Artigos
O URBANO NEOLIBERAL
Revista Ensaios de Geografia
Universidade Federal Fluminense, Brasil
ISSN-e: 2316-8544
Periodicidade: Cuatrimestral
vol. 9, núm. 19, 2022
Resumo: A Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha se refere a um conjunto de intervenções urbanas e econômicas na região portuária do Rio de Janeiro. O artigo está inserido na temática da economia política urbana e busca dimensionar a presença do capital internacional no Porto Maravilha. A pesquisa tem particular pertinência no contexto das discussões atuais em torno da nova rodada de intervenções da gestão do Prefeito Eduardo Paes na área central, que se dão através do lançamento do Projeto Reviver Centro e da renovada tentativa de consolidação do Porto Maravilha. Ademais, a investigação do incremento da participação do capital analisado poderá engendrar reflexões para o campo dos estudos urbanos, tendo em vista que os agentes internacionais não vivem no espaço da intervenção e as transformações ocorrem em função de seus interesses, que são descolados das demandas locais.
Palavras-chave: Planejamento Urbano, Economia Urbana, Mercado Imobiliário.
Abstract:
The Urban Operation Porto Maravilha refers to a set of urban and financial interventions in the port region of Rio de Janeiro. The article is inserted in the thematic of urban political economy and seeks to dimension the presence of international capital in Porto Maravilha. The research has particular relevance in the context of the current discussions about the new round of interventions of Mayor Eduardo Paes' administration in the central area, put forward through the launching of the Reviver Centro and the renewed attempt to consolidate Porto Maravilha. Furthermore, the investigation of the increased participation of the analyzed capital may engender reflections for the field of urban studies, considering that international agents do not live in the intervention space and transformations occur according to their interests, which are detached from local demands. Urban Planning; Urban Economy; Property Market.
Keywords: Urban Planning, Urban Economy, Property Market.
Resumen: La Operación Urbana Consorciada Porto Maravilha, se refiere a un conjunto de intervenciones urbanas y financieras en la región portuaria de Río de Janeiro. El artículo se inserta en la temática de la economía política urbana y busca dimensionar la presencia del capital internacional en Porto Maravilha. La investigación tiene especial relevancia en el contexto de las actuales discusiones en torno a la nueva ronda de intervenciones de la administración de alcalde Eduardo Paes en el área central mediante el lanzamiento del Reviver Centro y el renovado intento de consolidar Porto Maravilha. Además, la investigación de la mayor participación del capital analizado puede engendrar reflexiones para el campo de los estudios urbanos, considerando que los agentes internacionales no viven en el espacio de intervención y las transformaciones ocurren de acuerdo con sus intereses, que están desvinculados de las demandas locales.
Palabras clave: Planificación Urbana, Economía Urbana, Mercado Inmobiliario.
Introdução
O presente artigo é fruto da pesquisa do Trabalho de Conclusão de Graduação em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social, realizada na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Cabe mencionar que a pesquisa se encontra em fase de aprofundamento no âmbito do curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A investigação está inserida na temática da Economia Política da Operação Urbana Consorciada (OUC) Porto Maravilha e delimita sua análise na participação dos capitais internacionais na implementação dessa política urbana. O principal intuito aqui é apresentar um trabalho de caráter ensaístico, englobando as especificidades da governança urbana da zona portuária diante do neoliberalismo global por meio da identificação dos agentes envolvidos na operação.
O escopo mais amplo da investigação se configura nos processos políticos na esfera local materializados no Porto Maravilha. A identificação dos agentes protagonistas de seu arranjo institucional-financeiro, por meio de uma perspectiva escalar, pode contribuir para compreensão de possíveis mudanças nas dinâmicas de poder local. Em vista disso, a reflexão central reside no balanço sobre o quão permeável a produção do espaço urbano do Porto Maravilha está em relação aos investimentos internacionais.
O Porto Maravilha é uma Operação Urbana Consorciada (OUC) e se refere à um conjunto de intervenções nos âmbitos urbanístico, financeiro, imobiliário e viário. Esta intervenção urbana foi concebida sob a justificativa de “revitalizar” a região portuária do Rio de Janeiro. A utilização do verbo “revitalizar” na formulação dessa OUC representa uma política de renovação de uma área sem vida, negligenciando os residentes e a história da zona portuária. A aplicação dessa narrativa está presente nas peças publicitárias, apresentações e estudos técnicos do Porto Maravilha (CDURP, 2017), caracterizando seu uso ideológico.
Figura 1: Localização Geográfica do Porto Maravilha
Fonte: Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (2022)
O objetivo geral do presente artigo reside na busca pelo dimensionamento da presença e influência do capital internacional na OUC Porto Maravilha. Além disto, seus objetivos específicos constam em: (i) dimensionar quantitativamente o capital internacional presente no Porto Maravilha; (ii) analisar qualitativamente a influência deste capital no Porto Maravilha e (iii) identificar os atores envolvidos na economia política do Porto Maravilha.
