Resumo: Nesta entrevista, a escritora e professora em literatura, Amara Moira comenta as vidas e experiências trans em relação a diversos cenários e marcadores de existência: em relação ao nome social, nas lutas travadas envolvendo o campo do simbólico e o imaginário social, sobre os processos criativos e de memória em sua escrita autobiográfica e, ainda, discorre em torno do papel das redes sociais relacionadas à visibilidade e construção de comunidades de vivências trans. A partir desses eixos, Amara Moira levanta questões relevantes para o debate sobre a transgeneridade do ponto de vista da justiça social, do respeito e alteridade.
Palavras-chave: Amara Moira Gênero. Transgeneridade. Nome social. Autobiografia. Bajubá.
Resumen: En esta entrevista, la escritora y profesora de literatura, Amara Moira, comenta las vidas y experiencias trans en relación con varios escenarios y marcadores de existencia: en relación con el nombre elegido, en las luchas dentro del ámbito de la simbología y la imagen social, acerca de los procesos creativos y la memoria dentro de su escritura autobiográfica, y además profundiza en el papel de las redes sociales en relación con la visibilidad y la formación de comunidades de experiencias trans. A través de estos ejes, Amara Moira plantea preguntas pertinentes para el discurso sobre cuestiones trans desde las perspectivas de la justicia social, el respeto y la alteridad.
Palabras clave: Amara Moira Género. Identidad Transgénero. Nombre Social. Autobiografía. Bajubá..
Abstract: In this interview, the writer and literature professor Amara Moira discusses trans lives and experiences in view of various scenarios and markers of the existence i.e. their chosen name, the struggles in the symbolic and social imagery realms, and also regarding the creative processes and their autobiographical writing. The author further elaborates on the role of social networks with respect to the visibility and the establishment of transgender communities. From those axes, Amara Moira raises relevant questions on the discourse about transgender issues from the perspectives of social justice, respect, and alterity.
Keywords: Amara Moira Gender. Transgender Identity. Social Name. Autobiography. Bajubá..
Entrevista
Experiência travesti: Conversa com Amara Moira sobre lutas, visibilidade e comunidade trans
Recepção: 04 Janeiro 2023
Aprovação: 13 Julho 2023
Mas foi através das redes sociais que conseguimos fazer o debate acontecer e disputar a opinião pública, pois tínhamos dificuldade de ocupar o espaço público, éramos perseguidas, mortas. Ainda hoje é bastante, mas 10 anos atrás era muito pior, não conseguíamos ter o nosso nome e gênero respeitados e as mídias nos ajudaram a transformar essa realidade. Mas o custo é alto também. A gente não pode depender completamente desse espaço; por isso, está sendo tão importante a gente ter as primeiras políticas eleitas em cargos muito poderosos, deputada federal, deputada estadual. Já estamos pensando em governo, prefeituras e senado. Então, a gente começa a ver a possibilidade de pessoas trans ocuparem espaços muito marcantes na sociedade, porque nós não podemos abdicar desses espaços, se fizermos isso, vão utilizá-los para inviabilizar nossa existência, para fazer os nossos direitos retrocederem. Então é importante ocupar as redes sociais, as universidades e hackear o conceito de família, isso porque o conceito de família precisa incluir pessoas trans. A gente precisa conseguir imaginar que família é lugar de pessoa trans e que nós também temos o direito de construir família. Estamos vendo agora famílias trans centradas, em casos que o homem trans engravida da mulher trans, travesti, e os dois amamentam. Estamos vendo o que a tecnologia propicia. São coisas que precisamos nos acostumar a ver cada vez mais; por isso, é importante hackear esses lugares, família, escola, universidade, a mídia hegemônica, jornal, TV e as mídias digitais também. Afinal, esse é um espaço importante no qual precisamos estar presentes para conseguirmos transformar a maneira como a sociedade nos vê.
Travesti, doutora em Teoria e Crítica Literária pela UNICAMP, com tese sobre as indeterminações de sentido na obra “Ulysses”, de James Joyce. Seus interesses intelectuais são múltiplos, indo da literatura ibérica medieval (que pôde estudar mais detidamente durante intercâmbios em Portugal (2008) e Argentina (2009) à poesia contemporânea, passando pela literatura erótica, estudos da tradução, estudos de gênero e obras de autoria LGBTQIA+, sobretudo trans. Com projetos que vão do desenvolvimento de monólogo experimental em Bajubá, a língua criada pela comunidade travesti, à publicação de antologia comentada da poesia misógina brasileira, além de traduções em diferentes idiomas, Amara Moira tem se mostrado um expoente na relação entre literatura, sociedade e diferença.
Escritora, professora e ativista. Sua conquista acadêmica se tornou de significativa importância e passou a ser referência, dentre outros motivos, por ser ela a primeira mulher trans a assinar sua tese utilizando o nome social, em 2018, um importante marco na luta pela inclusão e visibilidade das pessoas trans na academia.
