Artículos originales de investigación
Recepção: 03 Agosto 2024
Aprovação: 16 Outubro 2024
Resumo: Este artigo tem como objetivo interpretar, sob uma perspectiva histórica, a trajetória da Banda Luiz Gonzaga, fundada em 1991 em uma escola municipal de Teresina, Piauí. Analisamos a criação da banda, sua consolidação e a formação musical de seus membros, com base na História Cultural de Burke (2005). Adotamos o enfoque da História do Tempo Presente conforme Chartier (2006) e Scocuglia (2007), utilizando a História Oral por meio de entrevistas semiestruturadas para coletar dados sobre o grupo. Entrevistamos professores e diretores da banda, cujos relatos foram arquivados no acervo digital do NEHEMus da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Destacamos que a formação musical teve início com aulas teóricas, seguidas pela prática instrumental, promovendo a socialização e inclusão dos alunos. Concluímos que a Banda Luiz Gonzaga desempenhou um papel significativo na educação musical e social de jovens das periferias de Teresina, capital do nordeste do Brasil, mesmo contando com recursos limitados.
Palavras-chave: banda, Brasil, história da educação musical, história oral, Piauí.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo interpretar, desde una perspectiva histórica, la trayectoria de la Banda Luiz Gonzaga, fundada en 1991 en una escuela municipal de Teresina, Piauí. Analizamos la creación de la banda, su consolidación y la formación musical de sus miembros, basándonos en la Historia Cultural de Burke (2005). Adoptamos el enfoque de la Historia del Tiempo Presente según Chartier (2006) y Scocuglia (2007), utilizando la Historia Oral con entrevistas semiestructuradas para recopilar datos sobre el grupo. Entrevistamos a profesores y directores de la banda, cuyos relatos fueron archivados en el acervo digital del NEHEMus de la Universidad Federal de Piauí (UFPI). Destacamos que la formación musical comenzó con clases teóricas, seguidas por la práctica instrumental, promoviendo la socialización e inclusión de los alumnos. Concluimos que la Banda Luiz Gonzaga desempeñó un papel significativo en la educación musical y social de jóvenes de las periferias de Teresina, capital del noreste de Brasil, a pesar de contar con recursos limitados.
Palabras clave: banda, Brasil, historia de la educación musical, historia oral, Piauí.
Abstract:
This article aims to interpret, from a historical perspective, the trajectory of the Luiz Gonzaga Band, founded in 1991 at a municipal school in Teresina, Piauí. We analyse the creation of the band, its consolidation, and the musical training of its members, based on Burke's (2005) Cultural History. We adopt the approach of Contemporary History as per Chartier (2006) and Scocuglia (2007), using Oral History with semi-structured interviews to collect data about the group. We interviewed teachers and conductors of the band, whose accounts were archived in the digital collection of NEHEMus at the Federal University of Piauí (UFPI). We highlight that the musical training began with theoretical lessons, followed by instrumental practice, promoting the socialisation and inclusion of the students. We conclude that the Luiz Gonzaga Band played a significant role in the musical and social education of young people from the outskirts of Teresina, the capital of the northeastern region of Brazil, despite limited resources.
band, Brazil, history of music education, oral history, Piauí
Keywords: band, Brazil, history of music education, oral history, Piauí.
Introdução
Este artigo, a partir de uma perspectiva histórica, tem como foco a trajetória da Banda Luiz Gonzaga, fundada em 1991 em uma escola municipal de Teresina, capital do estado do Piauí, Brasil. A participação em uma banda escolar pode oferecer aos estudantes uma experiência enriquecedora, ao possibilitar o aprendizado de um instrumento musical no mesmo ambiente em que se dedicam às disciplinas acadêmicas regulares. Essa vivência promove aprimoramento cultural e desenvolvimento da cidadania, contribuindo para uma formação integral dos indivíduos.
Os benefícios do estudo da música na infância e na adolescência, especialmente no que se refere ao desenvolvimento cognitivo, são amplamente discutidos em estudos como o de Miendlarzewska e Trost (2014). Os autores apresentam uma revisão de literatura sobre como o treinamento musical modifica a função e a estrutura cerebral. Dentre suas observações, destaca-se que a performance musical exige do cérebro o controle simultâneo de diversas ações, além dos mecanismos de memória necessários para o desenvolvimento da capacidade de discriminar sons e estabelecer relações temporais entre eles. Ademais, a aquisição da leitura de um sistema complexo de símbolos, como a notação musical, e sua tradução em atividades motoras, sejam vocais ou instrumentais, também é um aspecto essencial desse processo.
A Banda Luiz Gonzaga teve como sede o prédio da Escola Municipal Mocambinho (EMM), cuja denominação é homônima à do bairro no qual está situada. Segundo Djalma Alves de Lima Filho (2014), o nome oficial do conjunto habitacional seria José Francisco de Almeida Neto, mas popularizou-se como Mocambinho devido a uma antiga fazenda que existia no local da construção. Inaugurada em 1988, essa instituição fazia parte das escolas municipais de tempo integral, conhecidas como escolões. Esses estabelecimentos ofereciam aulas curriculares em um turno e cursos de iniciação profissional em formato de oficinas no contraturno. Assim, os alunos tinham a oportunidade de estudar, além das disciplinas regulares, atividades como: corte e costura, datilografia, marcenaria, serralheria, música, entre outras.
Nesse contexto, a oficina de ensino de música, então chamada de Artes Musicais, não contava com uma definição prévia da coordenação do projeto quanto ao tipo de prática a ser desenvolvida. Assim, o professor responsável tinha autonomia para propor diversas modalidades de estudo, como canto coral, formação de uma banda ou o ensino coletivo de um instrumento específico.
