Dossier: “Pedagogías insurgentes: sujetos, prácticas y territorios”
Autonomia do pesquisador e educação em Ciência, Tecnologia e Sociedade: Representações Sociais de graduandos em Física
Autonomía del investigador y educación en Ciencia, Tecnología y Sociedad: Representaciones Sociales de estudiantes de Física
Researcher autonomy and education in Science, Technology, and Society: Social Representations of undergraduate physics students
Revista IRICE
Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas, Argentina
ISSN-e: 2618-4052
Periodicidade: Semestral
núm. 47, 2024
Recepção: 05 Maio 2024
Aprovação: 02 Setembro 2024
Cómo citar: de Lima, C. O., & Cortela, B. S. C. (2024). Autonomia do pesquisador e educação em Ciência, Tecnologia e Sociedade: Representações Sociais de graduandos em Física. Revista IRICE, 47, 55-82. https://doi.org/10.35305/revistairice.vi47.1947
Resumo: A integração entre história, filosofia, sociologia da ciência e a educação científica é proposta por diversos autores como uma maneira de enriquecer o ensino de ciências, tornando-o mais humanizado e crítico. Destaca-se assim a abordagem da educação em Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) como meio de promover diferentes perspectivas sobre a construção histórica da ciência e sua relação com a sociedade. Nesse sentido, este estudo investigou as percepções de graduandos em Física sobre a autonomia do pesquisador e as possíveis influências internas e externas na escolha dos temas de pesquisa. Utilizou-se o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) para analisar as respostas, identificando padrões nas percepções dos graduandos. Os resultados apontam duas principais perspectivas: uma enfatizando a falta de autonomia devido às pressões externas, especialmente financeiras, e outra destacando a possibilidade de escolha sob condições favoráveis. Dessa forma, ensinar a questionar as estruturas de poder que moldam a prática científica é fundamental. A educação desempenha um papel crucial neste processo, capacitando o sujeito a analisar criticamente as estruturas sociais e resistir às pressões externas. No contexto da formação de professores, esse papel é ainda mais relevante em vista do crescente cenário global de movimentos negacionistas e proliferação de desinformação, desafios enfrentados não apenas no Brasil, mas em várias regiões do mundo.
Palavras-chave: autonomia do pesquisador, educação CTS, representações sociais, formação de professores, percepção sobre ciência e tecnologia.
Resumen: La intersección entre historia, filosofía, sociología de la ciencia y la educación científica ha sido defendida por varios autores como una forma de enriquecer la enseñanza de las ciencias, haciéndola más humanizada y crítica. En esta perspectiva, se destaca el enfoque de la educación en Ciencia, Tecnología y Sociedad (CTS) para promover diferentes perspectivas sobre la construcción histórica de la ciencia y su relación con la sociedad. En este sentido, este estudio investigó las percepciones de estudiantes de Física sobre la autonomía del investigador y las posibles influencias internas y externas en la elección de temas de investigación. Se empleó el Discurso del Sujeto Colectivo (DSC) para analizar las respuestas, identificando patrones en las percepciones de los estudiantes. Los resultados indican dos perspectivas principales: una enfatiza la falta de autonomía debido a las presiones externas, especialmente financieras, y otra destaca la posibilidad de elección bajo condiciones favorables. Por lo tanto, enseñar a cuestionar las estructuras de poder que moldean la práctica científica es fundamental. La educación desempeña un papel crucial en este proceso, capacitando al individuo para analizar críticamente las estructuras sociales y resistir a las presiones externas. En el contexto de la formación de profesores, este papel es aún más relevante dada la creciente situación global de movimientos negacionistas y la proliferación de desinformación, desafíos enfrentados no solo en Brasil, sino en varias regiones del mundo.
Palabras clave: autonomía del investigador, educación CTS, representaciones sociales, formación inicial de profesores, percepción sobre ciencia y tecnología.
Abstract: The integration of History, Philosophy, Sociology of Science, and science education is proposed by several authors as a way to enrich science teaching, making it more humanized and critical. The approach of Education in Science-Technology-Society (STS) stands out as a means of promoting different perspectives on the historical construction of science and its relationship with society. In this sense, this study investigated the perceptions of undergraduate Physics students regarding researcher autonomy and possible internal and external influences on research topic selection. The Collective Subject Discourse (CSD) was used to analyze responses, identifying patterns in the students' perceptions. The results indicate two main perspectives: one emphasizing the lack of autonomy due to external pressures, especially financial ones, and another highlighting the possibility of choice under favorable conditions. Thus, teaching to question the power structures that shape scientific practice is fundamental. Education plays a crucial role in this process, empowering individuals to critically analyze social structures and resist external pressures. In the context of teacher education, this role is even more relevant in light of the growing global scenario of denial movements and the proliferation of misinformation, challenges faced not only in Brazil but in various regions of the world.
Keywords: researcher autonomy, STS education, social representations, initial teacher education, perception of science and technology.
Introdução
A pesquisa científica é muitas vezes percebida como uma busca pura e desinteressada pelo conhecimento, guiada pela curiosidade intelectual do pesquisador, que supostamente possui total autonomia sobre o assunto investigado. No entanto, o campo científico está longe de ser um domínio isolado; ele é influenciado por uma complexa rede de fatores internos e externos que moldam os caminhos da investigação.
É fundamental reconhecer que tanto o campo científico quanto a comunidade acadêmica estão imersos em uma complexa rede de relações que influenciam os rumos da pesquisa. Isso inclui as linhas de pesquisa priorizadas pela comunidade científica, a alocação de recursos disponíveis, os interesses individuais, a expertise e os valores de cada pesquisador, bem como o “publish or perish”, entre outros. Além disso, as interações com os governos e as políticas públicas que valorizam a ciência desempenham um papel significativo na direção das pesquisas.
Diante desse contexto, é evidente que entender as interações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), ainda durante os cursos de graduação, é crucial para uma educação voltada ao letramento científico. A falta de consciência dessas dinâmicas pode resultar na invisibilidade de conhecimentos essenciais para uma cidadania plena, limitando a capacidade de engajamento crítico com questões científicas. Ao ignorar essas interações complexas, corre-se o risco de perpetuar relações de poder assimétricas e marginalizar grupos socialmente vulneráveis (Von Linsingen, 2004).
