal-Estar" para a maioria dos seus cidadãos. (MARTINS, 1999, p. 57, grifo nosso)

Para esse Estado de Mal-Estar social, conforme Teixeira:

A cidadania inscrita no credo liberal-burguês não contemplava a liberdade e a igualdade em termos de direitos políticos e sociais universalizáveis, mas restringia-as à sua funcionalidade econômica, vale dizer "ao estabelecimento do sistema de troca de mercadorias”. (TEIXEIRA, 1986, p. 3)

Assim, fica explícito que as reformas (des)estruturantes que estão em curso no Brasil não são inevitáveis, como querem fazer parecer os discursos governamentais, mas trata-se de escolhas, opções políticas deliberadas. Trata-se da opção de privilegiar o capital, o mercado e o setor financeiro em detrimento do interesse da maioria da sociedade - uma barbárie social, no dizer de Castro (2020) - e do desenvolvimento nacional. Portanto, uma persistente preponderância dos interesses mercadológicos sobre os interesses de Estado e da sociedade, em sua maioria. O Estado é mínimo para os trabalhadores; garroteiam-se os investimentos sociais.

Nesse contexto, o conceito de serviço público (muito amplo e complexo na União Europeia) em certa medida referencia essa transição histórica da relação entre Estado e sociedade/mercado anteriormente mencionados. As transformações pelas quais estamos passando (do público ao privado), também podem enquadrar o Brasil - com suas especificidades - nessa conjuntura. Não obstante, no ordenamento europeu, Serviço Público compreende um paradoxo pois,

O termo serviço público brilha por sua ausência nos Tratados da União Europeia. O novo Tratado de Funcionamento da União Europeia - TFUE, não define serviço público e, salvo uma única vez, a ele não se refere explicitamente. [...] Confunde-se com frequência, erroneamente, serviço público com setor público (incluída a função pública), isto é, missão e estatuto, destinatário e proprietário. (BEZERRA, 2008, p. 120)

Por sua abrangência e pouca especificidade, o termo serviço público (que no passado europeu era referência ímpar) é vago para os padrões atuais, principalmente em um contexto comunitário que abrange 26 países. Destarte, mostra as novas acepções que serão produzidas para dar conta de explicar as nuances do mercado e que adentram ao (Direito) público. No Brasil, o termo ainda é balizador das diretrizes públicas (e do Direito Administrativo), porém, com os avanços e a velocidade que vêm ocorrendo tais transformações, logo necessitarão de novos aportes teóricos.

Outra definição de serviços públicos, que é comumente utilizada na União Europeia, se refere à

Serviço universal - Noção desenvolvida pelas instituições da União Europeia no marco dos processos de liberalização, como complemento dos mesmos, para garantir o acesso de todos, em todas partes, a determinadas prestações essenciais. A Comissão Europeia define-os como o conjunto mínimo de serviços de uma determinada qualidade aos quais têm acesso todos os usuários e consumidores, em função das condições nacionais específicas, a um preço acessível. (BEZERRA, 2008, p. 120)

A universalidade é a diretriz, porém, balizada pelo mercado, uma vez que, a regra incide que a maioria das empresas que prestam esses serviços são privadas e, por exceção, em determinadas ocasiões, são subsidiadas com recursos públicos.

Não obstante, esses apêndices vêm chegando ao Brasil em momentos distintos (POCHMANN, 2017) e ganham impulso nos governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (sem partido) com ações cada vez mais voltadas ao atendimento mercadológico das outroras especificidades públicas.

Uma terceira definição apresentada por Bezerra (2008) no âmbito da Europa mas que, em certa medida também se insere na conjuntura brasileira pelas novas concepções que vem sofrendo com as modelagens neoliberais, são os Serviços de Interesse Geral (SIG na União Europeia). Não obstante,

São todas aquelas atividades de serviços prestadas aos administrados, diretamente, ou por delegação a terceiros, a que os poderes públicos impõem obrigações de serviço público, por entender que estão dotados de interesse geral, operem no mercado ou fora dele, isto é, sejam comerciais ou não.

Nesta categoria estão presentes as atividades de serviços não econômicos como a escola obrigatória e a proteção social; as funções soberanas e básicas do Estado como segurança e justiça; e os serviços de interesse econômico geral, como energia elétrica e telecomunicações. (BEZERRA, 2008, p. 120)

Grosso modo, são os serviços públicos em sua totalidade. Inclusive na parte final da citação, há serviços que se enquadram na próxima definição. Podemos inferir, nesse sentido, que essa seja a acepção mais abrangente, pois social e econômica, cabível ao Estado e ao Estado e iniciativa privada, respectivamente. Tal estratificação (SIG e SIEG) não se aplica ao/no Brasil pois, sem um território plurinacional e a necessidade de padronizar ações de interesses nacionais diversos, complexos e contraditórios, a soberania e a autonomia uni-nacional ditam, conforme a legislação brasileira, o conjunto dessas especificidades.

