Comunicação, Gêneros e Sexualidades

O grotesco midiático e a resistência de corpos travestis em reportagens policiais

Weberson Ferreira Dias
Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil
Suely Henrique de Aquino Gomes
Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil
Deyvisson Pereira da Cost
ECCO/UFMT, Botsuana
Mayllon Lyggon de Sousa Oliveira
Universidade Federal de Goiás (UFG), Brasil

Esferas

Universidade Católica de Brasília, Brasil

ISSN-e: 2446-6190

Periodicidade: Cuatrimestral

vol. 1, núm. 27, 2023

revesferas@gmail.com

Recepção: 09 Maio 2023

Aprovação: 26 Julho 2023



DOI: https://doi.org/10.31501/esf.v1i27.14210

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Resumo: O artigo analisa a subversão travesti em reportagens do Youtube em 2009 e 2015. A cartografia deleuziana, a partir da noção de agenciamento, foi a metodologia adotada. Identificou-se que um dos principais recursos comunicativos utilizados por esse público foi o humor-resistência, que tenta desvinculá-las da marginalidade, embora o jornalismo intente posicioná-las. Graças ao riso, as travestis são protagonistas de sua história e abrem possibilidades de visibilidade e respeito. Palavras-chave: Comunicação. Humor. Travestis. Youtube. Cartografia.

Palavras-chave: Comunicação Humor. Travestis. Youtube. Cartografia..

Abstract: The article analyzes the transvestite subversion in Youtube reports in 2009 and 2015. Deleuzian cartography, based on the notion of agency, was a methodology adopted. It was identified that one of the main communicative resources used by this public was humor, which tries to detach them from marginality, although journalism tries to position them. Thanks to laughter, as transvestites they are protagonists of their history, and they open up possibilities for visibility and respect.

Keywords: Communication Humor. Transvestites. Youtube. Cartography..

Resumen: El artículo analiza la subversión travesti en los reportajes de Youtube de 2009 y 2015. La cartografía deleuziana, basada en la noción de agencia, fue una metodología adoptada. Se identificó que uno de los principales recursos comunicativos utilizados por este público fue el humor, que trata de desvincularlos de la marginalidad, aunque el periodismo trata de posicionarlos. Gracias a la risa, como travestis son protagonistas de su historia, y abren posibilidades de visibilidad y respeto.

Palabras clave: Comunicación Humor. Travestis. Youtube. Cartografía..

Introdução

Alguns vídeos tornam-se virais na internet. Em parte deles, é possível perceber a presença de corpos que escapam à cisheteronormatividade[1] em reportagens na imprensa que permanecem em circulação através de plataformas de compartilhamento de vídeos, como o Youtube (YT). Desde sua criação, o YT tem se mostrado uma mídia que propicia visibilidade a diferentes modos de ser e existir. Mas é nele também que reportagens policiais dão visibilidade a algumas travestis e as empurram à categoria do grotesco. Embora tais produções contribuam para reforçar estereótipos, algumas das entrevistadas dão outro rumo às interações e subvertem as configurações do espetáculo.

Neste artigo, elaboramos uma cartografia a partir de dois vídeos de travestis entrevistadas em programas policiais em Pernambuco e Bahia, publicados na rede em 2009 e 2015, com considerável nível de acesso e compartilhamento. Durante as reportagens, as entrevistadas são colocadas em situação vexatória e constrangedora, mas conseguem, de alguma forma, ainda que momentânea, desestabilizar padrões jornalísticos e heteronormativos. Nossa hipótese é que a performance das travestis causa instabilidade no cenário de forma bem-humorada, que faz emergir o riso, e, contrariando expectativas midiáticas, se inscrevem nos fluxos das redes sociais.

A proposta deste artigo é cartografar a forma pela qual os corpos considerados “anormais”, lançam mão do humor como táticas de resistência quando subvertem o espetáculo, resistem ao rebaixamento (neste caso, pela imprensa sensacionalista), e seguem em circulação instaurando sentidos outros.

1. Grotesco: anormais midiáticos

Criado no século XV, o termo grotesco, mais recentemente, tornou-se sinônimo de estrutura hiperbólica, de ridículo e de bizarro. Seu significado se firma numa afecção e, por conta disso, é capaz de provocar horror, piedade, espanto, repulsa/nojo e até riso, especialmente quando tensiona as fronteiras entre elementos humanos e não-humanos na produção de seres híbridos (Sodré & Paiva, 2002).

Na Idade Moderna, Foucault (2001) descreve a percepção dos híbridos humanos como “monstros”, seres essencialmente mistos e difíceis de lidar, visto que contrariam a ordem divina, transgridem a lei e contestam os limites da natureza. Desde então, a monstruosidade deu lugar à normalidade, já que “o anormal (...) é, no fundo, um monstro cotidiano” (Foucault, 2001, p.71).

