DOSSIÊ
Recepção: Setembro , 24, 2021
Aprovação: Abril , 05, 2022
Resumo: Este artigo sobre a urbanização de Luanda, capital de Angola, configura-se como um ensaio que objetivou analisar e produzir uma leitura sobre as principais metamorfoses ocorridas na região metropolitana como um todo e suas especificidades. Para a sua materialização, utilizou-se como suporte teórico-metodológico a teoria dos dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos proposto por Milton Santos em 1979 na sua obra “O Espaço Dividido”. Percebeu-se com o estudo que, a sociedade angolana está marcada por profundas desigualdades socio-espaciais, sobretudo nos espaços urbanos. A cidade de Luanda é a personificação dessas desigualdades que se traduzem na existência, por um lado, de um reduzido espaço central “a cidade formal”, constituído pelo núcleo urbano antigo “modernizado” (a Baixa da Cidade) com a centralização da oferta de bens e serviços e com predomínio das atividades do circuito superior da economia urbana e, por outro lado, está a extensa periferia (a cidade informal dominada pelos musseques), com reduzida oferta de bens e serviços e onde prevalecem as atividades do circuito inferior da economia urbana. Apesar de existir uma estratégia nacional de fomento à habitação (que resultou no surgimento de novas urbanizações, centralidades e habitações sociais), orientada a desencorajar as práticas de ocupação ilegal de terrenos e favorecer o crescimento urbano ordenado, o fato é que se observa ainda a expansão contínua da mancha urbana alimentada pela informalidade.
Palavras-chave: Luanda, urbanização, circuitos da economia urbana, desigualdades socio-espaciais.
Abstract: This article on the urbanization of Luanda, capital of Angola, sets itself as an essay, which objectified to analyze and produce an interpretation on the main metamorphoses occurred in the metropolitan region as a whole, and its specificities. For its materialization, the theory of the two circuits of the urban economy in underdeveloped countries proposed by Milton Santos in 1979, in his work “O Espaço Dividido” was used as theorical-methodological support. It was noted, with the study, that the Angolan society is marked with deep social-spatial inequalities, especially, in urban spaces. The city of Luanda is the personification of these inequalities, which translates into the existence, in one side, of a reduced central space “the formal city”, constituted by the former “modernized” urban core (Downtown) with the centralization of goods and services offer and with predominance of activities of the upper circuit of urban economy and, on the other side, there is an extensive low-income neighborhood (the informal city dominated by the musseques), with a reduced offer of goods and services and where there is predominance of activities of the lower circuit of urban economy. Although there is a national strategy of promotion to housing (which resulted in the emergence of new urbanizations, centralities and social housing), guided to discourage the illegal land occupation practices and favor the ordained urban development, the fact is, the continuous expansion of the urban stain powered by informality is still observed.
Keywords: Luanda, urbanization, circuits of the urban economy, socio-spatial inequalities.
1 Introdução
Uma das tendências mais expressivas e transformadoras do século XXI à escala mundial e com enorme impacto sobre o território é, sem lugar a dúvida, a urbanização galopante, um processo não apenas demográfico, mas também histórico, cultural, político, econômico, social e com enormes implicações ambientais. Trata-se de uma propensão desafiante, cujo foco se centra nos subdesenvolvidos, sobretudo de África e Ásia, requerendo uma nova visão na conceição e execução de políticas de planeamento e gestão dos espaços urbanos.
Tal como sugerem as perspetivas a longo prazo do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, “o mundo continuará a urbanizar-se durante a próxima década, de 56,2% da população mundial atual, para 60,4% até 2030”. Os dados desta entidade indicam ainda que “96% do crescimento urbano irá ocorrer nas regiões menos desenvolvidas da Ásia Oriental, Ásia do Sul e África” (UN-HABITAT, 2020, p. 1), situação que nos leva a refletir em paradigmas capazes de promover um novo entendimento na interpretação e compreensão do fato urbano no sul global.
O continente africano é considerado para muitos, a exemplo de SARAIVA (2015, apud ALVES; ANTIPÓN, 2020, p. 220), como a “última fronteira do capitalismo global”, região periférica da globalização, entendida enquanto um período específico da história territorial de expansão do capitalismo, marcado por fluxos de naturezas diversas articulados a processos criadores de desigualdades (SANTOS 2010; 2000). Angola, país localizado na costa ocidental de África Austral, não está fora do entendimento dos autores acima referenciados, é, portanto, um território periférico, posição reforçada pela suposta tendência “globalizadora” que, entretanto, tal como o caracterizou Milton Santos,
“de globalização perversa” (SANTOS, 2001, p. 37) ou ainda no entender de Mercedes Molina, de “paradoxal”, uma vez que o aumento progressivo das conexões mundiais, das possibilidades de homogeneizar modos de produção, níveis de vida e comportamentos sociais, tenha sido inversamente proporcional ao seu impacto espacial […], sendo muito poucos os espaços que realmente se beneficiam dos seus efeitos, perante um número muito elevado de outros que ficam à margem dos seus interesses”. (MOLINA, 1998, p. 6)
É também neste contexto em que se enquadra a dinâmica socio-espacial atual de Luanda, exemplo resplandecente do “uso de um território” (SANTOS, 1998, p. 15) na qual os diferentes processos que nele incidiram ao longo da história da sua gênese e evolução foram criando as premissas que atualmente o caracteriza como fortemente desarticulado e desequilibrado, com acentuadas desigualdades territoriais entre partes de um todo. Isto é, por um lado, uma reduzida zona central urbanisticamente bem estruturada e com abundante oferta de bens e serviços (a Baixa da Cidade - a cidade formal), com predominância das atividades do circuito superior da economia urbana e, por outro lado, a periferia1, onde abundam os musseques2 (a cidade informal) e com escassez de bens e serviços e onde prevalecem as atividades do circuito inferior da economia urbana.
Localizada no litoral angolano, Luanda é uma das 18 províncias na qual se divide administrativamente o país e está entre as de menor extensão (18.836 km²), correspondendo a apenas 0,0151% do território nacional, no entanto, é a mais densamente povoada (8.523.574 pessoas, equivalente a 27,4% da população total do país em 2020)3 e urbanizada (97,5% da população da província reside em áreas urbanas), concentrando quase metade (41,9%) do total da população urbana do país. Importa referir que, em 1970, Angola com uma população recenseada em 5.673.046 habitantes, apenas 15% residia em áreas urbanas e, Luanda, com 560.589 habitantes (apenas 9,9% da população total de Angola), situava-se ainda distante como maior aglomeração populacional do país4.
Essa tendência acelerada da urbanização do país e, em particular, da cidade de Luanda, derivada do elevado saldo vegetativo dos seus habitantes e, sobretudo, do êxodo rural, consequência da prolongada guerra civil que provocou a deslocação forçosa das populações em direção à Capital do país, pressupõe enormes desafios respeitante ao planeamento urbano e a sustentabilidade em termos de infraestruturas produtivas e sociais (indústrias e outras atividades do setor terciário, habitação, escolas, hospitais etc.), mobilidade urbana (acessos e meios de transportes em quantidade e qualidade), empregos sustentáveis5, situações de pobreza urbana e ambientais (poluição, saneamento e gestão de resíduos sólidos e águas residuais), entre muitos outros reptos.