Amara Moira iniciou sua jornada na literatura através de um blog, no qual compartilhava suas experiências enquanto trabalhava como prostituta. Essa narrativa pessoal se transformou em uma obra literária, E se eu fosse puta, na qual a autora vai além do descritivo factual, explorando os limites entre o relato ficcional e a autobiografia. Além disso, suas escritas também abordam o papel poderoso que a literatura pode desempenhar como fonte de transformação social, ao tensionar os limites do consenso social, das normatividades de sexo, gênero e sexualidade, potencializando a política das afinidades e da existência na diferença.
Sua abordagem corajosa e autêntica na literatura tem contribuído para abrir diálogos importantes sobre questões sociais e de identidade de gênero, proporcionando uma visão mais inclusiva e diversificada do mundo. O trabalho de Amara Moira inspira outras/os/es escritores e ativistas, fortalecendo a luta por uma sociedade mais justa, equânime e diversa.
LEANDRO: Amara, poderia comentar sobre a relação entre o nome civil versus nome social, nome retificado versus nome morto e suas relações com a alteridade?
AMARA: Bom, a questão do nome é uma questão central quando estamos pensando em comunidade trans e travesti e ela foi transformada recentemente de maneira profunda após a decisão do STF, que desburocratizou o acesso à retificação de documentos civis, sobretudo do prenome e do gênero. A partir de então, podemos simplesmente ir ao cartório, levar os documentos necessários, pagar as taxas e, uma semana depois, está pronta uma certidão de nascimento com novo nome, sem que sequer conste qualquer informação sobre o nome anterior. Para que você tenha uma certidão que mencione o nome anterior e o sexo anterior registrado, é preciso pedir um documento específico que acaba sendo necessário em alguns casos, como transmissão de herança ou se tiver alguma propriedade em nome da pessoa anterior e, de repente, precise mudar o nome. Às vezes, você acabará passando por algumas questões assim. Mas esta é uma questão central, eu lembro, por exemplo, de amigas trans por volta de dez ou quinze anos atrás, falando que queriam fazer a cirurgia de redesignação sexual, não porque tinham qualquer aversão ao seu genital, mas porque essa era a única forma possível, no Brasil, de obter uma retificação de documentos. Então, para que eu possa existir como uma mulher ou como uma pessoa de identidade de gênero feminina na sociedade brasileira, se eu nasci com pênis, preciso fazer uma cirurgia altamente invasiva, violenta, que vai transformar meu corpo? Uma cirurgia que às vezes eu nem quero fazer, que não tem nenhuma simbologia especial para mim, mas que se torna necessária para conseguir retificar meu documento. E tem muitas pessoas que fizeram. Muitas pessoas foram atrás desse tipo de cirurgia. Essa é uma reflexão que precisamos fazer sobre esse aparato médico que se constituiu em torno das transgeneridades, porque cria mecanismos de transformação dos nossos corpos e essas transformações acabam viabilizando que alguns indivíduos consigam ser reconhecidos pelo estado, pela sociedade com o gênero que reivindicam. Mas quem não se enquadra, permanece completamente à parte ou é obrigado a passar por esses procedimentos para, no mínimo, ter seu reconhecimento. Então, essa questão do nome é um ponto central, não é?
Quando a gente pensa nos nomes da comunidade trans, os nomes que vemos também são muito interessantes. Temos todo tipo. As pessoas em geral são ensinadas de que o nome é algo que se recebe, é algo que nos marca, que define quem somos. Tanto que é comum, ainda hoje, uma pessoa trans ouvir frases do tipo "qual é o seu nome de verdade?" O que a pessoa está querendo saber é qual o nome que verdadeiramente te define, o nome que seus pais ou responsáveis te deram, não o nome que você escolheu para você. A gente não escolhe nome para nós, isso é falso. Então, as pessoas são criadas para acreditar que o nome é algo que elas recebem e que vai marcá-las indelevelmente e nem pensam sobre a própria possibilidade de renomear-se. Bom, pessoas trans começam a questionar isso. E começam a agir sobre o imaginário do nome. Eu já imagino um momento, num futuro não tão distante, em que uma pessoa ou parte considerável da população comece a reivindicar esse direito também. Porque, "óh, calma aí, as travestis estão podendo mudar o nome delas, eu também quero mudar o meu, porque eu odeio o meu nome". Então, essa coisa do nome inaugura uma possibilidade, e essa possibilidade, a princípio, vai valer para nós, mas, de repente, isso entra no horizonte de expectativas de uma sociedade inteira que nunca tinha parado para pensar nisso. “Como assim, eu posso mudar o meu sexo na certidão de nascimento? Eu posso vestir roupas diferentes