Dossiê
O herói silencioso e o Osagyefo: George Padmore Kwame Nkrumah e a Revolução da Costa do Ouro
Silent Hero and Osagyefo George Padmore, Kwame Nkrumah and the Gold Coast Revolution
Intellèctus
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
ISSN-e: 1676-7640
Periodicidade: Semestral
vol. 19, núm. 1, 2020
Recepção: 19 Março 2020
Aprovação: 11 Junho 2020
Resumo: Kwame Nkrumah, conhecido como um dos principais líderes pan-africanos, conduziu a Costa do Ouro até sua independência, em 1957. Gana, então, torna- se o primeiro país independente da África subsaariana e, Nkrumah, torna-se Osagyefo. A participação de George Padmore, um intelectual caribenho, neste processo é fundamental. Porém pouco conhecida. Apontado como o “herói silencioso” das independências africanas, buscou articulações transnacionais anti-imperialistas que conduzissem à Revolução africana e à formação de um bloco de estados socialistas africanos. Este artigo evidencia a relação entre o pensamento de George Padmore e as ações de Kwame Nkrumah diante do processo anticolonial. Mas também reflete sobre os atritos e ruídos entre suas concepções e projetos pan-africanos, contribuindo para a análise das linguagens políticas do Pan- Africanismo e de seu vocabulário político.
Palavras-chave: Pan-Africanismo, George Padmore, Kwame Nkrumah.
Abstract: Kwame Nkrumah, known as one of the main pan-African leaders, led the Gold Coast until independence in 1957. Ghana then becomes the first independent country in sub- Saharan Africa and, Nkrumah, becomes Osagyefo. The participation of George Padmore, a caribbean intellectual, in this process is essential. However little known. Appointed as the “silent hero” of african independence, he pursued transnational anti- imperialist articulations that would lead to the African Revolution and the formation of an African socialist bloc of states. This article highlights the relationship between George Padmore‟s thought and Kwame Nkrumah actions in the face of the anti-colonial process. But also reflects on the friction and noise between his Pan-African conceptions and projects, contributing to the analysis of the political languages of Pan-Africanism and its political vocabulary.
Keywords: Pan Africanism, George Padmore, Kwame Nkrumah.
Em 1957 a Costa do Ouro tornou-se o primeiro país independente da África subsaariana. Se tornaria Gana, em referência – e reverência – ancestral. George Padmore, exerceu grande influência sobre este processo e sobre Kwame Nkrumah, futuro primeiro-ministro do país. Malcom Ivan Meredith Nurse, nascido em Trinidad em 1903, mudou seu nome para George Padmore nos anos 1920, nos EUA, por conta de sua atuação junto ao Partido Comunista e ao movimento estudantil. Passou ainda pela URSS, Alemanha e França, antes de chegar na Inglaterra, em 1935. Em 1957 muda-se definitivamente para Gana. Intelectual da diáspora negra, foge às caracterizações simplistas. Foi comunista – e deixou de sê-lo, em 1934 –, pan-africanista, marxista, anticapitalista, anticolonialista e anti-imperialista, sendo referência para diversos intelectuais africanos e da diáspora (MATTOS, 2018). Kwame Nkrumah, nascido em 1912 no povoado de Nkroful, em Nzima (NKRUMAH, 1960: 15), foi a principal liderança pan-africana do continente africano. Ambos mantiveram uma relação de muita proximidade desde os anos de 1940 até a morte de Padmore, em 1959, apenas dois anos após a independência e um ano antes de 17 países africanos se tornassem independentes.
Em correspondência com Richard Wright, Padmore revelou como este momento e esta parceria eram vistas por Nkrumah: “se você nos deixar agora tudo o que eu e você construímos será posto a perder depois que expulsarmos esses bastardos britânicos” (Carta de George Padmore para Richard Wright, 22 de abril de 1957, Wright MSS/103/1521). Em novembro de 1957 Padmore seria indicado como assessor de Nkrumah para Assuntos Africanos. Entretanto, apesar de ser um homem negro amplamente conhecido nos meios políticos do Oeste Africano e, sobretudo, em Gana, enfrentou forte oposição e resistência da elite ganesa. Padmore era visto como um outsider na região pela qual devotara sua vida e trajetória (JAMES, 2015: 171). John Hooker, biógrafo de Padmore, definiu os anos entre 1957 e 1959, em Gana, como seus “meses de poder” (HOOKER, 1967: 109). O período que esteve em Gana é fundamental para que se compreendam as tentativas de articulação Pan-Africanista no continente africano, dentro de uma agenda concreta rumo à unidade continental e ao combate ao colonialismo e imperialismo.
A Segunda Guerra abriu novas possibilidades a Padmore e ao movimento anticolonial. Novas percepções das relações entre metrópole e colônias e os caminhos rumo à autonomia surgiam. Mas também, sobre quais destes caminhos estariam mais estreitos. George Padmore e Kwame Nkrumah formaram uma parceria que permitiu que
o Pan-Africanismo tal qual pensado e articulado desde Londres, sobretudo, a partir da década de 1940, pudesse ser implementado (MATERA, 2015). O caso da independência da Costa do Ouro, nos aponta como as elucubrações teóricas emitidas nos círculos do International African Service Bureau (1937-1945), mas também as reivindicações revolucionárias e internacionalistas já presentes no International Trade Union Committee of Negro Workers, na década de 1930, foram ressignificadas diante da Guerra Fria e postas em prática no continente africano (MATTOS, 2018).
As demandas por autodeterminação, que não eram recentes, foram colocadas como prioridades no imediato pós-Guerra e foram vistas como pré-requisito para o desenvolvimento da África. A emancipação política seria a porta de entrada para o desenvolvimento econômico e a modernização das sociedades coloniais, segundo estes intelectuais. Padmore e Nkrumah percebiam o Pan-Africanismo consolidado no Quinto Congresso de Manchester de 1945 como o caminho pelo qual estes objetivos seriam alcançados. Mas este conjunto de ideias e estratégias só foram reivindicadas enquanto sendo Pan-Africanas depois que Padmore percebe que o movimento teria chances de se
apresentar fora de um vocabulário revolucionário e do campo de visão das potências
ocidentais. Com a intensificação do clima de Guerra Fria, a vinculação do
internacionalismo negro ao comunismo, o que já ocorria desde a década de 1930, seria contraproducente. Padmore, na década de 1950, apresentava o Pan-Africanismo da seguinte forma:
Em nossa luta por liberdade nacional, resgate de nossa dignidade humana e social, o Pan-Africanismo oferece uma alternativa ao Comunismo por um lado e ao Tribalismo de outro. Rejeita tanto o racialismo branco e o chauvinismo negro. Defende a coexistência racial sob as bases da absoluta igualdade e respeito pela personalidade humana.
O Pan-Africanismo se coloca acima das clivagens de classe, raça, tribo e religião. Em outras palavras, busca oportunidades iguais para todos. O talento será recompensado com base no mérito. Sua visão se projeta para além das limitadas fronteiras do estado-nação. Sua perspectiva engloba a federação dos países autogovernados e regiões que terão sua amálgama nos Estados Unidos da África (PADMORE, 1956: 355-356).
Este trecho está escrito no final de Pan-Africanism or Communism? The Coming Struggle for Africa lançado em 1956. Anos mais tarde, em 1963, quando do lançamento
de Africa Must Unite, de Kwame Nkrumah, o autor dedicaria a obra “a George Padmore (1900-1959) e para a Nação Africana que deve existir” (NKRUMAH, 1963). C.L.R. James afirmou que seria “impossível compreender a revolução que levou a Costa do Ouro a transformar-se em Gana a menos que se saiba de antemão que o homem por trás deste processo era Padmore” (JAMES, 1959: 6). Manning Marable também aponta que, durante o período entre 1945 e 1959, as políticas e táticas de Kwame Nkrumah foram amplamente norteadas pelas ideias de Padmore, e por sua vez, “afetaram os curso da história política de Gana” (MARABLE, 1987: 109). Na biografia de Padmore escrita por Hooker, esta relação é descrita como algo prejudicial que o estaria afastando da realidade por seu foco “nos assuntos do Oeste Africano do pós-Guerra, excluindo seu interesse ativo em eventos que ocorriam em outras partes do continente” (HOOKER, 1967: 103). Esta leitura feita por Hooker, contudo, desconsidera a atuação de Padmore nos jornais do Caribe, Ásia e outros locais do continente africano durante o período.