Assim exposto, este artigo que se circunscreve no âmbito do “Dossiê Especial - Milton Santos: um pensar em movimento”, configura-se como “aproximação” a um ensaio que pretende, ao nível macro de análise, produzir uma leitura sobre as principais metamorfoses ocorridas no processo de organização do espaço urbano da cidade Luanda nas últimas quatro décadas e meia (1975-2020), tendo como suporte teóricometodológico, uma das mais importantes contribuições de Milton Santos à Geografia Urbana, o estudo da teoria dos dois circuitos da economia urbana (SANTOS, 2004) Em termos operacionais, pretendemos desenvolver um exercício que procura averiguar e responder, quanto possível é, estabelecer uma conexão entre as atividades do circuito superior e inferior da economia urbana, com as principais transformações ocorridas na organização do território que compõe o todo Luanda, não esquecendo especificidades da sua região metropolitana.
O artigo estrutura-se em três partes: na primeira, sobre enquadramento teóricometodológico, expõem-se os procedimentos seguidos para a elaboração do trabalho e os elementos essenciais que caraterizam a teoria dos dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos; na segunda se faz uma caracterização da província de Luanda e do seu processo de urbanização e, finalmente, na última parte, apresenta-se o exercício “teórico-prático” baseado na caracterização das atividades dos dois circuitos da economia urbana e sua relação com as principais transformações desencadeadas no processo atual de organização socio-espacial da Capital angolana, considerando as diferentes partes da totalidade da cidade.
2 Enquadramento teórico-metodológico
Tendo em conta o carácter e o objeto do trabalho, optamos por uma pesquisa descritiva com base na análise bibliográfica e documental. Assim, foi selecionada alguma literatura científica para a fundamentação do estudo6 . e outra específica sobre a realidade socio-espacial da cidade de Luanda. Também foram analisados alguns documentos entre relatórios, boletins e anuários estatísticos de instituições (públicas e privadas nacionais e internacionais) tal como especificados nas referências bibliográficas, para efeitos de compilação e produção de algumas estatísticas e cartográfica de base. Essa informação foi secundada pela apreciação de diferentes materiais disponíveis na internet que tratam temas sobre a urbanização de Angola, em particular de Luanda, assim como da observação in loco e da nossa vivência e experiência como citadinos.
Assim, neste estudo de caso, a caracterização dos dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos proposto por Milton Santos (2004) na sua obra “O Espaço Dividido” e que analisa as cidades em função de dois subsistemas da economia urbana: o “circuito superior” e o “circuito inferior” foi feita considerando também o pressuposto de que encontramos quase em “todas” as cidades, partes de territórios que compõem o todo e cada parte com as suas especificidades, no entanto, interrelacionadas. Por esta razão, optamos estudar o espaço urbano de Luanda, não apenas como um todo, mas também atentos às especificidades espaciais cada vez mais heterógenas. Essas realidades estão relacionadas com as três zonas de habitat consideradas nesta pesquisa: “Centro ou Núcleo Urbano Antigo” (que coincide com o município de Luanda), “Semiperiferia ou transição”7 (que abrange os municípios de Talatona, Belas e KilambaKiaxi) e a “Periferia” (com os municípios de Cazenga, Viana e Cacuaco). O espaço que engloba estes sete municípios (11,6% do território da província) constitui a zona metropolitana de Luanda, nosso objeto de estudo, uma vez que os outros dois municípios, Icolo e Bengo e Quissama (88,4%), são essencialmente rurais.
Como estratégia para a materialização do estudo, foram produzidas tabelas síntese ou modelo que identificam e relacionam informações (quantitativas e qualitativas) das principais variáveis referentes às zonas de habitat (tipologias dos assentamentos urbanos, disponibilidade e distribuição espacial das infraestruturas sociais e produtivas: escolas, hospitais, vias de acesso e meios de transportes e indústrias; a situação de emprego e a incidência da pobreza), com as principais atividades dos dois circuitos da economia urbana: circuito superior e circuito inferior, privilegiando as variáveis tecnologia, organização e capital.
Apesar da importância dos conceitos na exequibilidade e compreensão dos fatos estudados, não pretendemos neste trabalho inicial estabelecer alguma discussão dos mesmos, optando pela aplicação daqueles mais próximos aos propósitos do estudo8, mormente os de “espaço”, de “território” e de “território usado” (SANTOS, 1987, 1997, 1998, 2001, 2004; SANTOS; SILVEIRA, 2006) e o de “desigualdade socio-espacial” (AMADO CRUZ; HAKKERT, 1992;AMARAL, 2015;COLAÇO, 1992; CORRÊA, 1995;HARVEY, 2006, 2014;RODRIGUES, 2007;SPÓSITO; GÓES, 2013) tal como se vai evidenciando ao longo do texto.
2. 1 A essência da teoria dos dois circuitos da economia urbana de Milton Santos
A gênese da teoria dos dois circuitos da economia urbana de Milton Santos radica da necessidade havida de se encontrar elementos explicativos “genuínos” capazes de revelar a realidade das cidades dos países subdesenvolvidos. Por isso, se, por um lado, trata-se de uma abordagem, segundo Milton Santos (2004, p. 29-30), “útil, portanto, por diversas razões. Uma vez que ela permite primeiro datar fenómenos, levando-se em conta sua gênese, sua evolução e sua situação atual dentro de um sistema, ou seja, ela introduz mais rigor na análise das realidades dos países subdesenvolvidos”, trata-se, por outro lado, de uma substantiva e marcante “teoria de desenvolvimento econômico em sua dimensão espacial” (SANTOS, 2004, p. 26).
A teoria considera a existência de dois circuitos decorrentes de um mesmo processo que designou de “modernização tecnológica”, e que assenta, essencialmente, na produção, distribuição e consumo de bens e serviços nas cidades. As principais variáveis de análise comparativa integram: a tecnologia, a organização, capitais, emprego, assalariado, estoques, preços, crédito, margem de lucro, relações com a clientela, custos fixos, publicidade, reutilização dos bens, overbead capital, ajuda governamental e dependência direta do exterior (SANTOS, 2004, p. 44).
Na realidade, os dois circuitos, o “superior” (constituído por atividades económicas que requerem tecnologias modernas, tais como são os bancos, comércio e industria de exportação, industria urbana moderna, serviços modernos, atacadistas, e transportadores) e o “inferior” (constituído por atividades que não requerem necessariamente soluções tecnológicas modernas, isto é, formas de fabricação não “capital intensivo”, pelos serviços fornecidos “a varejo” e pelo comércio não moderno e de pequena dimensão) constituem sistemas em interação permanente, no entanto como reconheceu o autor, um aspeto que chama atenção nesse sistema é “a dependência do circuito inferior em relação ao circuito superior” (SANTOS, 2004, p. 39). Outro elemento diferenciador dos dois circuitos é que as atividades do circuito superior estão na sua maior parte vinculadas com a economia a escala global, enquanto as do circuito inferior, com estreita relação à escala local9
Apesar da existência dos elementos distintivos de cada circuito da economia urbana, Milton Santos esclarece também que “não se poderia caracterizar os dois circuitos da economia urbana através de variáveis isoladas”, tal como fez também constar Silveira (2004, p. 60, apud ROMA, 2016, p. 26) “os circuitos não são estanques e, assim, não podem ser analisados separadamente”, mas são “vasos comunicantes” em movimento. De tal maneira “cada nova divisão territorial do trabalho modifica suas lógicas e a sua estruturação do espaço urbano”. Porquanto, “a diferença fundamental entre as atividades do circuito inferior e as do circuito superior está baseada nas diferenças de tecnologia e organização” (SANTOS, 2004, p. 43).