Recorre-se a conceitos como Planejamento Estratégico, Empreendedorismo Urbano e Waterfronts Regeneration a fim de contextualizar a execução do projeto, que converge com o processo de neoliberalização da produção do espaço. Nesse contexto, o objeto aparece como uma estratégia de gestão empreendedora do espaço urbano que concretiza uma coalizão institucional, visando articular forças econômicas e políticas que agem principalmente por meio de parcerias entre Estado e Mercado. Na última década, essa parceria foi justificada pelo contexto dos megaeventos esportivos, gerando custos pesados para a população mais vulnerável das cidades brasileiras (MAGALHÃES, 2013).
O trabalho utiliza fontes secundárias a partir da Tese de Renato Martins (2017), da Dissertação de Thiago Pinho (2016) e de relatórios trimestrais da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (CDURP), além da revisão de literatura. A condução bibliográfica foi construída através de livros, artigos, teses e dissertações, localizados por meio dos bancos de dados Google Scholar e Scielo. As palavras-chave utilizadas para a pesquisa desses materiais foram: Porto Maravilha; Operação Urbana Consorciada Rio de Janeiro; Região Portuária Rio de Janeiro; Empreendedorismo Urbano; Planejamento Estratégico e Urbanismo Neoliberal. Após a determinação da utilidade dos materiais, foram elaborados resumos, fichamentos e anotações dessas produções acadêmicas com a finalidade de organizar o processo.
O processo de verificação empírica se estrutura na identificação dos proprietários dos empreendimentos através de dados de comercialização dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (CEPAC. Com base nos objetivos geral e específicos, os dados de transações dos CEPACs são utilizados como proxy de pesquisa, pois eles apresentam empiricamente os perfis dos titulares dessas comercializações que englobam a engenharia institucional-financeira do objeto.
O levantamento ocorreu por meio de corte transversal, ou seja, com dados coletados em um momento específico e teve o sítio eletrônico oficial do Porto Maravilha como peça fundamental para sua obtenção. A coleta de dados digitais de forma gratuita e de simples acesso foram pontos cruciais para a escolha dessa trilha metodológica.
A pesquisa possui caráter descritivo, pois tem como propósito descrever um fenômeno, permitindo apresentar as características da situação sem interferência do pesquisador na realidade, visto que a condução da investigação ocorre por meio da observação. Com isso, os resultados foram tratados de forma quantitativa, a fim de identificar possíveis transformações nas dinâmicas de exercício do poder engendradas pela modelagem institucional-financeira.
O projeto de revitalização da zona portuária da cidade do Rio de Janeiro se apresenta como instrumento de viabilização da mercantilização da cidade na lógica do neoliberalismo, produzindo efeitos sobre as dinâmicas urbanas locais (MARTINS, 2017). Nesse sentido, a pesquisa pode demonstrar que a presença do capital internacional interliga a tendência das cidades a se inclinarem ao empreendedorismo urbano durante o atual momento do capitalismo global (HARVEY, 2005). Portanto, a análise da economia política da OUC torna-se relevante, pois joga luz em orientações que a política urbana brasileira pode vir a apresentar e quais interesses estão sendo atendidos na produção do espaço urbano, diante das dinâmicas de financeirização do capital.
A investigação se justifica a partir da vitória de Eduardo Paes nas eleições municipais de 2020. Com a retomada desse ator político ao cargo de Prefeito do Rio de Janeiro, uma nova rodada de intervenções urbanas neoliberais ganha força com olhar renovado ao centro da cidade. A tentativa de reavivar o Porto Maravilha em conjunto com o anúncio do Programa Reviver Centro demonstra esse novo fôlego na reestruturação na cidade (PREFEITURA, 2021). A partir dessa ótica, o acompanhamento das intervenções urbanas na região central demanda uma análise crítica e comprometida com o interesse popular.
Além disso, cabe assinalar que a constante atualização da compreensão dos desdobramentos associados ao objeto pesquisado torna-se fundamental, tendo em vista as contribuições acadêmicas para pesquisas futuras que aprofundem a temática. Este artigo pretende contribuir, de alguma forma, para a literatura que trata do Porto Maravilha, como também para investigações a respeito dos estudos urbanos.
O presente artigo se divide em quatro seções, além da introdução e das considerações finais. Na sequência desta introdução, a perspectiva político-econômica da zona portuária será apresentada e, posteriormente, será formulada uma seção que trata do arranjo institucional-financeiro do Porto Maravilha. Nesta continuidade, os consumidores de CEPACs serão apresentados e, antecedendo as considerações finais, uma breve análise acerca da estagnação da comercialização destes certificados será construída.
Zona Portuária do Rio de Janeiro e neoliberalismo
A cidade do Rio de Janeiro tem sua história de políticas urbanas vinculada a grandes projetos[3], porém, nota-se uma ruptura fundamental em seu desenvolvimento urbano: a chegada dos ideais do Planejamento Estratégico no Brasil[4], tendo em vista sua instauração enquanto modelo que tomou a cidade de Barcelona, sede dos Jogos Olímpicos de 1992, como protótipo de city marketing[5]a ser seguido (VAINER, 2000).
