Dossiê

De portugueses no modernismo no Brasil - histórias por narrar*

On Portuguese among Brazillian modernists – a history to tell

Marcia Arruda Franco
Universidade de São Paulo, Brasil

Intellèctus

Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

ISSN-e: 1676-7640

Periodicidade: Semestral

vol. 18, núm. 1, 2019

revistaintellectusuerj@gmail.com

Recepção: 13 Março 2019

Aprovação: 19 Maio 2019



Resumo: A fim de pôr em questão a visão propagada pelos manuais de história literária e nos currículos escolares de que durante o modernismo brasileiro houve um rompimento radical com a cultura portuguesa e com os intelectuais portugueses, pretende-se apontar a continuidade da interlocução poética e intelectual de portugueses e modernistas brasileiros nos anos heroicos do modernismo paulista, na década de 1930, e em decorrência do Acordo Cultural, de 1941, enfocando a figura controversa de António Ferro, excluído de Orpheu, mas “klaxista”, e alguma correspondência portuguesa de Mário de Andrade, em especial a de Osório de Oliveira. Palavras-chave: Modernismos, Folclore, Totalitarismos, Brasil, Portugal.

Palavras-chave: Modernismos, Folclore, Totalitarismos, Brasil, Portugal.

Abstract: In order to question the main critic assumption that Portuguese culture and literature were put aside by Brazillian modernist writers, it is meant in this essay to show that there was a Portuguese and Brazilian intelectual partnership since the first years of modernism, that was developped across de 1930’s, and reinforced as actions of 1941 Cultural Deal, between the two nations, focusing, on the one hand, Antonio Ferro, avoided by those from Orpheu, that did not find him fit to their literary group, but wellcome in Klaxon, and, on the ohter, Mario de Andrades’ Portuguese correspondence, particularly that with José Osório de Oliveira.

Keywords: Modernisms, Folklore, Totalitarism, Brasil, Portugal.

1) Fora de Orpheu

*Para Mirhiane Mendes de Abreu

António Ferro não participou de Orpheu como poeta. O seu nome figura como editor dos dois números impressos da revista centenária, como uma piada de Sá-Carneiro, para quem a menoridade de Ferro era uma divertida ilegalidade. Diz-se que, aos 19 anos, achou bastante graça em ter sido escolhido, sem consulta prévia, o editor irresponsável de Orpheu (BARRETO, 2015). Para quem a experiência editorial resumia-se ao jornal liceal, esta irresponsabilidade pareceu-lhe forma de inclusão neste grupo de vanguarda. Os de Orpheu esconderam a heteronímia de António Ferro. Reler o célebre trecho da carta de Pessoa a Armando Cortes-Rodrigues, de 4 de outubro de 1914, dimensiona a exclusão de Ferro dos de Orpheu:

Como a única pessoa que podia suspeitar, ou, melhor, vir a suspeitar, a verdade do caso Caeiro era o Ferro, eu combinei com o Guisado que ele dissesse aqui, como que casualmente, em ocasião em que estivesse presente o Ferro, que tinha encontrado na Galiza ’um tal Caeiro, que me foi apresentado

como poeta, mas com quem não tive tempo de falar»’ ou uma coisa assim,

vaga, neste género. O Guisado encontrou o Ferro acompanhado de um amigo

caixeiro-viajante, aliás. E começou a falar no Caeiro como tendo-lhe sido apresentado, e tendo trocado duas palavras apenas com ele. ‘Se calhar é qualquer lepidóptero’ disse o Ferro. ‘Nunca ouvi falar nele. ’ . // E, de repente,

soa, inesperada, a voz do caixeiro-viajante: ‘Eu já ouvi falar nesse poeta, e até me parece que já li algures uns versos dele’. Hein? Para o caso de tirar todas as possíveis suspeitas futuras ao Ferro não se podia exigir melhor (PESSOA, 1914).

Não estranha que em 1915, Pessoa e Sá Carneiro não acharam pertinente editar em Orpheu os seus textos: “Decidimos não incluir na Antologia, por ainda muito crianças, social e paulicamente, o Ferro, o Mourão, etc.”. Em carta a Pessoa, Sá-Carneiro chama Ferro de idiota:

[ ] ontem o Rui Coelho e o Dom Tomás lembraram-se de fazer uma sessão

de música moderna sobre paùlismo: poesias minhas, suas e do Guisado. Logo foi dito que antes da audição palavras deveriam ser pronunciadas. Até aqui vai muito bem. Agora suponha você que o menino idiota A. Ferro foi hoje dizer

aos maestrinos citados que o paùlismo, a sério, era o interseccionismo. Como raio o sabia ele? Perguntei-lhe. Diz que ouviu você falar muitas vezes essa palavra ao Guisado. Não sei, não sei. Mas é uma contrariedade [...] agora já só falam no interseccionismo e o querem lançar no tal concerto – que, bem sei, nunca se realizará (SÁ-CARNEIRO, 2003: 85).

Por sua vez, nas suas entrevistas a Salazar e na gestão do SPN, António Ferro aplicou na propaganda política o seu entendimento da heteronímia e do fingimento da arte como máscara e simulacro. A manipulação da opinião pública é a arte do ditador, para citar as palavras de Paul Valéry (1934: 16), no prefácio a Salazar: le Portugal et son chef, tradução francesa da entrevista de Ferro ao ditador português: “Il y a de l’artiste dans le dictateur, et de l’esthétique dans ses conceptions”.

Propondo-se a explicar as ditaduras modernas como obras artísticas ou estéticas do ditador, Valery sublinha a gestão da opinião pública por meio do uso político da propaganda e da doutrinação ideológica, desde a infância à juventude:

Dans le types modernes de dictature, la jeunesse, et même l’enfance, sont l’objet d’une attention e d’un travail de formation tout particuliers.// L’ordre

alors régnera; et certains bien très sensibles seront assurés à la masse de la population, - les uns, réels; les autres, imaginaires.// Les actes du pouvoir paraîtront convergents et rationnels, même si leur énergie va quelquefois à la rigueur (VALERY, 1934: 18).

Figura 1: Propaganda “A hora é nossa”
e saudação salazarista:
Figura 1: Propaganda “A hora é nossa” e saudação salazarista:
Fonte: Revista do SPN, Casa de Portugal, 1934.

José Barreto (2011b: 15), já distinguiu o devir do autoritarismo de Pessoa, o mais liberal dos conservadores, anti-reacionário, e o de Ferro, comprometido com o regime ditatorial, pela construção de imagem positiva do estado-novo. Este fascista literal, entrevistador simpatizante de ditadores em ascensão, desde a segunda década do século XX, soube fazer a propaganda da figura de Salazar, a partir dos anos 1933, como chefe do império português, segundo a política do espírito, até que a derrota do nazismo e do fascismo conferiu sentido inconveniente às imagens da propaganda salazarista.

Não reconhecido como poeta pelos de Orpheu, Ferro não só bebeu em conversas com Pessoa e Sá-Carneiro algumas de suas imagens e ideias, transmitindo-as como suas,

e de sua geração, como propõe José Barreto, de forma exibicionista e egocêntrica, mas lhes conferiu aplicação na propaganda política o Estado-novo (ROSMANINHO, 2015; TORGAL 2004). O diretor do SPN, ao premiar Mensagem com cinco e não mil escudos, alterando o regulamento de 1932 que criara o Prêmio Antero de Quental, agrega sentidos à expressão final “É a Hora”, de 1928, que Fernando Pessoa não endossaria em 1935, ano em que se tornou anti-salazarista militante (LOPES, 2016). Diz-se que Pessoa não compareceu à cerimônia de entrega do prêmio para não aparecer na foto oficial ao lado de Salazar. No discurso “Criação do Mundo Atlântico”, Ferro cita dois versos de “certo grande poeta português moderno” “de pura essência camoniana” sem nomear Pessoa: “O Mar com fim será grego ou romano / O Mar sem fim é Português...” (FERRO, 1949: 49), utilizando-os para justificar a colonização açoriana e a lusofonia. “Estuporinho do Ferro!”, porém, é como se referia a ele Sá-Carneiro (2003: 29) em carta a Pessoa, pois o consideravam leitor constrangedor, conforme desabafa: “O assunto Ferro-Fernandes Carvalho é puramente deplorável. Esses meninos são insuportáveis. Ter o aplauso de lepidópteros e democráticos como esses é o pior que nos pode suceder” (SÁ-CARNEIRO, 2003:29) "Democráticos como esses" protofacistas? Em 1912, Missal de trovas, de Ferro em parceria com Álvaro Cunha, publicou os elogios protocolares de Sá-Carneiro e Pessoa,

cujo entendimento do trovadorismo como “alma do povo” estará presente no folclorismo da sua política do espírito.

2) António Ferro na longa Semana de Arte Moderna

Se António Ferro, apesar do “notabilíssimo” Almada Negreiros (Fig. 3) desenhar para a Revista do SPN, apesar dos esforços de seu filho António Quadros e, na expressão de José Barreto, panegirista, e malgrado a sua colaboração em revistas modernistas como Exílio (1916) e Contemporânea (1923), está fora de Orpheu como autor e poeta, a sua inclusão no modernismo brasileiro como escritor é ressaltada tanto pela penúltima revista, quanto pelos estudiosos dos anos heroicos do modernismo paulista.

Se do ponto de vista de Orpheu e da revolução artística que implicava, como mostrou José Barreto, Ferro foi recebido de maneira excludente, o mesmo não ocorreu em sua recepção entre os modernistas brasileiros. Em 1922 e 1923, Antonio Ferro estabelece uma série de relações duradouras com os modernistas heroicos: o seu manifesto “Nós” é lançado no terceiro número de Klaxon, a 15 de julho de 1922 por

sugestão de Sergio Buarque de Holanda a Mario de Andrade: “Pedi ao Antonio Ferro qualquer cousa para Klaxon. Ele deu um manifesto publicado em Portugal e que nunca saiu em revista. Para nós ele é de toda oportunidade” (Apud CARDOSO E SILVA, 2013: 393). Oswald de Andrade, cuja obra toma a de Ferro como interlocutora, conforme a análise dos estudiosos da matéria (Saraiva/Jackson), em 1923, chega a lhe comunicar num bilhete postal que, em Paris, o “Nós” ganhara elogios: “O seu manifesto, em Klaxon, causou aqui bela impressão” (SARAIVA, 1986: 63). Em carta a Mario de Andrade sobre Klaxon, Di Cavalcanti, noticiando a presença do português no Rio, aponta para a afinidade entre Ferro e Oswald, “homem que ele [Di Cavalcante] ama: O Dr. Antonio Ferro está aqui, é gordo, mora no Palace, parece-[se] consequentemente com o Oswaldo” (Apud CARDOSO E SILVA, 2013: 379). A correspondência de 1922 entre os modernistas do Rio e de São Paulo publicada recentemente na revista Remate de males, por Ana Maria Formoso Cardoso e Silva, sobre o mensário paulista Klaxon, revela a intenção de incluir Antonio Ferro, como no trecho da carta de Tácito de Almeida a Sérgio Buarque de Holanda: “Klaxon fará sem dúvida o possível por conseguir um olhar bem amoroso do esplêndido português” (Apud CARDOSO E SILVA, 2013: 397).