daquelas que a nossa sociedade acredita que são próprias para o meu gênero? Como assim, eu posso me colocar de outra forma na sociedade?” A questão do nome tem relação com tudo isso. Nós estamos mostrando para a sociedade como um todo que questões consideradas intocadas podem ser questionadas e podem ser reinventadas sim. Então, para mim, vamos ver tantos nomes completamente fora do padrão, nomes muito inesperados, vamos ver, por exemplo, entre os homens trans, pessoas transmasculinas, um gosto por colocar um nome duplo, um nome composto, dois nomes masculinos para marcar a masculinidade. Vamos ver nas travestis, muitas vezes, uns nomes aberrantes que têm uma cara estrangeira, mas que são pura fantasia, sabe? Vamos ver nomes que de alguma forma apenas colocam uma marcação de feminino, uma desinência de feminino ou de masculino no final do nome que receberam, então Guilherme vira Guilherma, Luana vira Luan ou o contrário. A gente vai começando a ver essas mudanças e, às vezes, um nome é completamente diferente daquele que a pessoa recebeu, mas às vezes é um nome parecido, e uma experimentação que eu gosto muito de ver é quando a pessoa mantém o mesmo nome, mas força uma mudança de gênero, como é o caso da cartunista Laerte, por exemplo, que viveu a vida inteira como Laerte, faz a sua transição, e continua sendo chamada de Laerte, mas agora é a Laerte. Vamos ver casos como a Guilherme, o Priscila. Um caso que eu amo também é de uma amiga minha que se chama Júniar: ela forçou um feminino em Júnior, que é um nome que possui uma marcação muito patriarcal e machista da nossa cultura, ela colocou um feminino ali e isso é muito simbólico, não? Daí, Júnior é uma palavra que denota masculinidade na nossa cultura, mas ela foi subvertida pela experiência da travesti.
Fernanda: Apesar de o Estado ter desburocratizado essa questão do nome, ainda existem alguns impasses, não é? Eu tenho uma filha trans de 19 anos, sua transição foi enunciada aos 16 e ela já conseguiu retificar seus documentos. No entanto, no processo dessa solicitação, nos deparamos com uma série de impasses e burocracias, que só foram resolvidas quando descobrimos a Casa da Diversidade em Salvador, que oferecia serviços gratuitos de advocacia para a população LGBT. Lá, fomos assessoradas por um advogado trans que conhece todo o processo e advoga na causa. Foi quem providenciou a documentação necessária. Por essa experiência, penso nas pessoas que não têm acesso, ou desconhecem esse tipo de serviço. Que não têm suporte de familiares e/ou residem em cidades menores e com condições mais precárias. O estado de fato desburocratizou, mas a gente continua vivendo num país onde parece que ainda precisa de um longo trajeto para de fato se tornar inclusivo. O que você acha sobre isso?
Amara: Sim, de fato. Quando falo que desburocratiza, estou pensando em casos como o da Roberta Close, que só conseguiu mudar o nome dela, no Brasil, em 2003, entende? Imagina, a mulher mais bonita do Brasil só conseguiu mudar seu nome no comecinho do século 21. Considerando isso, um amigo advogado juntou meus documentos, pois eu não saberia fazer isso sozinha ou teria que tirar um tempo da minha vida para analisar como e onde buscar essas certidões, se dá para pegar online, se tem que ir pessoalmente, porque cada estado tem a sua lógica, além de que com menos de 18 anos só é possível com o processo legal. Então, um amigo advogado juntou todos os meus documentos, e eu fui ao cartório e uma semana depois já estava lá. E aí, começa uma saga, você vai ter que mudar o seu nome em todos os lugares. Tem ônus e bônus. Uma coisa que eu acho bonita é que quando mudei meu documento, tive essa sensação: sabe quando você entra num hotel e tem que assinar aquela papelada com seu nome, seus dados? Então, comecei a ter prazer em fazer aquilo, naquele momento eu sentia prazer de escrever o meu nome nesses documentos, de assinar como Amara. Era muito prazeroso encarar essas instâncias de burocracia, porque era uma novidade incrível, algo que eu nem sonhava quando eu comecei minha transição em 2014.
FELIPE: Podemos pensar também nessas questões no âmbito da universidade, pois você, como a primeira mulher trans a obter o título de doutora na Unicamp, somada a sua experiência na escrita autobiográfica do seu livro, traz uma existência significativa para este lugar específico, e nos faz refletir sobre esse processo de escrita que dá a ver tanta luta que precisa ser conhecida, reconhecida e respeitada, não é? Então, eu queria te agradecer pela partilha e ouvir um pouco mais.
LEANDRO: Ainda por essa via, em relação ao ato de se imaginar e reimaginar-se mediante a escrita autobiográfica, você poderia contar um pouco sobre a linguagem bajubá e como ela vai aparecendo no seu processo de escrita?