Ao delimitar a análise para a região portuária, esse novo olhar para investimentos e transformações também pode ser notado. A área da região portuária era associada a deterioração física e cultural pela perspectiva de políticos, empresários e até mesmo da opinião pública, que enxergavam as adjacências do Porto do Rio de Janeiro como uma região à margem da cidade e um espaço sem relevância[6]. Essa perspectiva pode ser explicada em função da zona portuária não oferecer terreno fértil para investimentos econômicos, fugindo da rota de acumulação do capital desde meados do século XX (GONÇALVES; COSTA, 2020).
Após esse período, a região tem sua perspectiva transformada e a localidade passa a despertar o interesse de grupos políticos e econômicos como potencial espaço de acumulação e valorização para o capital imobiliário (GONÇALVES; COSTA, 2020). Tendo em vista sua proximidade espacial ao centro financeiro da cidade (SANTOS JUNIOR; WERNECK; RAMOS NOVAES, 2020) e também seguindo o fenômeno contemporâneo de políticas urbanas waterfronts regeneration. Esse fenômeno foi iniciado no final da década de 1950 no contexto estadunidense e disseminado em cidades pelo mundo, como por exemplo, o “Port Vell” em Barcelona, e o “Porto Ântico” em Gênova (FEDOZZI; VIVIAN, 2021).
As políticas se direcionam às orlas urbanas como solução às problemáticas espaciais e reverberaram no Brasil nas últimas décadas. Podem-se tomar como exemplos brasileiros, além do Porto Maravilha, a Estação das Docas em Belém e o Viva Cais Mauá em Porto Alegre. Com essa perspectiva, os projetos urbanos passam a intervir no espaço de forma estrutural e transformam as formas de uso e valor do espaço urbano (FEDOZZI; VIVIAN, 2021).
Em consonância com as políticas de waterfronts, a mudança também pode ser explicada pela ruptura em relação ao planejamento urbano clássico. O modelo de Planejamento Estratégico, disseminado nas cidades como expoente da política urbana neoliberal, tornou a inserção das cidades na dinâmica competitiva seu principal objetivo, fomentando a produção urbana de cidades-empresa (VAINER, 2000). Este modelo de planejamento surge como alternativa de ocupação do espaço deixado pela derrocada do modelo tradicional. Nesse sentido, os conceitos do Planejamento Estratégico são inspirados pelas técnicas utilizadas no meio empresarial (como análise SWOT, FOFA e seus derivados), em decorrência das novas competições intercidades[7].
Carlos Vainer (2000) salienta que o discurso propagado foi pautado na lógica de que o planejamento urbano estratégico constituiria o único modelo capaz de proporcionar o desenvolvimento metropolitano, omitindo a carga ideológica dessa narrativa. Nesse cenário, a essência ligada ao planejamento empresarial levou a atuação da gestão urbana para uma lógica empreendedora, que criou competitividade entre as cidades, tornando-as mais atrativas ao capital (HARVEY, 2005). Portanto, pode-se dizer que mesmo com a transposição do modelo estratégico da corporação privada para o território público, não se abre mão de uma decisiva intervenção estatal, desde que voltada para os interesses do mercado – assim como do neoliberalismo.
Brenner, Peck e Theodore (2012) consideram o processo de neoliberalização do espaço como essencial para entender as mudanças regulatórias do sistema capitalista no contexto das crises econômicas contemporâneas. De maneira análoga ao conceito de globalização proposto por James Mittelman (apud BRENNER; PECK; THEODORE, 2012), os autores afirmam que é possível conceituar a neoliberalização, sugerindo que este seria um fenômeno heterogêneo e originado a partir de desdobramentos cumulativos de contradições que se sobrepõem.
Nesse sentido, esse processo é concebido como historicamente específico, híbrido, desenvolvido de maneira desigual e composto por tendências. Portanto, a experimentação regulatória disseminada em projetos particulares locais espalhados pelo mundo (como o Porto Maravilha), se apresenta como instrumento intensificador de formas disciplinadoras de governança em prol do mercado (BRENNER; PECK; THEODORE, 2012).
Outra consequência desta conjuntura – na linha do que foi tratado por Vainer (2000) – consiste no espraiamento dos ideais neoliberais para as formas de gestão de políticas urbanas e para o planejamento urbano. Theodore, Peck, Brenner (2009), investigam o urbanismo neoliberal e listam as principais justificativas que sustentam projetos deste viés por meio da narrativa do crescimento econômico. Os pretextos utilizados neste tipo de governança urbana englobam: a redução de impostos corporativos; a privatização dos recursos e serviços públicos; o enfraquecimento dos programas de bem-estar social; a expansão do capital internacional e a intensificação da concorrência entre escalas locais (THEODORE; PECK; BRENNER, 2009).