Jean-Jacques Courtine (2006) observou esses corpos “anormais” e destacou o show de aberrações (freak show) nos espetáculos modernos, quando aqueles que possuíam anomalias congênitas eram expostos em espaços circenses. Muitos ficaram conhecidos mundialmente, dada sua força teratológica (mulher barbada, gêmeos siameses, etc.).

No século XIX também tornou-se comum a exposição de intersexuais: pessoas que estariam na fronteira entre o masculino e o feminino, categorias definidas para articulação “normal/natural” entre sexo e gênero. A primeira fotografia de um corpo intersexual foi feita por Félix Nadar, em 1860, na França, fato que a consagra como dispositivo de registro científico.

Na relação entre o problema do grotesco e a questão do humor, Bakhtin (1993) define a carnavalização como uma inversão genérica da ordem socialmente estabelecida, via cultura popular, que possibilita aos sujeitos inventarem novas concepções de mundo; ou ainda, transformar “tudo que é elevado, espiritual, ideal e abstrato” em riso (Bakhtin, 1993, p.17).

Sobre o grotesco na TV brasileira, Sodré e Paiva (2002) fixam no corpo o estereótipo burlesco. A hegemonia desse formato impediria de considerarmos a possibilidade de objeção, resistência. Mas, ainda que Bakhtin (1993) esteja contextualizado no período medieval e renascentista e os intersexuais integrem parte dos espetáculos modernos, nos é possível reconhecer que as travestis presentes nos vídeos em análise neste artigo articulam uma carnavalização e apresentam táticas da resistência.

Foucault (2001, p.15), após analisar relatórios psiquiátricos, afirma que “a maximização dos efeitos do poder” do discurso grotesco funciona “a partir da desqualificação de quem os produz”. Parece-lhe tratar-se de “uma das engrenagens que são parte inerente dos mecanismos do poder”. Os documentos psiquiátricos consideram que os indivíduos se pareciam com seus crimes, antes de tê-los cometido, por carregarem de forma genuína o desejo (mau) ao crime, à transgressão da lei. Além de tudo, os textos eram construídos e expostos de forma grotesca, suscetíveis a fazer rir (Foucault, 2001).

As novas “aberrações” agora fazem parte da cena social em espaços digitalizados. Como o realismo grotesco é inerente ao corpo, ele sai da praça pública e passa a figurar nas telas do visível: inicialmente na TV e, mais recentemente, na internet. Na contemporaneidade, a mídia grotesca exibe as travestis como corpos “grotesquizados”. Se no passado as “monstruosidades” expostas eram progênies, atualmente se voltam às sexualidades periféricas e dissidentes, quando as travestis são concebidas como seres híbridos, “monstros” e “anormais”, por borrarem as fronteiras de gênero.

2. Espetáculo de corpos e poder no jornalismo sensacional

O jornalismo integra um dispositivo disciplinar (Gomes, 2003, 2009). A partir de um “quadriculamento” do espaço social, o jornalismo veicula e opera palavras de ordem sobre o que é encarado como modo ideal de vida para a população em geral, considerando “a adequação e funcionalidade dos indivíduos em relação às normas vigentes” (Gomes, 2009, p. 2).

O jornalismo é aí colocado pelo princípio da seletividade, cada tema selecionado é o ponto em que estarão dimensionadas as coordenadas da boa conduta. Independente da natureza ou do teor dos assuntos escolhidos, sejam eles tratados individualmente ou em conjunto, perfazem os caminhos da educação e da disciplina. Do apelo ao Estado ao apelo à responsabilidade individual, delineia-se a ordem desejável, maneira com que se induz à interiorização de uma concepção específica do desejável, vale dizer, formatada no aceitável (Gomes, 2009).

Como estratégia do poder, o jornalismo, ao expor determinadas situações e/ou pessoas, consegue classificá-las e, ao demonstrá-las a seu modo, faz juízos de valor do que é certo/errado, normal/anormal, delicado/grotesco, permitido/proibido. As reportagens deixam patente que o poder se faz presente quando o jornalismo tenta regular a realidade, assentando-se numa base conservadora.

O jornalismo de TV se privilegia da linguagem visual para tornar-se estrategicamente disciplinar. Quando elabora processos dessa ordem, demonstra quais corpos estão dentro do padrão de normalidade e quais se constituem à margem dele. Segundo Gomes (2003, p. 13) é justamente “por conta dessa visibilidade que as mídias assumem um papel crucial como disciplina e controle, portanto, como promotoras/mantenedoras de escalas de valores, como vigilante” da ordem social dos corpos.

Ou seja, quando expõe as travestis presas ou relegadas à delegacia nas telas da TV, a informação torna-se palavra de ordem, disciplina que controla, moraliza, educa e ordena a sociedade. Isso porque, “a informação é apenas o mínimo estritamente necessário para a emissão, transmissão e observação das ordens consideradas como comandos” (Deleuze & Guattari, 1995, p.12).