Nesse contexto, o presente artigo apresenta alguns resultados de uma pesquisa (Lima, 2023), desenvolvida entre os anos de 2021 e 2023, cujo objetivo central foi analisar as representações sociais (RS) de estudantes de graduação em Física em uma universidade pública brasileira, quando questionados sobre algumas das inter-relações entre ciência e sociedade. Defende-se, aqui, como aponta Freire (2014), que uma educação libertadora promove a consciência crítica dos educandos, possibilitando-lhes esclarecer questões da realidade na qual estão inseridos, facultando sua interação por meio da pesquisa, conjugando os diversos campos do conhecimento para que tenham uma compreensão global e local de mundo, superando a visão ingênua a respeito do mesmo. Nesse sentido, a autonomia é compreendida como um dos princípios centrais para promoção de uma educação libertadora, fazendo com que os estudantes tenham sua própria concepção e leitura de mundo, habilitando-os à luta por uma verdadeira cidadania.
Este artigo visa explorar a compreensão de estudantes de licenciatura em Física sobre a autonomia do pesquisador na seleção do objeto de estudo. Participaram alunos de disciplinas didático-pedagógicas do curso durante o ano de 2022, convidados a responder um questionário composto por questões abertas e fechadas. A análise adotou uma abordagem qualiquantitativa, utilizando o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) de Lefevre e Lefevre (2012) para identificar e analisar as RS dos participantes.
Para tanto, os alunos analisaram uma charge, apresentada na seção de resultados e discussões, que ilustrava as etapas “evolutivas” da liberdade de pesquisa acadêmica, ao longo da trajetória de um cientista. O principal propósito dessa questão era elucidar as concepções dos estudantes no que diz respeito às relações tanto internas quanto externas ao campo científico.
Acredita-se que a compreensão e exploração dessas dinâmicas são elementos essenciais na formação de professores de ciências, numa perspectiva crítica. De acordo com Cachapuz et al. (2005), é fundamental explorar aspectos da epistemologia relevantes para a educação científica, uma vez que ela influencia diretamente a visão de ciência desenvolvida em sala de aula. Assim, o domínio desse entendimento pode facilitar não apenas a compreensão dos conteúdos abordados, mas também capacitar os professores na preparação das aulas e promover uma prática social engajada, contribuindo para o exercício da cidadania na sociedade.
A seguir, serão expostos os conceitos centrais e os referenciais teóricos empregados, os quais foram abordados durante as aulas frequentadas pelos participantes durante o curso. A análise da charge teve como objetivo investigar as RS dos participantes sobre o tema, visando identificar potenciais aprendizados refletidos nessas representações.
Compreensão das relações Ciências, Tecnologia e Sociedade, Letramento Científico e Autonomia
Discutem-se aqui algumas inter-relações entre CTS, apresentando visões tradicionais e lineares. Destaca-se a importância do letramento científico-tecnológico (LCT) para capacitar os indivíduos a compreenderem e participarem ativamente das discussões sobre CTS. Santos (2007, citado em Bertoldi, 2020) argumenta que a alfabetização científica abrange principalmente a linguagem científica, enquanto o LCT vai além, incorporando não apenas o conhecimento dos conceitos científicos, mas também sua aplicação prática na sociedade. Em suma, o LCT implica compreender não apenas as leis, teorias e fatos científicos, mas também a natureza da ciência em sua totalidade, incluindo aspectos culturais, sociais e de relações de poder que permeiam o empreendimento científico.
Os estudos CTS têm suas raízes nas décadas de 1960 e 1970, e ao longo do tempo, evoluíram para incorporar abordagens diversas e regionais. Nos Estados Unidos, a Sociedade de Estudos Sociais da Ciência (4S) se destacou na disseminação global dessas discussões, promovendo o diálogo interdisciplinar e a reflexão crítica sobre o papel da ciência na sociedade. Já na Ibero-América, entidades como a Associação Brasileira de Estudos Sociais das Ciências e das Tecnologias (ESOCITE) têm enfatizado questões específicas de justiça social e democratização da tecnologia, refletindo as preocupações regionais, como desigualdades sociais e tecnológicas. Assim, o campo CTS demonstra sua dinamicidade, constantemente tensionado por diferentes realidades regionais e sociais, evidenciando a importância de uma abordagem não monolítica para as interações entre CTS.
Ciência, Tecnologia e Sociedade: uma complexa teia de relações
No contexto das interações entre CTS, é crucial reconhecer a transformação das concepções tradicionais que concebiam a ciência como um empreendimento autônomo e imparcial, desvinculado de influências externas. Por um longo período, predominou a ideia de um modelo linear, onde a descoberta científica impulsionava diretamente o avanço tecnológico, resultando em melhorias sociais. Sob essa lógica simplista, a equação era vista como: + Ciência = + Tecnologia = + Riqueza = + Bem-estar social (Palacios et al., 2005).
Contudo, diante de eventos trágicos para a humanidade, como os desastres nucleares em Hiroshima e Nagasaki, além dos acidentes em Chernobyl e Bhopal, a visão linear e otimista do avanço científico e tecnológico foram substancialmente questionadas. Esses incidentes não apenas desafiaram a percepção simplista das interações entre CTS, mas também instigaram uma análise crítica e debates sociais mais amplos sobre as responsabilidades dos cientistas diante das consequências de suas descobertas e inovações, levando a uma revisão da idealização da ciência como uma força exclusivamente benéfica e progressista.
Nos últimos anos, a abordagem CTS foi ampliada para incluir uma dimensão ambiental, surgindo o campo de Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA), que se torna especialmente relevante na educação científica. O CTSA integra as interações entre o meio ambiente e as inovações tecnológicas, discutindo seus impactos éticos e sociais de forma crítica e contextualizada. Essas questões também têm sido abordadas na América Latina, onde a ESOCITE busca fomentar a educação CTS em todos os níveis de ensino, promovendo um entendimento mais amplo da responsabilidade social e ambiental da ciência.
Por muito tempo, o método científico foi visto como o único meio de validar o conhecimento. No entanto, diversas abordagens da ciência revelaram que não existe uma única forma de conduzir a investigação científica. Essa compreensão da ciência como um empreendimento multifacetado foi fortalecida pela constatação de que múltiplos métodos racionais podem conduzir a conclusões científicas. Essa mudança de paradigma implicou na substituição da visão da ciência como uma coleção de fatos e teorias definitivamente estabelecidos pela representação dela como um conhecimento racional: conjectural, provisório e sempre sujeito a questionamentos e correções.