Finalmente, tal como destacou o professor, “o tema dos dois circuitos da economia urbana aparece então como um verdadeiro novo paradigma da geografia urbana e da planificação nos países subdesenvolvidos” (SANTOS, 2004, p. 38) e que pensamos nós, mantém sua vigência, podendo, no entanto nessa era da informação, incorporar em função do contexto e dos avanços tecnológicos nos diferentes processos de produção, distribuição e consumo, novas variáveis explicativas.
De todo dito, podemos depreender que, o estudo dos dois circuitos da economia urbana, assentes, principalmente na diferenciação do grau de assimilação dos processos de modernização tecnológica (seletivos espacialmente), podem explicar as diferenciações e as desigualdades territoriais que, no caso particular da realidade urbana atual de Luanda, é consequência, inicialmente de um processo histórico que conjugado com fatores atuais, têm propiciado a existência de diferentes zonas de influência (habitat): o núcleo urbano antigo (espaço dominador e representado pelo município de Luanda) e a periferia (espaço dependente, revelada pelos municípios do Cazenga, Viana e Cacuaco).
3 Metamorfoses do espaço urbano de Luanda
Localizada no litoral norte de Angola, Luanda tem uma superficie, de acordo com a nova Divisão Política Administrativa (desde 2017) de 18.825 km. e está desconcentrada em nove municípios, designadamente: Luanda, Talatona, Belas, Kilamba Kiaxi, Cazenga, Cacuaco, Viana, Icolo e Bengo e Quiçama (Mapa 1)10.
O processo de urbanização no continente africano não sucedeu de igual modo como na Europa, com a transição histórica da população em diferentes sectores de atividade. Tal como fez constar Milton Santos (2012, p. 23-24) “não houve nos países subdesenvolvidos, como aconteceu nos países industriais, uma passagem da população do sector primário para o secundário e, em seguida, para o terciário. A urbanização fez-se de maneira diferente e tem um conteúdo também diferente: é uma urbanização terciaria”. O autor esclarece ainda que, “somente depois, evidentemente com exceções, é que a grande cidade provoca a criação da indústria”, do mesmo modo como sucedeu em Luanda.
No caso de Angola e de Luanda em particular, o processo de urbanização pretérita foi essencialmente provocado pela conjugação de fatores diversos: de ordem histórico (processo de colonização, povoamento e sucessão dos ciclos económicos) e, na atualidade, destacam-se os de ordem político (guerra civil) que impulsionou o êxodo rural, de ordem económico e tecnológico (AFONSO, 2004)11 e, de ordem demográfico (elevado saldo vegetativo dos habitantes da cidade e da imigração).
Há muito Luanda deixou de ser um “pequeno burgo”, para converter-se numa “grande metrópole” de total concentração: centro de decisão e principal polo de desenvolvimento do país em todas as esferas de vida: centro de organização de toda a atividade produtiva, tecnológica, financeira e administrativa, social e cultural, política e diplomática, de organizações não-governamentais e religiosas e, principalmente, de concentração populacional. A macrocefalia de Luanda, ou ainda de “Grande Luanda”, tal como a caracterizou Amaral (2015, p. xvi), “é lhe dada também, por um lado, pelo desmensurado alastramento da área urbana e, por outro lado, pela excessiva concentração de serviços públicos e de sedes de empresas nacionais e multinacionais de diversos tipos no núcleo antigo, na Cidade Baixa […] e na Cidade Alta”. Assim como já havia referenciado Milton Santos,
“a macrocefalia, tal como é conhecida atualmente, nos países subdesenvolvidos, é o resultado do progresso tecnológico e das tendências à concentração que ele provoca. As cidades inicialmente privilegiadas beneficiam-se com uma acumulação seletiva de vantagens e, assim, acolhem as novas implantações” (MCKEE; LEAHY, 1970 apud, SANTOS, 2004, p. 306).
A macrocefalia é, portanto, um processo que tende a desarticular e a aumentar as diferenciações espaciais.
3.1 Caracterização socio-espacial e económica de Luanda
Como referido na introdução deste trabalho, Luanda é a província mais populosa do país, concentrando atualmente, de acordo com as estimativas do INE (2020), mais de 27% da população total do país desigualmente distribuída sobre o território (Tabela 1). A população experimentou um acelerado crescimento, tendo passado de 346.763 habitantes em 1960, para 560.589 pessoas em 1970 e deste, a 6.945.386 habitantes em 2014 como resultado do Recenseamento Geral da População e Habitação, correspondendo a uma densidade populacional de 369 hab./km2, muito acima da média nacional observada nesse ano que foi de 20,7 hab./km2. Atualmente, de acordo com dados do INE (Proj. 2014-2050), a população de Luanda está estimada em 8.801.035 habitantes (ano 2021) com projeções a apontarem para 11.332.670 pessoas para o ano 2030. Mais de 97% da população de Luanda reside na área urbana12 e cerca de 3% na área rural (Icolo e Bengo e Quissama).
Em função dos municípios, os cinco que abarcam a região metropolitana de Luanda concentram 98,4% da população total da província numa área que corresponde a apenas 11,6% do total do território da província. O município de Luanda é o mais populoso, albergando 31,6% da população total da província, no entanto, cazenga apresenta a maior densidade populacional (21765,9 hab./km2).
3.1.1 Atividade económica e disponibilidade de infraestruturas sociais e produtivas
A economia da província, em particular da área urbana, assenta, essencialmente, em serviços terciários e comércio, administração pública, construção civil, atividades portuárias e aeroportuárias, hotelaria e turismo e na indústria transformadora. Luanda é o principal centro financeiro, comercial e econômico de Angola, sendo responsável por cerca de 90% do PIB (Produto Interno Bruto) do país em 2014 (UCCLA, 2014). Entre 2003 e 2007, a contribuição da província de Luanda em relação ao PIB nacional era de 82%, sendo igualmente o Pólo determinante do crescimento do país. Em 2007, cerca de 55% das empresas e estabelecimentos se encontravam em Luanda (ROCHA, 2010) e em 2018, esse valor passou para 58,8% (INE, 2018, p. 13).
Em Luanda estão também sediadas as principais empresas do país: Sonangol, Endiama, Unitel, Angola Telecom, TAAG - Linhas Aéreas de Angola, Odebrecht Angola, etc. Sendo assim, a província de Luanda constitui o centro de decisão do país, sendo o seu principal centro financeiro, económico e comercial, também contando com o principal porto e maior parque industrial (GPL, 2014 apud SILVA, 2017).
Em termos espaciais, as grandes empresas multinacionais e as públicas (que comandam a economia da cidade) estão localizadas no centro da cidade (núcleo urbano antigo) e as relacionadas com o comércio, tanto de venda a grosso (grandes armazéns) e a retalho (supermercados)13 estão disseminadas nas áreas contíguas à semiperiferia. Na periferia encontramos os grandes mercados ao ar livre (exemplo: Mercado do Trinta, Kikolo, Kwanzas, etc.) e as cantinas14.