Os modernistas brasileiros leram António Ferro, que "já aqui estava quando cá chegou”.1 Leram os livros escritos durante os anos que separam Orpheu da Semana de 22, como As grandes trágicas do silêncio, primeira conferência em Portugal sobre cinema mudo ou animatógrafo, enfocando três atrizes italianas; A Teoria da Indiferença, Leviana, entre outros. Mar Alto2 recebeu a atenção de jornais cariocas e paulistas, assim como as conferências proferidas em várias cidades brasileiras; A Idade do Jazz-Band, A Arte de

Importar imagen Importar tabla

Bem Morrer3 e As Mulheres e a Literatura.4 Em setembro de 1922, a nota do número 5 de Klaxon é surpreendentemente reveladora de que o excluído de Orpheu foi recebido como autor de chistes entre os de Klaxon. Trata-se do primeiro parágrafo da seção LUZES & REFRAÇÕES:

Está entre nós o escritor portuguez António Ferro. Ao autor dessa adorável ‘LEVIANA’ offereceram os Klaxistas um jantar. Houve alegria, amizade, discursos e trocadilhos. Num dos momentos um dos convivas escreveu no cardápio: ‘S. Paulo precisa importar ferro’. Ao que o homenageado imediatamente respondeu: ‘porque Ferro se importa com S. Paulo’. O céu escureceu. A terra tremeu. E muitos mortos ressuscitaram (Klaxon 5, 1922).5

Na última página de Klaxon 5, aparecem outras referências a Ferro definitivamente integrado aos klaxistas: “[...] António Ferro. [...] É a Família de Klaxon que cresce e se confirma. [...] representa Portugal culto e é Klaxista. [...] nas luzes de um hall, é a serenata de Portugal. É bello. Ao meio-dia, é possante, agressivo, trepidante como um Klaxon" (Klaxon5, 1922)

A palavra “claxon”, grafada à francesa, com “c”, e não à americana, com “k”, em

A Idade do Jazz-Band, aproxima o nome da revista e o jazz-band: “O jazz-band vive do ‘Claxon de la grosse caisse et du sifflet’”, como do lado masculino do jazz-band: “O jazz- band é homem no “claxon”, nos assobios e no bombo, e mulher nas cordas gemedoras dos “banjos”, concluindo que “O jazz-band é, portanto, toda a natureza humana!” (FERRO, 1923: 70).

A performance vanguardista e elétrica de António Ferro assim como o paradoxo das suas ideias despertaram: o interesse de Ronald Carvalho, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia; o encanto de Carlos Drummond de Andrade com “o cavalheiro gordo, esparramado sobre uma cadeira”, “na livraria Morais”, no centro de Belo Horizonte, em fevereiro de 1923, que o levou a escrever para o Diário de Minas “A Alma

Tumultuosa de António Ferro” (SARAIVA, 1986: 73-76); a compreensão de José Lins do Rego, cujo artigo de apresentação, no Jornal do Recife, a 2 de abril de 1923, intitula- se “Embaixador do paradoxo” (SARAIVA, 1986: 77-80), e a amizade e admiração literária de Oswald Andrade. A correspondência em torno da colaboração de Ferro em Klaxon, mobilizando Sergio Buarque de Holanda, Di Cavalcanti, Tácito de Almeida e Mário de Andrade, integra Ferro e sua esposa Fernanda de Castro na longa Semana de Arte Moderna, que se estende pelo resto de 1922 e 1923. Como explicar esta acolhida de um vanguardista português por estes escritores modernistas no Brasil e em Klaxon em particular nos anos heroicos do modernismo paulista?

É certo que Menotti del Picchia e José Lins do Rego se ligam ao integralismo brasileiro, levando adiante alguns dos múltiplos ideários apresentados em 1922, sublinhando o seu proto-totalitarismo. Retrospectivamente ciente das posições políticas do diretor do SPN e do Secretariado Nacional de Informação (SNI) da ditadura salazarista, podemos entender que a visão de mundo totalitária, a utilização dos meios de comunicação na propaganda política e o nacionalismo literário podem ter gerado afinidades entre Ferro e alguns daqueles modernistas que o recepcionaram em sua viagem ao Brasil.

Outra afinidade entre o excluído de Orpheu e os nossos modernistas, que se evidenciaria no curso de suas carreiras de intelectuais, conforme Miceli (1979) para o modernismo brasileiro, é o jornalismo e sobretudo a integração no funcionalismo público do respectivo estado-novo, no Brasil ou em Portugal. António Ferro, à frente do SPN, equivale a Gustavo Capanema, que “cooptou” os nossos modernistas para trabalharem no Ministério de Cultura e Saúde Pública, colaborando com a ditadura de Getúlio Vargas. Drummond, amigo de infância do célebre ministro, junto a outros intelectuais de sua confiança, como Augusto Meyer e Abgar Renault, chefiou o seu gabinete durante o Estado Novo, aposentando-se no funcionalismo público (MICELI, 1979: 178). José Lins do Rego foi funcionário do Ministério da Fazenda desempenhando outras funções no serviço público junto ao Conselho Nacional de Desportos.6 Ronald Carvalho dirige a Secretaria de Propaganda do Ministério da Educação e Saúde de Capanema.

Há, com efeito, uma terceira explicação para a inclusão de Ferro no modernismo brasileiro. Os múltiplos meios de comunicação interligados no projeto de Klaxon, desde os extratextos com gravuras de artistas plásticos a colunas sobre cinema e música,

Importar imagen 6 Ver “Quadro V – Origem social, Trunfos/Handcaps e Carreira” apud Miceli (1979: 96-97).

assinadas por Mario de Andrade, sem dúvida, contaram na recepção klaxista de Ferro. A sua forma de expressão no manifesto “Nós”, a performance das suas conferências, a linguagem paradoxal de seus discursos e o projeto vanguardista que explorava a arte da tipografia foram os fatores preponderantes para a sua inclusão como vanguardista português nos anos heroicos do modernismo brasileiro.

“Nós” e A Idade do Jazz-Band são reveladores do vanguardismo ditatorial do futuro diretor do SPN, que subverte algumas imagens emblemáticas de sua geração, por meio da performance do pensamento autoritário e alienador. Esta atitude parece ir ao encontro da célebre máxima de Valery: Le lion est fait de mouton assimilé e da antropofagia de Oswald de Andrade. Tal se revela em A Idade do Jazz-Band não só no uso do tópico modernista “a Hora”, mas em referências à pátria subjetiva, na preferência pela “minha aldeia”, no elogio futurista ao bailado russo, mas também no uso de um verso de Dispersão, ao intitular o livro de poemas Saudades de mim, publicado postumamente. A primeira frase de A Idade do Jazz-Band é bom exemplo:

Eu vivo na minha Época como vivo na minha pátria, como vivo dentro de

mim. A minha Época sou eu, somos todos nós, os minutos da hora, desta hora

febril, desta hora dançada, desta Hora-Ballet-Russe, em que os ponteiros do relógio ora são braços de mulher esguia, ora são pernas de bailarina magra dançando nos algarismos que, no mostrador, indicam as étapes do tempo, como se dançassem na neve – sobre punhais... (FERRO, 1923: 35).

Tanto na propaganda estado-novista (Fig. 1), a fim de integrá-la em sua política do espírito, como no manifesto de Klaxon, e na sua conferência carro-chefe, Ferro manipulou a expressão “a Hora” como tópico vanguardista.

No manifesto que abre Klaxon 3 Ferro “alimenta-se” de Mário de Andrade – “Somos os religiosos da Hora. Cada verso – uma cruz, cada palavra – uma gota de sangue” (FERRO, 1922/2013: 1),7 para propagar, ainda que tardiamente, o futurismo de Marinetti, de 1909. “Nós” dramatiza, numa cena de comício, a relação ditatorial entre o “Eu” e a “Multidão”, para o dizer com Os Lusíadas, “surda e endurecida”. Na sua estrutura dramática está representada tipograficamente, conforme a estética futurista, a manipulação dos meios de comunicação nos regimes de força.

“Nós” ficciona um comício que comemora a vida das elites intelectuais e o seu descaso pela multidão, pelos “etceteras da vida”, isto é, pelos excluídos do futurismo. O Eu, acompanhando-se de uma primeira pessoa do plural composta de referências artísticas contraditórias, como tem ressaltado a crítica, fala a uma Multidão que se apresenta não persuadida, pois nem sequer consegue ouvir o seu discurso. À crescente rejeição ao Eu e a suas ideias, este se impõe como quem pretende atender ao pedido da multidão de elevar o tom: “Não se ouve nada...; Não percebemos, não percebemos... Endoideceram? Falem mais alto...; Mais alto, mais alto ainda...; Não se ouve bem...”. Da primeira até a última, os tipos da fala do Eu aumentarem progressivamente manifesta o investimento gráfico na imagem ditatorial, pela representação da altura crescente da voz do ditador da Arte futurista. É clara a progressão do desacordo: “A Multidão: Mas que desejam? Falem mais claro... EU: A Grande Guerra, a Guerra na arte! [...] Multidão: Doidos varridos!”. É só na última fala que esta apostrofa uma pessoa no singular, dirigindo-se ao Eu, chamando-lhe: “Insolente! Insolente! Vamos bater-lhe...” (FERRO, 1922/2013: 2).

Tal inversão de papéis, em que o discurso do ditador não molda a multidão a seu favor, mas é ameaçado por ela, não é uma crítica ao autoritarismo. Na sua penúltima fala,

em negrito, o Eu se afina pelo ideário totalitário na sua versão menos propagandística, ou

pré-política do espírito, ainda lançando mão da imagem estrutural e solar de a “Hora oficial do Universo” para manifestar o seu desprezo elitista à plebe: “Eu / Morram, morram vocês, ó etceteras da Vida!... Viva eu, viva EU, viva a Hora que passa.

Nos somos a Hora oficial do Universo: meio dia em ponto com o sol a prumo! E na última, identifica-se: Eu / António Ferro” (Negrito do autor, FERRO, 1922/2013: 2). Este pensamento o exprime em sua Teoria da Indiferença (1921) referindo-se a si mesmo como um terceiro: “A alma de Antonio Ferro é um cartaz espantando a multidão”, no Prefácio do autor à 2ª edição.

Além do flerte com o autoritarismo futurista, a performance no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Recife d’A Idade do Jazzband provocou a sua recepção como vanguardista em 1922, justamente por sua linguagem cênica e pela desarticulação de pensamento provocada pela sua linguagem paradoxal.

Oswald de Andrade, que manifestará ideias políticas bem diversas (MICELI 1979: 22), em 1924, de Paris, em carta ao amigo pessoal, confessava:

A Idade do Jazz-Band, realizada nas principais cidades do Brasil, abriu lá um respiradouro por onde entraram os barulhos desarticulados da nova Europa,

tão necessários à alma dos nossos dias desportivos e – oh ironia! Tão americanos. // A sua estadia entre nós deu apoio à atitude iniciada pelos modernistas de São Paulo perante os volúveis letrados da capital. Sem você [...] estaríamos mais atrasados. [...] A formosa reação que você produz, desarticulando a sua linguagem, dando-lhe molas imprevistas, fazendo-a agir como um acrobata cinemático, produzindo efeitos desconhecidos de simultaneismo, de dinamismo [...] (Apud SARAIVA, 1986: 68-70).