Dada a complexidade e contextualidade das atividades científicas e tecnológicas, não há um consenso unânime sobre como defini-las. No entanto, Cachapuz et al. (2005) e Palacios et al. (2005) identificaram várias concepções problemáticas e distorcidas do trabalho científico, que também podem afetar o processo educacional. Estas concepções incluem:
Visão empirista e ateórica: destaca-se a importância da observação e experimentação "neutras", sem considerar o papel das hipóteses. No entanto, a educação geralmente é apenas baseada em livros, sem trabalho experimental. A aprendizagem é vista como uma questão de "descoberta" ou apenas prática de processos, ignorando os conteúdos.
Visão rígida: apresenta o "Método Científico" como um conjunto de etapas a seguir mecanicamente. No ensino, enfatiza-se um tratamento quantitativo e um controle rigoroso, sem considerar a invenção, criatividade e dúvida.
Visão aproblemática e aistórica: transmitem-se conhecimentos elaborados sem mostrar os problemas que geraram sua construção, sua evolução, dificuldades ou limitações do conhecimento atual.
Visão exclusivamente analítica: destaca a necessária parcialização dos estudos, ignorando os esforços posteriores de unificação e construção de corpos coerentes de conhecimento.
Visão acumulativa linear: os conhecimentos são vistos como frutos de um conhecimento linear, ignorando crises e remodelações profundas.
Visão individualista: os conhecimentos científicos são vistos como obras de gênios isolados, ignorando o papel do trabalho coletivo.
Visão “velada”, elitista: apresenta o trabalho científico como reservado para minorias especialmente dotadas, transmitindo expectativas negativas para a maioria dos alunos, com discriminações sociais e sexuais.
Visão de “sentido comum”: os conhecimentos são apresentados como claros e óbvios, ignorando que a construção científica parte do questionamento sistemático do óbvio.
Visão descontextualizada, socialmente neutra: Ignora as complexas relações Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS) e proporciona imagens dos cientistas como seres "acima do bem e do mal", distantes das tomadas de decisão necessárias. (Palacios et al., 2005, p. 19)
Os autores supracitados observaram que essas concepções distorcidas são comumente encontradas em várias esferas, incluindo o meio acadêmico, a mídia e, de maneira mais ampla, na sociedade em geral.
Na América Latina, acredita-se que essas distorções podem ser ainda mais exacerbadas pela desigualdade de acesso à ciência e à tecnologia. A ESOCITE tem desempenhado um papel central ao promover discussões sobre como as políticas de ciência e tecnologia podem ser utilizadas para reduzir essas desigualdades. Além disso, as interações entre ciência, política e movimentos sociais, que frequentemente focam no desenvolvimento sustentável e na inclusão social, refletem as preocupações regionais com a soberania tecnológica e os impactos das inovações no contexto social latino-americano.
As implicações sociais e educacionais decorrentes dessas visões distorcidas das relações CTS são diversas e complexas. A persistência do modelo tecnocrático, que relega a responsabilidade das reflexões sobre questões tecnocientíficas apenas aos especialistas, pode dificultar a participação pública e a democratização do debate científico. Essa visão também pode retroalimentar a percepção de que a ciência e os cientistas são neutros, desconsiderando suas influências e vínculos com interesses políticos, econômicos e sociais. Além disso, ao retratar a pesquisa como livre de interesses, essas concepções negam a existência de conflitos e desigualdades que permeiam a produção científica. Por outro lado, ao simplificar a complexidade da pesquisa e desconsiderar sua relação intrínseca com as questões sociais, tais visões minam a compreensão da autonomia do pesquisador e sua responsabilidade frente aos impactos sociais de suas descobertas.
Considerando as visões distorcidas apresentadas, considera-se relevante promover uma formação mais crítica para professores e alunos. Gil Pérez et al. (2001) ressaltam a importância de os professores de ciências adquirirem uma compreensão adequada do processo de construção do conhecimento científico. No entanto, estudos indicam que muitos professores, inclusive universitários, perpetuam visões empírico-indutivistas da ciência, afastadas da realidade científica.
Matthews (1995) propõe que essa lacuna na formação docente seja preenchida por abordagens que integrem história, sociologia e filosofia da ciência. Segundo ele, a incorporação dessas disciplinas enriquece a formação dos alunos, tornando as aulas de ciências mais desafiadoras e reflexivas, estimulando o desenvolvimento do pensamento crítico. Além disso, a história, filosofia e a sociologia da ciência têm o potencial de humanizar as ciências, aproximando-as dos interesses pessoais, éticos, culturais e políticos da comunidade, contribuindo para uma compreensão mais autêntica da estrutura e do papel das ciências no contexto intelectual.
Compreende-se que uma estratégia para promover essa formação crítica é a educação CTS, um campo acadêmico interdisciplinar e crítico em relação às concepções tradicionais de ciência e tecnologia. Von Linsingen (2021) destaca que a educação CTS visa estimular reflexões sobre os significados historicamente construídos da CTS. Essas reflexões incluem não apenas os fatores sociais, políticos e econômicos que influenciam a mudança científico-tecnológica, mas também suas implicações éticas, ambientais e culturais.
Os estudos CTS abordam pesquisa, políticas públicas e educação, oferecendo alternativas à abordagem acadêmica convencional sobre ciência e tecnologia, promovendo uma perspectiva socialmente contextualizada. Quanto às políticas públicas, defendem a regulamentação social de ciência e tecnologia e a participação democrática na formulação de decisões. Na educação, visam implementar disciplinas e programas de CTS no ensino médio e universitário, com base em uma visão atualizada da ciência e tecnologia. Esses segmentos incorporam diferentes tradições CTS, incluindo a tradição europeia, centrada na pesquisa acadêmica, e a tradição norte-americana, focada nas consequências sociais e ambientais do desenvolvimento em ciência e tecnologia. A terceira tradição destaca um compromisso democrático básico (Palacios et al., 2005).
Concordando com o autor, a dimensão valorativa das abordagens CTS justifica a importância de promover a avaliação e o controle social do desenvolvimento científico-tecnológico. Isso inclui a construção de bases educativas para uma participação social informada, além da criação de mecanismos institucionais que facilitem essa participação (González García et al., 1996, citado em Von Linsingen, 2004). Nesse contexto, é fundamental destacar que o objetivo central da educação CTS, concebida como uma educação para a cidadania é desenvolver a capacidade de tomar decisões na sociedade científica e tecnológica, ao mesmo tempo em que cultiva valores essenciais. Ou seja, aspectos relacionados ao LCT (Santos, 2012).