No que tange a empregabilidade, os dados do Censo de 2014 indicam que a taxa de emprego foi estimada em apenas 35% (em nível nacional a taxa foi de 40%) e a de desemprego em 33% (em nível nacional essa taxa foi de 24%). As taxas mais elevadas de desemprego se verificaram nos municípios periféricos de Cacuaco e Viana, com 41% e 33%, respetivamente. Tal como viemos anunciando, o comércio a grosso e a retalho estão entre as principais atividades da província, representando 10%, seguida de perto pela administração pública, defesa e segurança social obrigatória (8,7%) e atividades administrativas e serviços de apoio com 8,1%. A população ocupada na indústria representa apenas 3,4% e na construção civil 6,6%. A agricultura, a produção animal, a caça, a silvicultura e a pesca, atividades que predominam nos municípios rurais ocupam 2,9% da população empregada (INE, 2014).
No quadro 1, registamos algumas das principais atividades dos dois circuitos da economia urbana da cidade de Luanda subdivididas em sectores da indústria, comércio e serviços.
3.1.2 Distribuição espacial de infraestruras sociais e produtivas
No que diz respeito aos setores de educação e saúde, os dados existentes (INE 2011-2016) revelam uma nítida distribuição territorial desigual, estando concentrados, fundamentalmente no centro da cidade (município de Luanda com 452 escolas) e, na periferia, nas sedes dos municípios de Viana (382 escolas), Talatona, Belas e Cacuaco. O mesmo sucede com às unidades hospitalares de referência concentradas também no núcleo urbano antigo, tal como se pode constatar nos mapas 2 e 3 que refletem a distribuição dos equipamentos de saúde e educação em 2015.
A província apresenta uma fraca densidade de vias de acesso, tanto rodoviária como ferroviária o que dificulta a mobilidade (interurbana e interurbana), assim como circulação de pessoas e mercadorias com outras regiões do país. Apesar de localizar-se na costa, a mobilidade por via marítima é pouco explorada, servindo mais para navios de transporte de carga. Por via aérea somente a conexão com outras províncias.
A ligação entre as diferentes áreas da cidade e com outras regiões do país é feita através das Estradas Nacionais 100 (EN-100), EN-230 e EN-110. Essas três estradas principais, junto com a Via Expressa (circular) que une os municípios de Cacuaco, Viana, Talatona e Belas constituem os eixos principais de mobilidade da cidade de Luanda, uma vez que grande parte das vias secundárias que comunicam o centro com os municípios da periferia carecem de manutenção. Muitas das ruas dos municípios da periferia carecem de pavimento asfáltico e em épocas de chuvas são praticamente intransitáveis, dificultando a comunicação entre diferentes localidades da cidade15.
O sistema de transportes urbanos é garantido pelos transportes públicos urbanos (TCUL), privados (MACON, ANGOREAL) e, sobretudo, pelo sistema de táxis: os vulgos “azulinhos e gira bairros”, antigamente conhecidos como candongueiros”, moto-táxis, etc.
Luanda concentra mais de 80% das indústrias transformadoras do país, localizadas, essencialmente no principal pólo industrial (Zona Económica Especial (ZEE) LuandaBengo) no município de Viana. Predomina no território a indústria ligeira, sobretudo alimentar e de bebidas. Reveste também de grande importância a indústria química, representada pela refinaria de Luanda (a única do país), a indústria de plástico e de material de construção.
3.1.3 Evolução da mancha urbana, tipologia de assentamentos urbanos e índice de pobreza
Como referenciado anteriormente, o êxodo rural e o acelerado crescimento vegetativo dos habitantes de Luanda, assim como a política de fomento habitacional do Estado ao abrigo do Programa Nacional de Urbanismo e Habitação (assente em três eixos: construção de habitações sociais, desenvolvimento de novas centralidades e requalificação urbana) e de iniciativas empresariais no campo habitacional no período pós-paz (2002), resultaram, não só no rápido crescimento urbano, como também no próprio crescimento da mancha urbana e da cidade no geral. Relativamente a evolução da mancha urbana, Moisés Figueira (2020, p. 59-60) afirma que é “entre 2008 e 2016 que se deu a ‘explosão urbana’, fruto da implementação do Programa do Executivo Angolano (Fomento Habitacional), que ainda está em vigor”.
Como se pode constar no mapa 4 e gráfico 1, em 1950 a mancha urbana de Luanda era de 3.131 hectares, passando para 122.749 hectares em 2016, com uma população estimada em 7.774.168. Esse aumento progressivo verificou-se sobretudo na região norte e entorno do eixo da estrada de Catete. Mas mesmo assim, Figueira (2020, p. 59) explica que “essa expansão da mancha urbana não evitou a formação de vazios urbanos entre as novas urbanizações e os tecidos urbanos anteriores, o que provocou a urbanização alargada e fragmentada de baixa densidade, com exceção de algumas áreas (Sequele, Kilamba e Zango)”.
Para além dos programas de fomento habitacional desenvolvidos pelo Estado, é preciso destacar também a proliferação de bairros informais de autoconstrução popular no alargamento da mancha urbana de Luanda, o que tem provocado enormes dificuldades no ordenamento e gestão dos espaços urbanos da cidade.
Em geral, o rendimento das famílias condiciona a localização, a produção e consumo de bens e serviços dos agregados familiares, sobretudo na cidade de Luanda, considerada uma das mais caras do mundo e, no entanto, a maioria da sua população é de rendimentos baixos e reside em bairros localizados na periferia da cidade. No mapa 5 se pode observar a distribuição no território da tipologia dominante dos assentamentos urbanos da cidade: o centro urbano antigo junto à baía de Luanda (município de Luanda), tendo como principais distritos urbanos, Ingombota e Maianga; na parte contígua ao centro, isto é, na semiperiferia, estão os condomínios de alto padrão habitacional e os musseques antigos, que vão sendo requalificados ao abrigo do Programa Estatal de Fomento Habitacional e Requalificação Urbana. São espaços urbanos enquadrados nos municípios de Kilamba Kiaxi, e os dois mais recentes, os municípios de Belas e Talatona, respetivamente. Já na periferia, estão disseminados os Novos Musseques, formados na sua maioria por bairros de autoconstrução popular não dirigida. É também nestes espaços onde encontramos as zonas indústrias mais recentes, como é o caso da Zona Económica Especial (ZEE) Luanda-Bengo. Os espaços acima descritos e que em conjunto ocupam uma área de aproximadamente 2.121 km. (cerca de 12% do território da província) formam a Região Metropolitana de Luanda.
