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Uma ponte entre valores: políticas municipais de patrimônio, pluralidade de significados e alternativas ao Antropoceno no Sul de Minas Gerais
Percursos, vol. 22, núm. 49, pp. 10-45, 2021
Universidade do Estado de Santa Catarina

DOSSIÊ

Percursos
Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil
ISSN-e: 1984-7246
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 22, núm. 49, 2021

Recepção: 30 Novembro 2020

Aprovação: 04 Fevereiro 2021

Resumo: O artigo aborda o processo de tombamento da Ponte das Amoras, que liga os municípios de Alfenas e Campos Gerais por sobre o trecho alagado do rio Sapucaí pela Usina Hidrelétrica de Furnas. Para tanto, a argumentação se apoia em algumas questões teóricas relacionadas às políticas de patrimônio em tempos de emergência climática e à pluralidade de significados e valores que perpassam essas políticas. Também se discutem os conflitos que emergiram em torno da implantação da Represa de Furnas na região e as características específicas das políticas de patrimônio no estado de Minas Gerais. Por fim, avalia-se a implementação dessas políticas considerando a pluralidade de significados e valores atrelados à Ponte das Amoras, por meio de entrevistas realizadas com os gestores envolvidos no processo de tombamento e de uma enquete realizada com moradores de Alfenas e região, propondo, a partir disso, alternativas a essas políticas que considerem a necessidade de produção de futuros mais justos e que possam fazer frente ao atual desequilíbrio biogeofísico e climático que caracteriza a época do Antropoceno.

Palavras-chave: patrimônio, significados culturais, mudanças climáticas.

Abstract: This paper discusses the listing process of the Amoras Bridge, which connects the municipalities of Alfenas and Campos Gerais over the flooded stretch of the Sapucaí River by the Furnas Hydroelectric Power Plant. Therefore, the argument is based on some theoretical issues related to heritage policies in times of climate emergency and the plurality of meanings and values that permeate these policies. The conflicts that emerged around the implementation of the Furnas Dam in the region and the specific characteristics of heritage policies in the state of Minas Gerais are also discussed. Finally, the implementation of these policies is evaluated considering the plurality of meanings and values linked to the Amoras Bridge, through intreviews carried out with the managers involved in the listing process and a survey carried out with the residents of Alfenas and the region, thus proposing alternatives to these policies that consider the need to produce fairer futures and that can face the current biogeophysical and climatic imbalance that characterizes the Anthropocene epoch.

Keywords: heritage, cultural significance, climate changes.

INTRODUÇÃO

Em meio ao planejamento das comemorações pelo 150º aniversário da cidade de Alfenas, no Sul de Minas Gerais, iniciou-se, em 2018, o processo de tombamento da Ponte das Amoras, que liga esse município ao de Campos Gerais por sobre o trecho do Rio Sapucaí que foi alagado para o funcionamento da Usina Hidrelétrica de Furnas. Em seguida, foram iniciados os estudos para a produção do inventário necessário para o tombamento do bem. Se, por um lado, esses estudos logo apontaram para uma pluralidade de valores e significados atrelados à Ponte das Amoras, por outro, o processo de tombamento evidenciou um baixo índice de participação popular.

Tendo em vista essas percepções iniciais, os autores do presente artigo conduziram uma pesquisa paralela que teve por objetivo conhecer mais a fundo o conjunto de valores e atitudes ativados por esse processo, levando em conta as particularidades e limitações dos procedimentos oficiais de tombamento no nível municipal. Essa pareceu ser uma excelente oportunidade para pensarmos no impacto efetivo dos processos locais de patrimonialização, mas também para refletirmos sobre problemas mais abrangentes afeitos ao campo do patrimônio, a exemplo da questão dos valores, das relações entre patrimônio cultural e natural a partir de uma perspectiva crítica e das possibilidades de experiência do tempo que emergem desses processos.

Antes de apresentar os detalhes a respeito do bem tombado e do seu processo de tombamento, o presente artigo oferecerá uma visão um pouco mais aprofundada a respeito de algumas discussões teóricas que precisam ser enfrentadas para a devida compreensão do seu objeto. Em seguida, a Ponte das Amoras será enfocada em suas conexões com as histórias e com a paisagem da região, considerando a diversidade de memórias, valores e atitudes ativados pelo represamento do qual faz parte. Em uma terceira seção será realizada uma análise mais detida do tombamento da ponte, considerando a legislação estadual relacionada aos tombamentos municipais e também os resultados das entrevistas qualitativas e da enquete, realizadas com o intuito de tornar disponível uma melhor compreensão sobre esses valores conflitantes e sobre o nível de engajamento da comunidade em relação a esse processo. Desse modo, será possível propor, ao final deste artigo, práticas patrimoniais alternativas capazes de apontar para a construção de futuros mais democráticos e habitáveis.

A QUESTÃO DOS VALORES PATRIMONIAIS E OS PATRIMÔNIOS NA ÉPOCA DO ANTROPOCENO

A ideia de que determinados bens merecem a proteção do Estado em função de valores que lhes podem ser atribuídos por uma coletividade está diretamente atrelada à função que os monumentos passaram a cumprir nas sociedades modernas (CHOAY, 2006). Seu significado repousaria no seu caráter de evidência material para narrativas unificadas em torno de um projeto civilizacional eurocêntrico. Por serem percebidos como provas materiais do processo histórico que teria produzido os modernos Estados liberais-burgueses, era preciso lutar contra o perecimento desses vestígios, sob pena de esfacelamento da própria unidade nacional.

Por isso, os aparatos estatais modernos passaram a investir na produção de saberes especializados sobre a identificação desses bens e dos riscos de sua perda e, ao mesmo tempo, sobre os procedimentos necessários para a sua conservação. Assim, ao lado de uma produção acadêmica marcada pelas ideias de “risco” e “perda”, surgiu também todo um conjunto de profissionais e instituições dedicado à proteção desses patrimônios nacionais (GONÇALVES, 2002; HARRISON, 2013).

Desde então, diversos trabalhos acadêmicos, textos legais nacionais e recomendações internacionais têm se debruçado sobre os valores e significados que demandariam a proteção oficial de determinados tipos de bem. É bastante conhecida, por exemplo, a tipologia oferecida pelo historiador da arte austríaco Aloïs Riegl (18581905), como parte de uma “teoria dos valores” para a conservação dos monumentos históricos. Riegl teria constatado a existência do valor de “rememoração”, que se desdobraria em valor “histórico” e de “ancianidade”, e o valor de “contemporaneidade”, que comportaria outros valores, como o “de uso” e o “artístico”, sendo que este último, por sua vez, ainda se desdobraria nos valores “artístico relativo” e “de novidade” (CHOAY, 2006, p. 167). No entanto, na prática, foi o “valor nacional” que marcou as primeiras políticas públicas de memória e patrimônio, como é possível observar tanto na legislação francesa, em especial nas ações do Comitê de Instrução Pública da França revolucionária (CHOAY, 2006), quanto na Lei das Antiguidades (Antiquities Act) estadunidense de 1906 IRELAND; BROWN; SCHOFIELD, 2020(), por exemplo. Cartas internacionais publicadas ao longo do século XX, como a de Atenas (1931) e de Veneza (1964), adotaram um tom positivista ou objetivista, por sua vez, ao privilegiarem valores históricos, científicos e estéticos, definidos por especialistas e com uma marcada ênfase em estruturas arquitetônicas ou monumentos (IRELAND; BROWN; SCHOFIELD, 2020; JONES, 2017). No Brasil também se consolidou, desde 1937, ano da criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, atualmente IPHAN), uma visão marcadamente nacionalista a respeito das políticas públicas relacionadas ao patrimônio histórico, artístico e cultural, bem como uma definição técnica dos valores supostamente intrínsecos de seus monumentos (CHUVA, 2009; FONSECA, 1997; GONÇALVES, 2002; LOWANDE, 2013, 2019; RUBINO, 1996).