Assim, pensar em uma educação científica crítica implica adotar uma abordagem com a perspectiva do LCT, que tem a função social de questionar muitos dos modelos e valores vigentes na sociedade. Isso significa não aceitar a tecnologia como conhecimento superior, cujas decisões são restritas aos tecnocratas. Pelo contrário, espera-se que o cidadão letrado possa participar das decisões democráticas sobre ciência e tecnologia, questionando a ideologia dominante do desenvolvimento tecnológico (Santos, 2007).
Ao considerar as RS como reflexos do contexto social, fica claro que uma compreensão inadequada das interações entre as relações CTS pode impactar a formação científica dos estudantes. Por exemplo, uma RS elitista da ciência pode desencorajar mulheres em áreas de ciências exatas, perpetuando desigualdades de gênero. Essa dinâmica reflete a influência das RS nas escolhas individuais, destacando a necessidade de uma abordagem crítica no ensino das ciências.
Para enfrentar esses desafios e promover uma educação científica mais inclusiva e crítica, é relevante que os programas educacionais incorporem uma abordagem LCT abrangente. Isso poderá capacitar os estudantes não apenas a compreender os aspectos técnicos da ciência, mas também a questionar os modelos e valores subjacentes ao desenvolvimento científico e tecnológico em nossa sociedade. Assim, poderemos fomentar uma participação democrática na tomada de decisões sobre ciência e tecnologia, abordando os desafios sociais contemporâneos e contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.
Abordagem teórica-metodológica
Os dados apresentados foram constituídos em 2022, quando 36 alunos de um curso de formação inicial de professores de Física, matriculados nas disciplinas Didática da Ciência e Metodologias e Práticas de Ensino de Física V (oferecidas no 5º semestre) e Metodologia e Práticas de Ensino II (oferecida no 2º semestre), responderam a um questionário impresso durante as aulas. Ou seja, responderam ao mesmo questionário alunos em diferentes momentos de sua formação: mais e menos experientes. Esses dados foram analisados usando o DSC, um método recente e promissor na área de Ensino e Educação, fundamentado na teoria das RS e no conceito de campo de Bourdieu.
Teoria das Representações Sociais: a base para a compreensão do Discurso do Sujeito Coletivo
O conceito de RS surge da sociologia e antropologia para compreender as interações humanas e sua relação com o contexto social e cultural. Durkheim (2004) introduziu a noção de representações coletivas (RC), definindo-as como categorias de pensamento que refletem a realidade de uma sociedade, considerando-as entidades relativamente estáveis. Para ele, todo o conhecimento estaria pautado na experiência social, que desempenharia um papel fundamental na formação da individualidade dos sujeitos, moldando suas percepções e compreensões do mundo ao seu redor.
Moscovici (2007) ampliou o conceito das RC, transformando-as em RS e adotando uma perspectiva mais dinâmica e flexível. Na década de 1960, o autor enfatizou as RS como agentes de mudança, capazes de influenciar comportamentos e facilitar a comunicação entre os indivíduos, tornando o desconhecido algo familiar. Enquanto Durkheim destacava a coesão social proporcionada pelas RC, Moscovici salientava a capacidade das RS de desencadear transformações e adaptações na sociedade, evidenciando a complexidade e maleabilidade desse fenômeno social. Como o autor defende, as RS são matéria-prima para a análise social, refletindo e influenciando a vida de cada sujeito, muitas vezes sem que estejam conscientes disso.
Conforme Moscovici (1978, citado em Alexandre, 2004), as RS são um tipo específico de conhecimento que orienta comportamentos e facilita a comunicação entre pessoas. Elas convencionalizam objetos, pessoas ou eventos e têm uma natureza prescritiva. As RS conferem uma forma precisa a objetos ou pessoas, atribuindo-lhes uma posição específica em uma categoria e estabelecendo um padrão compartilhado pelo grupo. Mesmo quando algo não se encaixa nesse padrão, tendemos a forçá-lo a se ajustar. Essas representações têm uma influência irresistível sobre nós, sendo uma mistura de estrutura preexistente e tradição que dita o que deve ser pensado (Moscovici, 2007).
Uma diferença significativa entre as teorias de Durkheim e Moscovici é o foco nas sociedades estudadas e nos objetos de estudo dos teóricos. Durkheim concentrou-se na sociedade primitiva e em fenômenos como religião, costumes e magia, enquanto Moscovici voltou-se para o estudo das sociedades modernas, substituindo a magia pela ciência. Ao introduzir esse novo objeto de estudo, Moscovici questiona o papel das representações em uma sociedade pensante, estabelecendo uma distinção entre dois universos: o reificado e o consensual.
No universo reificado, associado ao não-familiar, as ciências desempenharam o papel de estabelecer um mapa de forças e de objetos de conhecimento que escapam aos nossos sentidos primários. Isso significa que nesse universo, a análise dos objetos estaria além da experiência direta ou da compreensão imediata das pessoas. Nesse contexto, o conhecimento científico, oriundo de pesquisas sistemáticas, é caracterizado por ser verificável, ou seja, submetido a critérios estabelecidos e comprovado dentro dos parâmetros da ciência. Além de ser racional e objetivo, esse conhecimento é também falível, pois uma explicação pode ser substituída por outra mediante novas evidências e experimentações (Moscovici, 2007).
Por outro lado, no universo consensual, o conhecimento é de natureza prática. Sob essa ótica, as RS são entendidas como formas do senso comum, atribuindo significado e forma aos objetos e eventos, tornando-os acessíveis e alinhados aos interesses imediatos das pessoas. Essas representações refletem a especificidade do universo consensual, sendo produtos exclusivos desse contexto (Moscovici, 2007).
Um exemplo ilustrativo de uma RS na academia é a crença generalizada de que a quantidade de artigos publicados é o principal indicador de sucesso e produtividade de um pesquisador. Essa ideia está intimamente ligada ao fenômeno conhecido como publish or perish, onde a pressão para publicar regularmente é tão intensa que pode determinar o destino da carreira acadêmica de um pesquisador. Neste cenário, a quantidade de artigos publicados é frequentemente mais valorizada que a qualidade ou o impacto real das pesquisas. Isso leva pesquisadores a priorizarem a quantidade sobre a qualidade, buscando mais publicações para obter reconhecimento e avançar na carreira. Essa pressão afeta não só as prioridades e métodos de trabalho, mas também a integridade da pesquisa, resultando em estudos de menor qualidade ou práticas questionáveis para atender às expectativas da comunidade acadêmica. Esta RS destaca como as normas e expectativas sociais podem influenciar a conduta dos cientistas, moldando suas práticas na academia.