AMARA: É, essa é uma questão também muito delicada, né? Acredito que algumas pessoas trans podem não gostar do que vou falar. Por exemplo, teve a montagem de uma peça acontecendo aqui em São Paulo, uma peça espetacular. E ocorreu que no roteiro original haviam colocado o nome de registro da atriz, porque estavam se baseando em entrevistas que ela deu e disponibilizava sem se preocupar com essa informação. A gente criou hoje em dia todo um ambiente em que mencionar esse nome em voz alta é profundamente ofensivo. E quando a gente cria esse imaginário, essa relação de ódio em relação ao nome de nascimento, a gente pode correr o risco de apagar a história junto. Mas é interessante quando voltamos na história do movimento trans, e mesmo hoje em dia, em muitos espaços do movimento trans, a gente vai encontrar figuras que lidam de outras maneiras com esse nome. Onde não necessariamente o nome que nos deram tem que ser motivo de profundo sofrimento e amargura, a mera menção a ele nos desestabilizando psicologicamente. Mas acontece, sabe? Já fui ao hospital, a pessoa me chamou pelo nome de registro e eu desabei, fiquei chorando, fiquei triste, mas é interessante refletir sobre isso, se precisava ser assim.
Eu lembro que as atrizes trans da peça falaram que não queriam que colocasse o nome de registro da figura histórica, o nome morto, o nome do falecido, porque isso é ofensivo hoje em dia. Mas a própria personagem não entendia isso como algo ofensivo na época em que viveu, e a peça é sobre ela. Tenho muitas amigas que falam “eu sou Rafaela aqui na rua com meus clientes, mas em casa minha mãe me chama de Rafael, e eu não ligo, pois eu sou o Rafael dela”. Isso é maravilhoso, de alguma forma, é muito provocativo. Eu acho muito interessante a gente poder entender também que tem outras relações possíveis com o nome que nos deram. No meu caso, eu possuo uma relação ambivalente, existem momentos em que acho divertido, por ser um nome que me constitui, que faz parte da minha história, não quero fingir que ele nunca existiu, mas há pessoas que carregam uma relação mais de ojeriza e de aversão.
É interessante pensar nas instâncias burocráticas, como elas lidam com isso. Quando defendi meu doutorado, eu fiz um post no Facebook e 500 pessoas falaram que iriam ver a minha defesa de tese. A Unicamp ficou desesperada, me ligou perguntando se iriam ter 500 pessoas, queriam mudar para um auditório muito grande, eu falei que duvidava que teriam 500 pessoas. Mandaram uma equipe de reportagem, fizeram uma reportagem comigo. Foi a primeira vez que a Unicamp assumiu publicamente que tinha orgulho de ter alunos e alunas trans ali. Então, a primeira vez que ela se dispôs publicamente a dialogar conosco e falar que eles eram maiores por nós estarmos lá, construindo aquele espaço com eles, e isso foi muito simbólico. Além disso, todos os documentos que assinei naquele dia estavam com o nome Amara Moira, mas eu não havia mudado meus documentos. Defendi a tese em 2018 e mudei apenas em 2019. Está na internet como Amara Moira, minhas assinaturas, atas, etc. Eu nunca pedi para assinar os documentos com o nome social, porém eles estavam com tanto medo, porque 500 pessoas falaram que iriam ver a defesa, e a universidade passou por cima da burocracia para não ter problemas de repercussão pública. Porém, alguns meses depois, uma amiga foi defender o mestrado dela e não deixaram ela fazer do mesmo jeito que foi comigo.
Ou seja, tem a ver com o medo que a gente é capaz de impor.
Mas agora estamos num outro momento, naquela época a gente estava no comecinho disso. Agora, a Linn da Quebrada no BBB, se alguém errava o pronome dela, as pessoas massacravam no Twitter. E não são só as pessoas trans reclamando, vêm as pessoas cis achando um absurdo alguém tratá-la no masculino ou desrespeitá-la, mesmo que seja inconsciente. Muitas pessoas ali questionavam: “é preciso que a gente pense sobre isso, é preciso que a gente mude o comportamento, a forma de se relacionar com esse debate”.
Acredito que tudo isso tem a ver com essa questão da escrita de si.
Eu fiquei a vida inteira me exercitando enquanto escritora, aprendendo a escrever, mas foi quando comecei a minha transição, que encontro o grande motivo, tema da minha escrita, que é escrever sobre esse universo trans. Eu queria que as pessoas conseguissem imaginar as coisas que eu estava descobrindo a partir do momento que eu me vi como uma pessoa trans, que eu me coloquei publicamente como uma pessoa trans. Então eu descobri um mundo que não existia antes, e não tem só coisa boa, tem muita coisa terrível. Então é isso, 29 anos que existi como homem e ninguém nunca passou a mão no meu corpo sem o meu consentimento, mas bastou me ver de vestido e com o cabelo comprido, e isso passou a ser uma experiência cotidiana. O meu corpo é o mesmo, tão forte quanto antes, mas agora parece que não há mais o medo que esse corpo impõe para que a sociedade o trate conforme o tratava antes, simplesmente porque estou usando um vestido, com cabelo comprido e com maquiagem. Isso é muito significativo e importante.