A independência dos poderes legislativos não os desobriga a seguirem o que está disposto na Constituição Federal de 1988 (o que também vale para os poderes executivo e judiciário), diferentemente da União Europeia e das características culturais, sociais, econômicas, políticas etc. de seus 26 países membros.

Por fim, e considerando o exposto no que tange à pluridiversidade ensejada em um único bloco econômico, tem-se os Serviços de Interesse Econômico Geral - SIEG. Conceito eclodido à luz do neoliberalismo e das características mundiais de livre concorrência de mercado, essenciais para a União Europeia, tem características próprias daquele continente/bloco, como nos ressalva Maria do Rosário Anjos:

Esta concorrência aberta, livre e leal implica algumas consequências de extrema importância. Desde logo a abertura das fronteiras ao comércio e à concorrência intracomunitária, tem como resultado económico imediato o abaixamento dos preços, fazendo desaparecer os lucros anormais e eliminando as empresas marginais, as quais foram subsistindo à custa de preços artificiais. Por outro lado, os monopólios nacionais tendem a desaparecer dando lugar a outras formas de mercado e o número de agentes nos mercados oligopolistas aumenta, verificando-se uma redução ou tendência para a diminuição do poder económico dos monopólios e oligopólios nacionais. (ANJOS, 2007, p. 9)

É o mercado que deve ser seguido, e não mais as interferências do Estado; este deve limitar-se apenas à condição de regulador dos serviços que são prestados. Nesse sentido, para Bezerra, os SIEG têm uma

[...] ideia especificamente comunitária que, embora não esteja definida nem nos Tratados nem no Direito derivado, aparece referida no TFUE nos artigos 14 (antigo art.16 TCE) e 106 (antigo art. 86 TCE).

Refere-se a atividades de serviço comercial que operam no mercado e às quais, por motivo de interesse geral, também são impostas, pelos Estados Membros, obrigações de serviço público (art. 14 e art. 106 TFUE). (BEZERRA, 2008, p. 121)

A primeira parte da citação evidencia o quão difícil é compreender o Direito Europeu pois, ora plurinacional e com vertente abrangente, ora com vieses discricionários aos estados nacionais. A segunda parte apresenta o seu caráter ideológico de mercado que, conforme as normativas, são as únicas capazes de sustentar a concorrência no território abrangido.

A professora lusófona Maria do Rosário Anjos menciona ainda, acerca do SIEG, que podem abranger serviços como “fornecimento de energia, água, gás, telecomunicações, serviços postais, entre outros” (ANJOS, 2007, p. 2), sejam oferecidos por empresas públicas ou privadas. O Saneamento Básico está dentre esses serviços, inclusive com boa parcela deles sendo realizada por empresas de mercado mas, garantidos pelo Estado. Ou seja: independentemente de o serviço ser prestado por instituição pública ou privada, ele deve obedecer às regras legais preconizadas pelo Estado, que serão as delimitadoras dos conceitos de serviços públicos apresentados. Para cada caso há um enquadramento jurídico, com prevalescência nos dois últimos listados, todavia, fundamentalmente no SIEG, visto a concorrência.

A FACE BRASILEIRA DO NEOLIBERALISMO: SERVIÇOS PÚBLICOS E MERCADO

Mas, afinal, por que houve, e ainda há, essa transferência de atuação do público para o privado na Europa? E no Brasil, quais seriam essas causas e, fundamentalmente, as consequências? Para Matos,

O conceito de SIEG tem origem na União Europeia, utilizando-se quando se quer referir a serviços de natureza económica a que os EstadosMembros ou a União, por força do interesse geral, impõem obrigações de serviço público às empresas que os fornecem.

Abrange sobretudo serviços prestados pelas grandes indústrias de rede (v.g. transportes, serviços postais, energia, comunicações), mas também englobam qualquer outra actividade económica sujeita a obrigações de serviço público. (MATOS, 2015, p. 51)

Portanto, é o preceito econômico de mercado que dita as regras na Europa, inclusive para o oferecimento de serviços públicos, sejam eles oferecidos pelo setor público, seja pela iniciativa privada, que tem gerado um grande debate jurídico acerca do que é um SIEG principalmente no início do século XXI, com a entrada de mais países nesse bloco econômico9.

A própria jurisprudência europeia tem constantemente sido debatida nos tribunais superiores para julgar demandas que se embrenham nessa complexa teia que é diferenciar o que é SIEG do que não é. Em muitas ocasiões (acórdãos) há, inclusive, mudanças de paradigmas nas decisões (MATOS, 2012). Ademais, ainda cabe a cada país e seu Estado correspondente a definição de SIEG, promovendo uma panaceia de dubiedade entre os serviços, sua natureza, quem os oferece mas, que todos têm que cumprir as regras maiores estabelecidas em comum acordo e sacramentadas quando da entrada no rol de países do bloco.