Ermínia Maricato (2015) aponta que a confluência entre neoliberalização e a redemocratização brasileira dos anos 1990, engendrou transmutações no processo de urbanização do país. Por exemplo, Souza (2018) assinala que os projetos urbanos executados no contexto dos megaeventos esportivos no Brasil, isto é, Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016, indicam a ascensão do padrão corporativo da produção do espaço em um cenário de hegemonia da lógica da financeirização. Ideário que vem acompanhado da gestão excludente de bens e serviços públicos, viabilizados pelo planejamento urbano voltado aos interesses do grande capital – que incorpora o capital fictício como instrumento de planejamento territorial.
Desta forma, as cidades se tornaram ferramenta de exploração através de intervenções como o Porto Maravilha, e, nesse caso, o projeto assume importante papel na dinâmica da mercantilização da cidade (PINHO, 2016). O capital busca sua reprodução, que passa pela acumulação e utilização de mais capital e, por essa razão, sua circulação entende esse tipo de política urbana como oportunidade para executar sua estratégia (HARVEY, 2005). A partir disso, a revitalização busca atender interesses mercadológicos e dita os rumos da intervenção em detrimento dos interesses locais (MARTINS, 2017).
Porto Maravilha e seu arranjo financeiro
O megaprojeto urbano denominado “Porto Maravilha” foi lançado pela administração municipal de Eduardo Paes (PSD)[8] em 2009 (CDURP, 2017) e institucionalizado juridicamente através de uma Operação Urbana Consorciada (OUC)[9], que é instrumento previsto na Lei Federal nº 10.257 de 2001, o Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001). Com base nesta legislação, a Lei Municipal Complementar nº 101, de 23 de novembro de 2009, foi responsável pela criação da Operação Urbana Consorciada do Porto Maravilha, sob justificativa de proporcionar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental (RIO DE JANEIRO, 2009).
A área do projeto, determinada pela Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU)[10], engloba aproximadamente cinco milhões de metros quadrados entre as avenidas Rodrigues Alves e Presidente Vargas (PINHO, 2016). Essa localização se distribui pelos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo. Ainda abrange de forma parcial os bairros Centro da Cidade, Cidade Nova, São Cristóvão e Caju. A área também é composta pelas seguintes favelas: Morro da Providência, Moreira Pinto, São Diogo, Pedra Lisa e Livramento (CDURP, 2017).
Figura 2: Área de Especial Interesse Urbanístico
Fonte: Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (2022)
O projeto se estruturou em torno de uma Parceria Público-Privada (PPP), com valor inicial aproximado de 7.609 bilhões de reais, com prazo de quinze anos, sendo renováveis por mais quinze anos, e no seu lançamento foi utilizado o slogan “A maior PPP do Brasil” (WERNECK, 2016). A Lei Complementar também regulamentou as diretrizes da parceria e associou a gestão pública municipal, via Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (CDURP), a três construtoras, via Concessionária Porto Novo, para o gerenciamento do projeto. Essas diretrizes envolviam a prestação de serviços urbanos como saneamento, iluminação e coleta de lixo (SARUE, 2016).
A concessionária era formada por três construtoras de grande relevância no cenário imobiliário brasileiro: Odebrecht, OAS e Carioca Engenharia. As participações acionárias dessas empresas na concessionária eram: Odebrecht: 37,5%; OAS: 37,5% e Carioca Engenharia: 25,00% (MARTINS, 2017).
O arranjo financeiro do projeto está ligado sobretudo à venda dos Certificados de Potencial Adicional de Construção, os CEPACs. O CEPAC é instituído juridicamente pela Lei Federal do Estatuto da Cidade em seu artigo 34 e é regulamentado pela Lei Municipal Complementar nº101/2009. Os CEPACs foram criados a fim de conceder permissão para a possibilidade de financiamento de obras no contexto de Operações Urbanas sem afetar as verbas do tesouro municipal. Ou seja, os CEPACs são os principais financiadores da OUC e a Prefeitura não injeta recursos no projeto diretamente (PINHO, 2016).
Por ser componente do mercado de valores mobiliários, o CEPAC é registrado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Sendo assim, esses certificados são títulos usados pela administração pública para viabilizar recursos de forma antecipada, a fim de arcar com os custos da Operação Urbana (WERNECK, 2017). Entretanto, a contrapartida apresentada aos compradores desses certificados é a permissão de alteração de padrões edilícios dos empreendimentos dentro da AEIU (SARUE, 2016). Em outras palavras, os CEPACs são certificados que os compradores utilizam como permissão para construírem fora dos padrões urbanísticos previamente estabelecidos.
Nessa dinâmica financeira, foram emitidos aproximadamente quatro milhões de metros quadrados de potencial de construção, que foram comercializados no mercado. O proprietário que deseja construir e investir em empreendimentos na área deve associar os CEPACs ao terreno específico (SARUE, 2016). Contudo, para adquirir esses CEPACs não é necessário que o comprador seja obrigatoriamente proprietário do empreendimento dentro da área do Porto Maravilha. Desta forma, os CEPACs tornam-se instrumentos acionários, pois sua comercialização ocorre de maneira irrestrita, permitindo que investidores os comprem com objetivos meramente especulativos (SANTOS JUNIOR; WERNECK; RAMOS NOVAES, 2020).