Segundo Rocha Sousa (2009), os escolões foram criados pela prefeitura de Teresina, como um modelo diferenciado para complementar a carga horária do ensino fundamental e ampliar as oportunidades educativas de crianças e jovens das comunidades carentes. Na EMM, os cursos oferecidos incluíam flauta doce, coral e formação de banda musical.
Os grupos musicais possuem identidades próprias e trajetórias singulares, que refletem suas origens, os instrumentos que utilizam, os espaços onde atuam e os métodos de formação de seus músicos. Para compreender melhor essas particularidades no contexto do nosso objeto de estudo, formulamos os seguintes questionamentos: Qual foi a origem da Banda Luiz Gonzaga? Quais instrumentos e espaços foram utilizados para a prática musical? Como a Banda formava músicos em Teresina?
A partir das perguntas formuladas, nosso objetivo geral foi interpretar, sob uma perspectiva histórica, a memória da Banda Luiz Gonzaga na EMM. O estudo abrange desde o processo de criação e consolidação da banda até a formação musical de seus integrantes em Teresina, utilizando como base a História Cultural, conforme os fundamentos de Peter Burke (2005).
Busca-se, assim, refletir sobre as experiências dos membros da banda, considerando as práticas culturais e as representações presentes em seu cotidiano.
Dada a proximidade temporal dos eventos relacionados à Banda Luiz Gonzaga e considerando os campos da história da educação e da história da educação musical, este trabalho foi situado no âmbito da história do tempo presente. Roger Chartier (2006) destaca que essa abordagem envolve o diálogo com indivíduos contemporâneos, capazes de compartilhar suas vivências e perspectivas. Para Afonso Celso Scocuglia (2007), os estudos nesse recorte temporal fornecem ferramentas para compreender tanto as conquistas quanto as incertezas que permeiam os processos educacionais.
Os documentos da banda utilizados em nossa análise foram disponibilizados por seus integrantes e pela instituição que a sediava. Por meio dessas fontes, que compõem o corpus documental da pesquisa, foi possível realizar uma reflexão crítica sobre a trajetória do conjunto musical.
Adotamos principalmente a história oral para obter dados sobre a Banda Luiz Gonzaga, uma vez que parte significativa dessas memórias estava acessível apenas por meio da oralidade. Utilizamos o modelo semiestruturado de entrevistas individuais como principal instrumento de pesquisa, considerando que este é um meio possível para mapear práticas, crenças e valores em universos sociais específicos. Esse método permite a descrição e compreensão da lógica que governa as relações internas de um grupo (Grazziotin et al., 2022).
Segundo Luciane Grazziotin e Dóris Almeida (2012), em suas argumentações sobre o uso de fontes orais no campo da história da educação, as narrativas dos indivíduos constituem-se como documentos e estão intrinsecamente ligadas a questões relativas e subjetivas. A história oral, como instrumento metodológico nesta pesquisa, visa operacionalizar o diálogo dessas narrativas com a teoria e outros dados empíricos, promovendo novas perspectivas de conhecimento sobre o fenômeno estudado.
O estudo traça um panorama histórico da Banda Luiz Gonzaga, desde sua criação em 1991 até 2018, ano em que as entrevistas foram realizadas. A seleção dos participantes da pesquisa contemplou indivíduos com diferentes experiências e funções dentro da banda, buscando abranger a diversidade de perspectivas sobre sua trajetória.
Três participantes concordaram em colaborar com esta pesquisa, compartilhando suas vivências e memórias. As interlocuções foram conduzidas com o maestro Antonio Sousa, fundador da Banda Luiz Gonzaga; Humberto Oliveira, ex-aluno e, na época, regente do grupo; e Abimael Costa, ex-membro, atualmente músico militar, formado como sargento pela Escola de Sargentos de Logística do Exército Brasileiro, e atualmente terceiro sargento no 13º Batalhão de Infantaria Blindado, em Ponta Grossa, Paraná.
As entrevistas foram realizadas, registradas e transcritas em 2018, e agora estão arquivadas no acervo digital do Núcleo de Educação, História e Ensino de Música (NEHEMus). Esse núcleo tem como objetivo realizar estudos na área da Educação Musical sob a perspectiva da História da Educação. Os pesquisadores participantes são afiliados à Coordenação do Curso de Música e ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
A partir dos resultados dos trabalhos do NEHEMus, diversas produções acadêmicas foram geradas, incluindo a constituição e preservação de acervos físicos e digitais como o da Banda Luiz Gonzaga. Essas iniciativas estão alinhadas com as ideias de Pierre Nora (1993), que afirma:
Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, organizar celebrações, manter aniversários, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque estas operações não são naturais (p. 13).
Dessa forma, a trajetória da Banda Luiz Gonzaga e seu impacto na formação musical e social de seus integrantes constituiu-se como um lugar de memória que pôde ser acessado a partir das nossas perguntas aos entrevistados e uma das funções do NEHEMus, além de fomentar estudos e reflexões foi atuar como um arquivo criado para organizar e preservar essas narrativas como fontes da história da banda.
Por meio da música, os jovens podem aprender conteúdos e desenvolver habilidades relevantes para suas vidas cotidianas. Para além da mera aquisição de conhecimentos técnicos e teóricos, a experiência musical no ambiente escolar proporciona uma oportunidade de conexão cultural, expressão de emoções, desenvolvimento de criatividade e construção de uma identidade individual e social. De acordo com Ednardo Monteiro Gonzaga do Monti (2015), as escolas desempenham um papel fundamental na disseminação da música como um discurso cultural, transmitindo aos alunos um conjunto de valores e práticas. Essa ideia se relaciona com o conceito de Ana Chrystina Venancio Mignot (2010), que destaca a presença de uma cultura material no ambiente da escola, refletida nos objetos do cotidiano escolar.