Padmore, Nkrumah e Londres: caminhos cruzados
No final da década de 1940, Padmore entendeu ser fundamental que uma liderança assumisse a bandeira do Pan-Africanismo no continente africano. Nkrumah será esta liderança e a Costa do Ouro será o palco para a Revolução Pan-Africana, ambos escolhidos por Padmore. Estes dois intelectuais estiveram unidos na tarefa de pensar o imperialismo, o colonialismo, a descolonização e o desenvolvimento do continente africano. Ainda que ambos façam parte da mesma geração intelectual, e tenham trilhado caminhos semelhantes, os dois se comportaram de maneira distinta em relação à ideologia Pan-Africana. Este aspecto aponta para a polissemia dos conceitos utilizados por estes homens.
Do ponto de vista de uma metodologia de análise histórica que considera as interações das linguagens como campo privilegiado de estudo (POCOCK, 2003; KOSELLECK, 2006) é fundamental que se compreenda a continuidade entre a atuação política e intelectual de George Padmore, desde a década de 1940 em Londres; o Pan- Africanismo consolidado no Quinto Congresso de Manchester, em 1945 e suas estratégias; e a atuação de Kwame Nkrumah no processo de independência de Gana , em 1957. Contudo, não convém, para este tipo de análise, estabelecer seus olhares apenas na coerência das linguagens políticas e seus respectivos contextos linguísticos. Cabe também compreender de que maneira os atos de fala emitidos por Padmore e
Nkrumah possibilitam identificar no interior do Pan-Africanismo atritos e ruídos em relação aos rumos da descolonização da África. O Pan-Africanismo do pós-II Guerra é compreendido, portanto, enquanto um conceito polissêmico que, embora fortemente anticolonial em seu diálogo com o marxismo, evidenciará a ênfase continental e nacionalista de Nkrumah e o olhar transnacional e internacionalista de Padmore.
Padmore já possuía uma reputação ilibada nas lutas por libertação dos negros e dos povos coloniais quando se encontraram pela primeira vez. Nkrumah não era mais do que um estudante interessado nas lutas anticoloniais. E não se tornou de pronto a liderança ideal para o continente africano. Esta posição, além de conquistada através de suas articulações e leitura política, também foi fruto da avaliação de Padmore sobre o cenário do Oeste africano. Padmore, segundo Hooker, “parece ter transferido suas esperanças por uma África unida e livre do [nigeriano Namdi] Azikiwe para Nkrumah, ainda que neste momento tenha, inclusive, perdido a paciência com Nkrumah” (HOOKER, 1967: 91). Hooker segue afirmando: “ele [Padmore] era imensamente mais experiente e cosmopolita, porém, ao contrário do mais jovem, Padmore era sofisticado
demais, desconfiado demais, espirituoso demais para se deixar levar pela mentalidade
idiossincrática de Nkrumah. [...] Nkrumah, de maneira alguma, era um anticolonialista
corriqueiro; ele era um revolucionário” (1967: 91-92).
C.L.R. James escreveu que Padmore “em Londres era o agente da magnífica concepção política de Nkrumah, seu representante e seu correspondente” (JAMES, 1959: 42). Em diálogo com Richard Wright, Padmore revela o porquê da Costa do Ouro ter sido escolhida para a implementação da ideologia Pan-Africanista no pós-Guerra. Em carta datada de 19 de outubro de 1955, Padmore escreveu: “Kwame Nkrumah é o único que sabe disso. Obrigado ao Nello [C.LR. James] que o apresentou ao Trotskismo e eu pude extirpar isto dele antes de seu retorno. E coloquei no lugar o Pan-Africanismo (Nacionalismo Negro mais Socialismo)” (1955).
Um ano depois, no dia 12 de abril de 1956, no contexto de discussão sobre o chamado “tribalismo” na Nigéria, que por sua vez estaria „engolindo‟ o país, segundo Padmore, contou para Wright “que por esta razão eu me concentrei em Nkrumah. Porque ele seria o único que poderia aplicar uma análise marxista sobre a situação tribal da Costa do Ouro”. Padmore lia os conflitos políticos regionais, chamados por ele de “tribalismo”, como um entrave à consolidação de um partido nacional. Diferente da Nigéria, a situação “tribalista” na Costa do Ouro era menos complexa e, diferente de
Azikiwe, Nkrumah reunia as condições teóricas e políticas para levar a frente tal processo.
Nkrumah chegou a Londres em 1945, quando foi recebido por Padmore. Retornaria para a Costa do Ouro dois anos depois, em 1947, para em 1957 ser nomeado primeiro-ministro da recém-independente Gana. Apresentados por C.LR. James, que vivia nos Estados Unidos no início da década de 1940, Nkrumah e Padmore constroem, a partir deste momento, uma relação pessoal e política fundamental para que se compreenda o Pan-Africanismo e o início da descolonização do continente africano. James havia informado a Padmore que Nkrumah “não era lá muito brilhante” e, apesar de “falar muito sobre imperialismo, Leninismo e exportação de capitais, costumava falar uma série de besteiras” (SHERWOOD, 1996: 114). Segundo Henry L. Breton, seu biógrafo, Nkrumah não possuía ideias revolucionárias concretas até chegar em Londres. Para James, apesar de possuir uma personalidade impressionante, Nkrumah precisava de mais leitura sobre o marxismo (JAMES, 1982). Relata também que em nenhum outro local “Nkrumah poderia encontrar uma combinação de informação – teoria geral e especializada, pessoal e métodos, como encontraria em Padmore, tudo isto voltado para a emancipação da África” (JAMES, 1959: 42). Padmore atuaria como um tutor e conselheiro político de Nkrumah, o que pode ser comprovado pela intensa correspondência entre os dois intelectuais¹.
Nkrumah chegou a Londres em maio e Padmore foi buscá-lo na Euston Station, estação de trem na região central de Londres. Junto de George Padmore, na estação, estava Joe Appiah, conterrâneo de Nkrumah que estava em Londres para estudar direito. De lá, os três se dirigiram para um encontro com sindicalistas do setor ferroviário, no qual Appiah iria conceder uma fala. Após sua fala, Nkrumah coloca a mão em seu ombro e diz “Joe, por que estes brancos não te prenderam?” (APPIAH, 1990: 163). Após seu discurso Appiah recebeu uma sessão calorosa de aplausos. Ao chegarem no hotel do West African Students Union, no bairro de Camden Town, com Padmore e Joe Appiah, Nkrumah disse novamente a Joe, “na América, você e todos nós teríamos sido linchados ou expulsos daquele ato” (APPIAH, 1990: 163).
Nkrumah chegava a Londres também sob as recomendações que C.L.R. James fez a Ras Makonnen, por conta da leitura de seu manuscrito Towards Colonial Freedom, que havia impressionado James. O panfleto, segundo James, era
“simplesmente perfeito” (MAKONNEN, 1973: 154). Recebeu muita influência de Nandi Azikiwe e de seus textos no jornal African Morning Post, e posteriormente, tal qual Azikiwe, foi para os Estados Unidos em busca de educação superior. Passou dez anos na América experienciando a segregação racial e o racismo, e tendo feito parte de organizações estudantis como a African Students Association in United States and Canadacom outro estudante e futuro político da Costa do Ouro, Ako-Adjei. Ainda nos Estados Unidos, Nkrumah teve de lidar com disputas com estudantes nigerianos que julgavam que cada território colonial deveria lutar por independência de maneira isolada. Buscou através de jornais promover a unidade entre os estudantes do Oeste Africano, vislumbrando maior força e organicidade de luta (POLSGROVE, 2009: 70). Nkrumah entrou em contato com os escritos de Lênin, Marx, Garvey, para citar alguns que mais o inspiraram.