Na conferência, Ferro ensinava a senhoras brasileiras uma noção mais ampla da modernidade, incluindo nela a toilette e as danças preferidas das mulheres, como o tango, o foxtrot, o one step, o maxixe, o schimmy, a fim de defender a palavra cotidiana dos modernistas:

Mal sabem as mulheres, as mulheres de hoje que tanto desconfiam dos modernistas e que tanto admiram certos escritores de alma empoada e falsa, como elas próprias estão influenciadas pela arte moderna, pela arte que elas

fingem detestar... Desde as suas toilettes barioladas, fogueteadas,

incandescentes, às danças modernas que elas preferem [...] (FERRO, 1923:

A performance de A Idade do Jazz-Band foi precedida de apresentações do conferencista ao público brasileiro: Carlos Malheiro Dias, Ronald Carvalho, Guilherme de Almeida introduziram-no de modo educadamente crítico. A conferência, concluída pelo solo de um bombo, não era propriamente sobre o jazz-band, mas sim entrecortada por sessões de um jazz-band real, que entrava em cena em três momentos, interrompendo a fala do conferencista. Na segunda entrada, a palavra “náufrago” não chega a ser pronunciada, pois a música irrompe. Como já se observou, Ferro não conseguiu passar sem a ironia de Guilherme de Almeida: “[E]ste criador constante de belezas inverossímeis vai falar sobre A Idade do Jazz-Band. // Isto quer dizer que ele vai falar de si próprio e da sua arte [...] um jazz-band autêntico, mas [...] civilizado, modernizado, estilizado, filtrado pela Broadway, um Jazz-band bem Tio Sam [...]” (Apud SARAIVA, 1986: 65). Na correspondência entre Fernando Pessoa e Ronald Carvalho, para a preparação do número 1 de Orpheu, a heteronímia é “escultura de máscaras” usadas pelo “esquisito” Fernando Pessoa.

. O brasileiro que dirigiu e colaborou em Orpheu 1, ao introduzir António Ferro, procurou entender a sua concepção da arte como ficção: “artifício com que inventamos uma realidade diferente daquela que nos depara a natureza. Ele mesmo nos previne que “a Arte é a mentira da vida” ’ (Apud SARAIVA, 1986: 61). Ronald, no Trianon do Rio, a 21 de junho de 1922, antes de ser publicado o número 3 de Klaxon, a 15 de julho, no limite, entende que tal conceito exprime a arte como performance perturbadora e sensual:

Vereis como é estonteante, vibrátil, única, a tapeçaria de símbolos, ideias e imagens que ele vai desenrolar diante dos vossos olhos. Atendei, entretanto. As suas estátuas, os seus frisos, as suas formas não são de metal nem de pedra, mas de carne, de carne palpitante, de sangue vivo, generoso, que jorra, que embriaga, que alucina como um vinho esquisito e sensual, – vinho que sabe a carmim, a bocas voluptuosas, a beijos perturbadores (Apud SARAIVA, 1986: 65).

Na performance talvez esteja a chave da excelente recepção de Ferro entre os modernistas brasileiros como poeta e escritor de vanguarda. Em bilhete que copiei nos arquivos de IEB, a Mário de Andrade, 22 de Maio de 1923, Ribeiro Couto, com mais

perspicácia, o evidencia ao opor criticamente o Ferro conferencista de sucesso ao escritor menos entusiasmante: “A sério? V. acredita no António Ferro? V. leu (ainda a sério) a Idade do Jazz de banda? [. ] O que há de melhor no António Ferro – conferencista”. E

com amarga ironia: “E eu que o admirava tanto antes de lê-lo” (Ruy Ribeiro Couto a Mário de Andrade, 22/6/1923, Arquivo IEB/USP. Cota: MA-C-CPL2343). Que a recepção entre os brasileiros serviu para lhe conferir autoconfiança, deixa claro no discurso “Dez anos de política do espírito (1933-1943)”: “Tinha ido ao Brasil, obra prima da nossa raça, que me fez pensar com o maior respeito, e até com maior fé, em mim próprio” (FERRO, 1943: 11).

A boa acolhida desta conferência e de António Ferro no Brasil também se estende aos críticos modernistas brasileiros. Li A Idade do Jazz-Band no exemplar que pertenceu a Rubens Borba de Moraes, autografado por Ferro, depositado na Biblioteca Mindlin, cuja dedicatória, transcrevo:

A Rubens de Morais

– Ao seu admirável talento de crítico moderno,

A Idade do Jazz-Band

oferece,

com estima e admiração, o

António Ferro [20]- 1.923.

Dentro do livrinho foram preservados dois cartões, um agradecendo a acolhida camarada e o convite para a festa de despedida do casal português: “ANTÓNIO FERRO

60 Importar tabla

/ agradece ao seu bom amigo toda a camaradagem que lhe dispensou durante a sua permanência em S. Paulo e apresenta os seus cumprimentos de despedida”. E outro maior: “Fernanda de Castro Ferro e António Ferro / Têm o prazer de convidar o seu bom amigo para a sua Festa de Despedida e pedem-lhe o favor de procurar colocar os dois bilhetes juntos, sem compromisso”. A BBM abriga dois exemplares e a do IEB mais dois10desta conferência impressa ainda em 1923 pela Monteiro Lobato & CO. Editores, a fim de aproveitar o sucesso de António Ferro no Brasil11.

2) António Ferro na longa Semana de Arte Moderna

Se António Ferro, apesar do “notabilíssimo” Almada Negreiros (Fig. 3) desenhar para a Revista do SPN, apesar dos esforços de seu filho António Quadros e, na expressão de José Barreto, panegirista, e malgrado a sua colaboração em revistas modernistas como Exílio (1916) e Contemporânea (1923), está fora de Orpheu como autor e poeta, a sua inclusão no modernismo brasileiro como escritor é ressaltada tanto pela penúltima revista, quanto pelos estudiosos dos anos heroicos do modernismo paulista.

Se do ponto de vista de Orpheu e da revolução artística que implicava, como mostrou José Barreto, Ferro foi recebido de maneira excludente, o mesmo não ocorreu em sua recepção entre os modernistas brasileiros. Em 1922 e 1923, Antonio Ferro estabelece uma série de relações duradouras com os modernistas heroicos: o seu manifesto “Nós” é lançado no terceiro número de Klaxon, a 15 de julho de 1922 por

sugestão de Sergio Buarque de Holanda a Mario de Andrade: “Pedi ao Antonio Ferro qualquer cousa para Klaxon. Ele deu um manifesto publicado em Portugal e que nunca saiu em revista. Para nós ele é de toda oportunidade” (Apud CARDOSO E SILVA, 2013: 393). Oswald de Andrade, cuja obra toma a de Ferro como interlocutora, conforme a análise dos estudiosos da matéria (Saraiva/Jackson), em 1923, chega a lhe comunicar num bilhete postal que, em Paris, o “Nós” ganhara elogios: “O seu manifesto, em Klaxon, causou aqui bela impressão” (SARAIVA, 1986: 63). Em carta a Mario de Andrade sobre Klaxon, Di Cavalcanti, noticiando a presença do português no Rio, aponta para a afinidade entre Ferro e Oswald, “homem que ele [Di Cavalcante] ama: O Dr. Antonio Ferro está aqui, é gordo, mora no Palace, parece-[se] consequentemente com o Oswaldo” (Apud CARDOSO E SILVA, 2013: 379). A correspondência de 1922 entre os modernistas do Rio e de São Paulo publicada recentemente na revista Remate de males, por Ana Maria Formoso Cardoso e Silva, sobre o mensário paulista Klaxon, revela a intenção de incluir Antonio Ferro, como no trecho da carta de Tácito de Almeida a Sérgio Buarque de Holanda: “Klaxon fará sem dúvida o possível por conseguir um olhar bem amoroso do esplêndido português” (Apud CARDOSO E SILVA, 2013: 397).

Os modernistas brasileiros leram António Ferro, que “já aqui estava quando cá

chegou”.1 Leram os livros escritos durante os anos que separam Orpheu da Semana de 22, como As grandes trágicas do silêncio, primeira conferência em Portugal sobre cinema mudo ou animatógrafo, enfocando três atrizes italianas; A Teoria da Indiferença, Leviana, entre outros. Mar Alto2 recebeu a atenção de jornais cariocas e paulistas, assim como as conferências proferidas em várias cidades brasileiras; A Idade do Jazz-Band, A Arte de

Bem Morrer3 e As Mulheres e a Literatura.4 Em setembro de 1922, a nota do número 5 de Klaxon é surpreendentemente reveladora de que o excluído de Orpheu foi recebido como autor de chistes entre os de Klaxon. Trata-se do primeiro parágrafo da seção LUZES & REFRAÇÕES:

Está entre nós o escritor portuguez António Ferro. Ao autor dessa adorável ‘LEVIANA’ offereceram os Klaxistas um jantar. Houve alegria, amizade, discursos e trocadilhos. Num dos momentos um dos convivas escreveu no cardápio: ‘S. Paulo precisa importar ferro’. Ao que o homenageado imediatamente respondeu: ‘porque Ferro se importa com S. Paulo’. O céu escureceu. A terra tremeu. E muitos mortos ressuscitaram (Klaxon 5, 1922).5

Na última página de Klaxon 5, aparecem outras referências a Ferro definitivamente integrado aos klaxistas: “[...] António Ferro. [...] É a Família de Klaxon que cresce e se confirma. [...] representa Portugal culto e é Klaxista. [...] nas luzes de um hall, é a serenata de Portugal. É bello. Ao meio-dia, é possante, agressivo, trepidante como

um Klaxon” (Klaxon 5, 1922),

A palavra “claxon”, grafada à francesa, com “c”, e não à americana, com “k”, em

A Idade do Jazz-Band, aproxima o nome da revista e o jazz-band: “O jazz-band vive do ‘Claxon de la grosse caisse et du sifflet’”, como do lado masculino do jazz-band: “O jazz- band é homem no “claxon”, nos assobios e no bombo, e mulher nas cordas gemedoras dos “banjos”, concluindo que “O jazz-band é, portanto, toda a natureza humana!” (FERRO, 1923: 70).

A performance vanguardista e elétrica de António Ferro assim como o paradoxo das suas ideias despertaram: o interesse de Ronald Carvalho, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia; o encanto de Carlos Drummond de Andrade com “o cavalheiro gordo, esparramado sobre uma cadeira”, “na livraria Morais”, no centro de Belo Horizonte, em fevereiro de 1923, que o levou a escrever para o Diário de Minas “A Alma

Tumultuosa de António Ferro” (SARAIVA, 1986: 73-76); a compreensão de José Lins do Rego, cujo artigo de apresentação, no Jornal do Recife, a 2 de abril de 1923, intitula- se “Embaixador do paradoxo” (SARAIVA, 1986: 77-80), e a amizade e admiração literária de Oswald Andrade. A correspondência em torno da colaboração de Ferro em Klaxon, mobilizando Sergio Buarque de Holanda, Di Cavalcanti, Tácito de Almeida e Mário de Andrade, integra Ferro e sua esposa Fernanda de Castro na longa Semana de Arte Moderna, que se estende pelo resto de 1922 e 1923. Como explicar esta acolhida de um vanguardista português por estes escritores modernistas no Brasil e em Klaxon em particular nos anos heroicos do modernismo paulista?