A Comissão do Parlamento Europeu, em 2011,

referindo-se às obrigações de serviço universal, realça que estas constituem um tipo de obrigação de serviço público destinado a assegurar que certos serviços, nomeadamente os de serviço de interesse económico geral, são disponibilizados a todos os consumidores e utentes de um Estado-Membro, independentemente da sua localização geográfica, com uma determinada qualidade e, atendendo às condições nacionais concretas, a um preço acessível. (ALMEIDA, 2013, p. 6)

Mas, o que seria esse “preço acessível” a tais serviços, no contexto europeu e brasileiro? Em ambos, recai sobre parte da sociedade que não pode pagar para tê-los e, cabe ao Estado entrar em ação para oferecer os serviços a todos (assumindo sua execução) ou subsidiar a empresa pública ou privada que atue nesse ramo na medida exata da compensação financeira, promovendo o ressarcimento pelas vias cabíveis. Assim,

A autonomização dos serviços de interesse económico geral no direito europeu apresenta-se como “sucedânea do tradicional Estado prestador de serviços públicos”, consubstanciando uma nova proposta de “garantia de bem-estar e da coesão social a partir do mercado”. A tendência é para transformar um “regime de serviços públicos num regime de fornecimento regulado de bens e serviços pelo mercado”. (ALMEIDA, 2013, p. 6, grifo do autor)

Veja como a questão mercadológica permeia a relação do SIEG e sua estruturação e disseminação dentre os países membros da União Europeia; é a regra seguir o mercado, com regulação pelo Estado. Entretanto, qual a causa dessa situação em que o Estado não oferece o serviço mas tem que subsidiar a empresa (pública ou privada) para que ele seja realizado e atenda a todos, sem distinção?

Matos nos diz que

[...] de um ponto de vista económico, o ponto decisivo está no facto de estes serviços terem natureza não lucrativa. O mercado não os fornece (ou não os forneceria convenientemente) devido ao elevado custo que esses serviços acarretam tendo em conta a procura ser elevada, ou viceversa, ou seja, a procura existente ser demasiado baixa para um contínuo nível de custos. (MATOS, 2015, p. 50)

Trata-se, portanto, de uma condição em que se sai de um monopólio estatal para a interferência do Estado no processo concorrencial via empresas públicas ou privadas - geralmente em um monopólio de mercado. A concorrência é que vai ditar as razões de ser dos SIEG. Assim, a quebra dessa concorrência (de fato ou de direito), conforme o artigo 106º, nº 2, do Tratado de Funcionamento da União Europeia - TFUE, só pode ocorrer se “a sua aplicação constituir um obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão que lhes foi confiada e se o desenvolvimento das trocas comerciais não for afectada de maneira contrária aos interesses da União” (MATOS, 2015, p. 49).

Esse hibridismo em si ocorre devido à necessidade de se evitar interferências nacionais no macro funcionamento do bloco (plurinacional). Destarte, estabelecer um parâmetro geral para que todos cumpram, é condição sine qua non para que se ofereça o melhor - via concorrência - aos utentes, como eles mesmos se referem.

Talvez essa diferença seja uma das principais entre o ordenamento jurídico europeu e o brasileiro, uma vez que não temos tais parâmetros no Mercosul e, essa situação não se aplica a um Estado Nacional independente e sem relações tão amplas e complexas quanto ao do velho continente. Nesse sentido, no Brasil, estabelecer a concorrência (via privatização, PPPs e demais concessões) seria a melhor saída para que se universalizem os serviços essenciais? Ou o neoliberalismo e seus tentáculos apenas estão, de modo ideológico, usando-se do exemplo de lá para realizar aqui operações semelhantes?

Delegar à iniciativa privada que atua no Brasil o mesmo padrão europeu, sem considerar as devidas vicissitudes históricas, geográficas, jurídicas, sociais, culturais, econômicas, é certamente um atendimento mercadológico que ocasionará ainda mais exclusões e desigualdades. Mesmo que a regulação seja eficiente, são outras situações, outros contextos geográficos. Segundo a Procuradora da Fazenda Nacional Alini Vitalis, na Europa

O entendimento sustentado pela Comissão Europeia tem sido o de que a melhor forma de serem atingidos os objetivos de coesão econômica e social, em benefício dos consumidores, imprescinde da utilização das regras de mercado e da livre concorrência, cabendo aos Estados membros precipuamente o papel de reguladores das atividades econômicas. (VITALIS, 2015, p. 24)

Apregoa-se na Europa, com nítidas concepções neoliberais, que o Estado desempenhe prioritariamente a função de regulador da economia e que esta, deve ter como regra o mercado, e não o monopólio estatal de outrora. Se lá o plurinacionalismo explica boa parte dessa idealização de mercado como regra, aqui no Brasil não se aplica, pelos mais diversos contextos.