Com base nessas concepções, o presente estudo destaca uma prática musical que pode ser entendida como um discurso cultural, refletido nos objetos e utensílios escolares, como instrumentos e espaços físicos. Dessa forma, sinalizamos que a cultura material da escola pode ser vista como um registro de práticas educacionais passadas, revelando a cultura transmitida ou produzida no ambiente escolar pelos sons de outrora.
Este estudo se alinha com produções intelectuais como as de Antonio Gonçalves Meira e Pedro Schirmer (2000), e Marcos Botelho (2006), que consideram as bandas de música como conjuntos formados por instrumentos de sopro e percussão, com executantes e regente trabalhando em um contexto de educação musical no qual a aprendizagem ocorre de forma coletiva.
Conhecer a trajetória da Banda Luiz Gonzaga, ou como carinhosamente era chamada, a Banda do Escolão do Mocambinho, no território piauiense, permite ampliar a reflexão sobre o desenvolvimento do ensino de música no Brasil. Particularmente, possibilita examinar como os projetos escolares e sociais são realizados, especificamente sob a perspectiva da história da educação musical.
Da Oficina à Banda-Escola: Um Grupo de Rejeitados
De acordo com Burke (2005), a história cultural enfatiza a relevância das atividades cotidianas na formação das identidades sociais e culturais. Nesse contexto, a criação e a atuação da Banda Luiz Gonzaga podem ser compreendidas como práticas diárias que, ao longo do tempo, refletem os valores e as dinâmicas culturais da escola e da vivência coletiva dos estudantes. Embora essas ações possam parecer rotineiras, elas carregam significados, representando a difusão de conhecimentos e tradições musicais, além de engajar os alunos de forma ativa na construção da cultura escolar.
Antonio Sousa narrou que foi convidado para trabalhar como instrutor de música na oficina de Artes Musicais da Escola Municipal Mocambinho (Escolão do Mocambinho) no final de 1990, após o professor anterior ter abdicado do cargo. O maestro, demonstrou satisfação ao recordar o convite recebido para reger a banda. Na época, o músico atuava como regente auxiliar em outro grupo, mas já nutria o desejo de assumir o posto principal. Em suas palavras:
Eu já vinha sendo monitor em outras bandas, então estava precisando de um espaço para me desenvolver nessa área, mas eu percebia que tinha que ter alguma coisa pra eu fazer com autonomia própria. Então achei o Escolão do Mocambinho o local perfeito. Mais que perfeito, se eu posso dizer assim (Antonio Sousa, entrevista, 2 de fevereiro de 2018).
Sobre o início das atividades musicais no Escolão do Mocambinho, o maestro. lembrou que enfrentou dificuldades para atrair os alunos para oficina, pois sua admissão ocorreu um mês após o início das aulas, quando todos os estudantes já estavam envolvidos em outras atividades no contraturno. Diante dessa situação, a primeira formação da Banda Luiz Gonzaga só foi possível graças a uma decisão tomada pela coordenação da escola, conforme relatado por ele:
As aulas já tinham iniciado em março e eu cheguei em abril, então já tinham distribuído os alunos da escola em todas as oficinas e não tinha sobrado aluno pra música. E o que a coordenação dos cursos profissionalizantes da escola fez? Pediu pra cada instrutor de cada área ceder 2 ou 3 alunos para [formar] uma turma de 36 alunos. Eles iam pegar os alunos que não estavam se identificando, né!? (...). E no meio desses rejeitados, a gente formou a primeira banda (Antonio Sousa, entrevista 2 de fevereiro de 2018).
Dessa forma, foi possível perceber que a banda serviu como uma segunda alternativa de oficina profissionalizante para alguns e, em outros casos, como uma fuga de atividades com as quais não se identificaram. Esses estudantes buscavam uma prática em que pudessem se desenvolver ou, ao menos, estabelecer uma relação proveitosa. Na imagem a seguir, que faz parte do acervo de Antonio, é possível ver os primeiros participantes da Banda Luiz Gonzaga:
O maestro também abordou os desafios de organizar a banda dentro do horário escolar de tempo integral. Em suas palavras, “após o almoço, o aluno tinha aula de música. Ele tinha ali 2 aulas seguidas de atividades. Tinha o recreio, depois já vinha outra turma que tinha mais 2 aulas” (Antonio Sousa, entrevista, 2 de fevereiro de 2018). Com as aulas seguindo essa rotina, no fim do primeiro ano de atividades, a Banda já possuía um repertório consolidado que permitia a realização de apresentações como resultado de seu trabalho.
Na mesma ocasião, Antonio Sousa recordou que, nos primeiros anos, a Banda Luiz Gonzaga não dispunha de transporte adequado para levar seus integrantes às apresentações. Frequentemente, os músicos eram obrigados a caminhar para cumprir os compromissos, enquanto os instrumentos eram transportados em veículos improvisados. Em diversas situações, os jovens e adolescentes da banda chegavam a ser levados em caminhões que tinham acabado de transportar areia, o que gerava reclamações por parte dos alunos.