As pessoas trans sinalizam, simbolizam e escancaram as tensões e conflitos de gênero presentes em nossa sociedade. Quando falamos sobre nossas vivências, sobre como somos tratados, vistos e existimos, estamos abordando todos esses discursos de gênero que existem em nossa sociedade. Ao falar de nós, falamos sobre a sociedade ao nosso redor, que foi criada para nos tratar de determinada forma. Isso torna-se um elemento muito interessante para entendermos a própria sociedade.
É interessante ver homens trans negros falando sobre o período em que ainda eram percebidos como mulheres e sofriam todo tipo de assédio sexual no espaço público. Porém, quando começam a ser reconhecidos como homens negros, as pessoas passam a ter medo de assalto e agressão. Mulheres se encolhem no elevador, achando que eles vão violentá-las ou assediá-las. Ou seja, é interessante perceber como a nossa transformação e a maneira como transformamos o nosso corpo impactam na forma como existimos, mas também escancara as dinâmicas de gênero presentes em nossa sociedade e cultura.
LEANDRO: Interessante que você tenha avançado na questão do nome. Além disso, você abordou a discussão da sua escrita. Você poderia comentar um pouco mais sobre o bajubá. Pois, penso que ele é revolucionário na forma como desestrutura e desestabiliza determinados códigos e linguagens, com isso, seria possível explorar mais essa temática e nos contar sobre a escrita e a recepção do bajubá relacionando com seus livros e projetos?
AMARA: A partir do momento em que encontro meu grande tema de escrita, é justamente sobre essa vivência que eu quero escrever pelo resto da minha vida. Parece que encontrei a minha "mina de ouro", e a minha expectativa é que um dia as pessoas não digam que eu só escrevia sobre travestis. Eu espero estar viva para ver uma sociedade que saiba olhar para esta temática e perceber todo um universo ali presente. Eu quero ver que pessoas que não são trans se vejam nessas narrativas, assim como a gente é capaz de se ver em Brás Cubas, do Machado de Assis, nos personagens do Dostoiévski, em Romeu e Julieta. Todo mundo já se sentiu como Romeu e Julieta em alguma instância, se relacionando com alguma pessoa. Então as pessoas são tocadas por isso, e quero que elas também sejam tocadas por uma travesti. Eu quero que elas se imaginem nesse lugar para que elas tenham sonhos com isso, de estarem vivendo coisas semelhantes. Assim como falei do nome, a partir do momento em que pessoas trans começam a mudar o nome, as pessoas cis também vão querer começar a mudar o nome, porque parecia algo vetado, proibido e, de repente, pode. A partir disso, a gente vai trazendo essas possibilidades de existência diferente, vai mostrando que é possível que a gente exista sendo assim, porque há 20, 30, 40 anos atrás, não era tão fácil provar isso para alguém. Você podia ser uma travesti, mas raras conseguiam ser uma Roberta Close, a maioria morria com 20, 30 anos de formas muito violentas, tendo passado por muitas violências ao longo da vida, e agora a gente consegue se colocar perante a sociedade de uma forma diferente.
Eu acho que o bajubá, essa língua que foi criada na cultura travesti, tem tudo a ver com isso. Então a gente cria uma língua de segurança. Temos registros dos anos 70, mostrando que muitas palavras ainda são utilizadas até hoje, existindo esse jeito de falar na comunidade para que nós entendêssemos e quem fosse de fora não conseguisse entender.
Isso serviu e serve ainda hoje como uma língua de segurança. Quem precisa de uma língua de segurança é justamente uma população que está muito atacada, acuada e perseguida. Não foi a comunidade trans que criou o bajubá, foram as travestis. O bajubá está conectado diretamente com a cultura travesti, que foi justamente o grupo que iniciou o movimento organizado no Brasil. O grupo que foi mais atacado pelo HIV/AIDS e se organizou para dialogar com o Estado, pensar em formas de enfrentar a epidemia e melhorar a questão do estigma, da perseguição, da violência policial e tudo mais.
Depois disso, as pessoas, mulheres transexuais, homens trans vão começar a "colar junto" e fazer crescer o movimento, mas começa com as travestis. A gente tem a divisão clássica da travesti, aquela que tem relação boa com a genital, e mulher trans que odeia a genital que nasceu e quer ter uma vagina. Mas essa distinção é balela, pois quando vamos para a realidade, acaba que essas palavras travesti, transexual no Brasil assumiram significações opostas. A travesti muitas vezes está conectada com essa vivência da rua, no meio da prostituição, e vemos isso muito forte. É essa figura que tinha necessidade, por ser mais perseguida, por estar mais acuada. Essas figuras sentiram a necessidade de criar uma língua e foram criando aos pouquinhos, nem foi nada consciente, foi algo que foi surgindo. Sempre vai surgindo um código, e esse código de repente se estruturou e percebemos que pessoas travestis do Brasil inteiro falam desse jeito.