O Discurso do Sujeito Coletivo como abordagem teórico-metodológica
Trata-se de uma técnica de organização e análise de dados dentro de uma perspectiva qualiquantitativa, desenvolvida no Brasil por Lefevre e Lefevre (2012) ao final da década de 1990, inicialmente voltada para pesquisas sociais na área de saúde. A técnica está fundamentada na teoria das RS de Moscovici (2007), que busca explicar fenômenos sociais a partir de uma perspectiva coletiva, sem perder de vista a individualidade (Figueiredo et al., 2013). Além disso, apoia-se nos conceitos de campo e habitus de Bourdieu, que fornecem uma base para compreender as dinâmicas sociais em diferentes contextos.
Em suma, compreende-se as RS como um conjunto de explicações, crenças e ideias que permitem ao indivíduo evocar eventos, objetos ou pessoas, sendo também compartilhadas por grupos sociais específicos. Essas representações se formam ao longo da vida, à medida que as pessoas interagem entre si e com o ambiente, adquirindo conhecimento que pode ser classificado como popular, teológico, mítico, filosófico ou científico, sendo este último o foco deste capítulo.
Nesse sentido, as pessoas constituem discursos para si e para os outros, os quais não são produtos e/ou reflexos apenas do pensamento individual, mas que fazem parte de RS, decorrentes de diversos fatores de ordem relacionais, tais como familiares, educacionais, religiosos, trabalhistas, políticos e sociais, dentre outros. Ademais, também não são neutros e nem ocorrem ao acaso. Concorda-se com Chizzotti (2006), ao destacar que “o discurso está conexo com as relações sociais, é revelador da posição dos interlocutores no contexto e só pode ser compreendido quando se tem presente as relações de forças contidas no discurso” (p. 122). Ou seja, os discursos são também determinados pelo campo, no sentido atribuído por Bourdieu:
O conceito de campo é um dos conceitos centrais na obra de Pierre Bourdieu e é definido como um espaço estruturado de posições onde dominantes e dominados lutam pela manutenção e pela obtenção de determinados postos (...). A estrutura do campo é como um constante jogo, no qual, cientes das regras estabelecidas, os agentes participam, disputando posições e lucros específicos. (Araújo et al., 2009, p. 35)
Em pesquisas qualitativas, a opinião coletiva é interpretada pelo pesquisador através de eventos individuais. Em pesquisas quantitativas, a opinião coletiva é quantificada em números ou fórmulas matemáticas, com os discursos sendo categorizados (Lefevre & Lefevre 2006). O objetivo do DSC é agregar ambos os aspectos, numa perspectiva denominada pelos autores como qualiquantitativa, considerando que as opiniões das pessoas contêm dimensões qualitativa e quantitativa simultaneamente.
O diferencial da técnica do DSC, de acordo com os autores da proposta:
é que a cada categoria estão associados os conteúdos das opiniões de sentido semelhante presentes em diferentes depoimentos, de modo a formar com tais conteúdos um depoimento-síntese, redigido na primeira pessoa do singular, como se tratasse de uma coletividade falando na pessoa de um indivíduo. (Lefevre & Lefevre, 2014, p. 503)
Os autores supracitados consideram ainda as RS como esquemas sociocognitivos, ou seja, como categorias que emergem dos discursos dos indivíduos. Essas categorias são obtidas a partir de trechos das falas dos sujeitos que, semanticamente, remetem ao mesmo sentido. Esses recortes de falas são compreendidos como expressões-chave (ECh) que, uma vez agrupadas, são denominadas ideias centrais (IC). Ferrari (2019) ressalta que ao identificar as IC, “busca-se dar materialidade de forma coerente a vários discursos semelhantes e/ou complementares em somente um discurso, que traz maior volume de informações a respeito de uma determinada ideia” (p. 78).
Outro parâmetro qualitativo que pode surgir dos discursos dos sujeitos são as ancoragens, elementos nem sempre presentes. Tal aspecto liga-se diretamente a uma teoria e/ou ideologia que os sujeitos proferem em seus discursos. As IC e as AC têm, basicamente, a mesma função, que é a de identificar e distinguir os diferentes posicionamentos presentes nas ECh. Por isso, comumente, utiliza-se somente um dos dois parâmetros, as IC, já que a Ancoragem atende a um caráter mais ideológico do pensamento dos indivíduos e nem sempre está explicitada nos discursos.
Além dos aspectos qualitativos, as IC também são organizadas a partir de dois parâmetros quantitativos: a Intensidade e a Amplitude. A Intensidade é referente ao percentual ou número de indivíduos que contribuíram para as IC obtidas, a partir de suas ECh, ou seja, a força de determinadas RS dentro do espaço ou campo social, “espaço que enquadra ou condiciona a ação dos atores sociais” (Lefevre & Lefevre, 2012, p. 38).
Já a Amplitude está relacionada aos diferentes agentes presentes em um campo social, considerando a diversidade de seus capitais. Trata-se de um parâmetro cujo valor aumenta à medida que esses agentes se tornam mais heterogêneos. Na concepção de Bourdieu:
os agentes e os grupos de agentes são assim definidos por suas posições relativas neste espaço. (...) Pode-se descrever o espaço social como um espaço multidimensional de posições, tal que toda posição atual pode ser definida em função de um sistema multidimensional de coordenadas cujos valores correspondem aos valores de diferentes variáveis pertinentes. Assim, os agentes se distribuem nele, na primeira dimensão, segundo volume global do capital que possuem e, na segunda, segundo a composição do seu capital – isto é, segundo o peso relativo das diferentes espécies no conjunto de suas possessões. (Bourdieu, 2010, p. 135)
No entanto, frequentemente, não é possível estudar todos os atores/agentes envolvidos no problema que foi delimitado numa pesquisa. Também, pode ocorrer que, mesmo que existam diferentes autores/agentes no mesmo campo, esses podem ter habitus[1] semelhantes, podendo ser agrupados numa mesma categoria. Assim, faz-se necessário que o pesquisador explicite suas escolhas e que essas sejam justificáveis, do ponto de vista da pesquisa.