Ao continuar suas memórias, o maestro mencionou que a participação do grupo se tornou uma presença aguardada em todas as datas comemorativas do calendário escolar, como a recepção dos alunos no primeiro dia letivo, prévias carnavalescas, dia das mães, festas juninas, desfiles cívicos, gincanas e celebrações natalinas:
A banda chegou a fazer 367 apresentações em 1 ano. Mais do que uma por dia. (...) Tinha dia que a Banda não tocava? Tinha. Mas, no 7 de setembro nós fazíamos 10 apresentações. Puxava um colégio no Mocambinho. Chegava tinha um caminhão. Subia no caminhão e puxava pro Alto Alegre. Descia do caminhão, tinha um ônibus e ia fazer uma tocata na Monsenhor Chaves. A gente fazia N apresentações (...) e só dizia um não quando não tinha como ir (Antonio Sousa, entrevista, 2 de fevereiro de 2018).
Ao comentar sobre a atividade da Banda, o maestro destacou as dificuldades logísticas enfrentadas nas apresentações. Observa-se, entretanto, uma aceitação do trabalho do grupo, evidenciada pelo crescente número de convites, que com o tempo passaram a abranger eventos fora do ambiente escolar onde a banda estava sediada. A agenda, com múltiplas apresentações em um mesmo dia, possivelmente ressalta a dedicação e o esforço dos músicos. O primeiro regente não nos forneceu detalhes específicos sobre o repertório utilizado na época, no que diz respeito à compositores e/ou gêneros musicais.
Em 2018, o maestro em exercício era Humberto Oliveira Nessa época, a banda se locomovia por meio de ônibus ou micro-ônibus fornecidos pela Prefeitura de Teresina, uma mudança que possivelmente refletia o reconhecimento da gestão pela importância desse tipo de trabalho. Em relação ao repertório, o regente relatou que, sob sua direção, buscava diversificá-lo, com o objetivo de atender aos diferentes tipos de público:
Então sobre esse quesito a gente tenta mesclar bem o repertório. Não ficar puxando só pro lado de dobrados, ou só pro lado de músicas românticas, ou só pra lado de músicas natalinas. [Tentamos] mesclar [ao] máximo pra suprir todas as necessidades quando [formos realizar apresentações] em ambientes diferentes do que [temos] costume (Humberto Oliveira, entrevista, 14 de fevereiro de 2018).
O entrevistado demonstrou uma preocupação em não se limitar a gêneros ou temas específicos, como dobrados, músicas românticas ou natalinas, adotando essa estratégia para atender às demandas de variados tipos de apresentações e plateias. Essa maleabilidade no repertório permitia que a banda se adaptasse a diferentes contextos e ambientes, buscando equilibrar a escolha das músicas para garantir uma performance mais diversificada e inclusiva. Tal análise destaca o foco na versatilidade e adequação da banda em seu planejamento, podendo ser associada a conceitos de pluralidade cultural e flexibilidade nas performances musicais.
Humberto destacou (entrevista, 14 de fevereiro de 2018) que a banda já havia se apresentado em Luiz Correia, Parnaíba, Monsenhor Gil e Boa Hora, todas localizadas no estado do Piauí. No entanto, segundo o maestro, um dos momentos mais esperados pelos integrantes era a participação no Festival de Bandas de Teresina.
As experiências evocadas nas memórias dos maestros entrevistados revelam desafios distintos em diferentes épocas. No entanto, é possível identificar um ponto em comum: ambos ocuparam a mesma posição de liderança em um grupo musical que, ao longo dos anos, manteve o propósito de proporcionar o ensino de música na escola básica. Amparados por Scocuglia (2007), compreendemos que a História do Tempo Presente se faz relevante neste contexto, pois se volta para acontecimentos ainda vivos na memória das pessoas envolvidas. Essa abordagem permite a análise das constantes transformações das práticas sociais, bem como o entendimento de que a compreensão do presente é fundamental para a reavaliação do passado.
Outro ponto relevante para reflexão envolve a utilização dos espaços, dos instrumentos e a relação desses aspectos com o desenvolvimento do grupo. Para explorar essa questão, levantamos os seguintes questionamentos: Onde a Banda Luiz Gonzaga realizou seus primeiros ensaios e manteve suas práticas musicais nos anos iniciais? Quais instrumentos e materiais foram disponibilizados para a banda em 1991, e como essas condições iniciais moldaram o trabalho realizado nos primeiros anos?
Espaços, Instrumentos e o Quantitativo de Alunos nos Anos Iniciais do Trabalho
Na perspectiva da cultura material escolar, é relevante destacar que a sala de aula utilizada pela instituição regular municipal foi o espaço onde a Banda Luiz Gonzaga realizou seus primeiros ensaios e manteve suas práticas musicais em anos posteriores. Esse fato permitiu a consolidação de suas atividades no âmbito municipal. O recinto disponibilizado para o grupo tinha conexão com outra sala menor, que servia como depósito para guardar os instrumentos musicais, estantes e acervo de partituras.
Em 1991, foram disponibilizados para a oficina de música 5 clarinetes, 1 saxofone alto, 1 saxofone tenor, 3 trompetes, 1 cornet, 3 trombones, 1 bombardino, 3 trompas, 3 saxhorns, 2 sousafones, 2 tambores, 1 prato, 2 caixas e 2 bombos. Havia também 17 estantes de partituras disponíveis. No entanto, não foram comprados cadernos de pauta musical, que foram solicitados posteriormente (Antonio Sousa, entrevista, 2 de fevereiro de 2018).
A falta do caderno pautado, um elemento essencial da cultura material escolar, possivelmente representou descuido ou desinformação por parte da coordenação das oficinas em relação às necessidades mínimas para as atividades básicas do ensino de música. Por exemplo, parte das tarefas do grupo, especialmente nas primeiras semanas, consistia no ensino da teoria musical básica. Sem esse conhecimento, os alunos não poderiam ler as partituras disponibilizadas pelo professor/regente.