A partir daí, a coisa começou a fugir do controle, porque começaram a sentir interesse por essa linguagem, temos três glossários e dicionários dessa linguagem. Tem o mais conhecido, a dicionário Aurélia, existe um focado na comunidade de Salvador, o Bichonário, que é excepcional, um livro muito bom, e tem o mais antigo de todos, que é de uma travesti, a fundadora do movimento das travestis, que era Giovanna Baby, o livro Bajubá Odara. Este último foi relançado recentemente, antes existia só numa cartilha, uma espécie de Zine patrocinado pelo Ministério da saúde nos anos 90.
O primeiro livro foi de uma travesti, ela publicou e fez uma cartilha de bajubá, divulgando a linguagem para ensinar travestis a usarem camisinha, para dar dicas de segurança para as travestis prostitutas. Então existia um interesse de divulgar, de tornar cada vez mais conhecida essa linguagem. Hoje em dia já existem bajubás regionais, tem o bajubá de Belém que é completamente diferente do bajubá de São Paulo, do Rio Grande do Sul, de Cuiabá, mas tem palavras e expressões que atravessam todos os espaços, e a grande questão é justamente isso, onde se criou uma língua de proteção, mas a língua é uma forma de ver o mundo. E quando a gente começa perceber a existência travesti podendo ocupar melhores espaços, se colocando na sociedade de outra forma, a gente começa a pensar na possibilidade de usar essa língua, não mais como uma língua de segurança, de proteção, mas como uma língua de intervenção estética na sociedade. Aí vemos a música da Linn da Quebrada:
Pois de que me adianta
A neca ser mati ou odara?
Se na hora do vamo ver
Tomara que no rala e rola
Tenha muito mais que só entra e sai vara
E isso vai “bugando” a sociedade, vemos também o Criolo usando a linguagem em sua música “cartão de visita”: “Pra garantir o padê dão até o edi”. O Criolo que sequer é LGBT, usa da linguagem porque héteros e cis começam a gostar e acham o máximo. Tem vídeos do Fábio Porchat e do Gregório Duvivier, brincando de falar bajubá, ou seja, as pessoas vão se encantando ao mesmo tempo que descobrem um jeito interessante de falar.
Isto é, estamos começando a ver literatura produzida a partir dessa linguagem, uma linguagem construída por meio de muito sangue, de muita porrada. O bajubá é uma língua de segurança que não se assemelha à "língua do P" que brincávamos quando éramos crianças, pois é mais do que uma experiência lúdica infantil. O bajubá também tem um aspecto lúdico, claro, mas é mais do que isso; é uma língua que emerge de um ambiente de vulnerabilidades/segurança e que agora pode ser usada em outros contextos. Isso está relacionado com um novo momento da existência trans/travesti na própria sociedade brasileira, e eu acho isso bom, porque nos coloca como figuras de referência para falar sobre esse tipo específico do saber.
Publicarei meu romance no próximo ano, com 200 páginas de bajubá, e as pessoas vão precisar conversar com as amigas travesti para entender o texto. O saber das figuras travestis passará a ser crucial para que muita gente possa entender algumas peças importantes da nossa cultura. Já falei da Linn da Quebrada, mencionei o verso do Criolo e há outras figuras incríveis com as quais precisaremos começar a contar, a partir de então, com o “saber de travesti” para um entendimento pleno.
FERNANDA: Amara, que resposta sensacional sobre o bajubá! Importante destacar a sua contextualização histórica para que possamos pensar nessa linguagem como não restrita apenas às pessoas trans e travestis, mas como uma das muitas linguagens que compartilharemos cada vez mais como um lugar de visibilidade. Isso me fez pensar de volta na questão dos acessos a pessoas trans e travestis na academia e no campo literário. Me parece que ainda existe uma expectativa social de que o fato de ser trans significa que necessariamente deverá abordar alguma temática relacionada à própria existência trans e não outras temáticas. Então, vejo que temos uma dupla inscrição aqui. De um lado, há a importância do bajubá em ser difundido para além do convívio restrito às travestis, e isso é muito relevante como uma rasura da norma e por ser uma forma de romper com os nichos. O bajubá e sua expansão para além da comunidade trans refletem também a imposição da norma da cisgeneridade. Por outro lado, é também a cisnormatividade que cria o imperativo das pessoas trans/travestis só poderem abordar, em suas pesquisas e escritos, a temática trans/travesti. Parece que isso serve como um salvo-conduto para que estejam ali. O que pensa sobre isso?
AMARA: Bom, eu comecei falando sobre o quanto eu gostaria de escrever sobre travestis pelo resto da minha vida e que um dia as pessoas não falem que eu só escrevi sobre travestis, porque eu espero que elas consigam ver todo um universo de coisas dentro desta temática. Mas existe um lado oposto da moeda, que é justamente as pessoas acharem que a gente só sabe escrever sobre isso, que esse é o único assunto que temos de valor para a comunidade acadêmica. E isso é bastante perverso, porque nada, nenhum assunto nos é alheio. Eu fiquei muito feliz um dia que uma amiga travesti me ensinou rudimentos de economia; ela é muito entendida e autodidata. Me explicou sobre investimentos e falei: “meu Deus, eu estava deixando meu dinheiro na poupança, estava perdendo dinheiro sem fazer ideia”. Ela me explicou sobre o Tesouro Direto, os fundos de investimento, o fundo imobiliário, etc. achei incrível, porque aprendi isso com uma travesti. Também tenho uma amiga travesti doutora em matemática, professora em uma universidade no Rio de Janeiro.