Lefevre e Lefevre (2012) indicam três abordagens para determinar o tamanho da amostra em pesquisas utilizando o DSC: para populações pequenas e conhecidas, como um curso ou programa avaliado, é interessante entrevistar todos ou uma amostra pequena (como ocorreu na pesquisa aqui descrita); para populações conhecidas, mas grandes, uma amostra intencional pode ser adequada, cobrindo diferentes tipos de agentes; para populações grandes e genéricas, métodos estatísticos são recomendados para obter uma amostra representativa. Segundo os autores, o número de participantes no DSC não tem limite máximo, e o mínimo é determinado pela própria população.
Após levantar e sistematizar as RS dos participantes, e calcular a Intensidade e Amplitude das IC no campo, são elaborados os DSCs. Existem quatro possibilidades quanto aos parâmetros quantitativos do DSC: alta Intensidade e alta Amplitude (IA), onde a RS é amplamente compartilhada pelo grupo; alta Intensidade e baixa Amplitude (Ia), com força em certos segmentos, mas encontra-se concentrada em certos segmentos do campo; baixa Intensidade e alta Amplitude (iA), espalhada por diversos segmentos; baixa Intensidade e baixa Amplitude (ia), representações isoladas, que pertencem apenas a alguns grupos.
Após as etapas de análise e sistematização, são encontrados vários ou um só discurso a respeito de algum tema ou questão. Então, são redigidos os DSC, na primeira pessoa do singular, a partir dos extratos de diferentes depoimentos individuais, produzindo “no receptor, o efeito de uma opinião coletiva, expressando-se, diretamente, como fato empírico, pela ‘boca’ de um único sujeito de discurso” (Lefevre & Lefevre, 2006, p. 517).
Diante do exposto, concorda-se com os autores que conhecer as RS é mais do que atribuir um sentido a ela: é necessário descrevê-las e reconstituí-las, algo que é muito mais complexo do que o pesquisador apenas detectar sua presença. É dessa maneira que o DSC agrega para a teoria das RS, pois trata-se de “uma descrição sistemática da realidade e uma reconstrução do pensamento coletivo como produto científico” (Lefevre & Lefevre, 2014, p. 504).
A Figura 1 sintetiza as etapas do processo analítico.
Resultados e discussões
Uma das questões apresentadas aos participantes, conforme a Figura 2, com o seguinte questionamento: Qual a ideia central da charge abaixo? Você concorda? Discorda? Por quê?
Questão 1 - Qual a ideia central da charge abaixo? Você concorda? Discorda? Por quê?
Fonte: Coordenação do Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional Interunidades e Formação Interdisciplinar em Saúde (2018)Ao longo da sequência de imagens, é possível observar que, no início da trajetória acadêmica, prevalece a concepção de que o cientista se dedicará exclusivamente a temas de seu interesse, evocando uma representação de ciência como entidade pura e desinteressada. Contudo, à medida que avança em sua carreira, o pesquisador se depara cada vez mais com demandas internas e externas que influenciam os temas de pesquisa, tais como os interesses do orientador, do departamento e das agências de financiamento. Quando o pesquisador atinge a aposentadoria, surge a perspectiva de que finalmente terá a liberdade de investigar o que desejar; entretanto, nesse estágio, tal liberdade muitas vezes é percebida como tardia, refletindo na morte subjetiva ou real do indivíduo.
As respostas dos questionários fornecidas pelos graduandos foram submetidas a uma análise individual, utilizando a metodologia do DSC, com o objetivo de identificar as ECh emitidas pelos alunos, as ideias centrais (IC) captadas pelo pesquisador e como foram agrupadas em categorias.
Foram identificadas 11 IC durante a análise dos dados. Para apresentar uma síntese dessa análise, o Quadro 1 destaca as IC compreendidas pelo pesquisador, juntamente com os participantes que compartilhavam da mesma categoria de pensamento, acompanhadas de seus respectivos códigos de identificação.
Os participantes foram divididos em dois grupos: aqueles que completaram bacharelado e, em seguida, seguiram para a licenciatura (Bn), e aqueles que fizeram apenas a licenciatura (Ln). Dois participantes (B24 e B34) cursaram ambas modalidades, agrupados por suas iniciações científicas no bacharelado. Essa distinção baseia-se na teoria de campo de Bourdieu (2003), que descreve os agentes em segmentos sociais distintos, cada um com seu próprio habitus. Cada campo tem suas politizações, dinâmicas e redes sociais, determinando as relações com o conceito de Amplitude (Lefevre & Lefevre, 2012).
Para resumir a análise e calcular Intensidade e Amplitude, criou-se o Quadro 2. Ele mostra categorias construídas pelos autores desse artigo, formadas pelo agrupamento de IC similares.
Dos 36 participantes, 22 (17 da licenciatura e cinco do bacharelado) concordaram com a ideia central da charge. Três participantes, dois da licenciatura e um do bacharelado, concordaram parcialmente. Dois licenciandos discordaram. Oito licenciandos não expressaram claramente seu posicionamento. Esses resultados sugerem que cerca de dois terços (66%) da amostra concordam que os cientistas não pesquisam necessariamente o que lhes interessa, devido a influências internas e externas em sua autonomia na escolha do tema.
Das análises qualitativas e quantitativas das respostas, foram elaborados dois DSC. O DSC 1.1, caracterizado como de AI e abrangendo as categorias 5 e 6. O DSC 1.2, com baixa Intensidade e baixa Amplitude, representa as categorias 7, 8 e 9.
Para calcular a Intensidade (I) e a Amplitude (A), considerou-se o total de participantes (36), observando as categorias de pensamento em cada grupo. Dos 36 participantes, 30 eram licenciandos (83,3% da amostra) e 6 bacharelandos (16,7% da amostra). Na Intensidade, alta é acima de 70%, média entre 50% e 69%, e baixa inferior a 50%. Quanto à Amplitude, foram dois grupos: L (30 licenciandos) e B (6 bacharelandos), com proporção de 5:1. Baixa é menos de 10 licenciandos e 2 bacharelandos; média é de 10 a 20 licenciandos e 2 a 4 bacharelandos; alta é mais de 20 licenciandos e 5 bacharelandos. Se algum ultrapassar, assume-se o nível superior.
Normalmente, os DSC são delineados a partir de uma única categoria. No entanto, devido à diversidade de significados nas respostas, optou-se por criar DSC mais abrangentes, combinando diferentes categorias. Isso demandou o recálculo da Intensidade e Amplitude. Ao mesclar as categorias 5 e 6 para formar o DSC 1.1, que apresentam, respectivamente, média Intensidade e média Amplitude, baixa Intensidade e baixa Amplitude, as métricas foram consideradas altas devido à inclusão de participantes que contribuíram com ECh e IC dessas categorias, embora as IC tenham sido contadas apenas uma vez.