A Carta de Burra (ICOMOS Austrália, 1979, revisada em 2013) introduziu um avanço conceitual importante no campo do patrimônio ao propor a categoria “significação cultural” (cultural significance). Essa categoria inclui, ao lado dos valores estético, histórico e artístico, os valores “social ou espiritual para as gerações passada, presente e futura”, além de considerar várias formas de incorporação desse significado para além dos próprios edifícios (ICOMOS, 2013). No entanto, o que tem sido destacado é que ao longo desses últimos anos se observou uma certa distância entre as discussões teóricas e as práticas de conservação e gestão patrimonial. Essa lacuna faz com que pressões burocráticas e mercantis acabem se sobrepondo aos interesses das comunidades mais diretamente ligadas aos bens listados como patrimônio, o que também se deve à inexistência de uma tipologia e de uma metodologia capaz de contemplar a diversidade e a fluidez dos valores que as pessoas atribuem cotidianamente a esses bens (FREDHEIM; KHALAF, 2016; IRELAND; BROWN; SCHOFIELD, 2020; JONES, 2017).

O processo de tombamento que nós acompanhamos mostra que esse diagnóstico também é válido para pensarmos as políticas públicas de patrimônio no Brasil, ainda que nossa análise considere apenas a legislação mineira afeita aos patrimônios municipais. Na ausência de uma regulamentação mais clara, as decisões sobre os patrimônios protegidos no interior do estado podem ser norteadas por pré-concepções que povoam o imaginário de gestores em posições privilegiadas de poder. Como mostraremos, essas concepções podem ecoar valores históricos, científicos e artísticos tradicionais, desconsiderando muitas vezes os “significados culturais” ou “valores sociais” atrelados à comunidade. Isso se deve tanto à inexistência de políticas que incentivem a participação popular nesse tipo de decisão quanto à adoção acrítica de preconcepções axiológicas que desconsideram a complexidade e a importância desse assunto. Além disso, é preciso que consideremos a pressão de prazos e condições para obtenção de recursos como algo que igualmente desencoraja formas mais cuidadosas de tomada de decisão no campo do patrimônio municipal.

A Ponte das Amoras também evoca discussões sobre as relações entre patrimônio cultural e patrimônio natural. O impacto ambiental causado pela Represa de Furnas produziu uma série de traumas que foram paulatinamente recalcados pelas ideias de progresso econômico e pela própria ideia da represa como uma paisagem dotada de valores naturais. A transformação do planeta pela atividade humana, seus impactos catastróficos e a negação desses impactos por discursos economicistas é um assunto recorrente nos estudos patrimoniais tocados pelas discussões sobre o Antropoceno (DESILVEY, 2017; DESILVEY; HARRISON, 2020; HARRISON, 2015; HARRISON; STERLING, 2020; LOWANDE; BUENO, 2020; OLSEN; PÉTURSDÓTTIR, 2016). Desde o início dos anos 2000, consolidou-se um amplo consenso de que nós vivemos em uma nova época geológica, que boa parte dos(as) estudiosos(as) prefere chamar de “Antropoceno” pelo fato de que o equilíbrio biogeofísico e climático característico do Holoceno foi substancialmente modificado pelas ações humanas, a ponto de colocar agora em risco a nossa própria existência como espécie.

É quase impossível acompanhar a imensa produção acadêmica atual a respeito desse problema mais amplo, tanto no campo das ciências humanas quanto naturais. Ainda que seja difícil negar o fato de que vivemos em uma nova fase da geologia terrestre, possivelmente destrutiva para a vida da humanidade e de outros seres no planeta, ainda há um intenso debate sobre quando isso teria começado (com o uso do fogo, com a agricultura, com a colonização das Américas, com a Revolução Industrial ou com a “Grande Aceleração” tecnológica e produtiva do pós Segunda Guerra Mundial, que são os marcos cronológicos mais lembrados), sobre quem deveria ser responsabilizado por isso, sobre a própria nomenclatura dessa época (o conceito geológico de “época” tem sido o mais aceito, ainda que não seja unanimidade, mas as formas de nomeá-la variam bastante: Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno e Chthuluceno são as formas mais conhecidas) e sobre como deveríamos enfrentar esse problema.

De todo modo, é inegável que a compreensão dessas transformações tem afetado diretamente o nosso entendimento sobre as relações da humanidade (conceito que também tem se complexificado nesse processo) com o tempo, com impactos diretos, portanto, na historiografia e no campo do patrimônio. O que se pode oferecer aqui é, portanto, apenas uma lista bastante arbitrária e parcial sobre o que poderiam ser consideradas referências importantes sobre o assunto (BONNEUIL; FRESSOZ, 2017; CHAKRABARTY, 2008; CRUTZEN, 2002; CRUTZEN; STOERMER, 2000; DANOWSKI; CASTRO, 2017; DAVIS; TODD, 2017; HARAWAY, 2016; LATOUR, 2014, 2020; LEWIS; MASLIN, 2015; MALM; HORNBORG, 2014; MARQUES, 2020; MCNEILL; ENGELKE, 2014; MOORE, 2015; MORTON, 2013; POVINELLI, 2016; SIMON, 2020; STENGERS, 2015; TSING, 2015; YUSOFF, 2018; ZALASIEWICZ; WATERS, et al., 2017).

No campo das políticas de memória, essa descoberta tem alterado até mesmo nossas concepções sobre o que significa falarmos em “herança” ou “patrimônio”, uma vez que nós estamos herdando, no presente, uma série de materiais e ruínas indesejáveis de uma ação destrutiva promovida pelo modo de vida moderno e capitalista (HARRISON; STERLING, 2020; OLSEN; PÉTURSDÓTTIR, 2016). A própria ideia de que o patrimônio cultural e o patrimônio natural conformam domínios distintos expressa uma ontoepistemologia predatória ou parasitária para a qual o conjunto de não humanos que coabitam o planeta Terra conosco podem ser objetificados e transformados em recursos que devemos ou não preservar (HARRISON, 2015).

Enquanto o patrimônio cultural expressaria o nosso desenvolvimento civilizacional advindo de nossa capacidade de transformar o mundo natural a nosso favor, o patrimônio natural diria respeito aos “recursos” que deveríamos reservar para usos mais sustentáveis no futuro. Essa, no entanto, é uma visão antropocêntrica que não é partilhada por todos(as) no planeta (CAPIBERIBE, 2018; CHANDLER; REID, 2020; DANOWSKI; CASTRO, 2017; HARAWAY, 2016).

A Ponte das Amoras também pode ser entendida como uma herança significativa desse tipo de transformação antrópica do planeta. Como veremos a seguir, o represamento do qual a sua construção faz parte alterou radicalmente um modo de vida estabelecido havia várias gerações em torno dos ciclos sazonais dos rios Grande e Sapucaí. A construção da Represa de Furnas foi percebida como “o crime do século” (VIEIRA, 2018)1 pelos habitantes da região, que tiveram suas vidas desestruturadas a partir da inundação das áreas previamente ocupadas por plantações, especialmente de arroz, e por pastagens. Não se trata de romantizar as relações comerciais preexistentes na região, uma vez que ela também foi ocupada de forma violenta por sesmeiros por meio da aniquilação de populações indígenas preexistentes. No entanto, essas memórias difíceis e conflituosas nos chamam a atenção para o fato de que não existe um valor intrínseco à Ponte das Amoras tomada como patrimônio cultural.

Explorar essas memórias conflitantes, considerando, inclusive, a perspectiva de ecologias mais-que-humanas preexistentes ou resistentes nesse sítio, é uma forma de reavaliarmos os projetos hoje hegemônicos de futuro. Ao invés de permitirmos a prevalência de um único sentido histórico, estético e científico, via de regra associado à ideia de desenvolvimento econômico ilimitado, faz-se urgente prestarmos atenção em outros sentidos, especialmente aqueles que apontam para futuros em que a vida humana e outras formas de vida possam se sustentar em futuros mais justos e menos catastróficos. Este artigo argumenta que a Ponte das Amoras pode nos ajudar a refletir sobre essas importantes questões relacionadas aos valores patrimoniais e a projetos coletivos de futuro, ainda que ela expresse uma política patrimonial de caráter municipal e, portanto, bastante localizada.