A capacidade de regulação produzida historicamente pelo próprio Estado com (ou não) auxílio de consultorias independentes apresenta uma particularidade própria de uma visão empresarial que lá predomina. Os meios pelos quais são conduzidas essas tarefas, e a natureza política na escolha dos chefes dessas instituições de regulação, igualmente destoam sobremaneira daquilo que ocorre no Brasil, em que a indicação política sem atendimentos dos critérios técnicos, esvazia o trabalho teórico da instituição, direcionando-a a um apêndice dos interesses, preponderantemente eleitoral.

Por aqui, muitas vezes, sobressaem-se os interesses materiais de minorias no comando dessas importantes agências estatais de regulação10, retirando ou ceifando a capacidade de fiscalizar e punir, visto atender interesses específicos que não os da maioria da sociedade. Não lhes é atribuída independência técnica decisional, muito menos independência normativa, gerencial, orçamentária e financeira. Não é um Estado híbrido, mas, voltado a atender ao mercado (BOFF, 2021), o que é completamente diferente.

Lá as obrigações dos serviços públicos incidem no “dever de prestação de serviços abaixo do custo, o que acarreta a necessidade de compensação da empresa prestadora do serviço, em condições de mercado, pelos encargos adicionais provocados pelas referidas obrigações” (VITALIS, 2015, p. 24). Tal situação pode ser exemplificada nos

setores de água e saneamento, eletricidade e gás natural, telecomunicações, serviços postais, transportes públicos locais, etc. Enfim, o enquadramento como serviço de interesse econômico geral relaciona-se à liberalização e privatização de setores econômicos, muitos dos quais estavam outrora sob o domínio exclusivo do Estado, que, por sua relevância para o atendimento das necessidades coletivas e interesse social subjacente, devem ser prestados sob o regime de obrigações de serviço público. (VITALIS, 2015, p. 24)

Essas ajudas são os “Auxílios de Estados”, subsídios governamentais àqueles que prestam esses serviços e, pela ausência de lucro e/ou mesmo prejuízos decorrentes da natureza constantemente insuficiente da remuneração dos serviços (que são públicos e essenciais), são recompensados pelo setor público para prosseguirem com a prestação desses serviços. Matos (2015), baseado no Tratado de Funcionamento da União Europeia - TFUE (artigo 107, nº 1), descreve que o “Auxílio de Estado” deve se enquadrar nas seguintes condições:

a) o auxílio terá que ser concedido pelo Estado ou com recursos estatais, independentemente da forma que assuma;

b) deve favorecer certas empresas ou certas produções;

c) terá que constituir uma vantagem económica para o beneficiário;

d) terá que afectar ou ameaçar falsear a concorrência e as trocas comerciais entre os Estados-Membros. (MATOS, 2015, p. 20)

Ou seja: a alínea “a” considera como auxílio desde aportes financeiros para sanar o déficit até isenções fiscais ou cedência de imóveis. Por sua vez, a “b” estabelece que o dispêndio deve se atrelar às empresas que se enquadram nas especificações normatizadas na letra da lei; a alínea “c” pressupõe que esse subsídio tem que chegar ao consumidor/cliente/utente mediante os serviços prestados, e jamais ser um incremento de renda à instituição; por fim, a última alínea, “d”, considera a instabilidade de mercado e uma eventual interferência na concorrência para sanar vícios (positivos e/ou negativos).

Esse instrumento de regulação da economia - vide serviços públicos essenciais, denominados “Auxílios de Estados” - mostram a importância do Estado Provedor e, ao mesmo tempo, sua subalternidade ao mercado em tempos de neoliberalismo. Todavia, mostra que sem o Estado, não há justiça social.

Há uma série de complexidades jurídicas acerca de quando, como e em que intensidade podem ser aplicados esses subsídios (ALMEIDA, 2013; MATOS, 2012; MATOS, 2015; VITALIS, 2015), como também os critérios para que não o sejam. Vitalis, pautada no mesmo ordenamento jurídico ditado pelo TFUE, arrazoa que

devem estar presentes quatro critérios cumulativos para que as compensações de serviço público não constituam auxílios de Estado: (a) a empresa beneficiária deve ser efetivamente incumbida do cumprimento de obrigações de serviço público, que devem estar claramente definidas; (b) os parâmetros para o cálculo da compensação devem estar previamente estabelecidos, de forma objetiva e transparente; (c) a compensação não pode ultrapassar o montante necessário para cobrir os custos ocasionados pelo cumprimento de obrigações de serviço público, considerando-se as receitas obtidas e um lucro razoável, ou seja, a proporcionalidade mostra-se presente; (d) quando a empresa encarregada da prestação do serviço público não tiver sido selecionada através de um processo de concurso público com base no menor custo para a comunidade, o valor da compensação necessária deve ser definido tendo por parâmetro a análise dos custos de uma empresa média, bem gerida e adequadamente equipada em meios de transporte. (VITALIS, 2015, p. 28)

Grosso modo, todas as alíneas obedecem à livre concorrência: na “a”, não se aplica, pois, há a definição de serviço público que não pode ser delegado ao setor privado, como segurança pública e educação; na “b”, o recurso dispendido à instituição prestadora deve ser calculado com base conforme estabelecido pelo mercado - Princípio do investidor privado/Princípio do credor privado/Princípio do comprador privado.