É certo que Menotti del Picchia e José Lins do Rego se ligam ao integralismo brasileiro, levando adiante alguns dos múltiplos ideários apresentados em 1922, sublinhando o seu proto-totalitarismo. Retrospectivamente ciente das posições políticas do diretor do SPN e do Secretariado Nacional de Informação (SNI) da ditadura salazarista, podemos entender que a visão de mundo totalitária, a utilização dos meios de comunicação na propaganda política e o nacionalismo literário podem ter gerado afinidades entre Ferro e alguns daqueles modernistas que o recepcionaram em sua viagem

ao Brasil.

Outra afinidade entre o excluído de Orpheu e os nossos modernistas, que se evidenciaria no curso de suas carreiras de intelectuais, conforme Miceli (1979) para o modernismo brasileiro, é o jornalismo e sobretudo a integração no funcionalismo público do respectivo estado-novo, no Brasil ou em Portugal. António Ferro, à frente do SPN, equivale a Gustavo Capanema, que “cooptou” os nossos modernistas para trabalharem no Ministério de Cultura e Saúde Pública, colaborando com a ditadura de Getúlio Vargas. Drummond, amigo de infância do célebre ministro, junto a outros intelectuais de sua confiança, como Augusto Meyer e Abgar Renault, chefiou o seu gabinete durante o Estado Novo, aposentando-se no funcionalismo público (MICELI, 1979: 178). José Lins do Rego foi funcionário do Ministério da Fazenda desempenhando outras funções no serviço público junto ao Conselho Nacional de Desportos.6 Ronald Carvalho dirige a Secretaria de Propaganda do Ministério da Educação e Saúde de Capanema.

Há, com efeito, uma terceira explicação para a inclusão de Ferro no modernismo brasileiro. Os múltiplos meios de comunicação interligados no projeto de Klaxon, desde os extratextos com gravuras de artistas plásticos a colunas sobre cinema e música,

assinadas por Mario de Andrade, sem dúvida, contaram na recepção klaxista de Ferro. A sua forma de expressão no manifesto “Nós”, a performance das suas conferências, a linguagem paradoxal de seus discursos e o projeto vanguardista que explorava a arte da tipografia foram os fatores preponderantes para a sua inclusão como vanguardista português nos anos heroicos do modernismo brasileiro.

“Nós” e A Idade do Jazz-Band são reveladores do vanguardismo ditatorial do futuro diretor do SPN, que subverte algumas imagens emblemáticas de sua geração, por meio da performance do pensamento autoritário e alienador. Esta atitude parece ir ao encontro da célebre máxima de Valery: Le lion est fait de mouton assimilé e da antropofagia de Oswald de Andrade. Tal se revela em A Idade do Jazz-Band não só no uso do tópico modernista “a Hora”, mas em referências à pátria subjetiva, na preferência pela “minha aldeia”, no elogio futurista ao bailado russo, mas também no uso de um verso de Dispersão, ao intitular o livro de poemas Saudades de mim, publicado postumamente. A primeira frase de A Idade do Jazz-Band é bom exemplo:

Eu vivo na minha Época como vivo na minha pátria, como vivo dentro de

mim. A minha Época sou eu, somos todos nós, os minutos da hora, desta hora

febril, desta hora dançada, desta Hora-Ballet-Russe, em que os ponteiros do relógio ora são braços de mulher esguia, ora são pernas de bailarina magra dançando nos algarismos que, no mostrador, indicam as étapes do tempo, como se dançassem na neve – sobre punhais... (FERRO, 1923: 35).

Tanto na propaganda estado-novista (Fig. 1), a fim de integrá-la em sua política do espírito, como no manifesto de Klaxon, e na sua conferência carro-chefe, Ferro manipulou a expressão “a Hora” como tópico vanguardista.

No manifesto que abre Klaxon 3 Ferro “alimenta-se” de Mário de Andrade – “Somos os religiosos da Hora. Cada verso – uma cruz, cada palavra – uma gota de sangue” (FERRO, 1922/2013: 1),7 para propagar, ainda que tardiamente, o futurismo de Marinetti, de 1909. “Nós” dramatiza, numa cena de comício, a relação ditatorial entre o “Eu” e a “Multidão”, para o dizer com Os Lusíadas, “surda e endurecida”. Na sua estrutura dramática está representada tipograficamente, conforme a estética futurista, a manipulação dos meios de comunicação nos regimes de força.

“Nós” ficciona um comício que comemora a vida das elites intelectuais e o seu descaso pela multidão, pelos “etceteras da vida”, isto é, pelos excluídos do futurismo. O Eu, acompanhando-se de uma primeira pessoa do plural composta de referências artísticas contraditórias, como tem ressaltado a crítica, fala a uma Multidão que se apresenta não persuadida, pois nem sequer consegue ouvir o seu discurso. À crescente rejeição ao Eu e a suas ideias, este se impõe como quem pretende atender ao pedido da multidão de elevar o tom: “Não se ouve nada...; Não percebemos, não percebemos... Endoideceram? Falem mais alto...; Mais alto, mais alto ainda...; Não se ouve bem...”. Da primeira até a última, os tipos da fala do Eu aumentarem progressivamente manifesta o investimento gráfico na imagem ditatorial, pela representação da altura crescente da voz do ditador da Arte futurista. É clara a progressão do desacordo: “A Multidão: Mas que desejam? Falem mais claro... EU: A Grande Guerra, a Guerra na arte! [...] Multidão: Doidos varridos!”. É só na última fala que esta apostrofa uma pessoa no singular, dirigindo-se ao Eu, chamando-lhe: “Insolente! Insolente! Vamos bater-lhe...” (FERRO, 1922/2013: 2).

Tal inversão de papéis, em que o discurso do ditador não molda a multidão a seu favor, mas é ameaçado por ela, não é uma crítica ao autoritarismo. Na sua penúltima fala,

em negrito, o Eu se afina pelo ideário totalitário na sua versão menos propagandística, ou

pré-política do espírito, ainda lançando mão da imagem estrutural e solar de a “Hora oficial do Universo” para manifestar o seu desprezo elitista à plebe: “Eu / Morram, morram vocês, ó etceteras da Vida!... Viva eu, viva EU, viva a Hora que passa. Nós

somos a Hora oficial do Universo: meio dia em ponto com o sol a prumo! E na última, identifica-se: Eu / António Ferro” (Negrito do autor, FERRO, 1922/2013: 2). Este pensamento o exprime em sua Teoria da Indiferença (1921) referindo-se a si mesmo como um terceiro: “A alma de Antonio Ferro é um cartaz espantando a multidão”, no Prefácio do autor à 2ª edição.

Além do flerte com o autoritarismo futurista, a performance no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador e Recife d’A Idade do Jazzband provocou a sua recepção como vanguardista em 1922, justamente por sua linguagem cênica e pela desarticulação de pensamento provocada pela sua linguagem paradoxal.

Oswald de Andrade, que manifestará ideias políticas bem diversas (MICELI 1979: 22), em 1924, de Paris, em carta ao amigo pessoal, confessava:

A Idade do Jazz-Band, realizada nas principais cidades do Brasil, abriu lá um respiradouro por onde entraram os barulhos desarticulados da nova Europa,

tão necessários à alma dos nossos dias desportivos e – oh ironia! Tão americanos. // A sua estadia entre nós deu apoio à atitude iniciada pelos modernistas de São Paulo perante os volúveis letrados da capital. Sem você [...] estaríamos mais atrasados. [...] A formosa reação que você produz, desarticulando a sua linguagem, dando-lhe molas imprevistas, fazendo-a agir como um acrobata cinemático, produzindo efeitos desconhecidos de simultaneismo, de dinamismo [...] (Apud SARAIVA, 1986: 68-70).

Na conferência, Ferro ensinava a senhoras brasileiras uma noção mais ampla da modernidade, incluindo nela a toilette e as danças preferidas das mulheres, como o tango, o foxtrot, o one step, o maxixe, o schimmy, a fim de defender a palavra cotidiana dos modernistas:

Mal sabem as mulheres, as mulheres de hoje que tanto desconfiam dos modernistas e que tanto admiram certos escritores de alma empoada e falsa, como elas próprias estão influenciadas pela arte moderna, pela arte que elas

fingem detestar... Desde as suas toilettes barioladas, fogueteadas,

58 incandescentes, às danças modernas que elas preferem [...] (FERRO, 1923: 62)

A performance de A Idade do Jazz-Band foi precedida de apresentações do conferencista ao público brasileiro: Carlos Malheiro Dias, Ronald Carvalho, Guilherme de Almeida introduziram-no de modo educadamente crítico. A conferência, concluída pelo solo de um bombo, não era propriamente sobre o jazz-band, mas sim entrecortada por sessões de um jazz-band real, que entrava em cena em três momentos, interrompendo a fala do conferencista. Na segunda entrada, a palavra “náufrago” não chega a ser pronunciada, pois a música irrompe. Como já se observou, Ferro não conseguiu passar sem a ironia de Guilherme de Almeida: “[E]ste criador constante de belezas inverossímeis vai falar sobre A Idade do Jazz-Band. // Isto quer dizer que ele vai falar de si próprio e da sua arte [...] um jazz-band autêntico, mas [...] civilizado, modernizado, estilizado, filtrado pela Broadway, um Jazz-band bem Tio Sam [...]” (Apud SARAIVA, 1986: 65). Na correspondência entre Fernando Pessoa e Ronald Carvalho, para a preparação do número 1 de Orpheu, a heteronímia é “escultura de máscaras” usadas pelo “esquisito” Fernando

Pessoa8. O brasileiro que dirigiu e colaborou em Orpheu 1, ao introduzir António Ferro, procurou entender a sua concepção da arte como ficção: “artifício com que inventamos uma realidade diferente daquela que nos depara a natureza. Ele mesmo nos previne que “a Arte é a mentira da vida” ’ (Apud SARAIVA, 1986: 61). Ronald, no Trianon do Rio, a 21 de junho de 1922, antes de ser publicado o número 3 de Klaxon, a 15 de julho, no limite, entende que tal conceito exprime a arte como performance perturbadora e sensual:

Vereis como é estonteante, vibrátil, única, a tapeçaria de símbolos, ideias e imagens que ele vai desenrolar diante dos vossos olhos. Atendei, entretanto. As suas estátuas, os seus frisos, as suas formas não são de metal nem de pedra, mas de carne, de carne palpitante, de sangue vivo, generoso, que jorra, que embriaga, que alucina como um vinho esquisito e sensual, – vinho que sabe a carmim, a bocas voluptuosas, a beijos perturbadores (Apud SARAIVA, 1986: 65).