Antes de viajar para Londres, ainda nos Estados Unidos, Nkrumah buscou contato com diversas organizações políticas, desde republicanos, passando por comunistas, até os Trotskistas. Entre os Trotskistas conheceu C.LR. James e, em sua
autobiografia, escreveria que “através dele eu aprenderia como um movimento
clandestino funcionava” (NKRUMAH, 1957: 42). Com o fim da II Guerra Padmore e
seus companheiros da Pan-African Federation buscava por ativistas anticoloniais interessados e dispostos a fazer parte da organização dos eventos que estavam articulando na Inglaterra neste momento. Em fevereiro havia sido organizado, junto de
T. Ras Makonnen, o encontro da World Federation of Trade Unions, direcionado a delegados vindos das colônias para debater e estreitar os laços entre os trabalhadores das colônias. Neste encontro discussões foram feitas com o intuito de acertar os preparativos para o Quinto Congresso Pan-Africano que estavam preparando para o segundo semestre de 1945. Em junho também ocorria a primeira Subjects People’s Conference. Nkrumah chegou na Inglaterra em um momento de efervescência e intensa articulação dos movimentos anticoloniais e anti-imperiais. Foi recrutado para ocupar um dos postos de secretário e imediatamente já auxiliou na organização de um ato em apoio à greve geral na Nigéria. Marika Sherwood indica que provavelmente Nkrumah participou dos encontros preparatórios para o Congresso de Manchester nos meses de julho e agosto, de 1945 (SHERWOOD, 2009: 162).
Acra e os novos caminhos de Nkrumah: O Osagyefo
Contando com a participação de alguns delegados do oeste africano que estiveram presentes no Congresso de 1945 Nkrumah articulou junto com I.T.A. Wallace Johnson a criação de uma organização chamada West African National Secretariat. Foram as articulações e os encontros proporcionados por Londres e por Padmore que contribuíram para que Nkrumah formasse a WANS. Ruídos estiveram presentes na relação entre Padmore e Nkrumah. Sobretudo, pela crescente autonomia e pela ação individual de Nkrumah, que buscava imprimir uma tonalidade à política do Oeste africano sob o olhar regional. Esta organização pretendia pressionar o governo colonial em direção à independência da região. A iniciativa de Nkrumah causou certo desconforto entre os membros da Pan-African Federation, já que Padmore e Makonnen esperavam que Nkrumah os ajudasse a fortalecer esta organização e divulgar os panfletos e textos editados pela Pan-Africa, com o intuito de formar uma rede transnacional de lutas para o continente africano, mas também para outros territórios. As articulações anticoloniais de Padmore e outros intelectuais da diáspora negra com a Ásia remetem à década de 1920 (MAKALANI, 2011).
Ainda que fosse parte da PAF, a WANS partiu do desejo de Nkrumah e seus companheiros em promover um discurso moderado em relação ao que fora decidido em Manchester e, sobretudo, estabelecer contatos e ações locais no Oeste Africano (SHERWOOD, 1996: 127). Nkrumah dava início, assim, a sua política de aproximação regional a partir do território africano. Acreditava que a unidade e coalizão entre territórios no Oeste Africano seria o melhor e mais seguro caminho para a libertação do continente. Ou seja, apostava na via regionalista de luta anticolonial e no nacionalismo como caminho para a construção de um Pan-Africanismo continental interessado na unidade da África. Ainda que os membros da WANS fossem, em sua maioria, anglófonos, Nkrumah buscou contatos com membros do French National Assembly, em Paris, e promoveu encontros junto da West African Students Union com militantes francófonos do Senegal e do Daomé. O jornal mensal da WANS, New African, que iniciou sua publicação em março de 1946, publicava textos em francês nas colônias belgas e francesas (ADI, 1998: 130-131). Marika Sherwood demonstrou que a WANS
obteve sucesso em disseminar seus pontos de vista através de jornais africanos (SHERWOOD, 1996: 129, 131, 144-146).
Padmore havia desaprovado a iniciativa de Nkrumah de criar a WANS não apenas por conta de seu caráter regional, mas também pela aproximação de Nkrumah com os comunistas (SHERWOOD, 1996: 161). Padmore seguia firme em sua decisão de que a proximidade com o Comunismo Internacional seria estrategicamente ruim para a imagem e futuro da causa Pan-Africana, neste momento. O professor St. Clair Drake descreveu este incômodo de Padmore (MURAPA, 1974: 172). T. Ras Makonnen, quando realizou uma visita ao escritório da WANS notou a presença de publicações vindas de Moscou e, além disso, também notou a ausência de publicações editadas pela Pan-Africa. Nkrumah, por sua vez evitou o conflito direto com Padmore, mesmo quando foi questionado na presença de diversos membros por Makonnen no escritório central da PAF. Nkrumah sabia que Padmore possuía muitos contatos e prestígio no Oeste Africano, como Azikiwe, por exemplo, o que poderia causar-lhe problemas de reputação na imprensa oeste africana e enfraquecer sua imagem na região
(MAKONNEN, 1973: 263). O que estava ocorrendo era que Nkrumah estava
articulando, por vias próprias, ações políticas desconectadas da preocupação
internacionalista que Padmore e os intelectuais de Londres buscavam. Contudo, de maneira geral, Nkrumah seguia aquilo que fora construído enquanto consenso em Manchester.
Ako-Adjei, presidente da West African Students Union e delegado no Congresso de Manchester, havia retornado para a Costa do Ouro em abril, de 1947. Três semanas depois ele enviou uma carta de vinte páginas para Londres descrevendo seus encontros com o Dr. J.B. Danquah, antigo líder político da Costa do Ouro e outros intelectuais e membros das elites locais. Conforme Joe Appiah relembra, “o que mais nos assustou foram as novidades sobre a formação de um movimento político em forma de uma frente unida em prol da independência” (APPIAH, 1990: 63). Em 1947, advogados e comerciantes formaram uma organização que posteriormente, no mês de agosto, se tornou a United Gold Coast Convention. Neste momento a Índia acabara de se tornar independente do colonialismo britânico. Também foi neste momento que duzentas cópias do livro de Padmore sobre a União Soviética haviam alcançado a Costa do Ouro e estavam prontos para serem distribuídos. A Costa do Ouro fervilhava e o momento anticolonial era crucial.
Diante da sugestão de Ako-Adjei, Nkrumah foi escolhido como secretário-geral do UGCC, o que marcava seu retorno a seu país natal (APPIAH, 1990: 169). Logo após a partida de Nkrumah, um documento do Colonial Office foi expedido demonstrando preocupação com este núcleo do movimento por independência. De Londres, Padmore fez de tudo para cumprir sua promessa de apoiar e municiar o movimento popular na Costa do Ouro que agora contava com Nkrumah. Passou a ser o porta-voz da Costa do Ouro (e da Revolução africana), de Londres para o mundo. Padmore e Joe Appiah levaram Kwame Nkrumah na estação de Euston, em sua viagem de retorno à Costa do Ouro. Os dois reafirmaram que “de Londres – quartel general do inimigo – nós seguiremos a vigiar e protegê-lo dos ataques dos servos do imperialismo; e que de Londres seriam enviados suporte e munição necessários para as batalhas à frente” (APPIAH, 1990: 169).
A UGCC era composta inicialmente pela elite da Costa do Ouro e seus membros eram parte das classes educadas do país. A organização representava o status quo e tinha em seu quadro, advogados, médicos e homens de negócio, homem tais como Francis Williams, Dr. J.B. Danquah, William Ofori Atta, John Ayew, R.S. Blay, J.W. de Graft Johnson. Contudo, a organização precisava de uma figura que desse centralidade e liderasse a construção de uma congregação mais sólida. Coube a Nkrumah a tarefa de tocar a organização já que os outros membros, homens de negócios e profissionais liberais, consideravam-se atarefados demais para esta responsabilidade. Com Nkrumah a composição da organização muda e se amplia em um curto espaço de tempo. Nkrumah inicia seus trabalhos junto a UGCC no dia 29 de dezembro de 1947.
