Artículos

A Contribuição da Economia Ecológica para a Análise das Políticas Socioambientais Brasileiras no Contexto Latino-Americano

The contribution of ecological economics to the analysis of Brazilian socio-environmental policies in the Latin American context

Nina Lys Nunes
Universidade de São Paulo, Brasil
Letícia de Godoy Torso
Universidade de São Paulo, Brasil
Verônica Albano Colantonio
Universidade de São Paulo, Brasil
Fernanda Brando
Universidade de São Paulo, Brasil

Entretextos

Universidad de La Guajira, Colombia

ISSN: 0123-9333

ISSN-e: 2805-6159

Periodicidade: Semestral

vol. 18, núm. 35, 2024

entretextos@uniguajira.edu.co

Recepção: 23 Fevereiro 2024

Aprovação: 27 Abril 2024



DOI: https://doi.org/10.5281/zenodo.11443095

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Resumo: O artigo analisa as políticas socioambientais brasileiras, sob a ótica do campo da Economia Ecológica (EE), no contexto da América Latina, com foco nas Políticas de Agricultura e Produção de Orgânicos do Brasil e do Estado de São Paulo. A metodologia empregada, fundamentada em conceitos da EE, avaliou o enquadramento das políticas em critérios e princípios de sustentabilidade, incorporando aspectos ambientais, sociais e políticos do desenvolvimento sustentável. O estudo categoriza as políticas socioambientais como de sustentabilidade em quatro tipos. Os resultados mostram que as políticas analisadas são compatíveis com os princípios propostos e apresentam os tipos de políticas a que se classificam. As políticas públicas para promover a sustentabilidade nas relações sociedade-natureza devem ser coerentes com a estrutura conceitual e os princípios do campo da Economia Ecológica. Além disso, devem corresponder ao contexto histórico, econômico, ambiental, político e cultural que caracteriza a região.

Palavras-chave: políticas públicas, bioeconomia, agroecologia, orgânicos, São Paulo.

Resumen: El artículo analiza las políticas socioambientales brasileñas desde la perspectiva del campo de la Economía Ecológica (EE), en el contexto de América Latina, con un enfoque especial en las Políticas de Agricultura y Producción de Orgánicos de Brasil y del Estado de São Paulo. La metodología empleada, basada en conceptos de la EE, evaluó el marco de las políticas en criterios y principios de sostenibilidad, incorporando aspectos ambientales, sociales y políticos del desarrollo sostenible. El estudio categoriza las políticas de sostenibilidad en cuatro tipos. Los resultados muestran que las políticas analizadas son compatibles con los principios propuestos y presentan los tipos de políticas a las que pertenecen. Las políticas públicas para fomentar la sostenibilidad en las relaciones sociedad-naturaleza deben ser coherentes con la estructura conceptual y los principios del campo de la Economía Ecológica. Además, deben ajustarse al contexto histórico, económico, ambiental, político y cultural que caracteriza la región.

Palabras clave: políticas públicas, bioeconomía, agroecología, orgánicos, São Paulo.

Abstract: The article analyzes Brazilian socio-environmental policies from the perspective of the field of Ecological Economics (EE), in the context of Latin America, with a special focus on Brazil's Agriculture and Organic Production Policies and those of the State of São Paulo. The methodology employed, based on EE concepts, evaluated the policy framework against sustainability criteria and principles, incorporating environmental, social, and political aspects of sustainable development. The study categorizes sustainability policies into four types. The results show that the analyzed policies are consistent with the proposed principles and present the types of policies to which they belong. Public policies aimed at promoting sustainability in society-nature relations must be coherent with the conceptual framework and principles of Ecological Economics. Additionally, they must be tailored to the historical, economic, environmental, political, and cultural context that characterizes the region.

Keywords: public policies, bioeconomy, agroecology, organics, São Paulo.

Introdução

O governo do Brasil vem implementando políticas públicas baseadas no uso sustentável dos recursos biológicos como estratégia para a sustentabilidade. Este artigo apresenta uma pesquisa aplicada, colaborativa e transdisciplinar que visa contribuir para a análise das políticas públicas por meio do diálogo com a academia, principalmente nos campos da Economia Ecológica (EE) no contexto da América Latina.