As cadeiras utilizadas eram as mesmas da sala de aula, mas isso não foi um problema para a prática instrumental dos alunos, pois elas não tinham braços, o que permitia aos estudantes manter uma boa postura durante o uso dos instrumentos musicais. Essas informações podem ser verificadas na imagem a seguir, que faz parte do acervo de Antonio Sousa, na qual foi capturado um momento de ensaio da banda:
Sobre as partituras utilizadas pela banda, juntamente como Monti (2015), entende-se que a música acompanha os eventos históricos, e seus registros podem ser mobilizados como uma fonte para a História da Educação Musical. As partituras preservam e retratam, por meio da notação musical, as experiências sonoras e manifestações de indivíduos, comunidades, povos e nações. Os selos dos editores indicam as conexões entre os compositores e suas obras, enquanto as anotações nas margens revelam detalhes dos ensaios e apresentações feitas por aqueles que manusearam as partituras.
Nessa perspectiva, conforme Antonio Sousa (entrevista, 2 de fevereiro de 2018), as partituras utilizadas para ensinar os alunos da Banda Luiz Gonzaga incluiam peças adaptadas e manuscritas, pois como professor considerava as músicas de nível avançado, obras que tinha acesso por meio do trânsito entre músicos e grupos musicais de cidade. Com algumas partituras ainda guardadas, o maestro disponibilizou a imagem a seguir do seu acervo:
Vale ressaltar que as partituras mencionadas pelo regente nas entrevistas eram arranjos musicais feitos para bandas de música mais experientes. Por isso, apresentavam uma complexidade elevada para alunos iniciantes, tanto nos aspectos rítmicos quanto melódicos. Assim como está registrado partitura que consta na figura 3, as peças eram simplificadas para execução dos alunos então neófitos como instrumentistas.
Segundo Antonio Sousa (entrevista, 2 de fevereiro de 2018), a primeira formação da Banda Luiz Gonzaga ocorreu entre 1991 e 1994. Em 1995, um novo grupo foi formado, o qual se manteve ativo até 1997, após o desfile cívico de 7 de setembro. A terceira formação teve início com o apoio de alguns membros da segunda, que convidaram amigos e conhecidos para se integrarem à banda. Essa fase perdurou de 1997, logo após o desfile de 7 de setembro, até o ano 2000.
O tempo exato de permanência de cada grupo na banda não foi claramente mencionado pelo maestro, mas ele destacou que as transições da segunda e terceira formações ocorreram após o desfile de 7 de setembro. No Brasil, essa data celebra a Independência, e, conforme Hendrik Kraay (2022), a tradição do desfile começou a se consolidar no centenário da Independência em 1922. Durante o Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas, a prática foi intensificada pela Semana da Pátria, com a participação de escolas e organizações civis.
É relevante notar que, para alguns alunos, o ciclo de participação na banda parecia encerrar-se após essa comemoração cívica, que poderia representar o ponto alto de sua motivação. Essa ocasião, sendo um feriado nacional, possivelmente oferecia a oportunidade para que muitos fossem prestigiados por seus familiares, uma vez que, “nessas ocasiões, as pessoas que os amam prestigiam suas performances” (Carmo, 2014, pp. 19-20).
Conforme relatado pelo maestro Antonio Sousa, a terceira formação da banda foi possível graças ao apoio de alguns membros da segunda, que convidaram novos integrantes. A partir dessa observação, podemos interpretar que esses alunos talvez fossem motivados por razões intrínsecas, valorizando a experiência na banda e acreditando que ela seria benéfica para outros. Essa interpretação dialoga com Rodrigo Lisboa da Silva (2023), que afirma que “a possibilidade de formar amigos, estabelecer laços afetivos (...) pode motivar os indivíduos a ingressar e participar das bandas” (p. 296).
A quarta formação teve início em 2001 e seguiu até 2002, sendo essa a última configuração da Banda Luiz Gonzaga enquanto oficina profissionalizante, pois, ao final de 2002, o Escolão do Mocambinho deixou de ser uma escola de tempo integral. Antonio Sousa destacou: “Foi a última turma formada dentro do Escolão nesse sistema de oficina. Em 2002, o Escolão foi extinto como escola de tempo integral, e a oficina 'banda de música' não tinha mais curso e recurso para sobreviver” (entrevista, 2 de fevereiro de 2018).
No próximo item, examinaremos os fatores que permitiram a continuidade da Banda Luiz Gonzaga após a extinção do sistema de ensino integral na escola que a abrigava. Quais estratégias foram adotadas para garantir que o trabalho permanecesse ativo até 2018? Houve algum apoio financeiro proveniente de outros programas ou fontes? Essas questões são importantes para entender as medidas e soluções que possibilitaram a continuidade do projeto ao longo dos anos.
A migração para o Projeto Banda-Escola
Em 1988, com o intuito de atender a jovens e adolescentes das regiões periféricas de Teresina, foi criado o Projeto Banda-Escola, voltado para o público de 11 a 17 anos. Aberto à comunidade, a iniciativa formou bandas de música que atuaram em escolas públicas dessas regiões, promovendo a inclusão social e a musicalização dos participantes em formação.
Segundo Sousa (2010), o Projeto Banda-Escola, que tem como executora a Fundação Cultural Monsenhor Chaves, desempenha um papel tanto social quanto educativo, formando instrumentistas aptos a ingressar no mercado de trabalho. Nesse contexto, jovens de sete a dezessete anos têm a oportunidade de aprender um instrumento musical. Após uma média de três anos no projeto, esses participantes alcançam um nível técnico que lhes permite ler e executar música em ambientes profissionais.