As lideranças do UGCC reivindicavam o fim do domínio colonial na Costa do Ouro, o fim dos privilégios comerciais que a metrópole dispunha trazendo prejuízo a estes homens e, mais importante, tendo em vista seu status social e grau de instrução, se colocavam enquanto sucessores naturais dos administradores coloniais (AUSTIN, 1964: 69). A liberdade era um princípio a ser perseguido por estes homens e vislumbrado enquanto um valor a ser compartilhados por todos os homens e mulheres da Costa do Ouro. Entretanto, apresentavam-se enquanto vanguarda da população, os mediadores desta liberdade e, portanto, os beneficiários legítimos deste processo. Diante da adesão da juventude dos diversos locais da Costa do Ouro e de cidades Ashanti, as lideranças tiveram dificuldades em rever este posicionamento. Com a aproximação de motoristas, artesãos, agricultores, professores e clérigos, Nkrumah precisou articular com inteligência e energia para formar uma frente coesa. Diversas seções de jovens
começaram a formar parte da UGCC, e Danquah e Nkrumah buscaram transformar as diversas organizações locais em um movimento nacional mais amplo (AUSTIN, 1964: 69).
Em fevereiro de 1948 ocorreu um boicote aos produtos europeus em Acra. Esta série de eventos se tornou conhecida como Accra Riots. A polícia local realizou intervenções violentas resultando na morte de algumas lideranças do movimento, ex- soldados que haviam lutado nas frentes de Burma, como por exemplo, o sargento Nii Adjetey, que recebeu um memorial em seguida de sua morte. Nkrumah e outras lideranças da UGCC tais como, Obetsebi Lamptey, Ako Adjei, William Ofori Atta, J.B. Danquah e A.E. Akuffo-Addo, foram presos pelas forças metropolitanas responsabilizados pelo boicote. Em seguida foi formada a Watson Commission, responsável pelas investigações sobre o boicote. Um mês depois as lideranças foram soltas, o que potencializou sua imagem no movimento anticolonial enquanto heróis e fez com que a UGCC ganhasse projeção nacional. A preocupação metropolitana com o fortalecimento de um movimento anticolonial com tonalidades populares e
revolucionárias pautou as investigações. Em seu julgamento Nkrumah negou que tenha
sido membro do British Communist Party, ainda que tenha admitido concordar com
algumas de suas visões e ter alguma relação com Palme Dutt, vice-presidente do partido. Questionado sobre a posse de uma carteirinha do Partido Comunista Britânico, Nkrumah informou que a carteirinha lhe foi dada pelo tesoureiro da organização a fim de que servisse apenas de modelo para documento semelhante a ser produzido na UGCC. Quando questionado sobre suas visões políticas ao retornar para o país, Nkrumah informou que,
Desde meu retorno à Costa do Ouro eu percebi que as pessoas não estavam de fato pensando em termos de uma comunidade oeste africana, mas cada qual estava buscando por seus próprios meios alcançar algum posicionamento territorial para si e alguma posição em relação ao autogoverno e, portanto, considerei que para realizar meu trabalho aqui eu deveria agir conforme esta visão (Gold Coast Commission of Enquiry Verbatim Reports of Proceedings Fifth to Seventh Hearings, PRO: C0964/27).
Nkrumah considerava que a independência dos territórios seria um pré-requisito para a unidade do Oeste Africano, mas tudo indica que passou a priorizar a
independência nacional da Costa do Ouro a fim de construir posteriormente a integração regional. Para Padmore, contudo, mais do que para Nkrumah, a libertação nacional e o nacionalismo seriam males necessários. Padmore reconhecia que o “nacionalismo burguês”, tal qual o defendido pela UGCC, era necessário em uma sociedade colonial, porém perigoso. Seria uma arma útil e necessária na difusão da insatisfação anticolonial e da pressão por autodeterminação, porém limitado na luta anti-imperial e anticapitalista. Padmore enxergava o nacionalismo enquanto um meio capaz de conduzir a objetivos transnacionais vinculados à Revolução mundial dos trabalhadores. Nkrumah alocava o nacionalismo nos marcos da luta interna ao continente africano, sem perder de vista a importância das conquistas regionais no Oeste Africano.
Diante de seus acusadores também foi interrogado sobre um documento a respeito do The Circle. Um grupo secreto formado por membros do WANS que deviam fidelidade pessoal a Nkrumah (PRO: CO964/24, Exhibit 35, cópia do documento do The Circle). O grupo possuía como palavras de ordem “os três S: Serviço, Sacrifício e Sofrimento”. Seus objetivos seriam “iniciar o trabalho revolucionário em qualquer parte do continente” a fim de criar a união das repúblicas socialistas africanas (PRO: CO964/24, Exhibit 35, cópia do documento do The Circle). Os membros do grupo deveriam realizar contribuições em valores e estar dispostos a lutar pela unidade do Oeste Africano e pela destruição do colonialismo (NKRUMAH, 1957: 50). Segundo Colin Legum, o The Circle poderia ser comparado a uma organização de base leninista, ideologicamente e organizacionalmente. Legum também sugere que o termo Osagyefo, que no idioma Akan pode ser traduzido tanto como „senhor da guerra‟ ou como
„redentor‟, tenha surgido no interior deste grupo (LEGUM, 1964: 131). Segundo Kodjo Botsio o The Circle não teria prosperado, pois, na sequência de sua formação Nkrumah teria retornado para a Costa do Ouro (BINEY, 2011: 34).
O documento havia sido encontrado em uma pasta de Nkrumah quando foi preso. Afirmou tratar-se de um “antigo sonho privado”. Assim como Padmore, sonhava com a formação de uma República Socialista Africana. Entretanto, admitiu que ao retornar para a Costa do Ouro abdicou deste sonho. O que este interrogatório revela é que o clima de Guerra Fria já se instaurava no continente africano traduzido nas preocupações em manter o “perigo comunista” longe dos territórios coloniais. Este cenário além de confirmar as preocupações apontadas anteriormente por Padmore, em relação às afiliações dos movimentos anticoloniais com o Comunismo Internacional, indicava que Nkrumah teria que lidar com o anticomunismo em sua luta por
independência. Respondeu a todas as questões sobre sua relação com lideranças comunistas, lideranças sindicais e suas convicções políticas, reiterando que “eu deixei claro que sou um Socialista, e um Marxista Socialista. Eu jamais declarei ser um comunista. Eu concordo com algumas de suas visões, mas não todas” (Gold Coast Commission of Enquiry Verbatim Reports of Proceedings Fifth to Seventh Hearings, Public Record Office: C0964/27). O julgamento serviu para que Nkrumah reafirmasse seu posicionamento ideológico e sua habilidade em manter algumas de suas articulações políticas nas sombras, conforme aprendido com C.L.R. James.
A importante obra de Manning Marable, African & Caribbean Politics, buscou compreender criticamente o aspecto marxista na trajetória de Nkrumah. Pensando sobre a relação Padmore/Nkrumah, Marable afirma que o CPP nunca foi, de fato, um partido socialista. Foi um partido “vagamente populista e igualitarista”. Marable, que termina por avaliar que a ideologia de Nkrumah não era radical o bastante, atribui esta tendência à influência de Padmore e de sua “social democracia negra”, responsável pela moderação de Nkrumah (MARRABLE, 1987: 106). O que as reflexões sobre as ações
de Nkrumah, bem como os posicionamentos de Padmore apontam, todavia, é que esta
moderação respondia a uma estratégia formulada desde a década de 1940, por Padmore.