A REPRESA DE FURNAS E A PONTE DAS AMORAS NA HISTÓRIA DO SUL DE MINAS GERAIS

Habitado originalmente por populações ameríndias, a área que hoje corresponde ao estado de Minas Gerais foi ocupada definitivamente por colonizadores portugueses a partir da descoberta de enormes jazidas de ouro na sua montanhosa região central, na virada do século XVII para o XVIII, especialmente onde hoje estão situadas as cidades de Ouro Preto e Mariana. Antes disso, essa região interiorana da colônia portuguesa na América do Sul já vinha sendo palmilhada por colonizadores advindos do planalto em que hoje se encontra a capital do estado de São Paulo. Até meados do século XVII, a população de indígenas conhecidos como Guaianases, que habitava a região que hoje corresponde ao Sul e ao Sudoeste de Minas, já havia sido em grande medida dizimada pelo avanço da colonização portuguesa (AMANTINO, 2006; GUIMARÃES, 2017), não obstante sua obstinada resiliência histórica (RESENDE; LANGFUR, 2007).

As diferentes regiões de Minas Gerais se integraram de maneiras específicas ao centro minerador. O Sul e Sudoeste da província desenvolveram atividades agropecuárias fortemente marcadas por relações escravistas de produção voltadas para o abastecimento das áreas de extração aurífera no século XVIII. Segundo dados levantados por Luna e Klein (2004), a região que eles chamam de “Fronteira Sul” da Província de Minas Gerais possuía, nos anos 1830, uma população composta por 29% de pessoas escravizadas, sendo que essas pessoas estavam presentes em 30% dos domicílios, os quais possuíam, em média, 6,3 escravos. A presença africana faz-se ainda mais marcante ao considerarmos os 5% de forros(as) entre as pessoas livres em Minas Gerais, bem como as pessoas pardas, isto é, homens e mulheres livres que muito provavelmente tiveram alguma forma de contato com o universo africano por meio de seus ascendentes (LUNA; KLEIN, 2004).

Quando a mineração entrou em crise na região central no final do século XVIII, o Sul e o Sudoeste de Minas dirigiram a sua produção para o abastecimento do Rio de Janeiro e de São Paulo (LENHARO, 1993). Essa situação particular fez com que, já em fins do século XIX, essas duas regiões fossem integradas de maneira periférica em um sistema capitalista transnacional.

Desse modo, as regiões Sul e Sudoeste de Minas conheceram, na primeira metade do século XX, um importante desenvolvimento econômico sem, contudo, alcançarem o mesmo processo de industrialização dependente verificado em outras regiões do estado e do país. De qualquer maneira, a região já contava com uma significativa rede ferroviária, hidroviária e financeira, se a compararmos com outras regiões brasileiras (SAES; MARTINS, 2012). Foi neste período que foi construída a primeira ponte sobre o rio Sapucaí, já conhecida como Ponte das Amoras - nome ligado à incidência de amoreiras silvestres no local -, a fim de permitir o escoamento da significativa produção agropecuária da região. Ao mesmo tempo, sua população já se caracterizava como herdeira de aspectos dos modos de vida portugueses, de povos ameríndios (CANDIDO, 2010) e continua sendo fortemente marcada pela presença africana em função de relações escravistas amplamente disseminadas no passado, ainda que toda essa população tenha sofrido os impactos dos ideais civilizacionais europeus impostos, na região, pelos projetos modernizadores das elites locais (EUGÊNIO, 2019).

O Brasil passou por um rápido processo de industrialização depois da Segunda Guerra Mundial, principalmente em função das políticas “nacionais-desenvolvimentistas” inauguradas por Getúlio Vargas (BASTOS; FONSECA, 2012; BIELSCHOWSKY, 2011). O investimento estatal em áreas estratégicas para o desenvolvimento econômico, privilegiando as indústrias de base, o setor energético e a infraestrutura rodoviária, articulava-se ao incentivo do ingresso de capitais estrangeiros no país, o que possibilitou uma grande expansão industrial e urbana nas principais capitais do Centro-Sul brasileiro: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Essa rápida expansão impunha, no entanto, um desafio energético para o país, uma vez que a iniciativa privada, que até então monopolizava a oferta de energia elétrica, não conseguia suprir a demanda por eletricidade exigida por aquele crescimento industrial, e o país começava a enfrentar uma série de blackouts que ameaçaram limitar o seu desenvolvimento econômico (COLCHETEFILHO; MUNIZ; CARDOSO, 2013; MARTINS, 2010).

Juscelino Kubitschek (1902-1976) assumiu a presidência da República prometendo acelerar em 50 anos o crescimento econômico do país dentro do prazo de seus cinco anos de governo. Para enfrentar o problema de abastecimento de energia elétrica, Kubitschek propôs um plano audacioso: represar a região em que o rio Grande se encontra com o seu principal afluente, o Sapucaí, inundando uma área correspondente a duas baías da Guanabara (1457 Km2). O território alagado era composto pelas principais áreas produtivas da região (várzeas), de fazendas, linhas ferroviárias e hidroviárias e mesmo áreas urbanas de uma região do Sul e Sudoeste de Minas Gerais que hoje abrange 35 municípios, desalojando em torno de 30 mil pessoas (MARTINS, 2010). O intuito era estabelecer um sistema energético nacional, voltado para as necessidades industriais das capitais do Centro-Sul brasileiro, sendo que a Usina Hidrelétrica de Furnas contribuiria, à época, com aproximadamente 1200MW de energia, o que representava em torno de um terço da capacidade total do país (COLCHETE FILHO; MUNIZ; CARDOSO, 2013).

A construção da Represa de Furnas, entre 1957 e 1963, foi vista como um crime para as pessoas que viveram na região à época (VIEIRA, 2018). De acordo com Lemos Júnior (2011), a implantação da Usina Hidrelétrica de Furnas trouxe severas consequências para os moradores da área inundada, produzindo, assim como na construção de outras grandes barragens, “fortes repercussões sociais, políticas e econômicas para além das questões ambientais” (LEMOS JÚNIOR, 2011, p. 98). A população rural da região, que teve suas terras desapropriadas de maneira considerada bastante injusta, utilizava as várzeas às margens dos rios Grande e Sapucaí para diversas culturas, em especial lavouras de café, milho, arroz e alho, e o alagamento de suas propriedades arruinou muitas dessas famílias, forçando o deslocamento de pessoas que passaram a habitar as periferias das cidades do Sul de Minas, a exemplo de Alfenas (BRANQUINHO; OLIVEIRA, 2013).

Essa produção agrícola vinha sendo responsável por uma integração periférica da região ao sistema capitalista internacional, e, embora a região não tivesse alcançado o mesmo dinamismo econômico de áreas catapultadas pelo desenvolvimento industrial, ela contava, conforme já mencionado, com uma significativa rede ferroviária e hidroviária, que foi então sepultada pela implantação da Usina Hidrelétrica de Furnas (MARTINS, 2012). Cidades como Fama, Boa Esperança e Guapé tiveram trechos urbanos significativos alagados, ainda que a proximidade da represa tenha trazido expectativas em relação ao potencial turístico da nova paisagem (LEMOS JÚNIOR, 2011). Como mostram os relatos colhidos na região sobre o período, houve muita resistência entre os proprietários rurais locais, que “não se deixaram seduzir pelo canto da sereia do progresso” (MARTINS, 2010, p. 354) e se organizaram contra as indenizações irrisórias pagas por Furnas (LEMOS JÚNIOR, 2011; MARTINS, 2010; VIEIRA, 2018). No entanto, os interesses da empresa estatal acabaram prevalecendo, seja por meio de disputas judiciais ou pela cooptação de comerciantes, prestadores de serviço e políticos que encontraram na construção da represa boas oportunidades de negócios.