O referencial teórico no qual a análise está fundamentada é o trabalho da “Comisión Económica para América Latina y el Caribe” - CEPAL (2024) entitulado como “Recursos naturales y desarrollo sostenible: propuestas teóricas en el contexto da América Latica y el Caribe” coordenado por Jeannette Sánchez & Mauricio León, especialmente no quarto capítulo “Economía Ecológica para América Latina y el Caribe: bases conceptuales y perspectivas de política pública para la sostenibilidad” da autoria do Dr. Mario Pérez Rincón.

No contexto da política socioambiental na América Latina, precisamos partir do fato que os seis países com maior biodiversidade do planeta estão aí localizados, sendo eles: Brasil, Colômbia, Equador, México, Peru e Venezuela (MEGADIVERSE-COUNTRIES, 2024). Os biomas da região perpassam desde zonas úmidas a ecossistemas costeiros até desertos, florestas tropicais, extensas pastagens de savana e habitats andinos de alta altitude (UNEP-WCMC, 2016).

A diversidade do patrimônio sociocultural da região conta com mais de 522 povos e comunidades tradicionais, onde são faladas 420 línguas diferentes (15% das línguas do mundo), constituindo-se como a região com maior riqueza linguística do planeta (UNICEF-FUNPROEID Andes, 2009). Além disso, estes povos ameríndios foram responsáveis por manejar a biodiversidade por meio dos seus saberes e práticas milenares de gestão sustentáveis, contribuindo para a riqueza e diversidade de espécies, como também a perpetuação e a manutenção das regiões (Nunes et al., 2023).

Sobre a economia da América Latina, a abundância de recursos naturais, o alto preço dos commodities, o contexto de dependência internacional marcado pelo passado colonial, promoveram a especialização econômica por parte de governos e atores privados em direção ao setor primário e setores extrativos. Processo definido como Consenso de Commodities (Svampa, 2013). Nesse sentido, o extrativismo é entendido como extração de recursos naturais, que implica vastas escalas de produção, uso intensivo de tecnologia importada, pouco ou nenhum processamento e grande consumo de bens naturais, orientado ao mercado mundial (Gudynas 2009, 2013). O conceito incorpora atividades mineiro-energéticas, monoculturas de exportação, agrocombustíveis e todas aquelas atividades que promovem o acesso do grande capital internacional a determinadas fontes de matérias-primas (Seoane, 2013; Svampa, 2013; Rincón, 2024).

O neoextrativismo como estilo de desenvolvimento foi aceito pelos governos, tanto conservadores quanto progressistas da região, mas também por um amplo setor da sociedade, sejam movimentos sociais, organizações de esquerda, confederações trabalhistas e grupos empresariais (Travela, 2020). Este consenso está atrelado à ideia de recursos quase inesgotáveis que devem ser utilizados intensivamente, o que fornece materiais e energia para o resto do mundo e coloca em risco a própria existência da sociedade (Gudynas, 2012).

Diante dessa realidade, as políticas socioambientais voltadas à conservação do patrimônio ecológico são mais difíceis de implementar, pois vão contra uma das principais fontes de renda pública e de geração de divisas da América Latina, construída ao longo de muitos anos de dependência econômica. É nesse contexto, acompanhado de elevada diversidade ecológica e cultural, que a EE se move para propor políticas que conduzam à sustentabilidade as relações sociedade-natureza na região (Rincón, 2024).

A EE implica uma visão ampla, ecológica, interdisciplinar e holística para poder compreender e gerir o nosso planeta de forma sensata face aos crescentes problemas interdependentes do ambiente, da população e do desenvolvimento económico. (Costanza, 1991)

A definição fundamental de EE, por Robert Costanza (1989), consiste nas relações entre ecossistemas e sistemas econômicos no sentido mais lato. A EE trabalha com novas abordagens e alternativas para lidar com os impasses ambientais contemporâneos. Estas abordagens permitem não só questionar os parâmetros de avaliação da economia contemporânea, na ideia de crescimento econômico ilimitado, como também exigir novos indicadores ambientais e métricas de bem-estar social (Rincón, 2024).