DSC 1.1 – alta Intensidade (78%) e alta Amplitude. É a ideia da não neutralidade da ciência, uma vez que o que é pesquisado depende de financiamento e portanto, o cientista poderá pesquisar aquilo que outros acreditam ser interessante o suficiente para receber verba. A ciência, ou a pesquisa científica, sempre acaba sendo subjugada pelo interesse dos que têm poder e dinheiro suficientes para ditar as regras, em decorrência da aplicação de verbas. Pesquisa demanda dinheiro, logo a iniciativa que financia o estudo dirá o que é do interesse a ser estudado. Eu concordo, ainda mais na parte em que é falado sobre a verba, pois já ouvi de colegas e professores sobre este assunto. Uma situação que acontece na academia de que o pesquisador é influenciado por “entidades maiores” a realizar pesquisas do interesse deles, como, por exemplo a questão das verbas, se o aluno precisa de uma bolsa para se manter e continuar pesquisando, ele precisará pesquisar sobre assuntos que há bolsas disponíveis. Outro fator é que a pesquisa não é algo que pode ser feito sem interesse, a influência que a sociedade dos pontos de vista político, econômico e social, interferem na ciência. Isto é, a pesquisa (a produção científica) como algo dependente de um contexto transcendente à própria pesquisa em si. Sempre tem fator externo. No início temos uma falsa ideia de liberdade de escolha sobre uma pesquisa, mas que no decorrer da carreira e vida acadêmica, nos vemos induzidos e direcionados a fazer não o que queremos, mas o que é preciso. Somente na ingenuidade do aluno de graduação ela é uma livre escolha. O tema é a limitação imposta ao longo da carreira do pesquisador. Os estudantes não têm autonomia para selecionarem um projeto de pesquisa de interesse, seja porque este não possui colaboração com outras universidades (fator valorizado pelas instituições de fomento), não é especialidade do professor orientador, não é um projeto inovador ou não possui infraestrutura disponível no campus para desenvolvê-la. Além disso, é limitado a assuntos “relevantes” que sejam ofertados pela sua graduação. Por experiências não vejo nenhuma pesquisa sendo implementada na graduação, apenas as mesmas pesquisas que já tem seu espaço, desmotivando qualquer pesquisador ingressante. Ocorre que as áreas mais ligadas a tecnologia têm mais prioridade em detrimento de áreas mais teóricas como por exemplo alguns temas de mecânica quântica. As pesquisas que lhe são apresentadas possuem uma bagagem social ou institucional por trás. O ideal do estudante vai se adaptando à realidade com o passar do tempo. Não acho que essa é a forma correta, pois impede o surgimento de ideias inovadoras.
Com base na análise do DSC 1.1, caracterizado por AI (78%), indicando uma presença marcante e uma ampla disseminação entre os participantes, constatou-se uma diversidade de perspectivas em relação à distribuição de recursos financeiros e ao financiamento da pesquisa científica. Essas perspectivas, provavelmente influenciadas pelas RS moldadas por experiências e observações, revelam uma postura crítica e reflexiva em relação ao processo de alocação de verbas e financiamento na pesquisa científica.
Eles destacaram a influência dos financiadores na seleção de temas de pesquisa, argumentando que a escolha dos temas de pesquisa está diretamente ligada ao financiamento disponível, o que acaba por submeter a pesquisa aos interesses daqueles que detêm poder e recursos financeiros. Além disso, observaram a influência política, econômica e social na definição dos temas de pesquisa, ressaltando a dependência da pesquisa científica do contexto externo. Ao longo de suas carreiras, os participantes relatam sentirem-se pressionados a seguir agendas impostas por fatores externos, como demandas institucionais e restrições de recursos, dificultando a escolha de projetos alinhados com seus próprios interesses.
Essa perspectiva destaca a preocupação com a falta de autonomia dos pesquisadores e a influência de interesses externos na pesquisa científica. Segundo Bourdieu (2003), isso sugere uma heteronomia nos campos em que esses agentes atuam, com controle sobre recursos e direcionamento de pesquisas. Ele aponta o paradoxo de a autonomia científica depender do financiamento estatal, gerando dependência. Embora o Estado assegure essa autonomia, pode impor restrições, refletindo ambiguidades na relação. A maioria dos participantes (78%) percebe essa dinâmica de poder no campo científico.
Argumentou-se também que deveriam ser exploradas outras formas de investimento, especialmente direcionando recursos para linhas de pesquisa menos emergentes, que muitas vezes recebem menos apoio. É crucial notar que os novos pesquisadores dependem de bolsas para sustentar e avançar em suas pesquisas, o que mostra uma visão menos idealizada da prática de pesquisa. Embora chamadas de "bolsas de estudo", muitas vezes são a principal fonte de renda para os pesquisadores iniciantes.
Outra RS mencionada pelos participantes assemelha-se à ideia de "grande programa", como descrita por Bourdieu (2003). Nesse contexto, os novos pesquisadores tendem a adotar uma visão de "interesse pelo desinteresse", sentindo-se parte integrante da comunidade científica ao investigarem tópicos já consagrados nesse campo. Essa perspectiva também se relaciona com o conceito de "ciência normal" de Kuhn (1998), no qual os pesquisadores concordam em seguir um conjunto de regras (paradigma), incluindo métodos, técnicas e instrumentos de investigação da realidade, resultando na internalização de um habitus, conforme a perspectiva de Bourdieu.
A partir dessa visão, novos pesquisadores podem enfrentar uma forma de censura, muitas vezes não explícita, ao tentarem propor temas de pesquisa alinhados com seus interesses individuais. Isso sugere um campo onde um único objeto de estudo é privilegiado, validado por membros influentes. Essa visão reflete hierarquias internas e externas no campo científico, moldando demandas e prioridades de pesquisa. Um participante ilustra essa dinâmica ao sugerir que as aspirações do novo pesquisador se adaptam à realidade ao longo do tempo.