Como mostra Martins (2010), aos poucos, no entanto, a vida das pessoas foi se acomodando à nova paisagem regional. O historiador mobiliza relatos que indicam novos usos possibilitados por esse processo de reterritorialização. Como exemplo disso, as margens do lago passaram a ser utilizadas como espaços de sociabilidade em meio às atividades cotidianas das mulheres da região; como espaço de lazer e, a partir da década de 1970, de fruição turística ligada ao crescimento do número de bares, restaurantes e pesqueiros, bem como à prática de esportes aquáticos e da pescaria esportiva; da ressignificação de festas religiosas populares, a exemplo da Festa de São Pedro, em Fama, e da festa de São João, em Barranco Alto; e de festas profanas que também passaram a atrair um significativo público forasteiro, a exemplo dos carnavais. Enfim, a represa passou a ser encarada como uma espécie de refrigério diante das imposições cada vez mais pesadas das relações capitalistas de produção na vida das pessoas da região. Segundo Martins, “os moradores mais jovens passaram a se orgulhar das belezas paisagísticas do lago de Furnas, da simplicidade, tranquilidade e hospitalidade dos núcleos urbanos lindeiros, aprenderam a valorizar a combinação de sol, água e verde” (MARTINS, 2010, p. 356).

Essa relação idílica com a represa acabou se sobrepondo aos impactos socioambientais trazidos pelo empreendimento. Ainda segundo Martins (2010), os jornais regionais deixaram de noticiar os efeitos negativos do represamento a partir da década de 1990, voltando-se mais para as expectativas do melhor aproveitamento econômico do lago, especialmente relacionadas ao turismo e à piscicultura. Assim, as memórias sobre o “crime do século” (VIEIRA, 2018) deram lugar a uma relação mais carinhosa com o “Mar de Minas”, que se tornou uma espécie de “cartão postal” no imaginário das gerações mais jovens (MARTINS, 2010).

Entretanto, ainda subsiste uma diversidade de interesses divergentes relacionados à pluralidade de atores na região. Os gestores de Furnas, preocupados com a maximização da eficiência energética, criam assim conflitos com prefeituras, fazendeiros(as) e moradores locais, empresários do ramo do turismo e pescadores, que se veem prejudicados com o deplecionamento do reservatório em função das necessidades energéticas, o que acarreta na diminuição da qualidade e quantidade de água (MARTINS, 2010). Em meio a esses conflitos, observa-se mais recentemente, como indicam as matérias dos jornais analisadas por Martins (2010), uma percepção da Represa de Furnas como “natureza mercantilizada” condicionando, assim, a sua fruição à privatização de suas margens.

O represamento das águas dos rios Grande e Sapucaí também significou a destruição da gruta de Itapecerica, situada na região de Carmo do Rio Claro, que guardava riquíssimas inscrições rupestres em ótimo estado de conservação, além da submersão de diversos artefatos líticos e cerâmicos produzidos pelas populações indígenas que habitaram essa paisagem antes da invasão portuguesa. O romance histórico produzido por Vieira (2018) dá conta, entre outras coisas, da luta de moradores da região para a proteção desses sítios arqueológicos, algo que não sensibilizou, contudo, o ímpeto progressista personificado na figura dos engenheiros de Furnas. É importante lembrar que o Estado brasileiro só conheceu uma legislação dedicada especificamente à proteção de sítios arqueológicos em 1961 (Lei 3.924/61).

Por outro lado, também é necessário considerar o impacto do represamento dos rios Grande e Sapucaí nas vidas mais-que-humanas da região. De modo geral, a construção de hidrelétricas interfere no “clima local, temperatura da água, na dinâmica do ambiente aquático, na perda de remanescentes florestais e terras agricultáveis, além do aumento na emissão de gases decorrentes da decomposição da vegetação submersa e dos riscos de contaminação da água” (COLCHETE FILHO; MUNIZ; CARDOSO, 2013, p. 139). Inexistia uma legislação ambiental voltada para os impactos socioambientais de grandes obras à época da implantação da Usina Hidrelétrica de Furnas. Colchete Filho, Muniz e Cardoso (2013) apontam, por exemplo, que com a transposição da ictiofauna do

Rio Piumhi da bacia do Rio Grande para a do Rio São Francisco, por causa do represamento, “algumas espécies endêmicas do rio São Francisco passaram a correr risco de extinção” (COLCHETE FILHO; MUNIZ; CARDOSO, 2013, p. 141). Além disso, “a intervenção acarretou a formação de um conjunto de lagos no antigo leito do rio Piumhi, a drenagem de uma extensa área pantanosa e a alteração dos leitos de córregos e ribeirões” (COLCHETE FILHO; MUNIZ; CARDOSO, 2013, p. 141), o que tem resultado no assoreamento da cabeceira do Rio São Francisco.

Ademais, o deplecionamento persistente (redução do nível das águas) do reservatório, segundo Lemos Júnior (2011), “vem acarretando o aparecimento de grande quantidade de vegetação nas margens do lago”, cuja decomposição, com o retorno do nível normal da represa, reflete “na piora da qualidade da água justamente onde ocorre a maior parte das atividades turísticas e de pesca” (LEMOS JÚNIOR, 2011, p. 11). Se, por um lado, os agricultores da região percebem o aumento dos custos da produção pela crescente dificuldade de obtenção de água da represa para irrigação, por outro é corriqueiro observar, às margens da represa, em Alfenas, a aspersão aérea de agrotóxicos sobre plantações de soja. Se essas atividades, em conjunto, tendem a prejudicar os usos humanos da represa, por outro lado, seus impactos na vida de outros viventes que habitam a região, a exemplo de diversas espécies de peixes, répteis, aves e mamíferos, tem sido mortal (EPTV 2, 2019).

Mais especificamente em relação à Ponte das Amoras, seria possível afirmar que, ao lado da própria Usina Hidrelétrica de Furnas, essa construção é uma das obras arquitetônicas mais significativas da região. A ponte foi construída ao mesmo tempo em que a represa, pela companhia Christiani & Nielsen, responsável por outros cartões postais brasileiros, como o Jockey Club do Brasil, no Rio de Janeiro (RJ), o estádio do Clube de Regatas Vasco da Gama, na mesma cidade, o Elevador Lacerda, em Salvador (BA), entre outras edificações (FREITAS, 2009). A técnica do concreto-armado, empregada na construção da ponte, foi um importante símbolo da arquitetura moderna brasileira, que passou a ser conhecida mundialmente a partir do trabalho de arquitetos como Lucio Costa e Oscar Niemeyer. A sua própria estrutura arquitetônica remete, portanto, aos projetos de futuro em concreto armado que povoaram os sonhos desenvolvimentistas da “Era JK”.

Além disso, a Ponte das Amoras certamente marcou o corpo e a memória das pessoas que trabalharam em sua construção, os “barrageiros”. Antes da mão de obra qualificada, exigida para a o trabalho de produção de energia, a construção da usina demandou a arregimentação de uma grande quantidade de trabalhadores braçais, deslocados das mais diversas regiões do país2, para trabalharem em condições que ainda precisam ser melhores conhecidas, mas certamente submetidas às urgências desenvolvimentistas de engenheiros em geral pouco sensíveis a outras demandas que não à produção de energia (VIEIRA, 2018).

Por tudo que foi apresentado até aqui, fica evidente o potencial de ativação de diferentes relações com o tempo e com o espaço por meio da Ponte das Amoras. A próxima seção buscará compreender em que medida as políticas de memória e patrimônio institucionalizadas e praticadas no estado de Minas Gerais têm lidado com esse potencial.

O PROCESSO DE TOMBAMENTO

A legislação estadual e a reificação da prática do tombamento

A cidade de Alfenas completou 150 anos de emancipação política em 2019, e a Superintendência de Cultura do município decidiu, entre outras iniciativas, elevar à categoria de patrimônio cultural da cidade dois bens: a Feira Municipal e a Ponte das Amoras. O edital de abertura do tombamento da Ponte das Amoras foi assinado no dia 25 de setembro de 2018, durante o II Seminário do Patrimônio Cultural de Alfenas, realizado na Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) e organizado pela Secretaria Municipal de Educação em parceria com a empresa de consultoria Triângulo Cultural.