Quero dizer com isso que estamos vendo espaços múltiplos sendo ocupados por pessoas trans, e isso é muito bonito de ver, e vamos começar a ver cada vez mais. Tem uma colunista americana trans, na Folha de São Paulo, que é economista, direitista inclusive, trumpista, mas vemos também esse tipo de coisa. Pessoas trans são múltiplas, não é porque somos trans que votamos no Lula, nós não pensamos da mesma forma, nem vemos o mundo da mesma maneira, ou nos interessamos pelas mesmas coisas só porque somos trans.
Eu tenho essa percepção, de que o fato de ter me colocado como uma pessoa trans publicamente fez com que se esperem de mim que eu faça tudo relacionado à temática trans. Mas eu quero fazer isso, é como se estão dando a mão, e vou puxar o braço. Eu vou fazer um inferno na literatura brasileira, as pessoas querem que eu escreva sobre travesti, então vou escrever, mas aguardem! Esperem para ver o que eu vou fazer. E se em algum momento eu quiser escrever sobre outra coisa, aí sinto que eu terei um pouco mais de dificuldade, de aceitação; não sei se o mercado vai ter o mesmo interesse, mas precisamos aprender a ser estratégicas também, ainda vivemos numa sociedade altamente transfóbica. Então tem algumas portas que estão se abrindo, e podemos ocupar esses espaços e, ao mesmo tempo, abrir outras portas, forçar outros debates juntas.
Acho que para quem ainda está construindo um nome na vida universitária e está começando a estudar, às vezes é interessante ir estudando tais questões, e o que esperam de nós, para conseguirmos contar com um pouco de benevolência, de boa vontade desse espaço, para que a gente estude e traga tais debates para dentro da universidade. Mas, ao mesmo tempo, é importante que a gente bata o pé nos pontos que nos são de interesse particular, pois penso que devemos nos posicionar, afimando: “não, eu não quero abrir mão de estudar isso ou aquilo”. Um dos temas que mais me interessa é a teoria da tradução, mas deixei esse tema um pouco mais de lado a partir do momento que comecei minha militância, meu trabalho com a escrita. Meu doutorado foi sobre James Joyce e Ulysses, eu não tenho conseguido mais espaço para falar sobre isso, mas pretendo um dia voltar a ele. Até porque deu um pouco de saturação depois de tanto tempo, muito cishétero, mas um dia eu quero voltar ali, porque tem muita coisa a aprender.
CLARISSA: Amara, quando você fala do bajubá e da linguagem como uma forma de existência, vejo que se trata de uma temática que dialoga bem com as mídias. As narrativas midiáticas de uma forma geral, incluindo cinema, televisão e internet, podem constituir espaços de fortalecimento das causas LGBTQIA+ e de discursos transgressores como formas de existir. Então, trazendo essa questão da linguagem para o contexto das mídias, como você enxerga o papel das narrativas midiáticas na existência, resistência e fortalecimento de estéticas trans? Ainda nesse sentido, como você percebe a articulação entre a emergência de narrativas midiáticas transgressoras e a formação de redes e comunidades dentro e fora do ambiente digital?
AMARA: Essa é uma coisa interessante também que, às vezes, eu sinto outra perspectiva sobre esse debate. Eu vejo muitas pessoas que têm uma biblioteca cheia de obras de pessoas trans, de pessoas negras, de mulheres, que não querem mais ler o homem branco europeu. Mas se a pessoa tira Fernando Pessoa da lista porque ele era machista, e só quer ler Clarice Lispector, só escritoras mulheres, só LGBTs e pessoas negras, mas, com isso, a gente renuncia a muita gente que vai nos ensinar coisas preciosas. Não tem problema ler esse público, mas não precisa deixar de estudar Dante e a Divina Comédia, Homero, que são obras formadoras da nossa sociedade. Podemos ter inúmeras críticas à nossa sociedade, porque fazemos parte dela, e essas obras são centrais para entendermos o ocidente e para aprendermos a escrever de uma forma que fuja das expectativas e do padrão, pois aprendemos com essas figuras que fizeram trabalhos excepcionais. Esse é o outro lado deste debate que estamos trazendo, porque as pessoas esperam que a gente escreva sobre algo relacionado com a nossa vivência mais diretamente, mas ao mesmo tempo, chegamos na universidade e estamos cansados de ler esses europeus brancos cisgêneros, heterossexuais, católicos, porque eles não têm nada mais para ensinar. E joga fora de uma forma muito apressada, imediatista, sendo que essas pessoas têm muita coisa importante para a gente pesquisar e aprender.