Na performance talvez esteja a chave da excelente recepção de Ferro entre os

modernistas brasileiros como poeta e escritor de vanguarda.9 Em bilhete que copiei nos

arquivos do IEB, a Mário de Andrade, de 22 de maio de 1923, Ribeiro Couto, com

perspicácia, o evidencia ao opor criticamente o Ferro conferencista de sucesso ao escritor menos entusiasmante: “A sério? V. acredita no António Ferro? V. leu (ainda a sério) a Idade do Jazz de banda? [. ] O que há de melhor no António Ferro – conferencista”. E

com amarga ironia: “E eu que o admirava tanto antes de lê-lo” (Ruy Ribeiro Couto a Mário de Andrade, 22/6/1923, Arquivo IEB/USP. Cota: MA-C-CPL2343). Que a recepção entre os brasileiros serviu para lhe conferir autoconfiança, deixa claro no discurso “Dez anos de política do espírito (1933-1943)”: “Tinha ido ao Brasil, obra prima da nossa raça, que me fez pensar com o maior respeito, e até com maior fé, em mim próprio” (FERRO, 1943: 11).

A boa acolhida desta conferência e de António Ferro no Brasil também se estende aos críticos modernistas brasileiros. Li A Idade do Jazz-Band no exemplar que pertenceu a Rubens Borba de Moraes, autografado por Ferro, depositado na Biblioteca Mindlin, cuja dedicatória, transcrevo:

A Rubens de Morais

– Ao seu admirável talento de crítico moderno,

A Idade do Jazz-Band

oferece,

com estima e admiração, o

António Ferro [20]- 1.923.

Dentro do livrinho foram preservados dois cartões, um agradecendo a acolhida camarada e o convite para a festa de despedida do casal português: “ANTÓNIO FERRO

/ agradece ao seu bom amigo toda a camaradagem que lhe dispensou durante a sua permanência em S. Paulo e apresenta os seus cumprimentos de despedida”. E outro maior: “Fernanda de Castro Ferro e António Ferro / Têm o prazer de convidar o seu bom amigo para a sua Festa de Despedida e pedem-lhe o favor de procurar colocar os dois bilhetes juntos, sem compromisso”. A BBM abriga dois exemplares e a do IEB mais dois10desta conferência impressa ainda em 1923 pela Monteiro Lobato & CO. Editores, a fim de aproveitar o sucesso de António Ferro no Brasil11.

3) A política do espírito, o futurismo e o folclore oficiais

A atuação na ditadura salazarista levou António Ferro a renegar a sua juventude modernista, no conhecido discurso de comemoração do decanato do SPN, em que sublinha o resgate da cultura popular na sua política do espírito:

Eu sei que vanguardismo (detesto a palavra modernismo) e internacionalismo são duas palavras que andam quase sempre juntas. Mas para conseguir o seu divórcio bastará continuar o que temos feito: trabalhar pelo renascimento da nossa arte popular, audaciosa e livre, sem dar por isso, através dos tempos, oferta de motivos rasgados, amplos, originais à imaginação dos artistas portugueses de temperamento inquieto, bem mais apaixonantes do que as abstrações geométricas, que tiveram, aliás, o seu papel, dos primeiros cubistas (FERRO, 1943: 18).

Critica os de Orpheu e a Idade do Jazzband:

[Eu] tinha um passado suspeito de vanguardista iconoclasta, de louco perigoso. Fôra o editor de ‘Orfeu’, revista dirigida por Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa, mas onde também colaborara um internado de Rilhafoles. No Brasil realizara uma conferência com um ‘jazz-band’ em cena. Era o autor da ’Teoria da Indiferença’, preocupado livrinho de máximas mínimas dos meus vinte e poucos anos. Ainda não estava esquecido o terrível escândalo de Mar alto, uma das maiores tempestades do velho Teatro de S.Carlos... (FERRO, 1943: 18).

Em 1932, na primeira entrevista a Salazar, num passeio de automóvel por Lisboa, pela emulação da relação entre Marinetti e Mussolini, esboçara a política do espírito, idealizando o SPN, os prêmios literários e de artes plásticas, afirmando a ideologia colonialista: “O aumento das nossas possibilidades colonizadoras com a moda, que

julgamos eterna, da palavra Império” (FERRO, 1935: 6).

Figura 2: O Império Português
Figura 2: O Império Português
Foto: Mariana Pacor. Fonte: Revista do SPN, Casa de Portugal, 1934.

Mário de Andrade a Osório considera “lindo o ‘Império Português’” (Fig. 2), “palavras cheias de membruda sexualidade” (SARAIVA, 1986: 102). Ao negar o corpo e o tema erótico,

Política do espírito, resumindo, somando, é, portanto, aquela que procura proteger todos os criadores da Beleza não só estimulando os a produzir obras de arte mas também preparando-lhes aquela atmosfera moral em que o Espírito seja Espírito, minhas senhoras e meus senhores, seja a vitória do Espírito (FERRO, 1935: 8).

Desde 1932, “A nossa posição está, portanto, marcada: Inquietos, sim, mas não viciosos! Artistas mas não criminosos” (FERRO 1935: 12). “[...] o romance pode ser vivo, humano, eterno, sem descer, por simples prazer ou turismo, a certas baixezas com que nada lucram nem a Vida nem a Arte” (FERRO 1935: 14). Tal discurso moralista para quem escreveu Mar Alto, Leviana, Colette Collette/Willy, Colette, obriga ao esclarecimento:

Quero responder, agora, [...] àqueles que me estão ouvindo cá dentro e, sobretudo, lá fora, lembrando-se, com ironia, de certas obras dos primeiros anos da minha carreira literária, que podem contradizer singularmente as minhas ideas e os meus sentimentos de hoje, [usando o] argumento duma peça de Luigi Pirandello, intitulado ’Trovarsi’ [:] ’Esse fui eu, mas não sou eu!’ (FERRO, 1943: 15)

Elucida, então, o humanismo futurista-cristão salazarista: “Quere isso dizer que renuncio, e deixo de estar na vanguarda? Iludem-se ou fingem iludir-se os que tal pensam. Sinto-me na vanguarda como nunca, numa vanguarda que vai para além do presente e se situa no futuro”. “[P]erfeitamente à vontade dentro daquela vanguarda literária que não deseja a morte do Homem mas a sua renascença, uma vanguarda de aleluia e não de trevas!...” , “[considera] esta vanguarda anti-moderna contra os erros do presente e ultra moderna por todas as verdades que se contém no futuro” (FERRO, 1943:17).

Nós não defendemos uma vida fria, parada, claustral, como não queremos uma literatura sêca, doentia, cheia de cilícios! O que defendemos – e defenderemos sempre – é uma vida saudável e uma arte saudável! A morbidez, o vício, o amoralismo são a morte do homem, a sua decomposição. Contra essa decomposição, contra essa alegria macabra de morrer, alegria suicida, ergamos o protesto na noite de hoje, minhas senhoras e meus senhores, da nossa alegria de viver (FERRO, 1943: 17).

As vanguardas futuristas legitimaram os ditadores também no Império português. A política do espírito é a arte do ditador moldando a opinião pública. Como conferencista e escritor de vanguarda, e como diretor do SPN, na propaganda política do salazarismo, explorou a expressão em linguagem cotidiana, a arte tipográfica e o folclore. A Ferro (1949: 216), em 1938, Salazar questiona se transformar artistas e escritores em funcionários públicos” é “proibí-los de criar” (FERRO, 1949: 215), mas o Estado não é a “causa da actual decadência da Arte e da Literatura”, e sim a “feição da vida” contemporânea, pois “só o Estado se nos apresenta com meios para substituir, ainda que deficientemente os antigos mecenas”, dando utilidade social à arte popular e ao folclore.

Figura 3: Almada reinventa folclore português para SPN.
Figura 3: Almada reinventa folclore português para SPN.
Foto: Mariana Pacor. Fonte: Revista do SPN, Casa de Portugal, 1934.

4) Amigos portugueses de Mário de Andrade

José Osório de Oliveira e Mário de Andrade se conheceram em 1923, quando a mãe do primeiro, Ana de Castro Osório, o incumbiu de cuidar da sua livraria paulista e de a acompanhar ao Brasil para comemorar o centenário da independência, proferindo a série de palestras reunidas em A Grande Aliança (1924), cujo fim era defender a cultura luso-brasileira ameaçada pela germanofilia crescente no sul do Brasil e em São Paulo. Se então Osório não se considerava maduro para aproveitar a amizade de Mário de Andrade, na carta de 9 de abril de 1934, propõe uma interlocução intelectual e afetiva:

A sua amizade intelectual é das que mais ambicionava. Espero que a minha próxima ida ao Brasil transforme essa amizade em estima completa, intelectual e pessoal. O nosso encontro há dez anos não podia deitar raízes: eu era muito novo e não sabia ainda aprofundar. Parecerei talvez vaidoso,mas espero, ou quero pelo menos, cimentar consigo os alicerces duma firme comunhão espiritual (9/4/1934, Arquivo IEB/USP, Cota: MA-C-CPL5530).

Na sua qualidade de luso-brasileiro, que viveu dois anos em São Paulo, no início da adolescência, quando seu pai foi cônsul português, de 1912 a 1914, Osório tem duas pátrias, como explica Mário de Andrade, no artigo do Diário de São Paulo, “José Osório de Oliveira”, de 9 de junho de 1934. Para o modernista é um “sofrimento lindo” o “luso- brasileirismo” daquele “voluptuoso do pensamento”. A descoberta simultânea deste traço psicológico do luso-brasileiro surpreende os dois amigos. Apesar das diferentes denotações que cada um constrói para os termos “pátria”, “nacional”, “nacionalismo” na sua correspondência, é feita a defesa do “mundo que o português criou”, cultura ameaçada no Brasil pelo pan-americanismo e pela imigração tardia europeia, e nipônica.

Iniciada pelo brasileiro, esta correspondência, de 1932 a 1943, inédita no que tange às cartas de Osório,12 fornece abundante material para o estudo das interlocuções poéticas Brasil-Portugal no modernismo paulista: poéticas, no sentido largo, abarcando a série de manifestações artísticas eruditas e/ou das classes não privilegiadas: música, canto, literatura, poesia, dança, teatro, festas religiosas e cívicas, xilogravura etc., mas também no sentido restrito, abordando alguns lugares comuns da lírica culta portuguesa,

e brasileira, como o verso reiterado por Mário, de Losango Cáqui: “A própria dor é uma felicidade”. Discutem-se ainda temas políticos interessantes para a cultura luso-brasileira, mas não só, tais como a má circulação de livros brasileiros em Portugal e vice-versa; a língua brasileira; a literatura brasileira; a guerra civil paulista, o fenômeno paulista, o calor carioca, o fascismo, o nazismo, o integralismo, versus o comunismo, a história do liberalismo, a democracia, a Segunda Guerra, o emprego de intelectuais no funcionalismo público, nas secretarias e agências de cultura, os limites entre a sua possibilidade de ação social e a colaboração com os estados totalitários; afora esses e outros temas, no ar daqueles tempos, os correspondentes trocam um conjunto de materiais culturais: listas, programas de espetáculos de música e festas populares, livros, artigos, revistas, transmissões radiofônicas, mostrando interlocução intelectual ativa: as informações etnográficas sobre a poesia popular portuguesa, a referência e a avaliação crítica da bibliografia ensaística e ficcional produzida pelos dois autores, com destaque para a recepção de Macunaíma, podem ser reencontradas no texto da sua correspondência, documentando a qualidade dessa interlocução intelectual.