É a partir do riso que o grotesco se sobressai e é nele que parte das personagens dos vídeos se firma para ganhar visibilidade. Para esta minoria, o grotesco é uma atitude, um estilo de vida, ao que Sodré e Paiva (2002, p. 72) resumiram como uma “experiência criativa comprometida com um tipo especial de reflexão sobre a vida”.

Essa categoria estética de jornalismo permite encenar o povo, “dar voz” e imagem a pessoas fora do padrão social (ridículas, violentadas, disformes, aberrantes etc.). A ideia desse tipo de mídia é mostrar a crua realidade popular, tratando o assunto sempre de forma superficial. O grotesco não pode ser considerado “um movimento ou uma ideologia de transformação, reacionária ou revolucionária da sociedade”, conforme Gonçalves (2002, p. 118), mas pertence ao campo do sensível, daquilo que não pode ser racionalizado, visto que o poder impede a percepção do grotesco como subversão efetiva. Há o revigoramento da ordem e do poder ocasionado pela “oposição enfraquecida pelo afrouxamento das tensões e pela dissipação ritual das energias violentas, potencialmente geradoras de insurreições e revoltas”. São faces opostas “de um poder, apesar de tudo, integrado” (Gonçalves, 2002, p. 118).

Sustentamos que os vídeos ora explorados, ainda que midiaticamente tenham sido rearranjados no YT, carregam em sua proposição de origem a lógica do jornalismo em que prevalece a linguagem jornalística, expondo linhas de forças nesses materiais. Isso não nos autoriza imaginar que no jornalismo não tenha reservas para resistência. E se o jornalismo sensacional é uma estratégia para desempoderar e esvaziar o poder subversivo do grotesco, cabe buscar na história dos vencidos os vestígios do enfrentamento, episódios de resistência.

Ressalta-se ainda que o poder, a partir dessa acepção não age imediatamente sobre o outro, mas é operacionalizado no ambiente, constituindo-o. Isto é, o poder não age apenas na perspectiva de dizer não, mas opera pela produção, nas palavras de Foucault (1987, p. 218) “o poder produz; ele produz realidade; produz campos de objetos e rituais da verdade”.

Para que funcione sobre essa lógica, “o poder está disseminado por todas as partes do mundo social, numa trama complexa e heterogênea de relações de poder, na qual as resistências ao poder também tomam parte e presentificam-se” (Castelo Branco, 2001, p. 240). Significa dizer que o poder não é uma posse, mas um conjunto de relações e essas são, deste modo, reversíveis com possibilidade de resistências. Tais resistências são “coextensiva[s] e contemporânea[s] ao poder” e são tão mutáveis e produtivas quanto ele (Foucault, 1979, p. 234).

Deste modo, ao mesmo tempo em que o jornalismo tenta marginalizar as travestis nos vídeos aqui analisados, elas usam esse espaço para subverter a posição em que estão sendo colocadas e, ao invés de constrangidas, constrangem - geralmente utilizando o humor - e suas falas ressoam no Youtube contrariando as expectativas midiáticas e se inscrevendo nos fluxos das redes sociais, cuja proposição é ser mais democrática.

3. Aportes metodológicos

A metodologia aqui adotada foi a cartografia de Deleuze e Guattari (1995). Olhamos para o rizoma - linhas e pontos que se (des) (entre) cruzam, se (re) (des) fazem, sem direção fixa, rígida; qualquer ponto pode se conectar a outro ponto. As linhas são erráticas, entrelaçadas, emaranhadas (Deleuze & Parnet, 1998). “Um rizoma não começa nem conclui. Ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo” (Deleuze & Guattari, 1995, p. 37).

No rizoma, os pontos provêm das linhas (coisas se constroem mutuamente) e as linhas não têm começo ou fim. Pontos podem se transformar em linhas. Sabe-se apenas onde elas se cruzam, se encontram, como quando a imprensa se encontra com o grotesco. Temos, então, que rizoma são nós articulados em redes que constituem um mapa. O mapa, por sua vez, “é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente”, como atesta Deleuze e Guattari (1995, p. 22).

Na lógica da incompletude do mapa, o olhar do pesquisador se volta para um ponto estratégico a fim de cartografar que agenciamentos estão em evidência. A cartografia não engessa a metodologia da pesquisa, ao contrário, abre possibilidades para que o pesquisador alie vários instrumentos metódicos, podendo misturá-los sem ressalva, a fim de que localize e observe as disputas em jogo (sobreposições e ligações) e faça suas intervenções/inferências.

Como a cartografia se desenha a partir da descrição de linhas e pontos, a presente pesquisa tem como primeiro passo descrever as linhas de força que compõem o mapa e identificar os pontos de entroncamento entre as linhas de força e outras linhas[2] no intuito de identificar os agenciamentos que produzem sentido e, neste caso, ainda capazes de ressignificar as práticas fazendo emergir resistências. Não está em questão quem vence ou quem perde nesse jogo, mas os agenciamentos, as linhas de força que cruzam a análise.