Após a contextualização dos CEPACs, é necessário delimitar como a Operação Urbana Consorciada articulou dois fundos de investimento imobiliário nessa engrenagem financeira. Um dos fundos é controlado pela CDURP, que é o Fundo de Investimento Imobiliário da Região Portuária (FIIRP) e o outro pela Caixa Econômica Federal (CEF), o Fundo de Investimento Imobiliário Porto Maravilha (FIIPM) (WERNECK, 2017). Em resumo, a CEF, através de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), adquiriu todos os 6.436.722 CEPACs que estavam disponíveis, pagando aproximadamente 3,5 bilhões de reais em um leilão de lote único[11] (SARUE, 2016).
Assim, a CEF tornou-se responsável pela negociação desses certificados com potenciais investidores. Deste modo, um acordo foi arquitetado no qual o FIIPM se responsabilizou pelo pagamento de aproximadamente 8 bilhões ao FIIRP, com prazo de 15 anos. Em tese, esse valor seria produto da valorização acionária dos CEPACs no mercado (SARUE, 2016). Portanto, em linhas gerais, esse arranjo financeiro ocorre pela comercialização dos CEPACs, pela assunção dos riscos financeiros por parte do poder público e pelo adiantamento de recursos oferecidos para a concessionária realizar a prestação de serviços e obras que envolvam a execução do projeto.
Como Pereira (2015) constata, a credibilidade do projeto implementado está no âmago da visão que o Porto Maravilha pretende imprimir frente aos empreendedores e investidores, que são o público-alvo de compradores dos CEPACs e aguardam uma possível valorização dos empreendimentos desenvolvidos, de modo a impulsionar seus ganhos de maneira especulativa. Assim, a Operação Urbana Consorciada necessita construir um ambiente propício para investimentos. Nesse contexto, a dinâmica especulativa corporativa toma conta da estruturação do projeto, pois o atendimento às necessidades do mercado imobiliário e demandas oriundas dos potenciais compradores instauram-se como centro dos objetivos da intervenção. Por isso, Ferreira e Fix (2001) interpretam os CEPACs como instrumentos de institucionalização da especulação do setor imobiliário.
Os CEPACs foram criados com o intuito de aumentar o volume de recursos empregados nas Operações Urbanas. No entanto, pelo fato do mercado financeiro se configurar como terreno fértil para capitais estrangeiros que buscam alta volatilidade e lucratividade, eles acabariam, hipoteticamente, tornando o mercado imobiliário brasileiro (historicamente dominado por capitais nacionais e fechados) mais vulnerável aos investimentos estrangeiros (FIX, 2009; SANFELICI, 2015), principalmente os aportes oriundos de Fundos de Investimentos, como o FIIPM e o FIIRP. Uma constatação a ser feita é que a gestão urbana do Rio de Janeiro passou a acompanhar as demandas mercadológicas especulativas, que passam a ser hegemônicas nesse contexto em que a governança local submete sua agenda aos interesses do capital imobiliário financeiro (SANTOS JUNIOR; WERNECK; RAMOS NOVAES, 2020).
Consumidores de CEPAC
Depois do detalhamento da engenharia financeira do Porto Maravilha, os consumidores dos CEPACS serão apresentados em função de sua posição central na análise da influência do capital estrangeiro na gestão urbana desse projeto de revitalização. A peça chave para a identificação dos produtores desse espaço urbano reside nas transações dos CEPACs. Nesse sentido, os dados da comercialização desses certificados podem ser usados como proxy de pesquisa, em razão desses proprietários serem os protagonistas da transação imobiliária, atuando diretamente no espaço. Resumidamente, essas empresas, de alguma forma, são investidoras na área e, portanto, potencialmente beneficiadas pelo projeto.
Tabela 1: Hierarquização do Consumo de CEPACs do Porto Maravilha
Titular | Controlador | Empreendimentos | Quantidade de CEPACS | % do total | % do total adquirido |
Tishman Speyer Participações Ltda. (TS 19 e TS22) | Tishman Speyer | Pátio da Marítima e Lumina Rio | 242.636 | 3,77% | 42,20% |
Porto 2016 Empr. Imobiliários S/A | OR, OAS, Carioca Engenharia e REX | Porto Vida Residencial | 68.631 | 1,07% | 11,94% |
Autonomy GTIS Barão de Tefé Empr. Ltda | GTIS e Autonomy | Vista Guanabara | 66.200 | 1,03% | 11,52% |
Uirapuru Participações Ltda | Global E. P./ MDL | Porto Vista | 58.937 | 0,92% | 10,25% |
Arrakis Empr. Imobiliários S/A | OR e Performance | Porto Atlântico Business Square - Leste | 57.273 | 0,89% | 9,96% |
Barão de Tefé SPE Empr. Imobiliários S/A | JPL | BTS L’Oreal | 39.582 | 0,62% | 6,89% |
Grupo Odebrecht (Odebrecht Realizações Imobiliárias RJ04 EI Ltda e Edifício Odebrecht RJ S/A) | OP/OR | Holiday Inn Porto Maravilha e Porto Atlântico Business Square - Oeste | 28.547 | 0,45% | 4,97% |
Partifib Projetos Imobiliários F55 Ltda | Fibraexperts | Partifib | 8.738 | 0,14% | 1,52% |
SPE STX Desenvolvimento Imobiliário S/A | STX DI / Kallas | AC Hotel Rio de Janeiro Porto Maravilha | 4.355 | 0,07% | 0,76% |
Fonte: Elaborado pelo autor[12] (2022)
Por meio da tabela, pode-se concluir que a maior consumidora de CEPACs do Porto Maravilha é a Tishman Speyer. Essa empresa é responsável pela construção dos edifícios Port Corporate Tower e AQWA Corporate (MARTINS, 2017), e lidera o ranking de consumo dos certificados construtivos com 242.636 unidades de certificados consumidos, alcançando 42,20% do total adquirido. Em termos comparativos, o segundo titular com maior número de CEPACs consumidos é a Porto 2016, com 68.631 unidades e 11,94% do total adquirido, aproximadamente 3,5 vezes menos que o primeiro colocado.