A alínea “c” complementa a anterior ao obrigar que o recurso a ser pago não pode ser maior do que o valor correto que foi auferido e comprovado acerca do “prejuízo ou lucro mínimo de mercado”, não configurando uma interferência na concorrência; por fim, a “d” estabelece que, caso a empresa em questão não tenha sido contratada via concurso público com base objetiva descrita nas linhas do contrato, o valor a ser pago deve se pautar conforme parâmetros de uma empresa de médio porte.

Todos os itens descritos visam a livre concorrência pois, pautando-se na vertente da União Europeia, é ela que define legalmente como as empresas devem estabelecer o oferecimento dos serviços públicos com qualidade e abrangência a todos os utentes.

Inobstante, no Brasil, acabar com o monopólio estatal para repassar à iniciativa privada tais serviços, sob a égide da concorrência, é a melhor solução? Não poderia o próprio Estado, via empresa pública e/ou sociedade de economia mista realizar esses serviços? Ao diminuir a máquina pública com esses argumentos mostra-se que a prioridade não é o atendimento à sociedade, mas sim, saciar a sede do mercado por mais território, lucratividade, concentração e centralização de capitais (CASTRO; POCHMANN, 2020).

Inclusive tem ocorrido a retomada (como em Buenos Aires, na Argentina, Cochabamba, na Bolívia e nas cidades de Limeira-SP e Manaus-AM aqui no Brasil) de concessões da iniciativa privada pelo poder público por diversas situações, mas, recorrentemente, pela prestação insuficiente aos consumidores (ELIAS, 2019).

Realizar as modificações jurídicas para que as empresas públicas concorram com o setor privado - como ocorre parcialmente com o Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, por exemplo -, aliadas à escolha técnica para os cargos centrais nas agências reguladoras poderia ser uma das saídas, todavia, não é isso que tem ocorrido e, mesmo em casos de algumas empresas estatais lucrativas, coloca-se ideologicamente a necessidade de vendê-las, o que denota que as decisões políticas voltam-se para o atendimento mercadológico, e não da maioria da sociedade.

Se, por lá (Europa), a titularidade dos serviços públicos fica em segundo plano em prol do atendimento pleno à sociedade, por aqui (quer-se implementar a todo custo um Estado Mínimo?), para satisfazer os nichos de mercado, penaliza-se fundamentalmente os menos favorecidos. Se o Estado não subsidiar - e vive em crises fiscais e econômicas (AMORIM, 2020), o que gera sérias preocupações quanto a essa situação de provimento -, como ficarão milhões de brasileiros desprovidos?

Mesmo na Europa há nuances em termos de jurisprudência e mediação entre Estado e mercado. As mudanças no ordenamento jurídico são as expressões de que a sociedade é flexível. No entanto, tem prevalecido a pujança do Estado Mínimo em relação ao Estado de Bem-Estar Social, em que até essa característica tem sido submetida ao mercado. Analisando o caso europeu, Bezerra aponta que

A partir da segunda metade dos anos oitenta do século XX, vários setores que prestavam exclusiva ou essencialmente serviços de interesse econômico geral foram gradualmente abertos à concorrência (v.g. telecomunicações, serviços postais, transportes, energia, eletricidade e gás), tendo a União promovido, sempre, uma liberalização controlada, uma abertura progressiva do mercado, seguida de medidas de proteção do interesse geral, em particular, mediante o conceito de serviço universal, com o fim de garantir o acesso de todos, independentemente da situação econômica, social ou geográfica, a um serviço de qualidade comprovada e a um preço acessível, impedindo que grupos sociais ou regiões vulneráveis se vissem excluídos do acesso a serviços essenciais. (BEZERRA, 2008, p. 118, grifo nosso)

Nesse sentido, no novo milênio, tem-se o direcionamento dos serviços públicos cada vez mais voltados ao viés mercadológico, cabendo ao Estado o papel regulador. Inclusive a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia - TJUE começou a direcionar-se a medidas neoliberais nas diretrizes do bloco e na resolução de conflitos oriundos dessa complexidade, ao ponto de afirmar que

algumas formas de intervenção na vida econômica haviam de dar lugar às liberdades comunitárias. A economia de mercado tinha que prevalecer sobre as competências dos Estados para organizar sua intervenção na vida econômica, na forma que melhor garantisse o Estado de Bem-Estar Social. (BEZERRA, 2008, p. 118-119)

Assim, os SIEG e os “Auxílios de Estado” passaram a fazer parte do rol de discussões nos tribunais nacionais mas, fundamentalmente na instituição jurídica maior do bloco, na medida em que diversas empresas se viram lesadas pelos mais diversos motivos, que vão desde subsídios governamentais indevidos até interferência na concorrência.