A análise se pautou na identificação e na descrição de parte das linhas de força que constituem o jornalismo sensacionalista. Valendo-se de mecanismos técnico-textuais (câmera, microfone, imagens do contexto policial, etc.), esta prática discursiva emoldura as travestis entrevistadas no lugar não apenas no grotesco-ridículo, mas também como marginalizadas, criminosas, na periferia distante de qualquer centro de poder. Tais procedimentos constituem uma função simbólica que inclui o efeito normatizador e punitivo, exercido pelo jornalismo em geral e mais evidente no sensacionalismo, capaz de hierarquizar os sentidos e valores. Em outras palavras, identifica-se as linhas de força constitutivas da ordem discursiva do jornalismo sensacionalista com seus procedimentos de controle internos, externos e de sujeição que permitem distinguir o dizível e o indizível, o visível e o não-visível.

Ao mesmo tempo, busca-se localizar e acompanhar as linhas de força acionadas pelas travestis que contra-efetuam por meio de um ato criativo corporal (performance, interpretação musical, expressões afetadas, etc.) e utilizando o humor para subverter essa posição que o jornalismo quer lhe impor, deslocar o lugar por ele determinado a elas em uma periferia simbólica. Ao contorcerem a cena, elas possibilitam a criação de outros espaços de resistência que não são previamente delimitados ou estrategicamente racionalizados. A resistência trata-se de um fato, uma vez que ela é suscitada pela força primeira exercida pelo jornalismo.

Basicamente, a resistência é expressão de subjetivação, de autonomia. A resistência é combate particular; ela não afronta o inimigo para infligir uma derrota, mas ela se abate na adversidade; no fundo, seu adversário não passa de um pretexto, o que ela pretende é enfraquecê-lo e fazê-lo bater em retirada. Ela não busca a vitória, ela não se lança em uma batalha final, ela desarma o inimigo com suas próprias armas ao desorganizar a guerra que ele havia imposto (Garcia, 2008, p. 109).

Nos vídeos, analisamos essas resistências quando as entrevistadas - postas pelo jornalismo sensacionalista em posição marginal - respondem de maneira inesperada, geralmente com o uso do humor e usam desses espaços para contar suas histórias, tomando para si o lócus de enunciação. Aqui, as estratégias de resistência consolidam-se à medida que elas não se deixam conduzir ou se conduzem de outro modo ou por outros condutores (Foucault, 2008, pp. 256-257). Isto é, enquanto elas deveriam ser constrangidas pelos repórteres, como geralmente acontece, elas são tão sinceras que os constrange e transformam, a si próprias, em detentoras da narrativa, “desorganizando a guerra”.

4. Micro-histórias infames

O vídeo “Testemunha Animada” (Sem meias…, 2015), exibido no Programa Sem Meias

Palavras[3], de Caruaru (PE), narra uma agressão sem motivação aparente entre duas travestis no centro da cidade. Na entrada da delegacia, o repórter Givanildo Silveira[4] entrevista a amiga da vítima e, naquele contexto, a principal testemunha, Paloma Bracho[5] (Figura 1).

Figura 1 - Paloma Bracho sendo
entrevistada pelo repórter Givanildo Silveira
Figura 1 - Paloma Bracho sendo entrevistada pelo repórter Givanildo Silveira
Youtube/Reprodução

Com um sorriso no rosto, fumando um cigarro e encarando a situação tranquilamente de braços cruzados, Paloma afirma que tentou apaziguar a situação, mas foi orientada pela acusada a não entrar no conflito. A motivação: recalque[6], já que a acusada teria idade superior à vítima, quanto a aspectos físicos de beleza.

Durante a entrevista, Givanildo elogia a beleza física de Paloma e diz em tom irônico: “cópia fiel de uma mulher”. Conduzindo-a pela mão, o repórter incita Paloma a uma “rodadinha”, insufla a cheirar o cinegrafista, e sugere um “comercial” do seu programa sexual. Apesar de resistir inicialmente, com microfone em mãos, cede: “Meu programa é 40 reais. Quem quiser me procurar é só ir lá na Praça do Rosário e perguntar quem é Paloma Bracho, querido, que todo mundo vai lhe dizer!”. O “produto” é apresentado ao som de Everybody Dance Now, de C&C Music Factory – música bastante conhecida no meio LGBT.

Paloma caminha, a edição inclui luzes coloridas sugerindo um “desfile”. Ela manda beijos e dá tchau para a câmera. Durante a narrativa, Paloma é levada a mostrar por duas vezes seu bumbum e utiliza gírias do dialeto pajubá[7], ao passo que o cinegrafista “anda” com a câmera em seu corpo, semelhante ao que faria num corpo naturalmente feminino.

No decorrer da reportagem de 4”13’, Paloma aproveita a visibilidade para mandar um abraço “para as travas[8]” e, ao descrever a vítima, pontua com bom humor, minimizando a situação: “Iasmim, a coitada ‘tá’ com a cabeça toda furada. Levou um pau do ‘carai’. Tá parecendo uma múmia!”.