Também vale destacar a Autonomy Investimentos, que consumiu 11,58% do total de CEPACs adquiridos, com 66.200 unidades, e aparece na terceira colocação nesta tabela. Segundo sua página no Linkedin[13], a Autonomy é gestora de investimentos especializada no setor imobiliário e possui sede em São Paulo. Em 2019, a Autonomy Investimentos e Affiliates “que é o braço imobiliário do fundo corporativo Autonomy Capital Research LLP, fundado em 2003” (PINHO, 2016, p. 194), efetuou a compra da fábrica do Moinho Fluminense, localizada na área do Porto Maravilha (LUCENA, 2019).
Figura 3: Moinho Fluminense
Fonte: Acervo do autor (2022)
Com o objetivo de fornecer robustez à análise, o artigo apresenta o detalhamento da atuação de duas empresas centrais na investigação: a Tishman Speyer, corporação internacional com maior atuação direta no Porto Maravilha, e a Odebrecht, companhia nacional que atuou de forma diversificada na AEIU (PINHO, 2016; MARTINS, 2017). A Tishman Speyer se mostra líder absoluta em investimentos no Porto e o Grupo Odebrecht (e suas ramificações OR e OP) aparece como membro da composição de controladores das transações da Porto 2016, da Arrakis e do próprio Grupo Odebrecht, totalizando uma participação de 26,87% referente ao total de CEPACs adquiridos.
A empresa estadunidense do setor imobiliário fundada em 1978 por Robert Tishman e Jerry Speyer e atua de forma transnacional desde 1988[14]. Atualmente, a multinacional é proprietária do complexo de edifícios Rockefeller Center, em Nova Iorque, do empreendimento Torre Norte, em São Paulo, entre outras propriedades ramificadas por diversos países como Brasil, Estados Unidos, China e Índia[15]. A Tishman Speyer, segundo Pinho (2016, p. 174), “[...] é um caso típico de empresa imobiliária que passou por transformações no contexto da globalização financeira deste setor, atuando hoje internacionalmente com 19 escritórios regionais”.
De acordo com o endereço eletrônico institucional da empresa[16], sua forma de atuação se dá a partir da captação de elevadas quantidades de capital por meio de fundos de investimentos. Com isso, é possível afirmar que a incorporadora mais atuante no Porto Maravilha está ligada diretamente ao capital financeiro imobiliário em escala internacional e produz transformações espaciais alinhadas aos seus interesses corporativos.
A Construtora Norberto Odebrecht S.A. é outra empresa que merece ser destacada na análise da produção do espaço da zona portuária, pois é a empresa que teve maior participação na composição da Concessionária Porto Novo e atuou de forma heterogênea em todo o projeto. Essa empreiteira foi fundada no ano de 1944 em Salvador e desde então buscou diversificar sua atuação no mercado de construções imobiliárias. A partir do ano de 1979, passou a atuar de forma transnacional e atualmente possui investimentos espalhados por quatro continentes: América, África, Ásia e Europa. A holding Odebrecht S.A. foi fundada em 1981 e faz parte do conglomerado que integra as áreas de infraestrutura, petróleo, agroindústria, corretora de seguros, empreendimentos imobiliários, entre outros setores (MARTINS, 2017; PINHO, 2016).
A participação da Odebrecht na Concessionária Porto Novo ocorreu pelo braço chamado Odebrecht Infraestrutura. Além da participação na PPP global da Operação Urbana, lançou o Porto Atlântico Leste e o Porto Atlântico Oeste por meio do seu braço imobiliário, a Odebrecht Realizações Imobiliárias (MARTINS, 2017). Esse complexo imobiliário está localizado no bairro do Santo Cristo e se constitui por imóveis hoteleiros, corporativos e comerciais.