Com base nos relatos de Antonio, soube-se que, em 2002, a EMM encerrou suas atividades de tempo integral e deixou de oferecer cursos profissionalizantes no contraturno das aulas regulares. O motivo da mudança foi a ausência de verba pública para a continuidade das oficinas. No entanto, ao assumir um cargo administrativo como coordenador da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, o maestro conseguiu que a Banda Luiz Gonzaga continuasse a existir como integrante desse outro projeto.
Sobre a formação musical oferecida pelo Projeto Banda-Escola, Humberto Oliveira posicionou-se da seguinte forma:
O principal papel da banda de música nas escolas da prefeitura de Teresina é promover a socialização dos alunos. O objetivo é mantê-los longe das ruas, das drogas e da violência, ocupando seu tempo de maneira construtiva. Dependendo de sua dedicação, eles podem se tornar excelentes profissionais (entrevista, 14 de fevereiro de 2018).
Conforme a fala do entrevistado, a banda desempenha um papel social na construção da cidadania dos alunos, permitindo-lhes desenvolver habilidades que possibilitem um futuro em que possam aplicar suas competências em atividades profissionais remuneradas ou não, dependendo de suas escolhas posteriores.
Desafios e Soluções na Gestão de Instrumentos e Recursos da Banda Luiz Gonzaga
A manutenção de uma banda de música enfrenta inúmeros desafios, sendo a conservação e aquisição de instrumentos um dos principais. A realidade ideal, na qual cada músico possui seu próprio instrumento para estudo individual e participação nas apresentações, raramente se concretiza em bandas escolares de escolas públicas no Nordeste brasileiro. A Banda Luiz Gonzaga, nesse contexto, não era uma exceção. Esta seção examinará as soluções adotadas pela gestão da banda para superar essas dificuldades, destacando as estratégias que permitiram a continuidade de suas atividades apesar das limitações estruturais.
Humberto Oliveira (entrevista, 14 de fevereiro de 2018) relatou que, ao ingressar no conjunto musical em 2003, os instrumentos disponíveis já possuíam cerca de dez anos de uso, sendo os mesmos adquiridos no início das atividades do grupo. A manutenção desses equipamentos era custeada pelos professores da banda, de modo a evitar que os alunos precisassem arcar com despesas próprias. Ele também mencionou que, visando renovar o acervo instrumental, foram realizadas duas aquisições de novos instrumentos, uma em 2007 e outra em 2013. No entanto, essas compras não tinham o objetivo de substituir todo o material, mas apenas de repor os equipamentos que se encontravam inutilizados devido ao desgaste. Apesar dos dez anos de uso, a maioria dos instrumentos continuava em condições de ser utilizada, ainda que já apresentassem certa defasagem.
Dada a realidade socioeconômica da comunidade periférica de Teresina, público-alvo da banda, poucos alunos tinham os recursos financeiros necessários para adquirir um instrumento musical e praticar fora do horário escolar. Conforme relatado por Humberto Oliveira, essa limitação fez com que os estudantes levassem os instrumentos para casa, uma vez que a escola não oferecia condições adequadas para que a prática fosse restrita ao ambiente escolar. Ele destacou ainda que o sistema de revezamento “gerava uma competição saudável, pois forçava os alunos a se dedicarem mais para garantir o uso do instrumento” (entrevista, 14 de fevereiro de 2018).
Ainda sobre as condições de funcionamento da banda, ele mencionou que o repasse financeiro, mesmo que insuficiente, era fundamental para a continuidade das atividades. Humberto Oliveira destacou que a disponibilidade de recursos impacta diretamente na qualidade do material e dos instrumentos, o que, por sua vez, influencia o aprendizado dos alunos. Em suas palavras: “para nós naquele momento o imprescindível é a parte financeira em relação a termos como trabalhar. A termos material para trabalhar. A termos instrumento bom para entregar para o aluno da gente” (entrevista, 14 de fevereiro de 2018).
Para contextualizar, é importante destacar que Humberto era regente da Banda em 2018, o que sugere que o repasse financeiro que ele considerava insuficiente provavelmente provinha do Projeto Banda-Escola. Ademais, é relevante lembrar que o maestro foi também aluno da banda, o que explica a alternância em suas memórias entre eventos vividos enquanto participante e aqueles já na condição de líder do grupo.
Essa alternância temporal nos relatos de Oliveira pode ser relacionada ao conceito de trajetória de Pierre Bourdieu, o qual define essa dinâmica como uma “série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (...) num espaço que é ele próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações” (2006, p. 189).
A ideia de que uma pessoa pode assumir diferentes papéis ou funções ao longo do tempo reflete bem a experiência de Humberto Oliveira, que passou de aluno a regente dentro da mesma banda, em um contexto que se transformou ao longo dos anos. Isso ajuda a entender a fluidez de suas memórias e a mudança em suas perspectivas, uma vez que o papel ocupado pode afetar a forma como o indivíduo percebe e interpreta suas vivências.
No que concerne às soluções encontradas pelo grupo diante das dificuldades impostas pela falta de instrumentos e recursos na Banda Luiz Gonzaga, os dados sugerem que, ao longo dos anos, as atividades foram mantidas, apesar das precárias condições de conservação dos materiais disponibilizados pelos gestores do projeto. Estes, por sua vez, asseguraram ao grupo o fornecimento mínimo necessário para a continuidade das atividades essenciais, o que permitiu a consolidação da cultura bandística no contexto social em que a banda estava inserida.