Ao elaborar tal discurso, agenciando trejeitos, palavras e expressões corporais, Paloma resgata atos de violência cotidiana a que estão submetidas. Quando o faz, naturaliza, banaliza e minimiza a seriedade da agressão, o que tira o peso e a gravidade da denúncia; desloca o fato grave para o campo do cômico, do leve e do engraçado. A situação de violência à qual as travestis estão sujeitas pouco chama a atenção do repórter – são irrelevantes para os propósitos ali estabelecidos.

O sobrenome escolhido por Paloma tem relação de inspiração e homenagem à vilã da novela “A Usurpadora”, Paola Bracho. Nesta análise, o sobrenome Bracho se constitui na cartografia como um nó, um link, que remete a outro tempo, espaço e contexto; cuja identificação Paloma demonstra possuir com Paola; relação estabelecida com o mundo ficcional, fora dos vídeos.

O vídeo em questão foi postado em outubro de 2015, contabiliza 2.569.973 visualizações, 41 mil curtidas, 1,1 mil deslikes e 2.406 comentários[9].

Figura 2 - Vitória Beatriz (E) e Brenda Close (D) durante
entrevista ao programa Na Mira
Figura 2 - Vitória Beatriz (E) e Brenda Close (D) durante entrevista ao programa Na Mira
Youtube/Reprodução

O segundo (Travesti que…, 2009) é oriundo do programa Na Mira, de Camaçari (BA), em que duas travestis Vitória Beatriz, à época com 18 anos, e Brenda Close, 22, são suspeitas de roubar um celular de um cliente (Figura 2). A dupla confirmou o roubo, mas justificou que o cliente não quis pagar o programa de 20 reais para cada. Houve uma agressão à vítima, que teria alegado estar sem dinheiro. A travesti Vitória é conhecida da polícia, já foi presa em outras ocasiões[10], mas, para ela, “cadeia é hotel e policiais são ‘garçom’”. Minimizam, assim, qualquer violência policial, ou até mesmo violência que possam vir a sofrer por parte dos detentos aprisionados.

Na delegacia, as travestis ficam descontraídas e sorridentes, talvez por ser um ambiente já conhecido; faz parte de suas vivências. Cantaram rap e o samba das travestis. O rap diz: “As travestis ‘chegou’ e te convidam pra roubar; uma rouba a carteira, outra pega o ‘cerulá’”. A música remete a um modus operandi das travestis que, mais uma vez, apelam para o humor para relatar o dia-a-dia dessa minoria.

O samba das travestis também fala de dar close[11] e roubo. Os versos dizem: “Quando ela chega todos param pra ver, ‘é’ as travestis botando para mexer! Quando ela chega todo mundo quer olhar, ‘é’ as travestis que ‘chegou’ para roubar! Ah... Vocês vão ter que me aturar. Eh... Eu sou quase uma mulher. Ih... Vocês vão ter que me engolir. Oh... sou a Vitória, a melhor. Uh... eu gosto da cor azul!” (grifo nosso). A frase em destaque dá a entender que apesar das mazelas sofridas, as travestis (re)existem e enfrentam as adversidades da forma como é possível, mesmo que isso signifique realizar crimes.

Além de elemento presente em outros vídeos, a dupla expõe de forma mais convincente que são indiferentes ao sistema judiciário penal, como uma resposta à sociedade e ao poder público. Ao final da reportagem o repórter faz o “teste do chiclete”, que demonstra afetação na pronúncia de algumas palavras, e o teste da batida de bate-mão (“bate, rebate, finge-que-bate”), quando as travestis dão uma “rodadinha” e um dos jogadores demonstra rapidez ao tocar no mamilo do outro (neste caso, o repórter sugeriu que faria o toque em Vitória Beatriz). A brincadeira é colocada como estratégia para banalizar a situação e tem um cunho sexual, ao tocar numa parte sexualizada e sensualizada das mulheres.

Antigas conhecidas das reportagens policiais, Vitória Beatriz e Brenda Close aprenderam como ninguém a fazer vários agenciamentos (performance, interpretação musical, vozes, etc) e utilizam a mídia para desprezar qualquer situação que as empurrem à marginalidade. Com 2”49’, o vídeo analisado foi postado em agosto de 2009, contabiliza 657.992 visualizações, 4,5 mil curtidas, 132 deslikes[12] e 440 comentários.

5. Táticas risíveis; efeitos imprevisíveis

e

De maneira geral, as reportagens imputam às travestis a qualificação de delinquentes. As próprias legendas atestam a afirmação. Todas são posicionadas em uma situação de criminalidade: furto, roubo, agressão. Porém, elas parecem nem sempre se importar com a situação de estarem presas, pelo contrário, banalizam a violência e os pequenos delitos praticados e esboçam desprezo pelas autoridades. Para o discurso jornalístico, os grandes delitos não têm graça nenhuma e dificilmente são matérias-primas para o jornalismo policial sensacionalista. E colocar em circulação corpos travestis associando-os aos pequenos crimes é ainda uma forma de apequenar a vida e a violência sofrida pelo sujeito travesti.