Figura 4: Entrada do complexo Porto Atlântico
Fonte: Acervo do autor (2021)
A Odebrecht possui mais duas ramificações: Odebrecht Properties e Odebrecht Transport. A Odebrecht Properties, que atua no setor de ativos imobiliários, é responsável pela operação da Via Binário e também ficou a cargo do processo de demolição do Elevado da Perimetral (MARTINS, 2017). Já no caso da participação do Grupo Odebrecht na implementação do modal VLT Carioca, a protagonista é a Odebrecht Transport, que foi fundada em 2010 e atua nas áreas de mobilidade urbana, rodovias, portos e sistemas integrados de logística (PINHO, 2016; MARTINS, 2017). Essas atuações diversificadas das empresas do Grupo Odebrecht na composição do projeto, segundo Pereira (2015, p. 148 apud PINHO, 2016), representam o procedimento das grandes incorporadoras no mercado imobiliário brasileiro; no caso da Odebrecht, esse movimento ocorreu a partir dos anos 2000.
Com isto posto, pode-se afirmar que os atores protagonistas do arranjo financeiro do Porto Maravilha se apresentam como empresas ligadas direta ou indiretamente ao mercado especulativo voltado ao setor imobiliário. As duas empresas destacadas resumem esse cenário: (i) a Tishman Speyer como um exemplo de empresa transnacional com interesses acionários globais e (ii) a Odebrecht, que apesar de ser uma construtora brasileira, opera de acordo com interesses imobiliários especulativos e investimentos estrangeiros.
Estagnação dos CEPACs
Na Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha foram emitidas 6.436.722 unidades de CEPACs, equivalentes a 4.089.502 metros quadrados de potencial adicional construtivo (WERNECK, 2017). Entretanto, até a última atualização que baliza a elaboração da Tabela 1, foram consumidos apenas 574.899 de CEPACs no âmbito do Porto Maravilha. Com isso, chega-se em apenas 8,9% de consumo do total de CEPACs. Ou seja, 91,1% do estoque de CEPACs ainda não foi comercializado. Segundo o FIIPM, esse movimento esmorecido da venda dos CEPACs do Porto Maravilha ocorreu pela falta de condições de investimentos por parte do mercado.
Diante desse panorama, pode ser discutido como esse projeto de revitalização foi concebido de forma dependente das interações e flutuações do mercado financeiro e das condições econômicas ligadas ao setor imobiliário. Com a compra dos CEPACs em sua totalidade, o setor público buscou abrir caminho para investimentos imobiliários a fim de garantir o sucesso da OUC e passar credibilidade aos investidores. Contudo, ante a letargia de vendas e falta de engajamento do setor privado, o projeto encontra dificuldades para se desenvolver (WERNECK, 2017).
Após aproximadamente seis anos sem nenhum projeto com novo consumo de CEPACs, um empreendimento residencial foi responsável pela interrupção da estagnação. O projeto conta com 470 unidades construídas na primeira fase e depois com mais duas fases, formando um total de 1.224 unidades. Os imóveis deste empreendimento terão valores entre R$ 240 mil e R$ 450 mil (RODRIGUES, 2021).
No entanto, essa movimentação ainda não foi disponibilizada pela CDURP ou pelo FIIPM, logo não há dados oficiais do percentual e da quantidade de consumo dos CEPACs. O empreendimento se localiza na Praça Marechal Hermes, no bairro de Santo Cristo, e a Cury foi responsável pela “quebra de hiato”.
Figura 5: Empreendimento Residencial da Cury na Praça Marechal Hermes
Fonte: Acervo do autor (2021)
Segundo o terceiro relatório trimestral de 2021 da CDURP, também foi anunciado o segundo empreendimento residencial do Porto Maravilha. Este anúncio ocorreu cerca de um mês após o primeiro residencial ter sido lançado. O empreendimento fica localizado na esquina das ruas Cordeiro da Graça e Equador, no bairro do Santo Cristo. A Cury Construtora comprou por R$15 milhões o terreno de 7.175 m2 do FIIRP. O primeiro empreendimento é denominado Rio Wonder Residences Praia Formosa e já está 100% vendido (CURY, 2021).
Figura 6: Empreendimento Residencial Rio Wonder Praia Formosa
Fonte: Acervo do autor (2021)
A Cury Construtora e Incorporadora, segundo as informações dos sistemas da Comissão de Valores Mobiliários[17], é uma empresa de capital aberto[18] e seu código acionário é CURY3. Segundo o site do Novo Mercado BM&BOVESPA, 31% da sua composição acionária é de propriedade do Grupo Cyrela Brazil Realty S/A Empreendimentos e Participações[19]. A Cyrela é uma incorporadora de imóveis residenciais com sede em São Paulo e também possui ações na bolsa de valores, com a sigla acionária CYRE3.
De acordo com Bastos (2012), a Cyrela pode ser identificada como exemplo empresarial que ganhou espaço no mercado de ações a partir dos investimentos do programa habitacional Minha Casa Minha Vida (MCMV). A Cyrela foi a primeira empresa do ramo a ter ações na bolsa de valores, em 1996, e, em 2009, sua subsidiária Living se consolidou como empresa especializada no segmento econômico (BASTOS, 2012, p. 70).