Ensino de música: da teoria à prática e ao mercado de trabalho
Com base nos relatos dos interlocutores apresentados nas seções anteriores, é possível inferir que o ensino na Banda Luiz Gonzaga foi estruturado inicialmente por meio de aulas de teoria musical, cujo objetivo principal era proporcionar aos novos alunos uma base sólida em leitura musical. Na etapa seguinte, os músicos em formação que apresentavam melhor desempenho eram designados a um instrumento musical, de acordo com as necessidades da banda e compatível com o porte físico do estudante.
Humberto Oliveira, já em sua função de maestro, observou que havia uma constante rotatividade de alunos que ingressavam e deixavam o grupo, o que exigia uma seleção mais cuidadosa dos estudantes que receberiam os instrumentos. Em seu depoimento, ele detalhou como esse processo de escolha foi conduzido em 2018:
Tem que selecionar bem. Por exemplo: agora a gente abriu uma turma nova. A gente tá com uma turma pequena de 25 alunos [iniciantes]. Desses 25 alunos, a gente quer tirar pelo menos 6. Então, assim, é uma seleção minuciosa. Desses 25, na 1ª semana, desistem uns 3 ou 4, e depois desistem mais uns 3 ou 4. Aí ficam uns 15 no final. Aí a gente vai selecionar os melhores para pegar os instrumentos, e os outros vão ficar em aguardo para pegar os instrumentos que vão sobrando, porque a gente conta assiduidade, dedicação e comprometimento com horário. Isso tudo conta para a gente poder escolher um aluno para ficar naquele instrumento, sabe? (entrevista pessoal, 14 de fevereiro de 2018).
A distribuição dos instrumentos para os estudantes ocorria conforme o comprometimento demonstrado por eles durante a fase inicial de introdução à teoria musical básica. Esse momento destacava a responsabilidade atribuída ao aluno, que tinha o dever de cuidar do equipamento musical. Esse instrumento, posteriormente, seria utilizado por outro integrante, permitindo que cada um desenvolvesse uma rotina de estudos fundamentada nos princípios da banda.
Em determinado momento, o entrevistado recordou e enfatizou sua rotina de estudos, enquanto ainda era aluno, destacando que havia apenas dois professores para uma turma de 25 alunos. Sobre essa questão, Humberto Oliveira comentou:
A gente tinha que se virar e estudar do jeito que dava. Sentava na cadeira e ia ler e ia tentar entender o estudo, ia tentar fazer. Depois se reunia com outros músicos pra testar como minha execução estava em relação à deles e ver qual era a melhor forma de ser feito o estudo (entrevista, 14 de fevereiro de 2018).
Cabe ressaltar que, historicamente, há um movimento na educação musical para valorizar mais aspectos como a performance, a composição e a apreciação (Monti, 2015). No entanto, os mestres da Banda Luiz Gonzaga preferiam iniciar as aulas com o ensino de aspectos teóricos para, posteriormente, avançar para as atividades práticas. Em outras palavras, os líderes desse grupo musical optavam por começar as aulas com o ensino da leitura e da escrita musical, acreditando que o domínio da notação facilitaria a performance.
Além da leitura musical, o aprimoramento das habilidades auditivas, incluindo a capacidade de ouvir, recordar e reproduzir sons e músicas do ambiente social, desempenhou um papel central nas abordagens pedagógicas desses professores. Conforme Camila Betina Ropke et al. (2021), tocar de ouvido e memorizar o que foi ouvido são práticas comuns na vida de músicos populares e bandas escolares, constituindo uma ferramenta essencial para a apropriação do repertório tradicional de sua cultura e patrimônio imaterial. No Piauí, isso é particularmente evidente entre os mestres pifaneiros da cidade de Teresina.
Segundo Celso José Rodrigues Benedito (2011), o professor de uma banda-escola formula metas anuais com base nos objetivos do programa instrumental e no potencial de cada experiência. Dessas metas gerais derivam os objetivos mensais, semanais e diários. Ao longo dessa trajetória, o professor costuma se preocupar com as diferenças individuais para garantir o progresso do grupo.
Sobre a inserção no mercado de trabalho após a formação na banda, Antonio Sousa (entrevista, 2 de fevereiro de 2018), maestro fundador da Banda Luiz Gonzaga, relatou que, ao final da primeira oficina, que durou quatro anos, todos os músicos já atuavam na cidade, mesmo sem terem atingido a maioridade. Ele mencionou exemplos específicos, como um músico que tocava em uma banda local e outro que se preparava para ingressar no exército. Além disso, destacou que todos seguiram alguma trajetória, seja na música ou em outras áreas. Alguns se estabeleceram como músicos em diferentes cidades, enquanto outros se envolveram em bandas gospel ou seguiram outras ocupações, como procurador geral da república ou garçom. Ele concluiu afirmando que cerca de 90% dos participantes da oficina aproveitaram a formação recebida.
Além dos exemplos mencionados pelo maestro, apresentamos agora o depoimento de Abimael Costa, ex-aluno da EMM e integrante da banda entre 2010 e 2014. O músico, que seguiu carreira militar fora do estado do Piauí, relatou como a experiência na Banda Luiz Gonzaga foi fundamental para a sua decisão profissional:
O projeto foi muito importante na minha vida, já que foi a partir dele que eu resolvi mudar minha perspectiva de estudo. Eu pretendia fazer biologia na Universidade Federal do Piauí (UFPI), mas, como comecei a estudar música [na banda], aprendi a tocar trombone e depois violão. Então, mudei a opção de biologia para música e comecei a estudar música de forma séria. Depois disso, todos os meus trabalhos foram relacionados à música, sempre tendo o trombone como base (Abimael Costa, entrevista, 23 de fevereiro de 2018).