A prática jornalística nos vídeos analisados encenam os corpos travestis na porta da delegacia, praças e hotéis periféricos e baratos, dispondo-os à margem da sociedade. Ao fazer esse acoplamento de cenas que orientam essas vidas para baixo, prefiguram o principal agenciamento: o jornalismo dizendo que tais espaços seriam o habitat natural das travestis ocuparem e circularem; uma demonstração de seu real rebaixamento.

As denúncias de violências sofridas (estupro e agressões físicas) pouca atenção recebem dos repórteres. O que interessa à lógica das reportagens é o deboche das situações vivenciadas cotidianamente pelas travestis. Quando escolhe expor o caso, o jornalismo manifesta juízo de valor como se dissesse: “ela é criminosa e somente será aceita caso arrependa-se”.

O humor faz parte dos jogos. A resposta bem humorada é uma descontinuidade da ordem midiática, mas também subversão que irrompe e desestabiliza as expectativas. Engendra-se um jogo em que todos os participantes conhecem as regras e jogam com elas. Ainda que exótico e incongruente, este ser, tomado pela estesia[13], se utiliza do corpo para dar uma reviravolta na narrativa esperada pelo público, uma espécie de “outro estado de consciência”.

5.1 Inversão: vamos jogar?

Quando os repórteres tentam enquadrar as travestis como personificação da representação social da criminosa, as travestis tensionam a mise en scène, aderem ao jogo, mas tensionam as linhas de forças postas. Ao transgredirem a lógica jornalística destacando-se mais que os fatos, corrompem esse modelo e se esquivam dele, mesmo dele participando, ao utilizarem do humor para fazer esse deslocamento do lugar que o poder queria fixá-las.

Ao demonstrarem não serem manipuladas totalmente pelos repórteres e sabendo o que eles esperam delas, as travestis omitem nas telas a tragédia de suas vidas, e, se acaso trouxessem à cena, comprometeriam o arranjo em curso e perderiam o jogo. Quando ganham visibilidade, ainda que dentro das lógicas do rebaixamento na latente imparcialidade do jornalismo e tendo como pano de fundo o ambiente criminal, acreditamos que as travestis ressignificam sua resistência e reelaboram sua condição no mundo a partir do humor, que é o que lhes importa.

É o caso das travestis Vitória Beatriz e Brenda Close, que não valoram seus atos pelo olhar alheio, não se julgam pelas regras do olhar do jornalismo. Quando o repórter intenta inseri-las no jogo na delegacia, elas modificam a ordem da reportagem e dizem não, escapando pelas brechas do humor. Ao não aceitarem prontamente o arranjo da cena previsto para elas, as travestis não se reconhecem nesse lugar de criminosas e criam outro espaço de resistência.

Vitória Beatriz leva essa situação ao extremo nas comparações delegacia-hotel/policial-garçom. Ao transpor a seriedade institucional, a travesti carnavaliza nos moldes bakhtiniano. As personagens de nossa análise demonstram ter familiaridades com o mundo de signos subterrâneos e, por frequentarem de forma recorrente tal espaço, sabem jogar as regras do jogo e demonstram “domínio” da dinâmica midiática.

5.2 Agenciamentos: façam suas escolhas

Há certa regularidade no tipo de agenciamentos realizados pelo repórter: câmera, microfone, pequenos delitos, delegacia, travestis de baixa renda, humor em forma do grotesco. Tais agenciamentos são planejados para produzir efeitos de verdade sobre as travestis, fixando-as em determinados lugares (praça, delegacia), definindo uma ocupação (“garotas” de programa e criminosas) e representando seu corpo como simulacro de mulher.

Assim, resgatando os elementos descritos na seção 3, as características rizomáticas se materializam a partir dos vários agenciamentos que atravessam os sujeitos travestis. A principal delas, foco deste artigo, é uma linha de força midiática que tenta fixar esses sujeitos em determinado lugar da marginalidade e produzir uma verdade sobre eles. Toda a composição da cena e até as escolhas dos delitos apresentados participam dessa maquinaria, desse arranjo para fixá-las.

O agenciamento de humanos e não-humanos (repórter, travestis, câmeras e microfones, ambientação, humor, representação social) se constitui como dispositivos máximos de poder nas reportagens: selecionam visibilidades, enquadram os corpos e são responsáveis por produzirem matéria-prima para os efeitos de sentido. É o caso, por exemplo, da câmera com olhar indiscreto que passa sobre o corpo da travesti Paloma Bracho, cuja edição sugere uma mistura de escrutínio, anúncio e “desfile”.

Tais escolhas do olhar para o enquadramento, apresentam as travestis ironicamente como simulacros de mulher, por exemplo, quando Givanildo equipara o corpo de Paloma a uma cópia fiel do corpo feminino, uma escancarada transfobia que reivindica as fronteiras justamente borradas pela existência de seres híbridos, “monstros” que questionam os limites masculino-feminino.