Restrinjo-me a dois aspectos: o emprego do intelectual no funcionalismo público

e a sua busca por preservar o folclore luso-afro-brasileiro.

Esta cultura, por excelência não oficial, que se manifesta na oralidade, por meio da performance, apropriada também pelas classes privilegiadas, quer no processo da educação doméstica, quer no de compilação etnográfica, acaba, de certa forma, oficializada pelo Acordo Cultural assinado entre António Ferro (SPN) e Lourival Fontes (DIP) em 1941, na presença de Getúlio Vargas. A ação compilatória do folclore nacional de Mário de Andrade, criticada desde 1929, na segunda “dentição” da Revista de Antropofagia (“O Índio Ciará”, Para Mário de Andrade, Quarta-feira, 24/4/29), adota a tese freyriana do cadinho brasileiro, não só pela exaltação da adaptabilidade do colonizador português aos trópicos, mas também pela busca da identidade nacional nas manifestações e na preservação da cultura imaterial lusoafrobrasileira. A compilação do folclore e da cultura popular – o trabalho de recolha etnográfica de danças dramáticas, cantorias e bailados luso-brasileiros, como a Nau Catarineta, desfiles e embaixadas de congos, cheganças de mouros e marujos, fandangos e barcas, poesia musical, como o lundu, as modinhas imperiais, a partir de testemunhos dispersos da oralidade – levada a cabo por Mário de Andrade, inspira-se na ideia de que nessas manifestações vocalizadas e coreografadas, de diversas regiões do Brasil, manifesta-se a “alma da raça” luso-afro- brasileira, pela lógica de buscar a unidade na diversidade (FREYRE, 1940: 32). Gilberto

Freyre em suas “Sugestões para a cooperação luso-brasileira no estudo de problemas de história de arte culta e popular” formula um método de apreciação dessas características multiculturais em artefatos populares, sincretizados pela colonização portuguesa, citando Osório de Oliveira, de quem era amigo próximo, a respeito da cerâmica (FREYRE, 1940: 149; Osório a Mário: 27/3/37). Nos seus estudos sobre folclore, Mário de Andrade, além de aproximar-se de Gilberto Freyre, também trocou informações com Osório de Oliveira a respeito de determinados elementos recorrentes nas performances brasileiras, a partir da matriz portuguesa, para avaliar as acomodações ocorridas no Brasil. Trata-se da questão do apito, da nomenclatura do mandador ou apontador e do lenço para a contribuição monetária ao artista ambulante.13 Ao mencionar escritores e artistas ainda vivos, a correspondência possibilita a expansão do circuito dessa interlocução cultural, não só entre europeus em viagem ao Brasil, recomendados a Mário pelo crítico português (cartas de 1940), como entre agentes oficiais da interlocução cultural luso-brasileira. Focalizaremos aqui António Ferro e Gastão de Bettencourt.

Nos anos heróicos do modernismo, não só o percurso geográfico do conferencista

de vanguarda foi inverso ao de Ana de Castro Osório, de São Paulo para o Nordeste,

passando por Minas e pelo Rio, mas Ferro “gritava” aos senhores e senhoras do Brasil

que “A América é a luz elétrica do mundo”. Vinte anos adiante, na conferência de 5 de maio de 1942, no IEB da UC, A poesia Moderna no Brasil (OLIVEIRA, 1942), ação do Acordo Cultural, Osório refere-se à “fase truculenta de revolta” do modernismo paulista “no ano de 1922”, “à qual se associou um escritor português: António Ferro”, participando da “revista Klaxon [que] tinha desempenhado já a função de atordoar, com o seu ruído, os versificadores parnasianos” (OSORIO, 1942). O filho de Ana de Castro

Osório sempre defendeu a não-oficialidade da sua militância pela causa da literatura brasileira em Portugal, consciente dos diferentes espaços sociais em que a interlocução cultural de suas duas pátrias se podia desenvolver, como no trecho da carta de 20 de setembro de 1941:

Tive esperanças de poder voltar aí este ano, mas não houve dinheiro ou vontade de que eu fosse também, como solicitara, não no séquito do Dantas nem como acólito do Ferro mas com uma bolsa de estudo. Espero que, se o acordo cultural luso-brasileiro não for apenas um pretexto para banquetes e actos oficiais, puramente (ou impuramente) políticos, reconheçam que a minha ida aí se impõe (20/9/1941, Arquivo IEB/USP. Cota: MA-C-CPL5564).

Ferro referiu a poesia de Mário de Andrade em “A nova literatura brasileira”, artigo de 1924 (SARAIVA, 1986: 90-93). Em 1926, escreveu ao modernista paulista para “gritar-lhe o [seu] entusiasmo pelo admirável Losango Cáqui” (23/12/1923, Arquivo IEB/USP. Cota: MA-C-CPL3021). Em 1928, considerou o Clã do jabuti um “livro admirável” em que Mário estava “em plena vitória da sua individualidade”, trazendo “a atmosfera quente do Brasil autêntico, do grande Brasil”, “um livro grande, tão grande como um paquete...” (13/1/1928, Arquivo IEB/USP. Cota: MA-C-CPL 3022).

Em carta datada de 23 de novembro de 1941 a Gastão de Bettencourt – Foneticista e Secretário da Atlântico, com José Osório de Oliveira, coautor da obra “Brasil”, 1938, e parceiro de Mário na organização do “Congresso de Música Nacional Cantada”, de 1937, a cujos congressistas o poeta pedia não militarizarem as vogais (SERPA 2001) –, Mário de Andrade deixa clara a sua recusa política de viajar a Portugal subsidiado pela política cultural do salazarismo, definindo-se contra qualquer governo totalitário,14 ao refletir criticamente sobre a trajetória de Ferro.

A carta não assinada questiona o seu envio ao destinatário. Não obstante, é inegável o seu valor documental para outra narrativa das relações do modernismo paulista com Portugal:

É verdade, eu juro, que teria um prazer enorme em abraçar António Ferro, conversar com ele sobre nossos passados. Mas o António Ferro está

excessivamente “oficializado” pro meu gosto. Você, talvez menos, mas também”. E ao longo da carta resume a sua posição política: “Mas a ideologia política que domina Portugal agora, a ideologia política que domina o Brasil (si é que esta última existe!), e todo e qualquer totalitarismo eu detesto, eu abomino. // Eu sei muito bem que você terá o direito de me perguntar: Mas o que você quer, então? Comunismo? Democracia? Anarquismo ideológico? Gastão, eu não quero nada disso. Eu sei que o comunismo não me satisfaz nem completa. E a democracia nem sei o que é mais! Talvez vocês sejam mais realistas... Só uma coisa eu sei: eu sei que sou contra os totalitarismos. E sei que estouro. Sei que estou numa crise Medonha (Carta a Gastão Bittencourt, 23/11/1941, Arquivo IEB/USP, COTA: MA-C-CAL-140-1).

Gastão de Bettencourt lhe comunicava, em carta de fevereiro de 1943, escrita em papel timbrado da “Atlântico, Revista luso-brasileira, Secção Brasileira do Secretariado de Propaganda Nacional”, que ele e Osório pensavam “em levá-lo a Portugal, a convite do S.P.N.” e “Com o Ferro [falaram] a esse respeito”, e que Ferro teve a “impressão que

[Mário] já não [era] o mesmo amigo para ele”. António Ferro sentira pesar e não

entendera a esquivança de Mário, escreve Gastão de Bettencourt entre parênteses: “(tanto

mais que não sabe a quê atribuí-lo)” (3/2/1943, Arquivo IEB/USP. Cota: MA-C-CPL 1378). Na carta de Lisboa, de 22 de janeiro de 1942, José Osório de Oliveira, referindo-se à sua própria crise questiona a do amigo brasileiro:

Apesar de que o António Ferro me disse ter sabido, por carta sua, que você continuava em crise. Será assim? E será a crise de tal ordem que o impeça de reunir meia dúzia de conferências ou uma dúzia de artigos? Sei também o que são crises, e aquela que atravesso de há tempos para cá não é nada pequena. Tenho ainda, porém, a dose de ilusão suficiente para lutar por estas coisas e não desisti da colecção de ensaístas nem me conformo de maneira nenhuma, em não o incluir nela (22/1/1942, Arquivo IEB/USP. Cota: MA-C-CPL5539).

Na carta de 7/7/1935 a Osório de Oliveira, testemunha-se o momento de criação do Departamento de Cultura e Recreação da Municipalidade de São Paulo, cuja rede de atuação é descrita (SARAIVA, 1986: 109-113); a respeito de ter saído dos “escaninhos do folclore” e se “pragmatizado” num cargo público, em 4/8/1935 Osório responde sublinhando a possibilidade de intervenção social:

Recebi a sua carta em que me comunica o facto que transformou a sua vida. Entendo que faz bem em aceitar esse cargo porque pode assim realizar uma grande obra social de cultura artística do povo. Como não sou religioso, entendo que só temos um bem: esta vida. Devemos, devemos torna-la melhor para os outros. Os revolucionários, essa espécie de religiosos, pensam no Homem: Eu penso nos homens, nestes mesmos que vivem agora. Fez você muito bem, portanto, em não desprezar a oportunidade de lhes ser útil (4/8/1935, Arquivo IEB/USP. Cota: MA-C-CPL5543).

O fato do brasileiro ser aproveitado pela prefeitura de São Paulo é contrastado à má sorte inicial do luso-brasileiro como funcionário do Estado novo português. A 7 de janeiro de 1936, Osório expõe as suas opções de emprego público, preferindo ser intelectual no Brasil, “para a glória da língua de Camões”:

O Ministério das Colônias foi reformado e em consequência disso, parece que

me obrigam a ser um pioneiro do Império, atirando comigo para o inferno, lá

nos sertões de Moçambique. Eu não aceito tão glorioso destino porque se me

interessa a África, não me agrada lá deixar a pele, sacrificando, ainda por cima, as letras pátrias. Penso que é melhor para mim e para a glória da língua de Camões ser repórter aí de qualquer jornal ou caixeiro de uma livraria. (7- 1/1936, Arquivo IEB/USP. Cota: MA-C-CPL-5547)

José Osório de Oliveira, nos anos 1935, quando estava mal-empregado no funcionalismo público português, sonhava em ministrar na USP um curso de literatura comparada luso-brasileira:

Nesse Departamento não há um lugar para mim, um lugar para que eu possa ser contratado por uns dois anos[ ]? Dois anos em São Paulo, que sonho! Mas

talvez só haja lugar aí para um filólogo, única espécie intelectual que a Faculdade de Letras de aí veio aqui buscar. Tantas vezes tenho falado do meu desejo de ensinar literatura portuguesa, ou antes, de fazer aí um curso de história comparada das literaturas portuguesa e brasileira! O Julio de Mesquita e todos esses senhores importantes têm sido bastante ingratos comigo. Até a colaboração que tinham contratado comigo em dar ao ’Estado de São Paulo’ não a publicaram nem pagaram! E ninguém mais, sequer, além

de você, me escreveu duas linhas! (4/8/ 1935, Arquivo IEB/USP. Cota: MA- C-CPL5543, grifo meu).