Abimael descreveu o projeto como um ponto de virada em sua trajetória acadêmica e profissional. A mudança de sua escolha inicial para o estudo da música revela que a Banda Luiz Gonzaga, além de proporcionar aprendizado, também foi um espaço de autodescoberta e redirecionamento de carreira. Ao prosseguir seu relato, o músico destacou que, mesmo após ingressar no curso universitário, continuou a tocar na banda:
Mesmo estudando na UFPI e participando de outros grupos musicais eu continuava no projeto, porque, para mim, o projeto tinha que se manter vivo. Eu contribuía sempre que podia participar das apresentações: 7 de Setembro, Festival de Bandas, e também incentivava os novos alunos que apareciam. (...) Depois que saí da escola de música, fui ser músico militar, que é o que eu sou hoje. O dinheiro que consegui para meu sustento sempre veio da música, seja como docente ou como músico prático (Abimael Costa, entrevista, 23 de fevereiro de 2018).
Segundo o relato, a banda não era apenas um espaço de aprendizado musical, mas também um lugar de construção de laços afetivos e comunitários. Sua participação continuou mesmo após o ingresso no ensino superior, e ele assumiu um papel de mentor para os mais jovens, sugerindo que via o projeto como um legado a ser mantido vivo. Além disso, essa experiência lhe proporcionou acesso à sua principal fonte de renda por meio da música, permitindo inferir que ele conseguiu estabelecer-se em uma carreira que lhe garantiu estabilidade financeira.
Humberto já teve muitos de seus depoimentos citados em seções anteriores deste trabalho, principalmente em relação às suas experiências tanto de aluno quanto de regente do grupo. Suas contribuições abordaram as vivências internas dentro do projeto, ressaltando o papel da banda em sua formação e trajetória profissional. No entanto, foi Abimael Costa quem nos proporcionou uma visão mais ampla, abordando as atividades ocupacionais de Humberto fora do contexto da banda, ampliando nossa compreensão sobre o impacto desse trabalho em sua carreira na música:
Outro exemplo que posso citar é o Humberto. Ele foi aluno do Escolão, toca em bandas de forró, e, além de ser autônomo em outra área, mantém sua prática musical. Ele é músico da Banda 16 de Agosto [um dos grupos profissionais de Teresina] e também é regente da banda escolar do Escolão (entrevista, 23 de fevereiro de 2018).
A trajetória de muitos integrantes da Banda Luiz Gonzaga destacou a relevância do projeto não apenas na formação musical, mas também na criação de oportunidades profissionais e no fortalecimento dos laços comunitários. Diversos ex-participantes obtiveram reconhecimento em diferentes áreas, seja na música ou em outras profissões. Desse modo, é possível inferir que o projeto foi além do ensino técnico, oferecendo ferramentas para o desenvolvimento pessoal e profissional.
Considerações Finais
Esta pesquisa possibilitou compreender o processo de criação e consolidação da Banda Luiz Gonzaga, bem como o desenvolvimento do ensino de música ao longo de seus vinte e sete anos de funcionamento na região Nordeste do Brasil, especificamente em Teresina, capital do Estado do Piauí.
As primeiras formações da banda foram compostas exclusivamente por alunos da instituição, uma vez que as oficinas faziam parte da grade curricular do colégio, que inicialmente funcionava em tempo integral. A primeira turma, formada por alunos oriundos de outras oficinas, era composta por indivíduos sem conhecimento musical prévio. No entanto, ao final do ano letivo, foram capazes de realizar apresentações como culminância de seu trabalho. Desde sua fundação, o atendimento a pessoas sem experiência musical foi uma constante, destacando-se como uma importante característica do grupo.
As reflexões deste estudo indicam que, ao longo dos anos, as atividades do grupo foram realizadas independentemente das condições de conservação dos materiais disponibilizados pela coordenação. A administração forneceu ao grupo o material mínimo necessário para a continuidade de suas atividades básicas, promovendo sua consolidação no contexto social em que estava inserida.
Os dados apresentados sugeriram que o ensino era conduzido por professores focados no desenvolvimento das habilidades musicais básicas dos alunos. Nesse contexto, destaca-se o senso de responsabilidade presente no ato de entrega dos instrumentos musicais, pois os alunos eram responsáveis pelo cuidado dos instrumentos e pela sua rotina de estudos. Além disso, pode-se inferir que a prática musical dos integrantes em seus ambientes familiares possivelmente disseminou a cultura de bandas dentro da comunidade, ao permitir que suas famílias e vizinhos entrassem em contato com essa tradição musical.
No que se refere ao ensino de música, destaca-se que ele era caracterizado principalmente pelas aulas de teoria musical básica ministradas aos alunos ingressantes antes do contato inicial com o instrumento. O progresso para as práticas instrumentais ocorria por meio do repertório, à medida que os professores e regentes disponibilizavam partituras e instrumentos.
A trajetória da Banda Luiz Gonzaga é um exemplo de como a educação musical, mesmo em meio a desafios estruturais e limitações de recursos, pode construir identidades e fortalecer a cultura local. Desde sua fundação em 1991, a banda não apenas ensinou música aos seus integrantes, mas também promoveu a cidadania, inclusão social e o desenvolvimento integral de jovens provenientes de comunidades periféricas.
Além de seu valor artístico e educacional, a banda se consolidou como um espaço de socialização, no qual os alunos não apenas aprendiam música, mas também criavam laços que ultrapassavam o ambiente escolar. Suas apresentações frequentes e diversificadas, tanto em eventos escolares quanto em festivais e comunidades vizinhas, contribuíram para a promoção da cultura local e para o fortalecimento dos laços comunitários. Ao registrar a memória desse projeto, valoriza-se a importância de iniciativas que utilizam a cultura e a educação como ferramentas de transformação.
Referências
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Notas