A próxima etapa do processo de tombamento da Ponte das Amoras foi o início da produção de um dossiê. Esse documento, que ainda não havia sido finalizado até o momento da escrita deste artigo, deverá caracterizar o bem em seus aspectos físicos, históricos e artísticos, além de indicar quais valores motivaram o seu tombamento. Em seguida, a Ponte das Amoras deverá ser inscrita como Patrimônio Cultural Material no Livro do Tombo do município de Alfenas, o que, a princípio, não ocorrerá em Campos Gerais tendo em vista que esta cidade ainda não dispõe de dispositivo semelhante. Tal ação garantirá que a cidade de Alfenas pontue e receba o repasse financeiro ligado ao ICMS Patrimônio Cultural.

Há uma discussão no campo do patrimônio cultural brasileiro a respeito da descentralização de sua gestão que remonta à década de 1960 (LOWANDE, 2010). Essa discussão foi consolidada na Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 216, além da ampliação do conceito de patrimônio cultural, ratifica a descentralização dos órgãos patrimoniais com o surgimento de órgãos estaduais e municipais. É nesse contexto que surge a Lei Estadual número 12.040, de 28 de dezembro de 1995, que trata dos critérios de distribuição do ICMS (Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços) a cada município. Conhecida como Lei Robin Hood, essa lei abrange o patrimônio cultural em Minas Gerais (BOTELHO, 2006).

A Lei Estadual 18.030, de 12 de janeiro de 2009, atualmente em vigor, é a quarta versão da Lei Robin Hood (CARSALADE; BIONDINI; STARLING, 2019). Ela substituiu a Lei 12.040/1995 e incorporou o registro do patrimônio cultural imaterial como critério de pontuação (MOREIRA, 2014). Essa lei estabelece que, para o repasse dos recursos do ICMS Patrimônio Cultural, os municípios devem comprovar que possuem ações de gestão para a preservação do patrimônio cultural em seus municípios, cabendo ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (IEPHA-MG), por meio das suas deliberações normativas, definir e avaliar quais critérios seriam pontuados no ICMS Patrimônio Cultural, de forma a verificar as políticas de proteção patrimoniais realizadas pelos municípios (BOTELHO, 2006). As Deliberações Normativas (DN) e os critérios para pontuação exigidos em cada uma delas se alteraram ao longo do tempo e a deliberação que estava em vigor no momento em que esta pesquisa foi realizada é a DN/CONEP número 01/2021.

No entanto, de acordo com Botelho (2006), “os critérios adotados privilegiam sobretudo o tombamento e intervenção em conjuntos urbanos, incentivando municípios interessados na proteção patrimonial” (BOTELHO, 2006, p. 478). Percebe-se, portanto, que, mesmo descentralizando as políticas patrimoniais, foi o IEPHA que estipulou, de maneira centralizada, os critérios que garantem essa pontuação, e o tombamento de edifícios e conjuntos urbanos ainda é parte central dessas políticas. Isso significa que os critérios de pontuação são, por extensão, baseados em uma política de memória e patrimônio definida a partir de parâmetros não necessariamente atentos às especificidades locais dos municípios (ANDRADE JÚNIOR; FARIA, 2019). Ainda assim, a implantação do ICMS do Patrimônio Cultural, em 1996, resultou no aumento exponencial da participação dos municípios mineiros em políticas culturais (MOREIRA, 2014). Como apontam os dados do IEPHA-MG (2021), em 2019, dos 853 municípios mineiros, 804 pontuaram no ICMS Patrimônio Cultural3.

Percebe-se, assim, que mesmo com as transformações que ocorreram no campo do patrimônio a partir da ampliação do conceito de patrimônio cultural na Constituição de 1988 e da incorporação do registro para proteção dos bens imateriais, por exemplo, ou, antes disso, com a complexificação da ideia de “significados culturais” por meio da Carta de Burra, alguns traços tradicionais das políticas preservacionistas são mantidos nos municípios mineiros por força da legislação estadual. Em Alfenas, MG, o tombamento também se tornou política central do poder público para o campo da memória desde que o município passou a pontuar no ICMS Patrimônio Cultural.

A sede da sua Prefeitura Municipal foi tombada pelo Decreto nº 01/2001; a Edificação da Escola Estadual Coronel José Bento pelo decreto nº 02/2001; o prédio da casa da Cultura e os Lotes de Documentos do século XIX e XX da Câmara Municipal respectivamente pelos decretos nº 03/2002, 04/2002 e 05/2003; o Conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico da Praça Getúlio Vargas pelo decreto nº 06/2003 e as Fachadas principal e lateral direita do edifício da antiga Escola de Farmácia e Odontologia de Alfenas e sua volumetria pelo decreto nº 271/2009. Todos esses bens foram tombados no nível municipal. Só em 2019, Alfenas teve um bem imaterial registrado, a Feira Livre. É importante lembrar que o município pontua no ICMS Patrimônio Cultural desde 2001, com exceção do ano de 2016. Isso mostra que também se mantém nesse município a prática de privilegiar o tombamento dos bens materiais, agora para a pontuação no ICMS Patrimônio Cultural, fazendo com que esse anseio específico talvez preceda os seus próprios valores sociais.

No entanto, para além dos valores supostamente intrínsecos que são apontados como justificativa para o tombamento da Ponte das Amoras, faz-se necessário averiguar em que medida esse bem corresponde aos anseios das comunidades locais cujas memórias e experiências do tempo são efetivamente afetadas pela existência dessa construção.

Valores conflitantes e participação popular - análise das entrevistas e dos questionários

Esta pesquisa incluiu entrevistas semiestruturadas com as pessoas diretamente envolvidas no processo de tombamento da Ponte das Amoras e uma enquete direcionada a um público mais amplo. Essas informações foram coletadas ao longo do ano de 2019, com o intuito de explicitar melhor os valores que são ativados quando a Ponte das Amoras é inserida em uma política pública de patrimônio.

Em relação às entrevistas, todas foram norteadas pela pergunta “por que tombar a Ponte das Amoras?”. O objetivo foi analisar a complexidade e a variedade dos valores atribuídos ao bem material em questão conforme foram sendo reelaborados ao longo do próprio processo de tombamento. Essa análise é fundamental, uma vez que é em meio a essas controvérsias que se constituem as ideias sobre os significados que se sedimentarão posteriormente, nos documentos oficiais e nos discursos públicos, como os supostos “valores intrínsecos” do bem tombado.

Para o responsável pela empresa que presta consultoria para a cidade de Alfenas na área de Patrimônio Cultural, é a história econômica que primordialmente fornece o significado partilhado pelas duas cidades conectadas pela ponte:

[...] a primeira questão é pela importância dela para as duas cidades, tanto por ligar Alfenas a Belo Horizonte, como Campos Gerais a Alfenas. Aí tem a parte econômica. As pessoas de lá se desenvolveram em função do comércio de café, [e a ponte] desenvolveu a parte agrícola de Campos Gerais porque eles tinham como trazer [...] até então não existia uma atividade predominante, hoje é o café [...]. (ENTREVISTADO 1, 2019. Informação verbal)

Contudo, a posição de intermediador das demandas por tombamento também permite que esse gestor visualize outros significados atrelados à ponte, especialmente no que diz respeito às memórias das pessoas que contribuíram para a construção do bem: “Na verdade, o primeiro pensamento foi relacionado à história das pessoas que construíram a ponte. [...] O primeiro ponto foi esse, [...] o interesse de saber da história das pessoas que fizeram a ponte” (Entrevistado 1, 2019. Informação verbal).