A partir de 2002, e no âmbito da estratégia nacional de fomento à habitação, do desencorajamento de práticas de ocupação ilegal de terrenos e do crescimento desordenado da cidade, foram executados em Luanda, importantes projetos habitacionais direcionados, essencialmente para as populações de média e baixa renda. É desta forma que nascem, por um lado, as novas urbanizações e as “chamadas” centralidades: Centralidade do Kilamba no município de Belas, Centralidade do Sequele (Cacuaco), Centralidade do Kalaewnda (Cazenga) e a Centralidade do Zango V (Viana), Centralidade Horizonte (Luanda - construída nas antigas instalações da rádio Marconi no âmbito do projeto de requalificação urbana do distrito do Sambizanga), Urbanização Nove Vida (a mais antiga - Kilamba Kiaxi), Urbanização Vila Pacífica (Zango Zero - Viana), Urbanização KM 44 (Viana), urbanização KK 5000 (Belas) e, por outro lado, os bairros de reassentamentos populacionais (habitações sociais): Zango I, II, III e IV (Viana) e outros projetos, tais como, Mayé-Mayé (Cacuaco), Sapú (Kilamba Kiaxi) e Luanda Sul (Viana). São todos projetos erguidos em espaços urbanos localizados na semiperiferia e periferia da cidade de Luanda.
No que diz respeito a pobreza, os dados do INE (2018-2019)16 indicam que a incidência da pobreza17 em Angola é 41%, o que significa que 41 de cada 100 angolanos têm um nível de consumo abaixo da linha da pobreza (12.181 Kwanzas por mês). No que tange a sua distribuição nos âmbitos de residência, as estatísticas mostram que do total da população pobre, 56% residem nas áreas rurais e 44% na urbana. No caso da província de Luanda, os dados apontam maior incidência da pobreza nos dois municípios periféricos, com cerca de 70% em Quissama e 75% no Icolo e Bengo. A estratificação na região metropolitana mostra menor incidência da pobreza nos municípios de Luanda e Cazenga (7% cada um) e maior nos municípios de Cacuaco e Belas. No mapa 6, se pode observar a distribuição do Índice de Pobreza Multidimensional (IPM-M)18 por municípios.
4 Os dois circuitos da economia urbana e desigualdades territoriais em Luanda
Milton Santos (2004, p. 220-221), ao abordar a questão da especificidade do espaço dos países subdesenvolvidos, ressalta que “caracterizam-se primeiramente pelo fato de se organizarem e reogarnizarem-se em função de interesses distantes e mais frequentemente em escala mundial”, no entanto, segundo o autor, “não são atingidos de um modo maciço pelas forças de transformação”, cujo impacto é muito localizado, favorecendo alguns espaços em detrimento de outros”, e o mesmo sucede com “as forças da modernização impostas” que para ele, são “extremamente selectivas, em suas formas e em seus efeitos”. O autor explicita ainda que “a cada modernização, novos pontos ou novas zonas são conquistadas ao espaço neutro e tornam-se uma nova porção de espaço operacional”. Não obstante, “o impacto dessas forças [modernizadoras], não é mesmo para as diversas variáveis, cuja combinação dá a característica do lugar”, resultando disso “uma grande instabilidade do espaço com repetidos desequilibrios e ajustamentos”.
É na base desse raciocínio do autor, que pretendemos iniciar a caracterização dos dois circuitos da economia urbana e sua relação com as desigualdades socio-espaciais na cidade de Luanda.
E como recolhida na fundamentação teórica, “a diferença fundamental entre as atividades do circuito inferior e as do circuito superior está baseada nas diferenças de tecnologia e de organização (SANTOS, 2004, p. 43), isto é, a essência da teoria dos dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos radica naquilo que o autor designou por modernização tecnológica. E como ressaltou Silveira,
o circuito superior mantém sua base diretamente relacionada a modernização tecnológica e aos grandes monopólios, detentores de novas tecnologias e de poder no mercado financeiro. Por sua vez, o circuito inferior é formado pelas atividades de pequena escala, como dos pequenos comerciantes, mascates, vendedores ambulantes, voltados para o mercado de consumo local e a população com menor mobilidade (os mais pobres). Esse circuito, entretanto, não se trata de um sector tradicional porque é produto indireto da modernização e uma parte do seu abastecimento vem do sector moderno, do qual depende. (SILVEIRA, 2007 apud ROMA, 2016, p. 26)
Ainda sobre a presença dos dois circuitos da economia na cidade, Silveira (2004, p.60) citado por Roma (2016, p. 26), salienta que a cidade não é apenas lugar do circuito superior, “mas também do trabalho não espacializado, das produções e serviços banais, das ações ligadas aos consumos populares”. Por outro, segundo ainda a autora “o circuito inferior e superior marginal, nos dias atuais, encontram maior desenvolvimento”.
Adicionado ao acima exposto, e no intuito de reforçar nossos argumentos relativamente às desigualdades de rendimentos e, por conseguinte, do acesso ao consumo de bens e serviços na cidade, voltamos a recorrer a Milton Santos quando diz:
A existência de uma massa de pessoas com salários muito baixos ou vivendo de atividades ocasionais, ao lado de uma minoria, com rendas muito elevadas, cria na sociedade urbana uma divisão entre aqueles que podem ter acesso de maneira permanente aos bens e serviços oferecidos e queles que, tendo as mesmas necessidades, não têm condições de satisfazê-las. Isso cria ao mesmo tempo diferenças quantitativas e qualitativas no consumo. Essas diferenças são a causa e efeito da existência, ou seja, da criação ou da manutenção, nessas cidades, de dois circuitos de produção, distribuição e consumo de bens e serviços. (SANTOS, 2004, p. 37)
Expostas as premissas de análise, assentes principalmente no estudo combinado da informação (quantitativa e qualitativa) compilada, foi possível criar um quadro interpretativo/explicativo que permitiu identificar e caracterizar os dois circuitos da economia urbana na cidade de Luanda como um todo e suas especificidades em função dos âmbitos de habitat considerados. Para a produção dos quadros síntese ou modelo, recorremos às informações que permitiram a caracterização da cidade: População (evolução e distribuição espacial); taxas de emprego e desemprego; distribuição das infraestruturas de educação, saúde e da acessibilidade; evolução da mancha urbana; tipologias dos assentamentos urbanos; incidência da pobreza e a identificação das principais atividades dos dois circuitos da economia da cidade.
Desta informação acima, resultaram três quadros síntese ou modelo: a) quadro 2, que combina a informação relativa à organização espacial da cidade em função das diferentes zonas de habitat e tipologias de assentamentos urbanos considerando também os limites das divisões administrativas; b) quadro 3, que combina a informação sobre as zonas de habitat e atividades predominantes em cada circuito (superior e inferior) da economia urbana; c) quadro 4, que combina a informação sobre as diferentes zonas de habitat e as variáveis relativas a tecnologia, organização e capital.
Da análise dos quadros acima (quadros nºs 2, 3 e 4) se pode depreender a diferenciação do espaço urbano de Luanda entre o centro da cidade .Centro Moderno para COLAÇO, 1992;Centro Urbano Antigo para DW-Angola, 2005, ou ainda Núcleo Urbano Antigo para AMARAL, 2015) e a periferia, este último, subdividido em duas zonas de habitat: a semiperiferia, onde situamos os municípios de Talatona, Belas e Kilamba Kiaxi e, a periferia propriamente dita19, onde estão localizados os municípios de Cazenga, Viana e Cacuaco. Assim, a escala de análise dos dois circuitos da economia urbana da cidade de Luanda será feita considerando, por um lado, a cidade como um todo e, por outro lado, os três âmbitos de habitat identificados.