A performatividade hiperbólica destes sujeitos travestis ameaça pela paródia bem humorada os padrões estéticos, assim como as normas expressivamente dominantes relacionadas à heteronormatividade. Tais estratégias midiáticas desqualificam de forma irônica o fato da figura feminina ser uma (quase) mulher.

Ainda que posicionadas no trágico da violência cotidiana das cidades, os corpos travestis, por sinal, abjetos, “vidas [que] não são consideradas ‘vidas’ e cuja materialidade é entendida como ‘não importantes’” (Butler, 2002, p.161), têm no riso a possibilidade de subversão da conjuntura social. Um exemplo desta violência é o assassinato a tiro de Paloma, em março de 2020.

Quando estas pessoas, num ímpeto de resposta possível, resistem e investem uma crítica contra a instituição jornalismo, e, por consequência, em desfavor do olhar enviesado da sociedade, algo fica fora do lugar, há um desarranjo. Essa ruptura na expectativa da lógica espetacular (aqui entendida como agenciamento), a partir da precipitação dos corpos heterogêneos, é onde a comunicação como acontecimento se estabelece. Entendemos que o corpo, impresso na figura da travesti, tem a capacidade de fazer germinar novos acontecimentos e assim, mudar/tirar os sentidos das coisas, nos dizeres de Deleuze e Guattari (1995), desterritorializar.

5.3 Vida nua e crua: o sujeito travesti na mídia

Ao dispor no campo da visão “a vida como ela é”, além de justificar um fenótipo de jornalismo aceito no contexto policial e criminológico, o grotesco contribui para que constatemos nele relações de poder, até mesmo nas estruturas estruturantes da profissão. Os repórteres policiais, chamados pejorativamente de “porta de cadeia”, não são respeitados dentro da própria classe, visto que o jornalismo policialesco foge com bastante frequência dos princípios da conduta ética que regem a atividade jornalística e, assim como as travestis estão à margem da sociedade heteronormativa, os jornalistas policiais são marginalizados na própria profissão, embora seus produtos (os jornais policialescos) encontrem eco e audiência em parte da sociedade.

Na ordem dos blocos, tais reportagens fechariam o jornal por serem consideradas matéria “soft”[14]. Ainda assim, o texto vocalizado pelas travestis tem uma potência, um efeito de poder, na medida em que possibilita reconhecer a voz de uma pessoa anormal e, consequentemente, desqualificada para falar.

Nesse sentido, dois aspectos merecem destaque quanto ao existir travesti: a exclusão de toda ordem a que são submetidas e a corriqueira evasão escolar. Muitas travestis (e mulheres transexuais) são expulsas de casa pelos pais ainda na adolescência. No último levantamento, de 2017, o processo de exclusão familiar, social e escolar revelou que geralmente acontece aos 13 anos de idade (Benevides & Nogueira, 2021). É então que essas travestis vivem o “êxodo travesti”[15].

O que parecia restrito ao contexto familiar, se transpõe também para o midiático. Entretanto, “onde há poder há resistência” (Foucault, 1984, p. 91); e as travestis demonstram reconhecer a autoridade do repórter nessa relação de poder, ao mesmo tempo em que conseguem também se apropriar desse espaço e agenciar a narrativa da sua própria história, mesmo que momentaneamente. Para elas que são marginalizadas, caladas, violentadas, os “15 segundos” de fama é válido e é neles que elas se fiam para subverter a ordem da pauta.

Considerações finais

A tática comunicacional do grotesco, em nossa análise, é tecida pelos fios de humor. Trata-se de uma habilidade das travestis em burlar a ação midiática, que intenta empurrá-las para a marginalidade, aquela comumente operada pelas mídias tradicionais.

As travestis presentes nos vídeos valem-se do espaço de subalternidade que lhes são concedidos para, a partir do riso, subverter as representações e os estereótipos, incitar contradiscursos, abalar os protocolos daquilo que se espera de uma reportagem policial e ganham visibilidade em outros ambientes, majoritariamente a internet, em que outros sujeitos LGBTs encontram e inauguram espaços enunciativos de valorização, transformando esses personagens em celebridades do “submundo” grotesco.

Nesse sentido, a partir do humor, essas personagens estabelecem uma contra representação, a partir da estética da resistência, criam dinâmicas representativas outras e denunciam as convenções sociais específicas, estabelecidas a partir de um conjunto de normas de ambientes hétero-cis-normativos.

Percebe-se ainda que os repórteres estabelecem agenciamentos a partir do microfone, da câmera e da delegacia, diante da situação em que se encontra a pessoa travesti. O intuito primeiro não é mostrar a travesti, um corpo que na lógica televisiva está na ordem do grotesco, mas conectá-la à cena policial, à delegacia, à margem, afinal, tudo que foge à ordem vira notícia.