Mas também é interessante que a possibilidade de tombamento, por si só, apresenta um significado projetado para o futuro, pois a raridade de um tombamento interurbano certamente atrairia a curiosidade de turistas para a região:

Aí um outro ponto que é interessante, que nos motivou a pensar na questão do tombamento é porque é algo diferente duas cidades em prol de um [...] bem patrimonial. Eu pela minha pesquisa, não conheço nenhum outro bem que é tombado por duas cidades, daí você vê a importância porque metade da ponte é Alfenas, a outra metade é Campos Gerais. (ENTREVISTADO 1, 2019. Informação verbal)

Depreende-se também de sua fala que a administração municipal está mais preocupada com a oficialização do tombamento diante do IEPHA, pois não faz parte do contrato pensar em estratégias futuras de utilização do bem: “a princípio a minha parte é mais o tombamento” (ENTREVISTADO 1, 2019. Informação verbal). Além disso, o entrevistado, ao ser perguntado sobre o envolvimento da comunidade no processo, afirmou peremptoriamente que “não, [não houve] nenhuma...”, atestando que em nenhum momento do processo houve algum espaço ou demanda por participação da comunidade na discussão a respeito do(s) significado(s) do tombamento.

O depoimento da historiadora que trabalha para a empresa responsável pela consultoria é bastante interessante, pois demonstra que a decisão de tombar o bem precedeu a reflexão a respeito de seus significados históricos ou culturais:

eles [os idealizadores do tombamento] queriam assim [...]: “faz o levantamento do que tem”. Na verdade, acho que eles não queriam uma análise mais historiográfica, eles queriam um levantamento de dados para fazer um dossiê, porque sem o dossiê você não consegue [realizar o tombamento]. (ENTREVISTADO 2, 2019. Informação verbal)

No entanto, a historiadora reconhece que ainda seria necessária a realização de entrevistas que permitissem entrever os significados do bem para a própria população em comparação com os sentidos que a análise das fontes permitiu desvendar:

[...] só por meio das entrevistas mesmo, de ver, assim, como é a vida... como foi a vida desses operários que fizeram, que construíram a ponte. Mas eu acho que só a partir das entrevistas mesmo é que a gente vai poder falar assim: “ela é um patrimônio de quem, pra quem e, como”. Mas, assim, hoje a gente pode ver que tem todos esses viesses, agora para o historiador eu acho que importa é investigar, né? Essa relação de... para mim não tem uma resposta pronta do tipo “É importante a Ponte das Amoras por isso, isso e isso!” Não, eu acho que é todo o conjunto dessa complexidade que faz ser importante a gente pensar nela, sabe? As fontes, o que elas vão trazer para mim, e o que ela representa num período da cidade de Alfenas e do Sul de Minas Gerais [...] eu acho que ela não tem que ser lembrada só num sentido de comemoração não, mas também num sentido de um... um grande alagamento que aconteceu aqui, né? Então eu acho que todas essas memórias têm que ser representadas, né? [...] Para mim, como historiadora, o importante é investigar porque os homens em 1950 construíram essa ponte aqui e, também, o que os homens de hoje mudaram de sentido nessa ponte, né? O que ela é hoje para essas pessoas. (ENTREVISTADO 2, 2019. Informação verbal)

Por outro lado, percebe-se que os interesses mais diretamente vinculados à pontuação no ICMS Patrimônio Cultural restringem as possibilidades de uma investigação mais cuidadosa a respeito dessa diversidade de valores:

[...] tempo para a empresa é dinheiro. Ainda mais vinculado a uma prefeitura, o trabalho é burocrático e para você ter uma pesquisa de excelência você precisa de tempo [...] então tem essas limitações que deixam o trabalho da gente um pouco... a gente fica assim meio preso. (ENTREVISTADO 2, 2019. Informação verbal)

O terceiro entrevistado é apontado pelos demais como o responsável pela iniciativa do tombamento da Ponte. Em sua fala é possível notar que esse empreendimento foi motivado pelos seus afetos pessoais:

[...] eu morei aqui em Alfenas há um tempo e eu sempre tive uma ligação muito forte com o Lago de Furnas, porque eu venho de uma militância relacionada à questão das águas e toda vez que eu ia para Belo Horizonte ou passava eu ficava muito impressionado com a ponte, assim, a grandiosidade da ponte. E eu sempre fiquei curioso em saber quem construiu a ponte, porque a gente sabe que tem um conjunto de fatores econômicos e políticos da época que tornaram... que criaram uma necessidade de criar uma ponte ali, mas me vinha na cabeça por que e quem construiu o... porque a gente até tem as respostas, né? Em decorrência da... [...] Então, assim, para a história às vezes a gente tem essa figura oficial da importância do... Juscelino enfim, mas e os operários? Isso sempre me deixou curioso. (ENTREVISTADO 3, 2019. Informação verbal)

Ao assumir uma posição de poder, o entrevistado se viu diante da possibilidade de produzir ações mais efetivas que pudessem proteger esse sítio de memória. Além dos significados que somente vêm à tona ao longo do processo de tombamento, o entrevistado destaca o valor de raridade que, cada vez mais, parece fundamental para a defesa institucional do tombamento:

E o tombamento também, tem essa questão de uma certa dificuldade por ser um bem que a gente não... é um bem indivisível e que pertence a dois municípios. E assim, eu fiz consultas tanto no Instituto Estadual de Patrimônio quanto no Instituto Nacional, não há registros de tombamento de ponte que divide dois municípios! (ENTREVISTADO 3, 2019. Informação verbal)

No entanto, ao ser perguntado sobre a participação popular no processo, o entrevistado reafirmou o que tem sido constatado aqui até agora, destacando, por isso mesmo, a necessidade de uma iniciativa vinda “de fora”:

Não, acho que a população não tem noção [sobre o processo de tombamento]. Tanto é que eu lembro que um site local aqui repercutiu a notícia e o termo, a expressão “tombamento”, para as pessoas, estava no imaginário [delas] que nós íamos derrubar a ponte. [...] Agora, esse processo de convencimento e de aproximação, a partir do tombamento, não é algo que é regra, não tem a necessidade, mas como é algo que com o tombamento a educação patrimonial, por exemplo, de levar as escolas para conhecer... tem muita criança que não sabe onde é a ponte, tem muita criança que mora em Alfenas que nunca viu a ponte. Aí entra dentro da necessidade e de criar um compromisso de ter uma educação patrimonial efetiva para levar as pessoas lá.

[...] nas cidades não tem tanta relação. [...] então teve que vir alguém de fora [...]. (ENTREVISTADO 3, 2019. Informação verbal)

O prefeito de uma das cidades também indicou significados subjetivos projetados coletivamente em relação à ponte. Para ele, o valor da Ponte das Amoras se deve ao fato de que ela pode ser percebida como um testemunho de erros do passado que não devem se repetir no presente ou no futuro:

[A Ponte das Amoras] é a maior do lago. E eu pessoalmente penso que nós temos que registrar algo para lembrar o porquê [...] que foi feito o lago de Furnas, eu preciso jogar um pouco de luz sobre a história do lago. [...] Não foi uma coisa boa, para o desenvolvimento, para o fomento da economia da nossa região, o lago. Eu pessoalmente penso, se você aprofundar na história, o lago foi um erro histórico, econômico e social nosso. [...] aí você vem e inunda essas terras, isso é... a história não conta! A história não conta. [...] Aqui tinha trem, aqui tinha avião, aqui tinha hidrovia e tudo isso foi submergido pelo lago, então foi um erro! [...] (ENTREVISTADO 4, 2019. Informação verbal)

A interpretação crítica que o prefeito, ligado a movimentos de esquerda, faz da ponte, confere-lhe um significado que a liga a uma história mais profunda da própria nação:

Não foge muito da história dos portugueses que chegaram aqui e davam os espelhinhos para os índios e levavam o pau-brasil, levavam os minérios, né? E o índio ainda ficava satisfeito, porque aquilo era diferente, né? Então a indústria, esse tipo de desenvolvimento, comprometeu por muito tempo a nossa história. Então a Ponte das Amoras é assim, a... talvez contar essa história. (ENTREVISTADO 4, 2019. Informação verbal)

Para o prefeito, são as experiências traumáticas em relação à ponte que impedem que as pessoas desenvolvam um maior interesse pelo bem tombado, evidenciando que suas impressões sobre o lago estão relacionadas à sua própria experiência familiar:

A comunidade, [...] pelo lago ter sido um trauma, tem gente que tem até medo do lago. Então, nós ainda estamos vivendo uma geração que conviveu com o... ou que tem pais, eu tenho pai que conviveu com trauma do lago. Nós éramos ribeirinhos e quando veio o lago nós fomos expulsos das terras, como muita gente saiu da... da área rural e veio para cidade. Então, ainda vivemos essa memória do trauma. [...] Por isso não tem... todo mundo conhece a Ponte das Amoras, mas se você não tem uma empatia [...] você não tem um sentimento assim, de que aquilo foi uma coisa boa para você, né? [...] (ENTREVISTADO 4, 2019. Informação verbal)

Por fim, ainda que não exista uma ligação da população local com a ponte, de acordo com o prefeito, seria possível pensar, posteriormente, em políticas públicas que pudessem aproveitar o seu potencial:

A nossa ideia é [...] criar, primeiro, a preservação [...] natural, né? De você ter que preservar. Mas de você criar políticas públicas de aproveitamento do lago, né? De debates sobre. Que a ponte seja como se fosse um fórum permanente de debates [sobre a] utilização do lago, já que o lago está aí [...] você tem que pensar [em] utilizar o seu potencial, né? (ENTREVISTADO 4, 2019. Informação verbal)

O último entrevistado foi o prefeito da outra cidade envolvida. Em primeiro lugar, percebe-se, em sua fala, uma valorização do edifício por sua importância para o bem-estar da população local no presente, sobretudo em termos econômicos:

[...] A Ponte para o município de Campos Gerais é uma das coisas mais fundamentais, porque nós, sem a Ponte, tira a nossa vida [...] o valor que tem para o município de Campos Gerais aquela Ponte é uma coisa assim, que não tem nem explicação. [...] se você tirar aquela ponte ali, você vai ver que você vai ter que dar a volta para... acho que [...] dá quase 200km de volta para chegar aqui em Campos Gerais. [...] Eu acho assim, que a ponte hoje é uma coisa muito interessante que liga não só o município de Alfenas, Poços de Caldas, que tem referência, São Paulo, Barretos [...] eu estou falando em termos de saúde, não em termos de outras coisas. E para escoar nossa produção de café hoje, eu acredito que mais 50% passa em cima daquela ponte. Então, a ponte para a gente é uma coisa importante que é fora do normal. (ENTREVISTADO 5, 2019. Informação verbal)

Além disso, o prefeito mostra, por outro lado, preocupação com a deterioração material de uma ponte reconhecida por seu valor estético, o que justificaria a necessidade de uma parceria voltada para seu tombamento ou preservação, ainda que essa opinião não tenha respaldo, até o momento, em um laudo técnico. Além disso, fica claro que a ponte é percebida como recurso econômico para o desenvolvimento da cidade:

[...] eu quero ir em Furnas para [...] a gente ver um laudo daquela ponte, porque eu desde quando eu conheço aquela ponte [...] nunca vi alguém falar que fizeram um laudo. Não falando que aquela ponte foi feita da maneira errada, eu acho que ela não foi feita para aguentar o tráfego que tem até hoje.

[...] eu acho que tem que dar uma reforma nela. Eu falo assim que um dia, se ela conseguir... a gente passar para patrimônio, você investir para você ganhar lá nela. Eu acho que você fazer uma iluminação para ela lá, hoje, com esse negócio de iluminação solar, fazer uma iluminação bonita, [...] para iluminar à noite, para ver a grandeza que é da Ponte e do lago junto, eu acho que seria muito interessante [...]. (ENTREVISTADO 5, 2019. Informação verbal)

Esse último entrevistado também não considera importante o engajamento da comunidade com o bem, talvez por não considerar significativos outros sentidos para a ponte para além de sua função de ligação rodoviária:

Eu acho assim: que, para a população, tanto faz [...] de Alfenas [ou de] Campos Gerais, não tem muita necessidade de você até levar a população lá, porque a população, todo mundo hoje que você conversa hoje, a Ponte das Amoras se tornou uma... uma referência. [...] mas em termos de você mostrar eu acredito não tem nem muito o que mostrar, é mais o que agir e fazer. (ENTREVISTADO 5, 2019. Informação verbal)

Paralelamente às entrevistas realizadas com as pessoas mais diretamente envolvidas no processo de tombamento em questão, buscou-se também conhecer, por meio de uma enquete, como um público mais amplo se relaciona com o bem. Desse modo, 29 outras pessoas forneceram informações sobre seu grau de familiaridade com a Ponte das Amoras, com o processo de tombamento pelo qual ela está passando e com o próprio conceito de tombamento. Além disso, foi solicitado a essas pessoas que indicassem, de maneira livre, se consideravam importante esse tombamento e quais lembranças possuíam em relação ao bem. Esses questionários foram aplicados em um museu situado na região central de Alfenas e pertencente à UNIFAL-MG, em dias e horários de maior circulação (Questionário sobre a Ponte das Amoras, 2019).

Antes da análise das respostas, é importante observarmos algumas informações sobre o público que aceitou participar dessa pesquisa. Em termos de ocupação, um terço dos(as) entrevistados(as) se declarou “estudante”, mas chama a atenção a diversidade de profissões dos outros dois terços4. Em termos de idade, 11 pessoas possuem entre 18 e 25 anos (38%), conforme apresenta a “Tabela 1”, 12 pessoas possuem entre 26 e 40 anos (41%), conforme visto na “Tabela 2”, e 6 pessoas possuem mais de 40 anos (21%), conforme mostra a “Tabela 3”. A grande maioria delas reside em Alfenas (22 - 76%), mas também participaram três pessoas de Campos Gerais (todas elas estudantes com menos de 20 anos), duas pessoas de Fama (uma pequena cidade vizinha de Alfenas, também banhada pela Represa de Furnas), provavelmente um casal (homem e mulher com a mesma idade), e duas pessoas de Guarujá, SP (possivelmente pai e filho em visita à cidade).

De todos(as) os(as) entrevistados(as), apenas cinco afirmaram desconhecer totalmente a ponte (duas pessoas de Alfenas, uma de Fama e as duas pessoas de Guarujá). Isso nos mostra que muito provavelmente o bem é bastante conhecido em Alfenas. Retomando a divisão por faixa etária, temos os seguintes dados:


Tabela 1
Familiaridade com a Ponte das Amoras entre as pessoas com 18 a 25 anos
Fonte: Questionário sobre a Ponte das Amoras, 2019.


Tabela 2
Familiaridade com a Ponte das Amoras entre as pessoas com 26 a 40 anos
Fonte: Questionário sobre a Ponte das Amoras, 2019.


Tabela 3
Familiaridade com a ponte entre as pessoas com mais de 41 anos
Fonte: Questionário sobre a Ponte das Amoras, 2019.

Ainda que se trate de uma amostragem pequena e desigual em termos etários, é interessante notar que, dentre as pessoas que participaram da enquete, as mais jovens, em geral estudantes (Tabela 1), afirmam conhecer um pouco melhor a Ponte das Amoras, o que pode estar relacionado a algum tipo de educação patrimonial mais recente, algo que precisaria ser melhor avaliado, no entanto. Das pessoas que conhecem de algum modo a ponte (24, 83%), 18 (75%), forneceram alguma descrição das lembranças que possuíam em relação ao bem. É interessante notar que nenhuma delas faz menção a algum tipo de memória traumática, todas elas se referindo a momentos de lazer, à sua beleza paisagística e à importância do tombamento, ainda que nenhuma delas permita entrever, ao menos no presente, uma relação afetiva mais intensa. Essas informações parecem corroborar as conclusões apresentadas por MARTINS (2010) sobre as memórias relacionadas à Represa de Furnas, isto é, o apagamento das memórias traumáticas, a associação da paisagem a momentos de lazer e às belezas naturais e o usufruto restrito em função de uma mentalidade privatista.