Como ponto de partida, podemos afirmar que os habitantes de Luanda são de várias origens e/ou proveniências (províncias)20 e de diferentes estratos sociais, situação que tem reflexo na sua localização e posição perante a produção e o consumo de bens e serviços.
Sobre o assunto anterior, Milton Santos (1987, p. 81), na sua obra “O Espaço do Cidadão”, escreveu: “cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão, depende da sua localização no território. Seu valor vai mudando, incessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças de acessibilidade (tempo, frequência, preço), independentes de sua própria condição”. O autor destaca ainda que, “pessoas com as mesmas virtualidades, a mesma formação, até mesmo o mesmo salário têm valores diferentes segundo o lugar em que vivem: as oportunidades não são as mesmas. Por isso, as possibilidades de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território donde se está”. Nesta mesma ordem de ideias, e na perspicácia da procura de fundamentos plausíveis para explicar as desigualdades espaciais da pobreza, M. Santos (1987, p. 83), assinala que, “por mais simples que seja o exame das características relativas a distribuição da população segundo seus diversos estratos e a repartição dos serviços públicos, dos tipos de comércio, dos preços, e das amenidades, pode-se inferir a existência de uma correlação entre a localização das pessoas e o seu nível social e de renda”. Conclui seu raciocínio, sintetizando no seguinte: “com exceção de alguns bolsões atípicos, o espaço urbano é diferentemente ocupado em função das classes em que se divide a sociedade urbana”.
E como também constatou Moisés Figueira (2020, p. 53), “em Luanda, a maioria dos projetos [habitacionais] não beneficiam as populações com fraco rendimento económico, são restritos a grupos de população de médios ou altos rendimentos, e não se adequa à realidade e necessidades da sociedade urbana como um todo”. Por sua vez, Silva (1917), referencia que a maioria da população em Luanda tem um rendimento mensal muito baixo, cerca de 12.369 AKZ (2009), mas que é bastante elevado comparado com o resto do país. Existem assimetrias nos salários pagos por empresas angolanas, e, “um inquérito realizado em 2013 pelo Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS) a 351 empresas públicas e privadas demonstrou que existe uma diferença significativa, sendo que o salário mais elevado é 304 vezes superior ao salário mínimo” (ASSESSMENT OF CURRENT SITUAION, 2014 apud SILVA, 2017).
Numa primeira aproximação, podemos entender que, como resultado do seu percurso histórico de ocupação, colonização e urbanização, assim como dos processos de modernização tecnológica e de desenvolvimento em curso, o espaço urbano da cidade de Luanda foi-se configurando de maneira fragmentada, observando-se, por um lado, extensos espaços de forte dependência funcional do centro da cidade, isto é, a periferia, representada, principalmente, pelos municípios de Cazenga, Cacuaco e Viana, e onde predominam as atividades do circuito inferior (comércio a grosso em armazéns, comércio a retalho em supermercados, cantinas e mercados à intempérie e serviços terciários não avançados) com pouca utilização da tecnologia, reduzidos investimentos em termos de capital e formas de organização do trabalho, nalguns casos até elementares ou mesmo primitiva e, por outro lado, o espaço dominante (centro da cidade), constituído pelo município de Luanda (sobretudo a parte baixa da cidade), com predomínio das atividades do circuito superior (empresas multinacionais, as grandes empresas públicas, bancos, asseguradores, grandes hotéis), com utilização intensiva das novas tecnologias no processo de produção, consumo e organização do trabalho (burocrático), e grandes investimentos de capital.
Entre essas duas realidades socio-espaciais acima descritas, encontramos os espaços de transição ou de interligação, revelados pelos municípios de Talatona, Belas e Kilamba Kiaxi, donde as atividades do circuito superior marginal são muito importantes (empresas de transportes rodoviários, bancos, universidades, comércio diverso formal). É nesse espaço onde encontramos uma interessante interação na dinâmica entre os dois circuitos da economia urbana, uma vez que em algumas atividades já se denota a incorporação de tecnologias modernas, mas muito longe, comparado com as do centro da cidade. Tal como sublinhou Silveira (2004 apud ROMA, 2016, p. 26) “o circuito superior marginal, nascido sobretudo em função da relevância que adquire a circulação, está próximo do circuito superior pela funcionalidade do seu trabalho, mas se relaciona com o circuito inferior pelo comportamento dos seus atores”, sendo portanto “importante para difundir novas tecnologias inserindo em sua dinâmica algo moderno, mas é, ao mesmo tempo, residual”.
A diferenciação constatada em termos da tecnologia utilizada, organização do trabalho e investimentos de capital, praticamente desaparece quando avaliamos o setor da indústria urbana moderna, com unidades fabris localizadas na sua maioria na periferia e em menor proporção na semiperiferia. Sucede o mesmo quando se trata da administração pública que tende a modernizar-se com a utilização de novas tecnologias. São atividades que recebem importantes ajudas institucionais, sobretudo do governo. Ademais, o surgimento por exemplo de novos espaços urbanos na periferia e semiperiferia, as grandes centralidades, tais como Kilamba e Sequele resultam de intensivos investimentos públicos e privados, internos e externos.
Há predominância das grandes empresas, públicas e privada, nacionais e internacionais no circuito superior, sediadas na sua maioria no centro da cidade e as microempresas no circuito inferior e localizadas sobretudo na semiperiferia e periferia. Os investimentos das grandes e médias empresas nas novas tecnologias de informação têm contribuído na difusão da publicidade e estimulado o consumo, não só no centro da cidade de Luanda, mas também na semiperiferia e nas novas centralidades. Neste papel, destacam-se, não só os meios tradicionais de comunicação, como também os produtos das companhias de telemóveis (UNITEL e MOVICEL) incluindo mesmo em multibancos ou ATM (Automated Teller Machine) acoplados aos diversos bancos comerciais da cidade.
Nos últimos tempos, muitas microempresas do circuito inferior têm também aderido às tecnologias que facilitam pagamentos via eletrónicas, os TPA´s (Terminais de Pagamentos Automáticos), uma vez que a tendência é diminuir cada vez mais, a circulação da moeda metálica e também, por razões de segurança, numa cidade em que a criminalidade vem adquirindo proporções alarmantes. Muitos pequenos comércios (cantinas e lojecas), incluindo até zungueiras e zungueiros (comerciantes ambulantes), já utilizam os referidos meios eletrónicos. É, portanto, o circuito inferior a tentar modernizar-se na cidade de Luanda.
Em geral, pode dizer-se que a presença dos dois circuitos da economia urbana está na base da configuração atual do espaço urbano da cidade de Luanda, com predominância para as atividades do circuito superior nos espaços mais urbanizados, sobretudo o centro da cidade e as do circuito inferior mais presentes na periferia e semiperiferia. No entanto, pese a essa diferenciação, ambos constituem-se num sistema articulado pelos dois subsistemas “circuito superior” e “circuito inferior” através dos fluxos e processos de produção e consumo de bens.
No quadro 5, se pode constatar as características dos dois circuitos da economia urbana na cidade de Luanda de acordo com o modelo miltoniano com ligeiras adaptações em função das constatações da realidade da cidade de Luanda.
Mudando de escala de análise, tendo em consideração a especificidade espacial assumida, apresenta-se a continuação uma caracterização, relativamente pormenorizada dos dois circuitos da economia urbana em diferentes âmbitos de habitat.