Mas também corresponde às estratégias de Nkrumah diante do clima da incipiente Guerra Fria e da preocupação britânica com a presença comunista nas colônias. Em maio de 1954 Padmore escreve uma carta para Nkrumah dando orientações sobre como seu carisma não deveria se sobrepor à construção de um país livre, independente, socialista e autônomo:
Até agora o partido cresceu em torno do slogan: SGN [Self-government now] autogoverno já, uma bandeira, e sua personalidade. Estes poderiam ser elementos úteis no momento inicial do movimento... Mas desde que alcançou seu objetivo, o emocionalismo, deixa um vácuo... Devemos de agora em diante trabalhar uma filosofia básica como guia das ações futuras (George Padmore para Kwame Nkrumah, 10 May 1954. Nkrumah MSS/Howard, box 154-41, pasta 14).
Esta correspondência entre os dois também aponta para uma das preocupações de Padmore em relação à Nkrumah: o investimento na imagem carismática de Nkrumah, o Osagyefo, em detrimento de uma ideologia que desse sustentação às ações subsequentes rumo à independência da Costa do Ouro. Padmore reconhecia que a
imagem de Nkrumah em uma bandeira não seria o suficiente para sustentar as lutas por independência. Padmore pretendia que o processo de independência da Costa do Ouro fosse, de fato, uma Revolução. Padmore enxergava a oposição à Nkrumah como sendo formada “majoritariamente entre os africanos reacionários de classe média e idiotas pró- britânicos” (PADMORE, 1951), mas também por “chefes locais e aristocratas” (PADMORE, 1952a) mais interessados em seu bem-estar individual do que nas necessidades do povo. De Londres, e apesar das preocupações, Padmore seguia construindo uma imagem de Nkrumah enquanto um verdadeiro líder revolucionário, aquele “que nunca deixa de ouvir aos necessitados. Ele é o mesmo para todos – rico ou pobre, negro ou branco... as pessoas comuns o amam” (PADMORE, 1952b).
O Convention People’s Party: um partido de massas anticolonial
O Committee of Youth Organisations, formado em agosto de 1948 após a saída de Nkrumah da prisão, passou a integrar a UGCC. Kojo Botsio, era o secretário, e Komla Gbedemah, seu presidente. Posteriormente, este será o núcleo que dará início ao Convention People’s Party, a partir de junho de 1949. O CPP surgirá das disputas internas da UGCC diante das quais a parcela mais radical e progressista irá criar um partido independente. As diferenças entre o CYO e a UGCC poderiam ser caracterizadas em suas respectivas reivindicações por autogoverno. Ao passo que a UGCC demandava “autogoverno no menor tempo possível”, o recém-formado CPP exigia o “autogoverno agora!”. Tais diferenças já se apresentavam desde o início da aproximação entre Nkrumah e a UGCC. Quando de sua adesão a UGCC as lideranças o questionaram como faria para conciliar seu desejo de unidade do Oeste Africano, tal qual defendido no WANS, com os objetivos nacionais da UGCC. Seguindo um caminho que já fora motivo de atrito entre ele e Padmore, Nkrumah astutamente respondeu que “acreditava na solidariedade territorial antes da internacional” (AUSTIN, 1964: 54).
Entretanto, a proximidade com as massas e o aspecto mais radical da luta por independência, aspectos presentes no pensamento de Padmore, foram mantidos por Nkrumah. A reivindicação por autogoverno imediata se chocava com a perspectiva gradual e cautelosa do grupo de Danquah. A divisão entre os setores ligados à Danquah e os setores do futuro CPP, ligado à Nkrumah, possuíam clivagens de classe bem demarcadas. O tom gradual da UGCC atendia aos chefes locais que acumularam mais poderes diante do colonialismo, comerciantes de grosso trato, homens educados que formavam uma classe que se autodenominava a intelligentsia deste processo (AUSTIN, 1964: 14). Estes grupos compreendiam homens mais velhos e conformados com o colonialismo, ao passo que os verandah boys, ou a parcela semi-educada da sociedade da Costa do Ouro, “homens comuns”, formavam a base mais jovem e ampla que apoiava o CPP. Danquah e a UGCC enxergavam estes jovens e homens comuns como “agitadores”.
O vice-presidente da UGCC, o advogado Francis Awooner Williams revelou durante a campanha de Ação Positiva, organizada pela juventude e por estes “homens comuns” da Costa do Ouro, ser fortemente “contrário a esta greve e reclamava que o governo deveria utilizar gás lacrimogêneo contra os grevistas se fosse necessário.” (AUSTIN, 1964: 13-17) Segundo Thomas Hodgkin, Williams era um girondino consciente de sua classe, que se referia aos grevistas com palavras como “multidão” e “ral锲. Quando Richard Wright conheceu o Dr. J.B. Danquah no início dos anos 1950 a
sua impressão também é reveladora da atitude da UGCC diante das massas da Costa do Ouro. Quando foi perguntado sobre porque não disputava politicamente esta parcela da população e buscava a aproximação com a UGCC, Danquah respondeu ao escritor “fazendo uma careta: Eu não gosto desta coisa de massas. Existem apenas indivíduos para mim”. Wright seguiu afirmando que “cada palavra que eu utilizei chocava-se com suas convicções. Daí então eu prontamente percebi que este homem não era um político e nunca seria um” (WRIGHT, 2008: 212) Para o autor de Black Power, Danquah era um homem “old school”, que não seria capaz de falar às massas, apenas dizer-lhes o que devem fazer.
Com o aumento das mobilizações dos setores populares da Costa do Ouro Nkrumah soube, através do CPP, abrigar estes setores em seu partido e dar sentido às suas lutas. Acreditava que estes setores teriam potencial para transformar o país em um Estado „moderno‟. As massas seriam alçadas a cidadãos autônomos, capazes de escolher racionalmente e aptos ao jogo político „moderno‟. Esta leitura de Nkrumah também coadunava com as leituras feitas por Padmore e passava pelas crenças ideológicas presentes no Congresso de Manchester. O CPP iniciou uma campanha com o slogan “um homem um voto”. A ampliação do sufrágio universal, as reivindicações por igualdade e liberdade compuseram as bases ideológicas que possibilitaram que o CPP agregasse uma base social sólida em 1951. Entretanto, o governo colonial, preocupado com a rápida ascensão das massas e do CPP, criou o Cossey Committee, imediatamente após a publicação do relatório da Watson Comission, para observar as propostas constitucionais para a Costa do Ouro. O sufrágio seria restrito aos adultos, homens e mulheres, com mais de 25 anos que estivessem em dia com impostos e taxas (AUSTIN, 1964: 110).
Os verandah boys reivindicavam o direito de se auto representar. Kwesi Plange tornou-se um dos mais jovens candidatos a ser eleito, em junho de 1950, pouco antes de completar vinte e cinco anos de idade. Kwesi reivindicou que o voto deveria ser estendido aos jovens de 21 anos, o que ampliaria consideravelmente a base eleitoral do CPP. O Conselho Legislativo concordou em reduzir a idade dos eleitores, para vinte e um anos, entretanto, manteve a idade de vinte e cinco anos ou mais para candidatos. Isto fez com que jovens entre 21 e 24 anos pudessem entrar no processo eleitoral e a representação entre os setores jovens fosse drenada para o CPP. Com a pressão por ampliação da democracia liberal, cria-se o sentimento de que os governados podem se tornar os governantes. As lideranças da UGCC sentiram-se usurpadas em seu “direito”
de, enquanto elites nacionais, governarem os homens comuns e a “ralé” da Costa do Ouro. O que aumentava a indignação com o CPP e, sobretudo, com Nkrumah, foi o fato de que este havia sido convidado pelos líderes da UGCC a retornar de Londres para liderar o movimento por eles pensado. A partir da criação do CPP e de sua aproximação das massas, Nkrumah foi visto pelas lideranças da UGCC como um traidor que havia, a partir da CYO, construído seu próprio movimento político.