Nesse ínterim, Estado e mercado, então, se entrelaçam entre o que é público e o que é privado, produzindo uma série de situações complexas na Europa e, também no Brasil. À medida que avançamos na transição de serviços públicos oferecidos e/ou prestados pela iniciativa privada, coloca-se em evidência a questão da titularidade, da regulação, da solidariedade e dos Direitos essenciais que margeiam a depender dos governantes, ora o bem-estar da sociedade, ora a concorrência que os transforma em consumidores, clientes e utentes, subtraindo-lhes o conceito de cidadania (SANTOS, 1997; 2007).

Como exemplo dessa investidura em território nacional, pode-se mencionar o Saneamento Básico (SANTOS, 2020), em que há uma plêiade de situações: empresas municipais, companhias estaduais, empresas privadas com atuação municipal e gigantes do setor (como a Aegea Saneamento e Participações S.A., que está presente em 57 cidades de norte a sul do país). As modelagens jurídicas também vão desde a privatização, passando por convênios, contratos e PPPs, tornando o arcabouço ainda mais complexo.

Mesmo com esse aparato pluridiversificado e o intenso direcionamento dos serviços em geral (e não apenas do Saneamento Básico) à inciativa privada, há muitas diferenças entre os processos europeu e brasileiro, não somente acerca da questão espaço-temporal, como também e precipuamente às especificidades históricas, culturais, geográficas e econômicas. No caso brasileiro, parcela significativa da sociedade ainda não foi incorporada à cidadania (SANTOS, 2007) e, por esse motivo, não é atendida em seus Direitos Fundamentais.

Assim, delegar ao particular, à iniciativa privada essa responsabilidade como única a ter condições de propiciar a universalização do acesso aos serviços de Saneamento - e muitos outros -, é um argumento um tanto quanto falacioso e que atende aos interesses do capital. Não se pode importar ações e processos aplicados alhures e (re)aplicá-los ao Brasil sem a devida precaução, estudo de impacto e viabilidade nos vieses acima mencionados, sob pena de provocar ainda mais desigualdade e exclusão.

Se, na Europa, o Estado atua como regulador desses descompassos entre os serviços públicos (SIEG) e a livre concorrência, em prol de que haja eficiência na prestação dos serviços a todos, no Brasil já se inicia esse processo com direcionamentos jurídicos com nítida tendência a favorecer a empresa particular ao, exercer a compra e/ou concessão-PPP somente das grandes cidades e conjunto de cidades que sejam rentáveis (HELLER, 2020; TAJRA, 2019).

Em outros termos, almejam demanda grande e consumidores capazes de lhes dar lucros, ao passo que municípios esparsamente povoados e áreas longínquas ficariam a cargo do Estado, num processo escuso e que evidencia a transformação de Direitos em mercadorias.

Se, na Europa, o Estado subsidia a empresa (pública ou privada) para que atue nesses casos de ausência de lucro de certas áreas e/ou localidades via subsídio cruzado - portanto, é exceção -, cabendo inclusive ressarcimento via “Auxílio de Estado”, no Brasil acena-se aos interesses do mercado com permanente exclusão, uma vez que, a maioria desses menos favorecidos, ainda sequer foram contemplados nos seus Direitos essenciais. Conforme aponta Bezerra,

A liberalização não pode significar que as empresas gestoras dos serviços de caráter público decidam não prestá-los a certas pessoas ou em zonas territoriais em que não sejam rentáveis. Todos os cidadãos, até aqueles que vivem nas zonas menos povoadas e mais longínquas, onde mais custoso para a empresa é fazer chegar o serviço, têm direito de acesso a este. (BEZERRA, 2008, p. 128)

Infelizmente, não é a regra aqui no país. Há uma municipalização seletiva que certamente provocará tensões entre os governantes municipais e o executivo estadual federal, como também agudizará ainda mais as desigualdades regionais e sociais.

Ora, se o Estado - que alega que não tem condições de propiciar tais serviços - não pode possibilitar a universalização a toda sociedade, repassando a parte mais lucrativa às empresas privadas e ficando com as partes onerosas, conseguirá atender de maneira qualitativa esse conjunto que demanda aportes significativos de recursos financeiros e, em muitas situações, uma manutenção extremamente onerosa?