Considerações Finais
Esta seção de conclusão, busca sintetizar algumas reflexões que podem ser construídas a partir da elaboração deste texto, bem como apresentar possíveis apontamentos que possam vir a fomentar futuras pesquisas que englobem a temática deste artigo.
Segundo Martins (2017), esta Operação Urbana Consorciada representou uma ruptura em relação ao modelo de gestão urbana por meio da mudança das arenas de tomadas de decisão e dos atores envolvidos na estruturação. Assim, a internacionalização da operação se explica ao analisar os atores produtores do espaço do projeto, suas atuações transescalares e as movimentações da comercialização de CEPACs.
Um dos fatores que contribuiu para a internacionalização do mercado imobiliário brasileiro, de acordo com Daniel Sanfelici (2015), foi a instauração e regulamentação dos fundos de investimentos imobiliários, que proporcionaram massiva participação de investimentos oriundos de incorporadores estrangeiros, certas vezes atuando em parceria com construtoras nacionais. O Porto Maravilha oferece exemplos práticos dessa conjuntura, com a atuação da Tishman Speyer e a parceria com construtoras brasileiras, como na construção do Port Tower Corporate. Todavia, cabe ressaltar que o foco deste artigo não reside nas questões sobre o fracasso ou sucesso da implementação do Porto Maravilha, quanto menos na comparação dos desdobramentos exploratórios que o investimento nacional poderia engendrar.
As mudanças causadas pelas flutuações do mercado internacional de commodities (em conjunção a outros fatores) foram fundamentais para desencadear a crise econômica de 2014. Essas flutuações, por sua vez, incidem diretamente sobre as possibilidades e expectativas de novos investimentos no Brasil (CARVALHO, 2018). Ademais, com a interligação do mercado financeiro internacional aos investimentos em infraestrutura urbana, através dos CEPACs, por exemplo (FIX, 2009), o projeto de revitalização torna-se ainda mais vulnerável em um contexto macroeconômico fragilizado.
O foco deste artigo reside no balanço sobre o quão permeável a produção do espaço urbano do Porto Maravilha está em relação aos investimentos estrangeiros, considerando que o mercado imobiliário brasileiro é historicamente controlado por capitais concentrados nas mãos de famílias tradicionais da burguesia nacional (FERREIRA; FIX, 2001; FIX, 2009; PINHO, 2016). A partir da apresentação dos dados coletados e da análise da tabela de hierarquização dos titulares das compras de CEPACs, o resultado aponta para o protagonismo do capital internacional ao longo da execução do projeto.
A maioria dos empreendimentos já finalizados, e até mesmo os não concretizados, são constituídos por investimentos internacionais de forma direta ou indireta. Ou seja, a maior parte dos investimentos realizados no âmbito do Porto Maravilha provém de capital internacional e, com o arrefecimento da comercialização dos CEPACs, os investimentos no geral (nacional e internacional) sofreram queda.
O objetivo da presente pesquisa é dimensionar a presença do capital estrangeiro e sua influência no Projeto Porto Maravilha a fim de contribuir para o debate da economia política associada aos estudos urbanos da evolução das cidades durante o período neoliberal do capitalismo global. Com isso, o objetivo foi atendido, pois a presença do capital estrangeiro revela-se como majoritária e influencia a produção do espaço por meio da lógica neoliberal. O setor público assume como função a subordinação ao setor privado global através da assunção dos riscos financeiros, intervindo no urbano de acordo com os interesses de incorporadores internacionais e construtoras nacionais que atuam em parceria com empresas transnacionais.
Com a volta de Eduardo Paes (PSD) ao cargo de Prefeito da cidade, o projeto de revitalização possivelmente entrará em uma nova fase nos próximos anos. Por esse motivo, o objeto demanda um acompanhamento a longo prazo, para que assim possa ser verificado se haverá ou não um desenho de ampliação da participação do capital estrangeiro. Cabe reforçar que mesmo sem a participação desse capital transnacional, os processos exploratórios poderiam ocorrer, pois, o investimento “tradicional” dos atores do mercado imobiliário brasileiro não necessariamente atenderia aos anseios da população local ou promoveria um processo democrático. Mas, com a participação intensa do capital estrangeiro, através de grandes volumes de investimentos, ocorre uma mudança escalar no protagonismo da produção espacial, de modo a prevalecer os interesses especulativos do mercado internacional.
Por se tratar de um projeto que apresenta sensibilidade em relação às decisões e mudanças políticas nacionais, bem como às condições econômicas do capital global, o estudo empírico dessa intervenção urbana encontra terreno fértil para análise por meio de diversas abordagens possíveis, através de recortes e delimitações variados. Diante disso, alguns desdobramentos possíveis aparecem no horizonte para pesquisas futuras inseridas nessa temática.
Por exemplo: uma investigação sobre as razões que levaram à estagnação da venda dos CEPACs; o acompanhamento de possíveis mudanças na estrutura da OUC com base na intensificação (ou não) da presença de capitais transnacionais; uma análise comparativa da Economia Política do Porto Maravilha com outros projetos de revitalização no Brasil e no mundo; entre outras possíveis interpelações.
Referências
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