Em 15 de dezembro de 1949, Nkrumah havia lançado seu programa de Ações Positivas – Positive Action Program – que objetivava conquistar a independência da Costa do Ouro através da mobilização das massas em prol de ações não violentas e de desobediência civil. Desde novembro Nkrumah e o CPP cobravam do Colonial Office a formação de Assembleia Constituinte e o autogoverno, o que levaria a Costa do Ouro ao status de domínio britânico. O governo da metrópole, por sua vez, não reconheceu a Assembleia Constituinte, e sequer se dispôs a negociar com Nkrumah e o CPP. No dia 11 de janeiro de 1950, após uma campanha do governo colonial para desmobilizar as manifestações que não obteve sucesso, Nkrumah e outras lideranças do CPP foram
presas sem oferecer resistência. Neste contexto o governo colonial impôs uma série de
medidas restritivas – que durariam até o dia 6 de março – tendo em vista retomar o
controle do país. Ainda que o processo de busca pela independência da Costa do Ouro seja marcado pela negociação e pelas ações positivas, este momento revela uma forte tensão entre os movimentos anticoloniais e o governo britânico. Milícias antinegras de civis europeus e sírios foram criadas com intuito de pôr um fim às manifestações com o uso excessivo da força contra os manifestantes. No início de 1950 as mobilizações organizadas através das ações positivas tiveram seu fim, contudo as mobilizações obtiveram sucesso em se transformar em atividade eleitoral. Mesmo preso, Nkrumah receberá 98,5 % dos votos nas eleições gerais legislativas em fevereiro de 1951, nas quais o CPP conquista a maioria dos assentos no Congresso. Diante do sucesso eleitoral Nkrumah e outras lideranças foram postas em liberdade, tornando o líder do governo. A chegada de Nkrumah ao poder efetivo sob a plataforma das Ações Positivas é um traço de continuidade com o Pan-Africanismo e as estratégias construídas no Congresso de 1945. St. Clair Drake escreveu sobre o Congresso de Manchester,
Quando a conferência terminou [escreveu mais tarde] havia um tipo de acordo, conforme entendi... Eles possuíam acordo sobre o que deveriam fazer, agora que a conferência havia chegado ao fim, eles deveriam retornar
aos seus países o mais rápido possível e estarem à frente da mobilização das massas que já aconteciam e estavam efervescentes. Movimentos estavam ocorrendo por aqui e por todo o continente africano reivindicando autogoverno e programas mais humanos sob o colonialismo. Estes jovens, certamente jovens intelectuais, decidiram sair e convencer nosso povo que se você quiser conquistar aquilo que se deseja é necessário pressionar pela completa independência e soberania e não apenas demandar a França e Grã- Bretanha que realize reformas. Portanto, a ideia é que eles voltem para casa o mais rápido possível, estejam à frente dos movimentos que já ocorrem por lá, e lhes dê alguma direção (DRAKE & SHEPPERSON, 1986-7: 42).
As estratégias que deveriam ser utilizadas para conquistar a independência seriam a greve e o boicote. Padmore, atento aos acontecimentos na Índia recém independente, irá utilizar o caso indiano como modelo de luta anticolonial para a Costa do Ouro em seu livro Gold Cost Revolution: The Struggle of an African People from Slavery to Freedom publicado em 1953, após sua viagem ao país para a posse de Nkrumah, em 1951. Segundo Drake conseguiu avaliar em suas entrevistas, “[o]s Pan- Africanistas de Londres e Manchester tomaram uma decisão política, que seria efetivamente buscar através de todos os meios minimizar a violência para utilizarem o que eles chamavam de Ações Positivas Não Violentas” (DRAKE, 1974: 4).
A plataforma revolucionária de Nkrumah para a Costa do Ouro pode ser acessada em sua publicação What I Mean by Positive Action. Esta publicação segue, de maneira geral, a proposta do Congresso de Manchester em relação às ações não violentas e ao escopo constitucional que as disputas políticas pela independência deveriam possuir, tal qual pensado por Padmore. Nkrumah foi influenciado por Mahatma Gandhi quando escreveu este panfleto. A independência da Índia operou uma grande influência na intelectualidade negra de Londres ao final da década de 1940. Padmore observava o caso da Índia enquanto a possibilidade mais forte de se alcançar a independência junto às forças coloniais. Entretanto, ainda que a crença de que as ações positivas e pacíficas deveriam nortear as disputas políticas, Padmore pouco mencionava o nacionalismo de Gandhi, pouco comprometido com a ideologia marxista e com a construção de uma República Socialista. Nkrumah, por sua vez, acreditava no valor moral da não-violência, e encarava a tática como uma arma, muito embora não possuísse a mesma crença voluntarista proveniente do caráter religioso da Satyagraha (Caderno de notas de Kwame Nkrumah sobre a Costa do Ouro, NAG: SC21/10/1A).
Nkrumah recorreu a outro autor indiano para politizar o conteúdo da ação positiva,
C.V.H. Rao e seu livro Civil Disobedience Movement in India. Em seu livro de notas Nkrumah citou uma passagem do livro que dizia que a resolução de qualquer conflito é afetada pela “natureza da força moral e pela simpatia pública gerada pela legitimidade da causa pela qual se está lutando e pela extensão da reação moral causada nos opositores aos quais esta ação é direcionada” (RAO apudNKRUMAH, 1973: 94).
Nkrumah possuía a preocupação de dirimir quaisquer ruídos relacionados ao termo Ação Positiva “publicizados por erros ou por malícias” por setores caracterizados por ele como “provocadores e tolos” (NKRUMAH, 1973: 91). Alguns grupos buscavam significar o termo enquanto algo vinculado a ações violentas e perturbações da ordem. Nkrumah pautava o debate defendendo que seria através da Ação Positiva que o governo colonial abriria mão de seu poder de resolver assuntos políticos e ceder ao povo local e a seus chefes este poder (NKRUMAH, 1973: 93). Tal qual Padmore, Nkrumah acreditava que havia duas maneiras de obter o autogoverno. Ou pela “pressão moral”, tal qual operada por Gandhi, ou via ação revolucionária armada. De maneira
semelhante a Padmore, Nkrumah optou pela primeira forma, rechaçando a via armada.
Reiterando o caráter constitucional e legalista da tática, Nkrumah definia as Ações
Positivas através da legitimidade que esta tática trazia às ações políticas; através das campanhas educacionais e na imprensa; e através da ação constitucional de realizar greves, boicotes, e campanhas de não cooperação baseadas nos princípios da não- violência (NKRUMAH, 1973: 93-94). Segundo Nkrumah, “por conta do atraso educacional dos países coloniais, a maioria das pessoas destes países não sabe ler. Há apenas uma coisa que eles compreendem que é a Ação” (NKRUMAH, 1973: 93).
Durante o primeiro encontro da nova Assembleia Legislativa e da posse de Nkrumah como Líder do Governo, em Accra, Padmore hospedou-se na casa de Nkrumah. Na imprensa local foi informado que Padmore saiu pelo país em eventos do CPP enfatizando que “autogoverno e desenvolvimento econômico devem caminhar juntos”. Basil Davidson, testemunha ocular desta comitiva relembra que Padmore lhe contou que, “a partir de agora com as massas populares, os trabalhadores urbanos, artesãos, pequenos comerciantes, mulheres do mercado e pescadores, clérigos, professores do ensino básico e as vastas comunidades rurais são os construtores da história da Costa do Ouro” (PADMORE, 1953: 67).