DSC 1.2 – baixa Intensidade (31%) e baixa Amplitude. Acredito que certas pesquisas realmente são movidas a interesse, pois ao fazer pesquisas com temas onde, por exemplo, não tem verba, fica muito difícil o processo de pesquisa. Na minha perspectiva particular é uma escolha pessoal se submeter a essas especificidades. Eu particularmente sempre trabalhei com temas que são do meu interesse. Tenho a felicidade de ter um orientador que me permite opinar no tema e ter liberdade de escrita, sempre me proporcionou liberdade na pesquisa. Espero que no futuro não seja obrigado por orientador ou departamento a fazer qualquer coisa que não seja do meu interesse. Sempre haverá limitações no âmbito do mercado de trabalho, em qualquer contrato profissional ficamos à mercê de demandas externas, mas muitas vezes nos acomodamos naquilo que já dominamos (é claro que existe uma total falta de incentivo). Concordo que é o que ocorre na maioria das vezes, mas há escapatórias, dependendo da liberdade geográfica do indivíduo. Mesmo que existam esses limitadores, a abrangência nos campos de pesquisas é extensa e, também, não existem limitadores apenas no meio acadêmico. A ciência também é uma profissão comum, ou você nasce milionário e “livre” para pesquisar ou se adequa para não morrer de fome.
Do DSC 1.2, com baixa Intensidade e baixa Amplitude, RS isoladas, pertencentes apenas a alguns segmentos do grupo, observa-se que para esses participantes (31%), o cientista pode escolher seu tema de pesquisa, desde que tenha disponibilidade geográfica e/ou que seu orientador propicie essa liberdade. Além disso, a ciência é vista como uma profissão comum e que sempre existirão limitadores.
De acordo com dados da Clarivate Analytics (2018), solicitados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), cerca de 95% das publicações científicas no Brasil provêm de instituições de ensino superior públicas, como universidades estaduais e federais. Isso indica que a maior parte da produção científica nacional é realizada por profissionais que atuam nesse ambiente, incluindo docentes, pós-doutores, técnicos de laboratório, alunos de pós-graduação e de iniciação científica.
Além disso, os dados da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC; 2018) destacam a conexão predominante entre a pesquisa no Brasil e os programas de pós-graduação, ressaltando a vitalidade desse setor para o avanço científico nacional. Contudo, apesar dessa importância, o cenário enfrenta desafios consideráveis devido aos cortes orçamentários em ciência, tecnologia e inovação. Recentemente, mais da metade dos recursos destinados ao investimento em pesquisa pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) foi bloqueada pelo governo, gerando incertezas quanto ao financiamento de projetos científicos (Escobar, 2020).
Diante dos desafios enfrentados pela comunidade científica e pelos estudantes de pós-graduação no Brasil, os participantes expressam uma visão crítica sobre as condições atuais da pesquisa científica. Destacam a falta de incentivos e reconhecimento para os cientistas, que muitas vezes se adaptam a condições precárias para sobreviverem. Essa realidade contrasta com a romantização da "ciência por amor", evidenciando a urgência de revisão das políticas públicas de valorização da ciência e da pós-graduação.
É evidente a necessidade de medidas urgentes para enfrentar esses desafios. Os participantes destacam a urgência de políticas que melhorem as condições de trabalho e financiamento para cientistas e pós-graduandos, promovendo um ambiente propício à pesquisa e à formação de novos pesquisadores. Tais medidas são cruciais não apenas para garantir a continuidade da produção científica no país, mas também para impulsionar o desenvolvimento socioeconômico e tecnológico.
Considerações finais
Este artigo pretendeu explorar a percepção dos graduandos em Física sobre a autonomia do pesquisador e as possíveis influências internas e externas na escolha dos temas de pesquisa no ambiente científico. A análise das RS revelou a necessidade de repensar as estruturas e políticas que regem a pesquisa científica, visando não apenas promover a autonomia do pesquisador, mas também sua verdadeira emancipação no contexto acadêmico e social.
Os resultados destacaram não apenas as limitações externas que condicionam a liberdade dos pesquisadores, mas também os desafios internos que permeiam o ambiente acadêmico. A influência do financiamento, dos interesses institucionais e da pressão por produtividade cria um cenário onde a liberdade de investigação é frequentemente sacrificada em prol de agendas externas.
Nesse contexto, é relevante questionar as estruturas de poder que moldam a prática científica e restringem a autonomia do pesquisador. A educação desempenha um papel fundamental na busca pela emancipação do sujeito, capacitando-o para uma análise crítica das estruturas sociais e a resistência às pressões externas. No âmbito da formação de professores, esse papel torna-se ainda mais necessário diante dos desafios globais, como movimentos negacionistas e desinformação, que afetam não apenas o Brasil, mas também diversas regiões do mundo.
Entretanto, é importante reconhecer que a emancipação do sujeito não é um processo fácil ou linear. Os desafios enfrentados pela comunidade científica e pelos estudantes de pós-graduação destacam a necessidade de políticas que promovam não apenas a igualdade de acesso à educação, mas também condições de trabalho e financiamento que permitam a autonomia do pesquisador.
Além disso, ao reconhecer e considerar as RS dos alunos, os educadores podem desenvolver abordagens pedagógicas mais eficazes, engajadoras e contextualizadas. Isso contribui para um ensino mais significativo, que leva em conta as visões de mundo, os valores e as experiências dos estudantes em relação à natureza da ciência. O estudo de RS também possibilita a abertura de caminho para novas investigações sobre diferentes contextos educacionais, enriquecendo nosso entendimento sobre como os estudantes constroem significados e interpretam o processo de aprendizagem em diversas disciplinas. Essa abordagem pode fornecer insights valiosos para aprimorar a formação de professores e desenvolver estratégias educacionais mais alinhadas com as necessidades e perspectivas dos alunos.
Diante dessas reflexões, é essencial que pesquisas futuras explorem mais profundamente as dinâmicas de poder no campo científico e busquem estratégias para promover uma maior emancipação do sujeito por meio da educação. Também é crucial investigar o impacto das políticas públicas de financiamento e reconhecimento na prática científica, superando os obstáculos que impedem a plena realização da autonomia do pesquisador. Reconhecendo os desafios presentes na pesquisa científica, podemos direcionar esforços para construir um ambiente acadêmico mais justo e equitativo, onde a busca pelo conhecimento seja verdadeiramente emancipadora para todos os envolvidos.
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Notas
Autor notes
Informação adicional
Cómo citar: de Lima, C. O., & Cortela, B. S. C. (2024). Autonomia do pesquisador e educação em Ciência, Tecnologia e Sociedade: Representações Sociais de graduandos em Física. Revista IRICE, 47, 55-82. https://doi.org/10.35305/revistairice.vi47.1947