Ainda que consideremos esse papel solidário de atender e propiciar Direitos a todos os seus cidadãos, não estaria favorecendo a inciativa privada ao lhe “alugar o melhor ponto”? Enquanto isso, caberia a ele atuar nos territórios da exclusão aos quais o particular não quer adentrar, arcando com os custos sociais e econômicos. Essa obrigação teria que recair sobre as empresas privadas, todavia, há casos explícitos de desvio rumo à mercadorização de agentes públicos (os lobistas) que atuam em prol do mercado.

É o neoliberalismo se moldando “made in Brazil” e mostrando que nesse processo, parte da estruturação vai avançando conforme as especificidades de cada país. Esse direcionamento ao mercado, como tem sido na Europa há décadas e intensificado no Brasil desde 2016, vem produzindo um contexto de incertezas na medida em que expõe a face mais perversa da mundialização financeira, que é o processo de transformar o que for possível em mercadoria, inclusive Direitos Fundamentais, como a água e o Saneamento Básico, dentre muitos outros.

Santos (2020), apresenta uma análise que remete à reflexão acerca desse processo no Brasil, especificamente do Saneamento Básico. Nesse bojo, direcionam-se milhões de brasileiros à miserabilidade e à morte uma vez que, ao não terem condições de pagar para terem esse bem, são excluídos dessa essencialidade. Impõe-se, dessa forma, um Estado Mínimo àqueles que já têm um minimum de cidadania. O autor também assevera o caráter ideológico dessa iniciativa e aponta o desmonte do Estado em prol do atendimento da iniciativa privada, chamando atenção para o aumento da injustiça social.

Esse Welfare State à la mercado é um trajeto tenso e contraditório que dificulta as condições de sobrevivência da parcela mais pobre da sociedade, a qual o Estado Provedor não conseguiu suprir; esperar que a iniciativa privada faça esse trabalho, preencha essa lacuna sem a devida compensação financeira - por parte do Estado, pois a maioria dessas pessoas não têm condições econômicas de arcar cotidianamente com tais despesas -, é um disparate sem tamanho. O setor privado age e se movimenta por lucro.

O princípio da Universalidade, disposto na Constituição Federal (BRASIL, 1988) então é descumprido em prol do interesse de mercado. Se o Estado, que é o seu guardião e garantidor, aceita tal submissão e se omite, o que será desse conjunto de excluídos? Muitos Direitos individuais (saúde, moradia, educação de qualidade) e coletivos (meio ambiente sustentável, questões trabalhistas, etc.) já não são garantidos aos brasileiros, principalmente aos menos favorecidos (HELLER, 2020; RESENDE, 2017).

Mais salutar e imprescindível deve ser o papel do Estado em prover os seus, e nesse contexto, o Estado do Bem-estar Social mostra a sua importância - a pandemia do coronavírus e a atuação do Estado brasileiro, ainda que a contragosto do governo federal, expressou o quão fundamental foi e continua sendo a assistência à sociedade.

Essa atenção deve ser direta, atuando no mercado via empresas públicas, seja subsidiando as empresas públicas e privadas para que realizem seus deveres e ofereçam qualitativamente os serviços que prestam, seja na regulação de ambas de modo a garantir que os Direitos mínimos sejam cumpridos. Não pode se furtar, tampouco se omitir.

Nessa disputa de poder, e considerando o conflito de classes e os interesses materiais envolvidos (POULANTZAS, 2000), não se pode olvidar que os mais vulneráveis devem ter seus Direitos mínimos resguardados, e a história tem mostrado que é o Estado Provedor que pode incluir, propiciar aos invisíveis pelo menos a sobrevivência, ainda que a dignidade esteja fraturada e a cidadania em migalhas, para não dizer improvável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As mudanças que envolvem os serviços públicos têm ocorrido sob forte pressão do mercado. Grosso modo, ele impõe seus interesses e avança no campo estatal sob diversas modalidades e segmentos ainda monopolísticos do setor público. Vale dizer, tal movimento é histórico no capitalismo.

Do ponto de vista institucional, observamos algumas semelhanças entre os sistemas econômicos analisados, com tendências cada vez mais uniformes e homogêneas nas relações entre o Estado e as corporações. As forças de mercado ampliam seu papel e sua legitimação na “nova” ordem neoliberal. Portanto, há pressupostos da relação histórica entre a União Europeia e o Brasil que ajudam a explicar as formas/conteúdos contemporâneos e permitem movimentos distintos (próprios), todavia, interrelacionados.

Assim, esse movimento no Brasil atual - de primaziar o capital e o mercado - não é inédito, tampouco, privilegia apenas o capital financeiro contemporâneo. Entretanto, o processo que tem ocorrido no Brasil difere sobremaneira do europeu por diversas vertentes e, por essa via, não pode servir de pretexto para implementar aqui as mesmas estruturas e padrões de lá. Com uma desigualdade social, geográfica, econômica, tecnológica que paira sobre o nosso país, não se pode aceitar que esses excluídos sejam transformados em indesejáveis pois, invisíveis já são.