Em seu livro sobre a Revolução da Costa do Ouro, buscou traçar o desenvolvimento do nacionalismo desde a fundação da Confederação Ashanti até a
emergência do CPP e seus desdobramentos para a Costa do Ouro (PADMORE, 1953). No livro, inicia sua discussão exaltando os valores democráticos presentes na história das instituições da Costa do Ouro, enfatizando que o poder de decisão dos chefes locais era balizado pela consulta popular. A obra foi criticada por direcionar duras críticas à oposição ao CPP, ao passo que apresentava um tom laudatório ao Partido e a figura política de Nkrumah. O livro também foi proibido de entrar em Tanganyika, Quênia e Niasalândia, pois foi avaliado como “contrário ao interesse público” pelo secretário de Estado para as Colônias (Resposta do secretário Lennox Boyd para Fenner Brockway, House of Comons, publicada no The Times, 11 de julho de 1958, p. 11). Contudo, defende que caso a Costa do Ouro queira se tornar independente e “moderna”, este sistema deveria ser adaptado aos tempos modernos afastando-se do “tribalismo”. Há um esforço de Padmore em questionar quais serão os desdobramentos políticos nas instituições locais diante do autogoverno e da independência almejada. A industrialização e a alta produtividade agrícola deveriam ser objetos de busca incessante caso o país quisesse conquistar independência política e autogoverno (PADMORE, 1953: 214). O livro nos auxilia na percepção de que a modernização dos países africanos para Padmore significava desenvolvimento econômico, industrialização uma balança econômica favorável e inserção de estruturas e instituições que há muito tempo foram experimentadas por ele, tais como os processos da democracia liberal, educação formal, burocracia estatal, por exemplo.
Ao chegar ao governo, Nkrumah apresenta seu novo plano de desenvolvimento que contaria com o apoio financeiro norteamericano nos campos da ciência, tecnologia, agricultura. E afirmou que “nossos objetivos imediatos no plano de desenvolvimento são a implementação de nosso plano de educação, a construção da Usina no Rio Volta, o estabelecimento de uma Usina de cimento e outra para produzir torneiras para o abastecimento de água e barras de ferro para construção de casas” (NKRUMAH, 1951). Afirmava que “o povo da Costa do Ouro tem o direito de governar-se ou desgovernar-se a si próprios”, em uma demonstração da importância da autonomia e do autogoverno (NKRUMAH, 1951). O que as eleições gerais e a massiva vitória do CPP demonstraram para o governo colonial era que o CPP deveria ser reconsiderado enquanto um ator no processo de transição para o autogoverno na Costa do Ouro. Pois diferente do que pensavam, o partido não era a “ralé” do país, mas uma organização política com legitimidade dentro do sistema democrático liberal, por conta da ampla maioria de votos recebida. Alguns funcionários do governo colonial permaneciam
considerando os chefes locais como os interlocutores naturais em relação ao processo de transferência de poder. A tensão entre a oposição, desejosa de manter privilégios e obter poderes diante da saída dos britânicos, e os planos do recém-empossado Nkrumah foram caracterizadas por Padmore como “tribalismo”. Padmore, sabendo da importância de disputar a narrativa deste processo vislumbrado por ele enquanto revolucionário, buscará aproximar o caso da Índia, que obteve independência em 1947, da Costa do Ouro. Retomava sua estratégia posta em prática durante a Guerra de observar a experiência colonial ao longo do sul global e atuar nas possibilidades e brechas do Império.
Padmore era peça fundamental para a imagem do Convention People’s Party a partir de Londres. O livro Gold Coast Revolution buscava tanto informar aos olhares estrangeiros os desdobramentos do processo revolucionário dando-lhe legitimidade diante do contexto do pós-Guerra, bem como pretendia construir uma genealogia entre os nacionalismos presentes no Oeste da África e suas semelhanças ao processo de independência da Índia, em 1947. A narrativa construída por Padmore apresenta tanto o
Indian Congress Party quanto o Convention People’s Party enquanto movimentos
formados ainda no século XIX, ou seja, com longa tradição política histórica e
anterioridade ao regime colonialista, a partir das elites. Porém alcançando as massas e construindo um programa revolucionário de transformação ao longo do processo anticolonial (PADMORE, 1953: 173). Outro aspecto enfatizado, além do caminho pacífico, é o aspecto constitucional, comuns tanto à Índia, de Gandhi, quanto a Costa do Ouro, de Nkrumah. Além disto, também buscou fazer com que o governo britânico fosse moral e politicamente pressionado a conceder a independência à Costa do Ouro tal qual fez com a Índia. Ainda havia o argumento de que a Índia obteve sua independência a despeito da negativa em cooperar com os esforços de Guerra, ao passo que a Costa do Ouro e o continente africano, de maneira geral, tiveram papel fundamental durante a Guerra em seus esforços.
Entretanto, Padmore deixa de mencionar o caráter nacionalista imprimido pelo então Indian National Congress e por Gandhi, exaltando o papel de Jawarharlal Nehru no processo de independência da Índia. Também descreve o nacionalismo no Ceilão seguido do processo de formação de um movimento popular que deu força à Donoughmore Commission, que assim como a Watson Comission, deveria ser responsável por realizar reformas constitucionais no país. O nacionalismo, desta maneira, era apresentado enquanto um meio para que se alcançasse um movimento
coeso e popular, que daria corpo às reivindicações por reformas constitucionais como etapa anterior à concessão da independência, vista dentro de um processo internacional concernente aos países “não alinhados”. Outro aspecto importante na narrativa de Padmore nesta obra dava conta de articular os movimentos nacionalistas a um contexto de demanda por libertação nacional dos territórios coloniais com origens no século XIX, que ganha força sob o contexto da Segunda Guerra tanto na Ásia quanto na África. Toda narrativa de Padmore sobre as independências da Índia e do Ceilão e da evolução destes territórios ao status de membros do Commonwealth of Nations é constantemente articulada ao processo na Costa do Ouro, que por sua vez é apontada enquanto um modelo a ser seguido no continente africano.
De maneira inteligente Padmore apresentava a Costa do Ouro enquanto um país movido de maneira unívoca pelo autogoverno e pela liberdade. Quando relatou a visita do secretário de Estado para as Colônias, Mr. Oliver Lyttelton, em junho de 1952, em meio às eleições para os conselhos locais afirma que, “De Acra ao sul, até Kumasi ao norte, ele foi recebido sob fortes demonstrações nacionalistas com manifestações de faixas e placas com slogans, „Nós queremos Autogoverno Agora‟ e „Nos dê a Liberdade ou a Morte”. A Costa do Ouro seria, portanto, um país coeso e sem o perigo das sedições “tribalistas”. Mesmo os chefes locais, “antigos defensores do Imperialismo Britânico”, identificavam-se com as agitações. Mesmo o chefe Ashanti, Asanthene, teria afirmado para Mr. Lyttelton que a população local apoiava o primeiro-Ministro Nkrumah nos avanços constitucionais, sinal do sucesso do sistema partidário (PADMORE, 1953: 184). Padmore estava interessado em pavimentar o caminho e assegurar que a Costa do Ouro estaria apta para, “de forma rápida e suave realizar a transição” para o autogoverno. Do contrário, segue Padmore, “diante de qualquer atraso neste estágio pode significar o surgimento de grave crise política, quando o país já superou a maior parte de suas dores do parto” (PADMORE, 1953: 184). Segue afirmando que, “não há como voltar atrás. Seria melhor que isto ocorresse agora ao invés de posteriormente, visto que as relações entre africanos e britânicos são mais cordiais do que em outras partes do continente africano” (PADMORE, 1953: 184). Certamente uma referência ao caso do Quênia, no leste africano. Em discurso na Assembleia Legislativa no dia 10 de julho, de 1953, Nkrumah chega a citar uma passagem do livro de Padmore, sobre a necessidade e legitimidade de uma reforma constitucional no país (TIMOTHY, 1963: 140).