Como explica Mário, que estimulara Osório a escrever a Júlio de Mesquita Filho, o benemérito da nascente Universidade de São Paulo escolhera Fidelino de Figueiredo para inaugurar a cadeira de Literatura portuguesa. Se Mário foi diretor do Instituto de Arte da Universidade do Distrito Federal, atual UERJ, onde regeu as cadeiras de História das Artes plásticas e de Filosofia da Arte (SARAIVA, 1986: 129), Osório nunca foi “sequer bacharel em coisa nenhuma”. Ainda se queixa em 18/9/1940, um lustro depois do ocorrido. Nessa década produzirá bibliografia sobre a literatura brasileira que constitui o curso idealizado: seis antologias complementarão o trabalho ensaístico da década anterior, que inclui as literaturas de Portugal e das colônias africanas. Por fim, de subempregado no serviço público, desde 1932, Osório de Oliveira exulta quando em 1938 a política do espírito salazarista o aproveita:

Finalmente! Sou agora Chefe da Divisão de Propaganda da agência Geral das

Colônias, um lugar mais compensador, moralmente mais agradável, e mais interessante, em que posso desenvolver certa acção, ter certa iniciativa. [...]

Não vá pensar que fiquei milionário, porque Portugal é um país pobre. Mas já não posso sequer invocar, como pretexto, a indiferença dos poderes públicos, pela minha pessoa! (10/10/1938, Arquivo IEB/USP. Cota MA-C-CPL5556).

Osório magoou-se de Mário, ao contrário de Gilberto Freyre (Arquivo IEB/USP. Cota: MA-C-CPL5554), detestar Aventura (Arquivo IEB/USP. Cotas: MA-C-CPL5555-6- 7), novela lusoafrobrasileira que afirma o colonialismo racista e sexista. Em 1939, a História Breve foi discutida. Em 1940, cartas de recomendação de artistas. Em 1941, festeja a oportunidade de requestar a colaboração do amigo para: uma colecção de ’Ensaístas Portugueses e Brasileiros’ ou ‘Ensaístas Atlânticos’:

(o título ainda não está assente definitivamente), na qual os autores portugueses alternariam com autores brasileiros, cabendo-me a sua direção e, portanto, a escolha dos colaboradores. Imediatamente pensei em si, e você calculará com quanto regozijo entrevi a possibilidade de, por meu intermédio, tornar conhecido a Portugal um dos maiores escritores do Brasil e um dos que,

como ensaísta, mais pode interessar o público alto de Portugal (20/9/1941,

Arquivo IEB/USP. Cota: MA-C-CPL5564).

Osório lhe pede ensaios “especialmente sobre a influência dos portugueses ou dos africanos no folclore do Brasil”:

Creio que o seu anunciado livro: ’A Dona Ausente’ ainda não está publicado, e julgo-o constituído por estudos de folclore com grande interesse para os dois países. O estudo que lhe dá o título não consiste na admirável conferência que lhe ouvi ler no Rio de Janeiro em 1933? Conheço outra conferência sua, publicada na ‘’Lanterna Verde’, sobre dança dos negros chamada ‘Congos’, que teria grande interesse para os portugueses e, particularmente para quantos se interessam pelas coisas de África (20/9/1941, Arquivo IEB/USP Cota: MA- C-CPL5564).

[a] coleção não procura apenas o público português, mas sim o público das duas nações de língua portuguesa, e quer o editor, quer este seu amigo, [esperam] ir ao Brasil com o fito de que a nova coleção atinja plenamente o seu objetivo: que é criar uma forma de convívio espiritual entre brasileiros e portugueses (20/9/1941, Arquivo IEB/USP Cota: MA-C-CPL5564).

Por fim, sugere que lhe dê o seu “grande estudo do folclore brasileiro, há tanto

anunciado: “Na pancada do ganzá”,15 pois:

[a] coleção não procura apenas o público português, mas sim o público das duas nações de língua portuguesa, e quer o editor, quer este seu amigo, [esperam] ir ao Brasil com o fito de que a nova coleção atinja plenamente o seu objetivo: que é criar uma forma de convívio espiritual entre brasileiros e portugueses (20/9/1941, Arquivo IEB/USP Cota: MA-C-CPL5564).

Osório, a quem Mário se dirigia por “me’rmão”, lhe enviou dedicados livros e separatas em dois exemplares, pois este não “cort[ava] exemplar com dedicatória estimada” (SARAIVA 1986: 115). Dele publicou em suas antologias portuguesas de autores brasileiros poemas, contos, ensaios sobre música, prosas; por exemplo, “Macumba”, no volume Prosas brasileiras, da Colecção Cruzeiro do Sul, que dirigiu na Bertrand; na revista luso-brasileira do SPN, parte do estudo sobre o Aleijadinho e sobre o sequestro da Dona Ausente. Graciliano Ramos e outros declarados de esquerda, como “a trotskista Rachel de Queirós, colaboraram na Atlântico, sublinha Osório em 1948. Como lhe explicou o etnógrafo modernista do Brasil, em carta de 1943, não concluíra

“cientificamente” os seus estudos de folclore, reunidos postumamente em livro por Oneida Alvarenga. Mario não viajou a Portugal a convite do SPN, seja pelo medo de discriminação racial, que lhe impediu de aceitar os convites de viagem ao estrangeiro (CASTRO 1989), seja pelo seu horror e abominação a todo totalitarismo, seja porque morreu muito cedo. Confessa na carta citada a Bettencourt: “Eu sei muito bem que seria possível a vocês me convidarem a ir a Portugal. E, meu Deus,! Quanto eu desejava, quanto eu preciso ir a Portugal!...” (Carta a Gastão Bittencourt, 23/11/1941, Arquivo IEB/USP Cota: MA-C-CAL-140-1). A Osório em 24/8/36 escrevera: “Queria viver Portugal, desoficialmente, como um anônimo, gozando por gozar” (SARAIVA, 1986: 116).

O aproveitamento do intelectual e do folclore pelo estado totalitário, pela atuação de nossos modernistas no Ministério da Educação e Saúde Pública, de Capanema, pode ser complementado pelo estudo da ação do SPN, de Ferro, junto aos modernistas portugueses e luso-brasileiros, mostrando a diversidade de respostas suscitadas pelos posicionamentos políticos e éticos dos intelectuais envolvidos. Vaidoso de sua longa relação não oficial com o Brasil, Osório apresentou a literatura brasileira a Portugal,

construindo dela um discurso ambíguo ao longo de várias décadas; sua ensaística e seu

empenho de editor importam para a história comparada da literatura em português. A

compilação etnográfica de Mário de Andrade, ao ser redimensionada por preservar a diversidade da cultura imaterial popular brasileira, desnuda a luta de classes e a violência do império português, anteriormente aos movimentos mais radicais da americanização, anunciados por António Ferro. Quanto a Pessoa, a sua recepção no Brasil espera narrativa. Idem a releitura dos quinhentistas no modernismo paulista.

Fontes

ANDRADE, Mario (1934). “José Osório de Oliveira”, Diário de São Paulo, 9 jun.

. (1942). Carta a Gastão de Bittencourt. Arquivo IEB/USP. MA-C-CAL-140-1.

BETTENCOURT, Gastão (1942 e 1943). Carta a Mário de Andrade. Arquivo IEB/USP MA-C-CPL-1355 e MA-C-CPL-1378.

COUTO, Ruy Ribeiro. (22-5-1923). Carta a Mario de Andrade. Arquivo IEB/USP MA- C-CPL2343.

FERRO, António (1926 e 1928). Cartas a Mário de Andrade. Arquivo IEB/USP. MA-C- CPL3021 e MA-C-CPL 3022

OLIVEIRA, José Osório de (1932 a 1942). Cartas a Mário de Andrade. Arquivo IEB/USP, Cotas: MA-C-CPL5528, MA-C-CPL5529, MA-C-CPL5530, MA-C- CPL5532, MA-C-CPL5533, MA-C-CPL5534, MA-C-CPL5536, MA-C-CPL5537, MA-C-CPL5538, MA-C-CPL5539, MA-C-CPL5540, MA-C-CPL5541, MA-C- CPL5543, MA-C-CPL5546, MA-C-CPL5547, MA-C-CPL5548, MA-C-CPL5549, MA-C-CPL5551, MA-C-CPL5552, MA-C-CPL5553, MA-C-CPL5554, MA-C- CPL5555, MA-C-CPL5556, MA-C-CPL 5557, MA-C-CPL5558, MA-C- CPL5560, MA-C-CPL5561, MA-C-CPL5562, MA-C-CPL5563, MA-C-CPL5564.

PESSOA, Fernando, Carta a Armando Côrtes-Rodrigues, 4 out. 1914. Disponível em . Acesso: 13 jul. 2015

Revista de Antropofagia. Introdução de Eucanaã Ferraz. In: REVISTAS DO MODERNISMO 1922-1929 – Edição fac-similar. Organização de PUNTONI, Pedro e TITAN JR., Samuel. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, 2014.

Revista do S.P.N. (1934) Portugal: Secretariado de Propaganda Nacional. Exemplar da Biblioteca da Casa de Portugal, São Paulo. Fotografias de Mariana Pacor (2019).

SÁ-CARNEIRO, Mário de (2003). Correspondência com Fernando Pessoa. 2 v. Lisboa: Relógio d’água.

SARAIVA, Arnaldo (1986). O Modernismo brasileiro e o Modernismo português. Subsídios para o seu estudo e para a história das suas relações. Documentos Inéditos (DI). Documentos Dispersos (DD). 3 v. Porto: Vila Nova da Gaia.

Referências bibliográficas

ANDRADE, Mario. (1928). Ensaio sobre música brasileira. São Paulo: Chiarato.

. (1930). Modinhas imperiais. São Paulo: Casa Chiarato.

. (1934). Música, doce música ... São Paulo: L. G. Miranda.

. (1959). Danças dramáticas do Brasil. 3 v. São Paulo, Livraria Martins.

. (1987). Poesias Completas. Edição crítica de Diléa Zanotto Manfio. Belo Horizonte; Itatiaia; São Paulo: EDUSP.

BARRETO, José (23-25 de novembro de 2010). Fernando Pessoa e António Ferro: do espírito do Orpheu à ‘Política do Espírito’. Versão revista de uma comunicação ao II Congresso Internacional Fernando Pessoa, Casa Fernando Pessoa/Câmara Municipal de Lisboa. Disponível em . Acesso: 27 abr. 2015.

. (2011a). António Ferro: Modernismo e Política. Versão original portuguesa de “António Ferro: Modernism and Politics”, publicado em DIX, Steffen & PIZARRO, Jerónimo (Eds.) (2011). Portuguese Modernisms: Multiple Perspectives on Literature and the Visual Arts, London. Disponível em:

. (2011b). Fernando Pessoa e Salazar. Versão revista de uma comunicação ao I Congresso Internacional Fernando Pessoa, Lisboa, 25-28 de Novembro de 2008. Publicada em Pessoa – Revista de Ideias, Cidade, nº 3, p. 17-34, junho de 2011, sob o título “Fernando Pessoa e Salazar: Sobre o pensamento político do escritor e a sua ruptura com o salazarismo”. Disponível em:

. (2015). António Ferro: o editor irresponsável. In: DIX, Steffen (Org.) (2015). 1915 – O ano de Orpheu. Lisboa: Tinta da China. Disponível em . Acesso: 27 abr 2015.