O debate é complexo, temos que reivindicar várias coisas aqui, precisamos ter um pouco mais de jogo de cintura, saber aproveitar essas brechas que a gente vamos percebendo, que vão nos dando. Precisamos usar tudo isso para expandir ainda mais as nossas possibilidades de ocupação do espaço, sobretudo na universidade. Mas, precisamos também questionar a maneira como a militância, a produção acadêmica e a vida acadêmica têm dialogado recentemente, porque tem sido de uma forma muito intensa.
Agora, com relação à questão midiática que Clarissa trouxe, eu fico sempre lembrando do próprio surgimento do transfeminismo no Brasil. Em 2012, quando eu estava começando a ter contato com esse debate, eram aproximadamente umas 10 pessoas trans que estavam estudando, começando a colocar o debate em prática em todo o Brasil. Na época, nós usamos muito as redes sociais para ganhar espaço, para ganhar e trazer mais pessoas trans para perto dessa discussão. Começamos a disputar as narrativas oficiais, a opinião pública. Conseguimos colocar e situar o debate sobre transfobia e cisgeneridade. Há 10 anos atrás, era difícil convencer as pessoas cisgêneras a se assumirem cisgêneras, as pessoas se sentiam ofendidas. Hoje já é um pouco mais tranquilo, mas 10 anos atrás as pessoas achavam que era tudo bem nos nomear trans, mas não queriam que quem não fosse trans também tivesse alguma nomenclatura e esse nome pudesse ser pensado como um paralelo negativo do que é trans. Trans significa: “aquilo que cruza”, e dizem que cruzamos uma linha, e se a cruzamos, tem os que não fizeram, tem quem fica sempre de um só lado dessa linha, por qualquer questão que seja, porque gosta muito desse lado da linha, porque nunca imaginou que pode cruzar, porque tem medo de cruzar, tem outros motivos, podem ser os mais variados. Mas o que significa é que se estão dizendo que nós cruzamos uma linha, teve alguém que não cruzou essa linha, e alguém que não cruzou essa linha chama-se “cis”, ou seja, é o que fica de um lado da linha, e trans é aquilo que atravessa a linha.
Foi difícil convencer as pessoas disso. Pode ser porque a gente estava simplificando a existência complexa da cisgeneridade. As pessoas não gostavam da definição dada, e se as pessoas estão vendo um problema na sua definição de gênero, é porque a definição de trans também é problemática. Mas a gente está lidando com essa falta de definição. O fato de não existir uma definição perfeita não apaga a existência da palavra, a importância da palavra.
Então, esse foi um debate que as redes sociais possibilitaram e a nossa presença nesses espaços possibilitou. Mas, ao mesmo tempo, teve esse lado negativo. A extrema-direita conseguiu ocupar isso e vir para cima de nós com muita violência também, utilizando as redes sociais. Estamos descobrindo agora que a rede social é muito mais propícia para disseminação de ódio, desinformação e pânico social do que de fato para fazer com que as pessoas desenvolvam mais conhecimento, criem laços mais sólidos e estimulem os nossos sentimentos mais humanos de alteridade e empatia. Parece que a rede social não é esse lugar, embora ela possa ser utilizada para esses fins também.
Mas foi através das redes sociais que conseguimos fazer o debate acontecer e disputar a opinião pública, pois tínhamos dificuldade de ocupar o espaço público, éramos perseguidas, mortas. Ainda hoje é bastante, mas 10 anos atrás era muito pior, não conseguíamos ter o nosso nome e gênero respeitados e as mídias nos ajudaram a transformar essa realidade. Mas o custo é alto também. A gente não pode depender completamente desse espaço; por isso, está sendo tão importante a gente ter as primeiras políticas eleitas em cargos muito poderosos, deputada federal, deputada estadual. Já estamos pensando em governo, prefeituras e senado. Então, a gente começa a ver a possibilidade de pessoas trans ocuparem espaços muito marcantes na sociedade, porque nós não podemos abdicar desses espaços, se fizermos isso, vão utilizá-los para inviabilizar nossa existência, para fazer os nossos direitos retrocederem. Então é importante ocupar as redes sociais, as universidades e hackear o conceito de família, isso porque o conceito de família precisa incluir pessoas trans. A gente precisa conseguir imaginar que família é lugar de pessoa trans e que nós também temos o direito de construir família. Estamos vendo agora famílias trans centradas, em casos que o homem trans engravida da mulher trans, travesti, e os dois amamentam. Estamos vendo o que a tecnologia propicia. São coisas que precisamos nos acostumar a ver cada vez mais; por isso, é importante hackear esses lugares, família, escola, universidade, a mídia hegemônica, jornal, TV e as mídias digitais também. Afinal, esse é um espaço importante no qual precisamos estar presentes para conseguirmos transformar a maneira como a sociedade nos vê.