Considerações Finais
Através da trajetória de Nkrumah, desde Londres até a construção do CPP, pode-se perceber a influência de Padmore na condução política do processo anticolonial da Costa do Ouro. Não apenas do ponto de vista estratégico, traduzidos em um partido que daria conta de suprir os anseios do povo da Costa do Ouro, com uma base de trabalhadores e camponeses sob um projeto de solidariedade nacional. Uma plataforma política, portanto, coerente com tudo aquilo que Padmore havia pensado desde sua atuação no International Trade Unions Committee of Negro Workers, na década de 1930 (MATTOS, 2018). Mas também intelectual, dada a construção de legitimidade anticolonial tendo como base o caso indiano em sua obra sobre a Revolução da Costa do Ouro (PADMORE, 1953). Nkrumah, por sua vez, como já havia demonstrado em seu julgamento diante da Watson Commission, soube apresentar a ideologia política do partido de forma sinuosa e astuta. Ainda que estivesse se construindo enquanto uma liderança dentro de um partido nacional de massas, tal qual a orientação marxista leninista – e Padmore – preconizava, o partido em si, não se apresentava dentro de uma linguagem marxista. E ainda que Nkrumah e alguns líderes do CPP já estivessem se organizando desde os tempos do incipiente The Circle sob a influência do leninismo, é difícil apontar claramente tais influências (BINEY, 2011: 289). Quando foi criado, em 1949, o CPP não demonstrou publicamente nenhuma aliança com o socialismo. O partido defendia os interesses nacionais de maneira genérica como, por exemplo, “trabalhar para a rápida reconstrução de uma Gana (Costa do Ouro) melhor na qual o povo e seus chefes terão o direito de viver e governar a si próprios enquanto um povo livre” (NKRUMAH, 1973: 58). Em sua criação o CPP possuía em sua base tanto um apelo à população quanto aos chefes locais.
Entretanto, o CPP sempre manteve a palavra de que a instituição dos chefes locais seria mantida. Na introdução de seu livro Gold Coast Revolution, Padmore enfatiza que a instituição dos chefes locais era tradicionalmente baseada em valores democráticos (PADMORE, 1953: 2). Padmore afirmava assim que, “seria possível fazer uso de seu prestígio enquanto pais tradicionais do povo, atuando enquanto lideranças morais e dando conselhos valiosos no sentido da construção de uma saudável e viril sociedade democrática moderna” (PADMORE, 1953: 3). Isto se devia aos regionalismos, ao que Padmore caracterizava como “tribalismo” e o sentimento anti-
Nkrumah presente na oposição, sobretudo na região Ashanti. Por isso a importância de construir uma narrativa democrática, que acomodasse os chefes locais em um projeto de
"modernização" institucional do país.
Do ponto de vista das relações exteriores, o CPP seguia o enquadramento transnacional e internacionalista ao se propor a “trabalhar com outros movimentos nacionalistas socialistas e democráticos na África e em outros continentes”, e “apoiar a construção de uma Federação Oeste Africana e do Pan-Africanismo através da unidade entre os povos da África e seus descendentes” (NKRUMAH, 1973: 59). Ainda que o partido assumisse a possibilidade de trabalhar junto de outros movimentos socialistas do continente e do mundo a linguagem marxista não se encontrava de forma explícita, seguindo uma lógica presente na perspectiva Pan-Africana formulada consolidada em Manchester.
Entretanto, é neste aspecto que encontramos atritos entre o Pan-Africanismo de Padmore e de Nkrumah. Qual o alcance desta Revolução e do socialismo africano? O líder ganês centrava seu radicalismo Pan-Africano no continente – inicialmente na região oeste africana – afastando-se, neste aspecto, do Quinto Congresso Pan-Africano em seu caráter internacionalista e transnacional. O CPP almejava “substituir as lideranças existentes na política do país por outras mais dinâmicas”, ou seja, fazer com os “homens comuns” fizessem parte da política indo de encontro ao elitismo da UGCC “modificando o sistema político ao invés de buscar conformar-se com o mesmo” (FOLSON, 1971). Nkrumah, desta maneira, inicia sua trajetória política no CPP, e no continente africano, como representante do Pan-Africanismo Continental, centrado inicialmente na consolidação da unidade territorial do Oeste Africano e posteriormente continental, tendo em vista a superação do colonialismo e da transformação do sistema político no continente africano através de uma visão socialista.
No dia 6 de março de 1957 foi celebrada a cerimônia de independência de Gana. Padmore esteve presente ainda que, em janeiro daquele ano, houvesse escrito para Richard Wright dizendo que não poderia participar da cerimônia por falta de dinheiro. Segundo, C.L.R. James, Nkrumah enviou a Padmore uma mensagem peremptória dizendo que ele não aceitaria nenhuma desculpa (JAMES, 1959: 55). Lideranças políticas importantes compareceram à cerimônia. Richard Nixon, Martin Luther King Jr., Ralph Bunche, por exemplo. Padmore foi para Gana em um avião VIP junto com a delegação britânica de antigos governadores locais, parlamentares, o embaixador norueguês, mais as delegações da China, Burma e Malásia (PADMORE, 1957). No
jornal The Crisis, o político de Serra Leoa, Hugh Smythe, escreveu que Padmore “é o herói silencioso de Gana, uma figura venerada e respeitada em toda África negra” (HOOKER, 1967: 130).
Após a independência de Gana, Nkrumah foi nomeado, de fato, Osagyefo, por seus correligionários (DAVIDSON, 1973: 192). Quando ganhou este título, Nkrumah foi severamente atacado pela imprensa opositora acusando-o de megalomania, autoritarismo, referindo-se a ele enquanto o „senhor da guerra‟. Contudo, houve disputas em torno do título, pois Osagyefo também foi caracterizado enquanto o
„redentor‟ e „regenerador‟. De toda forma, foi reconhecido como o grande nome e símbolo da independência da Costa do Ouro e do Pan-Africanismo na África. Sua trajetória foi meteórica e deve ser observada enquanto demonstrativo de suas capacidades de leitura política, mobilização e elucubração teórica. Contudo, a atuação constante, porém silenciosa de George Padmore, merece ser evidenciada.
Ao passo que a relação entre o Osagyefo e o Herói Silencioso evidencia
proximidades e sinergia diante do processo de independência da Costa do Ouro, a compreensão do Pan-Africanismo enquanto plataforma de luta anticolonial e anti-
imperial destes intelectuais apresenta ruídos e visões distintas. Neste sentido, ao analisar
as linguagens políticas do Pan-Africanismo mobilizado pelos dois compreende-se sua polissemia. Permite, também, identificar as diferentes clivagens que estes intelectuais emprestam aos conceitos de nacionalismo e revolução na luta por libertação colonial na África. Gana, primeiro país a obter sua independência colonial na África subsaariana se tornaria efetivamente plataforma para o fortalecimento da luta anticolonial em outros territórios que almejavam derrotar os poderes imperiais, ou seria o porta-voz do Pan- Africanismo interessado na unidade continental da África?
Na cerimônia de independência, Nkrumah declarou que “A independência de Gana não terá sentido até que seja seguida pela total liberação da África”. Esta máxima era preconizada também por Padmore, entretanto a análise dos eventos vinculados à trajetória de Nkrumah, mostrarão que este posicionamento era um recurso retórico. Marika Sherwood indica que o secretário permanente do Ministério das Relações Exteriores de Nkrumah apontou que o líder ganês possuía menos interesse nas relações diplomáticas do que no processo de descolonização do Oeste Africano, naquele momento (SHERWOOD, 2009: 173).
Fontes
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NAG: SC21/12/38. Discurso de Kwame Nkrumah proferido por ele na Lincoln University, 5 de junho, 1951.
NKRUMAH, Kwame. Caderno de notas de Kwame Nkrumah sobre a Costa do Ouro, NAG: SC21/10/1A.
NKRUMAH, Kwame Copy of The Circle document, PRO: CO964/24, Exhibit 35, (Moorland Spingarn Archives, Howard University).
NKRUMAH, Kwame. Gold Coast Commission of Enquiry Verbatim Reports of Proceedings Fifth to Seventh Hearings, PRO: C0964/27. Coleção Kwame Nkrumah. (Moorland Spingarn Archives, Howard University)
NKRUMAH, Kwame. Gold Coast Commission of Enquiry Verbatim Reports of Proceedings Fifth to Seventh Hearings, Public Record Office: C0964/27. (Moorland Spingarn Archives, Howard University).
PADMORE, George (1957). Carta para Richard Wright. Richard Wright Collection, Wright MSS/103/1521 (Yale University Archives). 22 de abril.
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Resposta do secretário Lennox Boyd para Fenner Brockway, House of Comons, publicada no The Times, 11 de julho de 1958, p. 11.
Referências bibliográficas
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Notas