BAPTISTA, Abel Barros & SILVESTRE, O. M. (2005). Conversa interessantíssima. In: CURSO BREBE DE LITERATURA BRASILEIRA. Seria uma rima, não seria uma solução a poesia modernista. Lisboa: Cotovia.

CARDOSO e SILVA, Ana Maria Formoso, ed. (2013). Cartas sobre Klaxon. Remate de males, Campinas-SP, (33.1-2): pp. 355-406, Jan./Dez

CASTRO, Moacir Werneck de (1989). Exílio no Rio. Rio de Janeiro: Rocco.

FERREIRA, Manuel Pedro (2012). Ecos do Jazz-Band: Ilustrações Portuguesas (1922- 1930). In: ACCIAUOLI, M. & CASTRO, P. F. (2012). A Dança e a Música nas Artes Plásticas do Século XX.Lisboa: Edições Colibri/IHA/CESEM , pp. 75-105. Disponível em: . Acesso: 16 mai. 2015.

FERRO, António (1917). As Grandes tragicas do silencio. Tres mascaras de Sanches de Castro. Lisboa: Monteiro & Compamhia.

. (1920). Teoria da indiferença. 1 2 ed., revista e aumentada. Rio de Janeiro/Lisboa: Editora.

. (1921). Colette, Colette/Willy, Colette. Conferência realizada na Société Amicale Franco-Portugaise, em 6 de Novembro de 1920. Lisboa/Rio de Janeiro: H. Antunes – Editor.

. (1923a). A Idade do Jazz-Band. São Paulo: Monteiro Lobato & CO, Editores.

. (1923b). A Arte de Bem Morrer. Conferência de arte realizada no Rio de Janeiro, no Trianon, em 21 de junho de 1922 e repetida em outras partes do Brazil. Rio de Janeiro: H. Antunes & Cia – Editores.

. (1924) Mar alto. Peça em três actos. Lisboa: Editora Portugália/Imprensa Lucas.

. (1935). A política do Espírito e os prêmios literários do SPN. Discurso pronunciado em 21 de fevereiro de 1935. Cidade: Edição do Secretariado da Propaganda Nacional.

. (1942[1938]). Salazar, princípio e fim., In: (1942[1938]). Homens e Multidões.Lisboa: Livraria Bertrand.

. (1943). Dez anos de política do espírito: 1933-1943. Lisboa: SPN.

. (1949). Criação do mundo Atlântico. Estados Unidos da Saudade, Lisboa, SNI.

. (1979). Leviana, novela em fragmentos. Estudo Crítico do autor (1926-jan.1927).

FREYRE, Gilberto (1940). O mundo que o Português criou. Aspectos das relações sociaes e de cultura do Brasil com Portugal e as colônias portuguesas. Rio de Janeiro: José Olympio.

LOPES, Teresa Rita (2016). Mensagem e a sua circunstância: Sem António Ferro não teria havido Mensagem. In: FERRO, M. (Coord. e Org.). António Ferro 120 anos. Actas. Lisboa: Fundação António Quadros Edições, pp.179-185.

KLAXON EM REVISTA (1922/2013) São Paulo, nº 3 e nº 5, 1922. Edição fac-similada. São Paulo: Cosac-Naify.

OLIVEIRA, José Osório de (1933). Espelho do Brasil. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade.

. (1934). Psicologia de Portugal. E outros ensaios. Lisboa: Edições Descobrimentos

. (1939). História Breve da Literatura Brasileira. Lisboa: Inquérito.

. (1942a). A poesia moderna do Brasil. Separata de Brasilia. Coimbra: Editora Limitada.

. (1942b). Enquanto é possível. Lisboa: Universo.

. (1948). Na minha condição de luso-brasileiro... (Elementos para a história das relações entre o Brasil e Portugal). Lisboa: Officina Limitada Editora.

OSÓRIO, Ana de Castro (1942). A grande aliança (a minha propaganda no Brasil). Lusitânia. Lisboa: Editora.

MICELI, Sérgio (1979). Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo – Rio de Janeiro: Difel.

Revista de Antropofagia.

ROSMANINHO, Nuno (2008). António Ferro e a propaganda nacional antimoderna. Imprensa da Universidade de Coimbra. Disponível em: . Acessado em: 29 abr. 2015.

SERPA, Élio (2001). Congresso da Língua Nacional Cantada de 1937: “a insensatez maravilhosa da militarização das vogais”. Nacionalismo, raça e língua. Diálogos Latinoamericanos, Aarhus/Dinamarca, v.1, pp. 71-86.

TORGAL, Luis Reis (2004). O modernismo português na formação do Estado Novo de Salazar. António Ferro e a Semana de Arte Moderna de São Paulo. Estudos em Homenagem a Luis António de Oliveira Ramos. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, pp. 1085-1102. Disponível em: link. Acesso: 24 de abr. 2015.

VALERY, Paul (1934). Note en guise de préambule sur L’IDÉE DE DICTATURE. In: FERRO, António (1934). Salazar. Le Portugal et son Chef. Paris: Éditions Benard Grasset.

Notas

1 Discurso pronunciado no Teatro Municipal de S. Paulo, 5/12/1922, para introduzir a conferência A Arte de Bem Morrer: “Mas Antonio Ferro é sempre um paradoxo: antes de aqui vir, já aqui estava” (Apud FERRO 1923b: 9). “Paradoxalmente ainda, Antonio Ferro vai, mas fica. É que [...] o prosador sarcástico da Theoria da Indifferença realiza o milagre da ubiquidade com seus livros” (Apud FERRO, 1923b: 10). “Como artista brasileiro, devia esta homenagem ao soberbo artista de Portugal” (Apud FERRO, 1923b: 15). 2 Em 1922, no Brasil, Ferro encenou esta peça, depois censurada em Portugal. Sobre as encenações a edição portuguesa de 1924 reúne fragmentos da recepção crítica na imprensa brasileira e portuguesa, explicando: “O Mar Alto foi representado, pela primeira vez, em S. Paulo, no Teatro Sant’Ana, no dia 18 de novembro de 1922, com a seguinte atribuição: Madalena: Lucília Simões; Luiz: Érico Braga; Henrique: Antonio Ferro; José: Georgia Cordeiro, Uma Criada: N. N.”. O tempo e espaço da peça: “Lisboa – Actualidade”. “Voltou a ser apresentada no Rio, no teatro Lírico, no dia 16 de Dezembro de 1922, encarregando-se do papel de Henrique o actor Mario Santos. Em Lisboa, onde foi representada no teatro de S. Carlos no dia 10 de Julho de 1923, manteve-se a distribuição de S. Paulo alterada, apenas, no papel de José que passou a ser desempenhado pela pequena Maria Christina. No dia 11 de Julho, a representação da peça foi proibida pelo Governador Cívil, sr. Major Viriato Lobo” (FERRO, 1924, s.p.).
3 Esta conferência associa os lugares comuns das artes de morrer ibéricas à vanguarda futurista: “A vida é o curso superior da morte” (FERRO, 1923: 19). “Viver é ensaiar o papel que nos foi distribuído pelo Creador”; “Viver é compor sobre nós um Outro-Eu”; “Viver, meus senhores, não é ser humano, é ser sobre- humano”; “Porque não fazemos Arte com a Vida, porque não fazemos como Deus, esse extraordinário pintor dinâmico, o advinho do cinematógrafo?...” (FERRO, 1923: 21); “Eu canto o que Marinetti gritou, eu canto a Morte de cabelos soltos, eu canto a Morte que sabe cantar, eu canto a morte boêmia...” (FERRO, 1923: 28).
4 Trata-se de parte do livro Colette, Colette Willy, Colette.
5 Contraste-se este chiste com o “epíteto de ‘São Paulo do Estado Novo’, com que Pessoa crism[aria] Ferro aludindo ao seu ’proselitismo salazarista’” (BARRETO, 2010: 14).
6 Ver “Quadro V – Origem social, Trunfos/Handcaps e Carreira” apud Miceli (1979: 96-97).
7 Cartão e Dedicatória a Mario de Andrade transcrito por Arnaldo Saraiva (1986: 158-159).
8 Li a dedicatória do auto-retrato que Ronald Carvalho enviou a Pessoa na Exposição do 100 Orpheu/USP e em Saraiva (1986).
9 Para a performance na Semana de 22 leia-se na Bibliografia, BAPTISTA & SILVESTRE 2005.
10 Pertencem à Coleção Mário de Andrade e à Coleção João Fernando de Almeida Prado.
11 Para a vontade de ganhar dinheiro de Monteiro Lobato, ver Miceli (1979: 16).
12 Mirhiane Mendes de Abreu prepara edição desta correspondência (UNIFESP/FAPESP).
13 As explicações de Osório a estas questões de Mário: “Sobre a questão do apito, sim, usa-se nas danças do norte de Portugal. O lenço com dinheiro não se usa. Mas espero mais amplos informes para lhe mandar” (5/5/1935, Arquivo IEB/USP. Cota: MA-C-CPL5535). Em carta escrita cinco dias depois, “a pessoa que me disse que exista aqui o uso do apito foi o escultor e escritor, curioso de etnografia, Diogo de Macedo, natural de Vila Nova de Gaia, em face do Porto. Este meio existe, portanto, no Norte do país, no Douro pelo menos. Agora um jornalista e escritor, igualmente folclorista amador Augusto Pinto, natural de Figueira da Foz, perto de Coimbra, diz-me que nessa região, no Centro do país, não existe tal uso, acrescentando que ao ’Apontador’ chamam ali ‘Mandador’. Falta-me colher informações junto de pessoa do sul do Algarve, por exemplo, onde é possível que o apito seja usado no ’corridinho’ – a dança característica dessa região” (Arquivo IEB/USP. Cota: MA-C-CPL5540). Por fim, a informação é completada no bilhete de 27 de outubro: “Acabei de descobrir com homem que conhecia o Algarve, assistiu à dança de lá, o ‘corridinho’ e afirma não se usar lá apito. Tem-me dado, esta importante questão do apito bastante que fazer. Mas deve estar esclarecido o assunto. Ainda sobre a designação dada no Sul ao ‘apontador’: no Alentejo chamam aos bailes dirigidos ‘Bailes mandados’, e uma quadra alentejana diz: ‘O que é aquilo que eu oiço/La pras bandas do Nascente?/ É a voz do mandador,/Que manda tão lindamente’” (Arquivo IEB/USP. Cota: MA-C-CPL5541). Sobre o estudo do bailado da Nau Catarineta no Brasil, Mário receia ‘abrir uma porta aberta’ e precisa da leitura de ’etnógrafo português que tenha lidado com o romanceiro daí” (SARAIVA, 1986: 117-118).
14 Ver carta de 7 de julho de 1935, de Mário a Osório (SARAIVA, 1986: 109-13): “Os fascismos me horrorizam” (SARAIVA, 1986: 110).
15 Mário a Osório, 4/XII, 38 (Apud SARAIVA 1986: 129) sobre Pancada do Ganzá.
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
HMTL gerado a partir de XML JATS4R