Por fim, apenas nove dessas pessoas (31%) sabiam que a ponte estava passando por um processo de tombamento, sendo que a grande maioria dos(as) participantes sabem pouco, moderadamente ou totalmente o que significa esse instrumento das políticas públicas para a área da cultura (23 - 88%). Esse último dado confirma que, embora a população local já esteja relativamente capacitada para participar das discussões sobre as políticas públicas de memória e patrimônio relacionadas à Ponte das Amoras, haja vista que, em sua maioria, conhecem o bem e estão informadas sobre o que significaria o seu tombamento, mesmo assim o processo foi conduzido totalmente à sua revelia.

Considerações finais: (re)potencializando futuros

Em primeiro lugar, fica claro, por meio das entrevistas, que o processo de tombamento analisado foi conduzido por atores que enunciam valores diferenciados e, por vezes, claramente conflitantes entre si. Todos partem de pressuposições relacionadas à história do bem, à sua importância para as pessoas e para região, e foram essas pressuposições que determinaram os acordos que tornaram possível o seu processo de tombamento. Os estudos produzidos para a validação dos valores que justificariam o tombamento foram produzidos a posteriori e a partir de hipóteses que também estão relacionadas às pressuposições dos(as) próprios(as) pesquisadores(as), e não baseadas no diálogo prévio com a comunidade local, na contramão, portanto, das discussões sobre as funções políticas e sociais dos patrimônios culturais e naturais.

Os questionários, por sua vez, apontaram para um interesse da população local pelo bem, mas cujo significado não foi, em momento algum, avaliado pelos gestores responsáveis pelo processo de tombamento. Isso demonstra claramente, portanto, que essas políticas específicas de memória e patrimônio foram conduzidas a partir de meras pressuposições a respeito dos significados ou valores do bem para a comunidade. Além disso, ao correlacionarmos essas informações à revisão sobre as políticas patrimoniais no estado de Minas Gerais, fica claro que esse processo de tombamento obedece muito mais aos interesses econômicos vinculados aos recursos do ICMS do Patrimônio Cultural do que, propriamente, aos interesses concretos da comunidade local.

Por outro lado, essa investigação mostra que colocar a ponte em questão é algo que gera reflexões, em diversos níveis, sobre valores e significados atrelados a uma complexa rede de problemas sociais e ambientais. Isso aponta, de maneira muito clara,, a relevância da Ponte das Amoras para a produção de memórias mais justas e plurais e para o enfrentamento das questões ecológicas e climáticas que tocam as vidas coletivas, humanas e não humanas, da região. A ponte é, como vimos, um lugar de encontro de memórias, mas, igualmente, de expectativas de futuro. Ela faz pensar sobre valores comunitários e sobre a nossa relação com meio que habitamos e produzimos, colocando objeções importantes aos projetos econômicos que, desde a década de 1950, pelo menos, marcaram os destinos coletivos regionais sem a participação efetiva da comunidade afetada por essas decisões.

Para além disso, seria importante sinalizar, à guisa de conclusão, para uma potência específica do bem patrimonial em questão no que diz respeito à produção de futuros menos antropocêntricos e ecologicamente mais justos. Ao refletir sobre a água como patrimônio partilhado por humanos e não humanos, Zylinska (2020) nos lembra de que essa substância química não é apenas um “recurso”, mas se constitui como um mediador fundamental sem o qual seria impossível pensar o mundo produzido pelos seres humanos (ZYLINSKA, 2020). Mas, além de ser aquilo que possibilita a produção de nossos mundos, a água é algo que também nos constitui. Ao invés de dizer que nós “possuímos” a água, seria mais correto dizer que nós “somos” água, afinal, ela constitui de 60% a 70% da matéria que compõe nossos corpos.

A água é o elemento fluido que nos conecta aos outros seres e coisas do mundo, sempre desafiando nossa capacidade de contê-la em um espaço pré-determinado, como fica muito mais claro neste momento em que as catástrofes ambientais fogem cada vez mais ao nosso controle. A nossa relação com a água nos permite refletir sobre uma concepção de tempo e espaço mais fluida, cheia de vazamentos, de dissoluções e transitada por outros seres que não os apenas humanos. Ela é a condição para a nossa comunicação com o mundo5. A água também dissolve, em diferentes temporalidades, tudo aquilo que parece ser sólido, permitindo novas composições criativas e novos aprendizados. Por fim, esses sentidos aquosos nos permitem perceber não apenas aquilo que nos torna únicos, mas, igualmente, aquilo que partilhamos com a diversidade de outros seres que constituem, graças à água, o sistema vivo que compõe o nosso planeta.

Byrne (2020), por sua vez, nos lembra de que atos como a construção de diques e o represamento de rios constituem marcas da ação colonialista de parcela da humanidade sobre redes de viventes que habitam ambientes aquáticos ou que deles dependem. Perceber esses sítios como espaços de territorializações capitalistas também é uma forma de imaginar outras histórias possíveis, outras formas de relacionamento com seres ou meios humanos e não humanos com as quais poderíamos e ainda podemos nos engajar. É, também, uma forma de imaginarmos alternativas ao modo de vida que é diretamente responsável pela produção da crise ambiental e climática que agora nos aflige de maneiras específicas e desiguais. A transformação do território regional pelo alagamento dos rios Sapucaí e Grande, e, agora, o deplecionamento das águas quando a sociedade local já havia se adaptado à nova paisagem, representa uma das muitas formas particulares por meio das quais os seres humanos e não humanos são impactados pelas ações humanas que nos conduziram à época do Antropoceno.

Finalmente, a análise aqui empreendida nos permitiu pensar o patrimônio, como sugerem Harrison e Sterling (2020), como ponto de encontro entre passados profundos e futuros longínquos, mas também como legado recente e como produção de significados coletivos com efeitos rapidamente perceptíveis. Uma perspectiva transdisciplinar, capaz de dissolver as divisões arbitrárias entre patrimônios “culturais” e “naturais” nos permitiu, também, apresentar narrativas múltiplas sobre um mesmo bem, potencializando, dessa forma, a produção de futuros alternativos. Além disso, foi possível demonstrar que a avaliação dos “significados culturais” - isto é, dos valores que a comunidade atribui aos seus patrimônios, conforme propõem Fredheim e Khalaf (2016), Ireland, Brown e Schofield (2020) e Jones (2017) - é, ao lado da colaboração efetiva e diversa na definição das políticas locais de memória e patrimônio, condição indispensável não apenas para a captação de recursos, mas para a construção de coletividades mais justas e sustentáveis em um futuro próximo.

REFERÊNCIAS

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Notas

1 A expressão está presente no subtítulo do romance histórico escrito por Ildeu Manso Vieira - Mandassaia (Naquela época, quando Furnas era o crime do século.) -, no qual o escritor relata as memórias de resistência da população local aos abusos cometidos pelo governo federal quando da inundação dos rios Grande e Sapucaí para a construção da Represa de Furnas.
2 São raros os trabalhos que abordam a experiência dos trabalhadores de Furnas em Minas Gerais. O Trabalho de Conclusão de Curso de Gabriela Cunha Monteiro, o único que aborda diretamente esse tema, enfoca os trabalhadores qualificados responsáveis pela greve de 1989 (MONTEIRO, 2008).
3 Dados retirados da tabela, disponibilizada no site do IEPHA-MG, com o número de munícipios que pontuaram, e suas respectivas pontuações, no ICMS Patrimônio Cultural no ano 2019/ exercício 2021 (disponível em: iepha.mg.gov.br/images/ICMS/Pontuacao_Definitiva_Exerc_2019-Publicacao.pdf. Acesso em: 28 jun. 2021).
4 “Motorista”, “do lar”, “militar”, “assessor parlamentar”, “serviços gerais”, “analista de sistemas”, “vigilante”, “digital influencer”, “comprador”, “assistente de marketing”, “ASB”, “aposentada”, “manicure”, “porteiro”, “aux. administrativa” e “professora” (QUESTIONÁRIO, 2019).
5 E de maneira bastante literal: “Water literally sustains the seemingly nebulous digital infrastructures, which enable the production, distribution and storage of our media content today” (ZYLINSKA, 2020, p. 223).


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