Por fim, esperamos que essa pesquisa não somente sirva para mapear as resistências, como também seja concebida enquanto efeito e instrumento de resistência.

Referências

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Notas

[1] Padrão social que vê com normalidade apenas relacionamentos heterossexuais.
[2] As linhas podem ser também de enunciação, de subjetivação e de visibilidade, considerando os apontamentos de Deleuze (1996).
[3] Todos os vídeos analisados foram exibidos na TV aberta e reproduzidos no YT. Os dados referentes aos vídeos foram coletados em 05 de agosto de 2021. As referências dos vídeos estão na bibliografia. Vale destacar ainda que o alcance dos vídeos e a visibilidade em números se referem apenas aos canais analisados e não da internet; porém existem outros, visto que a internet é também um espaço de apropriação de conteúdos e os usuários podem republicá-los em outros canais, sob várias outras possibilidades.
[4] Profissional com mais de 30 anos na comunicação, tornou-se famoso após entrevistar, em 2006, Jeremias José do Nascimento (Jeremias Muito Louco), que, mesmo embriagado, conduzia uma moto. Atualmente é um dos locutores do programa “A Hora da Justa”, na Rádio Jornal Caruaru.
[5] Como muitas travestis o são diariamente, Paloma Bracho foi brutalmente assassinada cinco anos após conceder a entrevista. O crime aconteceu no dia 20 de março de 2020, quando Paloma foi morta a tiros nas proximidades da Praça do Rosário, em Caruaru (PE). Três meses antes, ela tinha sofrido uma tentativa de homicídio.
[6] Gíria que se popularizou no meio LGBT para indicar “inveja”, “cobiça” ou “despeito”.
[7] Trata-se de um código linguístico comumente utilizado pela comunidade LGBT, que inclui palavras de origem afro-brasileiras e expressam a diversidade linguística (Araújo, 2018; Rodrigues & Andrade, 2023). No pensar de Gomes Júnior (2021, p. 307), o dialeto “pajubá [assim] como as linguagens pajubeyras possuem potências políticas e os seus usos justificam-se não apenas por permitirem a resistência e a proteção de um grupo socialmente vulnerabilizado e subalternizado, mas também por sua importância na constituição de identidades da comunidade LGBTI+ brasileira, especialmente para as travestis e pessoas transexuais”.
[8] Gíria da comunidade, sinônimo a “travestis”.
[9] Os dados apresentados se referem a março de 2022. Em nossa última conferência no vídeo, em outubro de 2022, a contagem de deslikes foi retirada a partir da última atualização do YT e os comentários foram desativados pelo proprietário do canal.
[10] Em reportagem de outro programa sobre o mesmo caso, Vitória chega a desfilar na delegacia e, se voltando para a câmera, diz: “Eu quero mandar um recado pra todas minhas amigas de Boa Viagem [famosa praia de Recife-PE], minhas colegas parceiras de assalto: a Sandy, a Glayce, a Boladona, a Tainá e a Erika. Minhas primas de assalto de Boa Viagem”.
[11] Neste contexto, “dar close” para a comunidade é sinônimo de “chamar atenção para ser notada”.
[12] Os dados apresentados se referem a março de 2022. Em nossa última conferência no vídeo, em outubro de 2022, a contagem de deslikes foi retirada a partir da última atualização do YT.
[13] Nesse contexto, o termo estesia se refere à capacidade corporal de, não apenas sentir e perceber as coisas, como principalmente se envolver e se relacionar, em especial no âmbito do afeto. Diferentemente da anestesia, a estesia nos permite “desfrutar de novos rumos, encontros, circunstâncias a serem vividas que desabrocham com o sentido do sentir”, conforme Hencke (2019, p.3). Para Deleuze e Guattari (1992, p. 213), estética está para o ato contemplativo, enquanto que a estesia foca na experiência afetiva, nas sensações, como dizem: “Os perceptos não mais são percepções, são independentes do estado daqueles que os experimentam; os afectos não são mais sentimentos ou afecções, transbordam a força daqueles que são atravessados por eles. As sensações, perceptos e afectos, são seres que valem por si mesmos e excedem qualquer vivido”.
[14] O conceito soft news se refere às reportagens com temáticas leves, cujos conteúdos são quase sempre banais, avizinhando-se à categoria entretenimento. Segundo Sousa (2006, p. 213), soft news são “notícias ‘brandas’, referentes a ocorrências sem grande importância e que, geralmente, são armazenadas e apenas difundidas quando tal é conveniente para a organização noticiosa. (...) Não necessitam de difusão imediata”.
[15] Segundo Benevides e Nogueira (2021, p. 43) é o “processo migratório enfrentado, majoritariamente por aquelas pessoas trans que se reivindicam enquanto pertencentes ao gênero feminino, normalmente para grandes centros e muitas vezes de forma indesejada, em busca de autoconhecimento, liberdade, construção de suas identidades e de oportunidades, seja no mercado do sexo ou não”.
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