Assisti-los em seus Direitos Mínimos como saúde, educação, moradia, água, saneamento básico deve ser questão de segurança nacional com atuação direta e indireta do Estado para que os serviços públicos, prestados pelo setor público ou iniciativa privada, cheguem a todos, notadamente aos mais vulneráveis. Ademais, no caso brasileiro, constatamos em alguns momentos históricos significativa atuação do Estado visando combater desigualdades - regionais, sociais, intersetoriais - mesmo que elas tenham sido interrompidas, como foi o caso do Golpe de 2016.

O neoliberalismo não pode continuar a capitalizar os lucros e o Estado arcar com os prejuízos. Há que se garantir dignidade a uma parcela crescente que não tem condições de pagar por um bem pois é desprovida de trabalho, emprego e salário. Apregoar esse processo sem as devidas observâncias que o Brasil despende, é propiciar um lastro contínuo e crescente de miserabilidade e um possível caos.

Nesse sentido, urge que se apresente no Brasil o lado obscuro do neoliberalismo que resulta de um processo já concentrador de renda e ampliador da injustiça social. Se na Europa há o resguardo do Estado aos mais necessitados, aqui no país essa saída é incipiente, seletiva, restritiva e vem - com o novo projeto de poder que se instalou em 2019 - diminuindo ao passo de se contestar direitos adquiridos que sequer chegaram à parcela mais pobre da sociedade.

Destarte, um mundo mais justo, inclusivo e solidário será impossível se a maioria dos povos estiver excluída das benesses fundamentais à vida. Mercantilizar serviços básicos essenciais, criando condições apropriadas para a renovação da acumulação, contraditoriamente contribuirá para aumentar a condição de vulnerabilidade social.

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Notas

1 Tal assertiva não significa, todavia, que esse processo tenha sua gênese nesse período. Estudando essa questão, Hobsbawm (1979), nos ensina que esse processo, o qual denomina “mundo unificado” tem sua incipiência em fins do século XIX, decorrente da Revolução Industrial (fins do século XVIII), com o advento do barco a vapor, do telégrafo e das ferrovias.
2 O espaço de fluxo sustenta-se pela microeletrônica, telecomunicações e suas derivações, pelos centros com funções estratégicas e de comunicação e, por fim, mas não menos importante, pela produção espacial das elites/classes dominantes.
3 Para Santos (2000, p. 191): “O meio técnico-científico-informacional é a cara geográfica da globalização”.
4 Harvey (2004, p. 66) acerca dessa temática, observa: “O poder do complexo Wall Street-Tesouro-FMI está, com respeito a um sistema financeiro coercitivamente imposto, instaurado em torno do chamado Consenso de Washington e mais tarde desenvolvido por meio da construção de uma nova arquitetura financeira internacional, numa relação tanto de simbiose como de parasitismo.”
5 Osório (2014, p. 43) argumenta que: “Na sociedade capitalista o Estado é a única instituição que possibilita que os interesses de grupos sociais específicos possam ser apresentados para o resto da sociedade como se fossem interesses de toda a sociedade”
6 Oliveira (1998) demonstra exemplarmente que o Estado continua intervindo no processo econômico e produzindo mudanças espaciais, evidenciando que: “Não há, portanto, um tamanho ótimo de Estado, nem máximo, nem mínimo.” (OLIVEIRA, 1998, p. 56).
7 Alves (1996, p. 133), analisando historicamente essa temática, afirma que “a adoção de políticas neoliberais no Brasil é tardia.” Na sua visão, a década de 1980 foi de resistência às propostas neoliberais. Ainda acerca dessa questão, Filgueiras (2006, p. 180-181) arrazoa que: “O Brasil foi o último país da América Latina a implementar um projeto neoliberal”.
8 O Estado neoliberal é necessariamente hostil a toda forma de solidariedade social que imponha restrições à acumulação do capital” (HARVEY, 2012, p. 85).
9 Bulgária e Romênia ingressaram em 2007, a Croácia em 2013. Todavia, a Inglaterra sai em 2019 (BREXIT) e complexificará as relações no bloco na medida em que faz parte da Grã-Bretanha e Reino Unido, que agrega países que continuarão na União Europeia.
10 Binenbojm (2005, p. 152), analisando o contexto político, ideológico e econômico em que se deu a implantação das agências reguladoras no Brasil durante os anos 1990, apropriadamente, argumenta que: “Com efeito, o modelo regulatório brasileiro foi adotado no bojo de um amplo processo de privatizações e desestatizações, para o qual a chamada reforma do Estado se constituía em requisito essencial. [...]. Na verdade, mais do que um requisito, o chamado compromisso regulatório (regulatory commitment) era, na prática, verdadeira exigência do mercado para a captação de investimentos”.


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