Como se pode depreender dos quadros síntese (nºs 2, 3 e 4), o centro da cidade de Luanda (apelidado também de Baixa da Cidade, Cidade Baixa, Núcleo Urbano, Centro Moderno ou ainda Casco Antigo) coincide com a sede da cidade de Luanda (município de Luanda)21, ocupando uma área de aproximadamente 113 km. e albergando cerca de 32% da população total da província e sendo os distritos urbanos de Ingombota e Maianga os mais representativos em termos de dinâmica urbanística, económica, social, política e cultural. É, portanto, o núcleo urbano principal, não só da província de Luanda mas também do país como um todo. É a cidade formal em termos de ocupação do solo e urbanístico em geral.
É a parte mais antiga da cidade de Luanda e a mais modernizada em termos arquitetónicos, onde coabitam os edifícios da época colonial22 (muitos em estado de degradação e outros já demolidos) e os imponentes edifícios modernos e multifuncionais na baía (na nova e na antiga marginal requalificada recentemente e que constitui o principal cartão de visita da cidade). É nesta parte da cidade onde estão localizados os edifícios que albergam as principais empresas multinacionais, empresas públicas e ministérios (exemplo: o edifício da petrolífera nacional - Sonangol, da Total, o Hotel Presidente-Méridien, o Hotel Epic-Sana, o edifício do Banco Nacional, o edifício Ambiente, o edifício da Assembleia Nacional e o Palácio Presidencial) e apresenta grande diversidade de atividades relacionadas com o circuito superior: bancos de capitais locais e internacionais (exemplo: Standard Bank, Banco Nacional de Angola, Banco de Poupança e Crédito, Banco de Fomento de Angola, BANCO SOL, Banco de Investimentos e Crédito, Banco Atlântico-Millenium, Banco Angolano de Investimentos), comércio diversificado e especializado: hipermercados, joalharias, grandes restaurantes (com culinária nacional e internacional), empresas comerciais de importação/exportação, o porto comercial de Luanda e a principal estação de caminhos-de-ferro de Luanda, o aeroporto internacional 4 de Fevereiro, as agências de viagens, as seguradoras, as casas de câmbio, etc.
É também neste espaço da cidade onde estão concentrados os serviços administrativos e sociais de primeira categoria, tais como, colégios e universidades, hospitais e clínicas (Hospital Josina Machel, Hospital Universitário Américo Boavida, Maternidade Lucrécia Paim, Maternidade Augusto Ngangula, Clínica Girasol, Clínica da Endiama, Clínica Meditex, etc). É igualmente o espaço das diferentes Representações Diplomáticas. É, portanto, o centro dinâmico da cidade, da província e do país.
Grande parte da população que reside nestes dois distritos urbanos são de renda alta e média alta, por isso, a incidência da população pobre é também baixa, sobretudo nos bairros Alvalade, Coqueiros, Miramar, etc. No entanto, encontramos também, por exemplo no distrito da Maianga, um dos antigos musseques, o histórico bairro Prenda onde reside população de média e baixa renda.
O crédito, seja bancário, de instituições públicas ou privadas (nacionais e internacionais) é de extrema importância para manutenção da produção e a produtividade das empresas, uma vez que o destino dos resultados das mesmas não é apenas o mercado interno, senão também voltados para o exterior. É o caso das grandes empresas petrolíferas, as empresas de importação e exportação (petróleo, alimentos e bebidas, maquinarias diversas, viaturas, materiais de construção, etc.).
Está presente também na parte adjacente deste espaço central, mas em proporção muito reduzida, algumas atividades do circuito inferior, ligadas principalmente ao pequeno comercio e a restauração (exemplo: zona da Chicala na Ilha de Luanda) e Samba. Já nos distritos de Sambizanga, Rangel, Neves Bendinha e Ngola Kiluanji, encontramos algumas atividades relacionadas com o setor superior marginal e muitas do circuito inferior: comércio formal e informal a grosso e a retalho e grande variedade de atividades relacionadas com serviços terciários não avançados.
Nestes últimos espaços urbanos do município de Luanda, as infraestruturas de saneamento são relativamente deficientes, incluindo as redes de fornecimento de água potável e energia elétrica. As construções nestas partes da cidade são em geral de tipo horizontal, podendo destacar os edifícios do Hospital Universitário, conhecido por Hospital Américo Boa-Vida, a Cidadela Desportiva. Importante parte da população que reside nesta parte da cidade é de renda média e baixa.
Encontramos na semiperiferia ou transição (parte que engloba os municípios de Talatona, Belas e Kilamba Kiaxi e onde está concentrada 15,5% da população total da província numa área de aproximadamente 1077 km.), alguma presença de atividades do circuito superior associadas a instituições estatais e grandes e médias empresas localizadas, sobretudo, nas sedes dos municípios. São, a título de exemplo, as empresas de prestação de serviços de telefonia móbil (UNITEL e MOVICEL), Empresas de consultorias, Centro de Convenções do Talatona, Belas Business Park, HCTA-Talatona Convention Hotel, Centro comercial Belas, Centro Comercial Xyami, o Polo Turístico do Futungo de Belas, o Terminal de Transportes Rodoviários da Macón, o Hospital Geral de Luanda, o Campus Universitário da Universidade Agostinho Neto, etc. Se observa nestas atividades, importantes investimentos de capital, daí, a incorporação da tecnologia no processo produtivo e organizativo.
Não obstante ao anteriormente exposto, importa referir que existe nesta zona de transição, uma maior predominância de atividades do circuito inferior, representados, essencialmente por pequenas empresas relacionadas ao comércio (alimentação, bebidas, vestuário e calçados, cosméticos, materiais de limpeza…) e prestação de serviços diversos. Em algumas destas atividades, em particular naquelas vinculadas com o comércio especializado (joalharias, produtos eletrónicos, desportivos, etc.) e restauração (principalmente de culinária internacional e das chamadas “comidas rápidas”) já se vem constatando uma certa preocupação com a incorporação da tecnologia no processo de organização, no entanto, em menor proporção em comparação com as do circuito superior.
É nesta parte da cidade onde estão disseminados os principais condomínios modernos de alto padrão, principalmente no município do Talatona (Acquaville Residencial Talatona, Atlântico Sul, Infinity Residence I e II, Talatona Boulevard), Belas (Urbanização Boa-Vida, Jardim de Rosas) e onde reside grande parte da população abastada (renda alta e média alta) da cidade. Para além dos condomínios, encontramos neste espaço habitacional de transição, algumas centralidades23, como é o caso da centralidade do Kilamba no município de Belas, o maior da cidade e do país e novos espaços urbanos (destaca a Urbanização Nova Vida) ocupados na sua maioria pela população com um poder aquisitivo médio e médio alto.
É essa tipologia de assentamentos urbanos que tem alargado a mancha urbana de Luanda nesta última década em sentido sul, norte e nordeste da cidade, mantendo Luanda sob um modelo urbanização dispersa.
Na extensa periferia de Luanda, onde estão localizados os municípios históricos de Cazenga, Cacuaco e Viana e respetivos musseques, é área de residência da maioria da população da cidade e, consequentemente da província (51,3%), numa superfície aproximada de 991 km.. É um espaço com uma clara predominância das atividades do circuito inferior, tendo como expoentes máximos o comércio a retalho (supermercados, cantinas e mercados) e grossista (grandes, medianos e pequenos armazéns) dominado pelos estrangeiros.
Como constatado no item sobre empregabilidade, o comércio (formal e informal) constitui o setor que mais emprega e ocupa a população ativa (e não só) residente na periferia da cidade. Nesta atividade, a relação com a clientela é direta, é mais próxima, o que possibilita, as vezes entendimentos e negociação de preços. Nos pequenos comércios (cantinas) e nos mercados (à céu aberto), tais como os mercado do Trinta (Viana), Kikolo (Cacuaco), Kwanzas (Cazenga), pelo caráter predominante desta atividade (a informalidade), a utilização da tecnologia é débil ou praticamente inexistente, reduzido capital e uma organização do trabalho baseado em compromissos e contratos familiares.
Uma vez que a economia do país é muito dependente ainda do exterior, com importação de produtos diversos, até mesmo da Cesta básica (fuba de milho, massa alimentar, arroz, feijão, farinha de trigo, açúcar, leite em pó, etc.), a maior parte dos produtos comercializados procedem do circuito superior da economia urbana, pois os pequenos comerciantes adquirem-nos nas grandes superfícies ou nos grandes armazéns, daí também sua dependência. Não obstante, não é desprezível a comercialização de produtos de produção local da cintura verde periurbana (atividades tradicionais) e das regiões adjacentes à Luanda que desempenham um papel “quase” preponderante para as pessoas de muito baixa renda na periferia.
Para além do comércio, os serviços de restauração, hotelaria e turismo (de diversas categorias) representados essencialmente por Resorts (exemplo: Resort Bantú, na via expressa Cacuaco-Viana-Benfica) são também importantes nesta zona metropolitana de Luanda.
Na maior parte dos casos, e na ausência do crédito institucional, existem algumas estratégias familiares ou interpessoais, como é o caso da Kixikila24. Outra estratégia é a que consiste em solicitar um empréstimo familiar ou a pessoas singulares ou até mesmo a proprietário de estabelecimento comercial (em geral estrangeiros) e devolver no prazo acordado, a totalidade do valor mais o juro fixado previamente. São algumas dessas estratégias que mantêm os pequenos negócios do circuito inferior nesses espaços.
O setor da indústria (grande indústria) presente principalmente na Zona Económica Especial (ZEE-Luanda-Bengo no município de Viana), a única refinaria de petróleo (no município do Cacuaco) e outras pequenas indústrias no município do Cazenga (exemplo: Bolama-fábrica de bolachas), constituem uma exceção, uma vez que pelas suas características (tecnologia, capital, organização do trabalho) se enquadra no circuito superior da economia urbana, apesar de empregar pouca mão-de-obra local. As pequenas indústrias artesanais (formais) não abundam na cidade, mas encontramos uma diversidade de microempresas de processamento artesanal de produtos agrícolas e pesqueiras.
A maioria da população da periferia de Luanda reside nos novos musseques com habitações de autoconstrução. No entanto, com o advento da paz, começou-se a prestar uma certa atenção a esses espaços (deprimidos) com a execução de projetos e programas do executivo/governo e do setor imobiliário privado, dando como resultado, o surgimento, inicialmente de habitações sociais (exemplo: Zango I, II, III e IV) e as novas urbanizações, habitualmente chamados de centralidades (Centralidade do Zango ZeroVila pacífica e a Centralidade do Zango V). Apesar da carência de serviços, são espaços urbanos que tendem a inverter a dinâmica socioespacial da parte suburbana de Luanda.
Em geral, nesses espaços periféricos de Cazenga, Viana e Cacuaco, a incidência da pobreza é alta, assim como o desemprego das suas populações no setor estruturado da economia. É portanto, espaço de informalidade por excelência, seja em termos de ocupação do solo e das atividades exercidas e estão associadas às populações de menor poder aquisitivo.
5 Considerações finais
A sociedade angolana está marcada por profundas desigualdades socio-espaciais, sobretudo nos espaços urbanos e a cidade de Luanda é a personificação dessas desigualdades que se traduzem na existência, por um lado, de um espaço central “a cidade formal”, constituído pelo núcleo urbano antigo modernizado (Baixa da Cidade), onde predominam as atividades do circuito superior da economia urbana e, por outro lado, está a extensa periferia (a cidade informal deprimida e dominada pelos musseques), onde prevalecem as atividades do circuito inferior da economia urbana. Apesar da complementaridade entre as atividades dos dois circuitos da economia urbana na cidade e, consequentemente entre o centro e a periferia que se articula na base do acesso da população aos bens e serviços dos dois circuitos, em função, sobretudo, da renda percebida, o certo é que o circuito inferior muito virado para mercado e consumo interno é manifestamente dependente do circuito superior da economia urbana favorecida pelos grandes investimentos e incentivos financeiros institucionais/governamentais e do setor privado interno e das multinacionais com importante conexão com o exterior.
Apesar do caos urbanístico que esteve submerso durante décadas, a periferia de Luanda, em particular a semiperiferia, começa a ganhar uma nova dinâmica, tanto em termos das atividades dos dois setores da economia urbana, sobretudo do circuito superior marginal, assim como em termos de infraestruturas habitacionais, com o surgimento, através de projetos e programas estatais e também de iniciativas empresariais, de novos espaços urbanos constituídos pelas novas centralidades e pelas habitações sociais, incluindo certos serviços de apoio a população: escolas, postos e centros médicos, acessibilidade, com a abertura da via expressa Cacuaco-Viana-BelasTalatona e de transportes coletivos urbanos que ainda se requerem em quantidade e qualidade, assim como de outros serviços prestados a sociedade. Pese a esses logros, observa-se ainda um crescimento contínuo da cidade alimentada pela informalidade.
Aspeto interessante nos espaços periféricos é a incorporação de alguma tecnologia em certas atividades do circuito inferior, sobretudo no pequeno comércio (a retalho e até mesmo ambulante) com pagamentos via eletrónica. Na ausência de crédito institucional, a manutenção das pequenas atividades é feita na base da implementação de estratégias e técnicas “tradicionais”, como é o caso da kixikila e empréstimos familiares ou com agentes detentores de negócios próprios, em geral estrangeiros.
Finalmente, cabe destacar, por um lado, a vigência da teoria miltoniana dos dois circuitos da economia urbana na compreensão da realidade urbana dos países subdesenvolvidos e, por outro lado, ressaltar que, considerando também o contexto, o estudo combinado dos dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos com outras variáveis socioeconómicas e espaciais, pode revelar, não só a diferenciação espacial, mas também as desigualdades socio-espaciais das cidades como totalidade e das especificidades espaciais. É desta maneira que encontramos na cidade de Luanda, por um lado, a centralização da oferta de bens e serviços em alguns espaços e onde predominam atividades do circuito superior e superior marginal da economia e onde o consumo em quantidade e qualidade é intensivo e, por outro lado, a carência dos mesmos em espaços de prevalência de atividades do circuito inferior (com certas atividades tradicionais) e onde o consumo, tanto em quantidade como em qualidade é extremadamente reduzido.
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Notas