Partindo da teoria geral dos sistemas, Passet (1975) propõe um diagrama que representa as relações entre a natureza, a sociedade humana e a economia humana, ilustrando que o econômico e o social não sobreviveriam ao longo do tempo sem a natureza, que é o seu suporte. Identificar hierarquias em sistemas, em uma direção, do maior para o menor; e certos limites também numa direção semelhante. Assim, os elementos da esfera económica pertencem à biosfera e são regidos pelas suas leis. Pelo contrário, nem todos os elementos da biosfera são de natureza económica ou estão sujeitos à sua regulamentação (Rincón, 2024)

A complexidade das relações entre ecossistemas e sistemas econômicos exige uma visão ampla, holística, ecológica e interdisciplinar que leve em consideração aspectos biológicos, físicos, químicos, econômicos, políticos, sociais, culturais e éticos. Os objetivos específicos nas análises das relações entre o subsistema económico e o sistema natural que o suporta são: i) a dimensão da escala do subsistema econômico versus a biosfera; ii) a velocidade de utilização dos recursos naturais e de geração de poluentes em comparação com a capacidade dos ciclos naturais, e iii) a distribuição de bens e serviços ambientais e seu fluxo de benefícios e custos entre países e grupos sociais estão relacionadas à capacidade de suporte dos ecossistemas em relação à dinâmica econômica e constroem a frente tradicional da sustentabilidade. O terceiro objetivo está ligado a uma distribuição equitativa que corresponda à frente da justiça ambiental (Scholberg, 2007; Urkidi e Walter, 2011).

O desafio de construir uma ciência da sustentabilidade levou à adoção de um pluralismo metodológico e à integração de propostas interdisciplinares e transdisciplinares (Lizarazo, 2018). Dado que a Economia Ecológica busca compreender um sistema maior do que a Economia ou a Ecologia, há necessidade de pluralismo conceitual e metodológico consciente, sendo a única forma de compreender e gerir problemas da complexidade que enfrentamos hoje (Noorgaard, 1989). A sustentabilidade forte considera a natureza um patrimônio a ser conservado para que o desenvolvimento da sociedade possa ocorrer, partindo do princípio de que é impossível substituir todas as funções e serviços ambientais por capital fabricado pela sociedade, em contraponto ao que é proposto pelo conceito de sustentabilidade fraca, também chamada de sustentabilidade utilitarista (Rincón, 2024).

Diante desse aporte teórico que baliza a nossa pesquisa, nossa pergunta central é investigar se as políticas socioambientais brasileiras, em especial a premida pela FAO sobre agroecologia e produção de orgânicos, seguem os princípios de sustentabilidade da EE descritos em Rincón (2024). Para responder essa pergunta, trabalhamos com a análise das políticas socioambientais brasileiras, com ênfase no estado de São Paulo, que tratam do uso sustentável da biodiversidade de plantas.

Metodologia

A proposta metodológica possui características de pluralidade, criticidade, coerência e estrutura, sendo também participativa e democrática. A análise das políticas públicas socioambientais na América Latina a partir da perspectiva da Economia Ecológica requer o estabelecimento de critérios e princípios orientados por fundamentos conceituais.

Para isso, vamos apresentar as políticas públicas ambientais nacionais brasileiras e do estado de São Paulo, com o propósito de analisar as políticas socioambientais brasileiras, como a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) e a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica de São Paulo (PEAPO-SP). Essas normativas são voltadas ao uso sustentável do patrimônio genético brasileiro com ênfase no estado de São Paulo de acordo com os princípios da sustentabilidade como proposto em (Rincón, 2024) no contexto da EE.

Para a análise, foram usados os quatro grupos de princípios definidos por (Rincón, 2024): 1) Ambientais: Princípio de sustentabilidade forte, Princípio de precaução, Normas mínimas de seguridade (NMS) - evitar um dano irreversível, Princípio de Krutilla -importância, escassez e insubstituibilidade futuros; 2) Sociais: Princípio de Justiça Ambiental em suas três dimensões: i) distributivas em relação ao acesso aos recursos naturais, ii) processual, equidade na participação nas tomadas de decisões e na construção das normativas e iii) reconhecimento das diferentes cosmovisões e identidades culturais; 3) Políticos: Princípio de legitimidade, transparência e participación e 4) outros como Princípio de interdisciplinaridade, complexidade e transversalidade.

Quanto ao tipo de políticas de sustentabilidade, dividem-se em quatro categorias (Rincón, 2024; Guhly et al 2007; Bermejo, 2005): i) Políticas estruturais; ii) Políticas transversales-sectoriales; iii) Políticas temáticas ou de missão: correspondem diretamente aos componentes ambientais básicos, como biodiversidade, água, florestas, solo e ar, etc; iv) Políticas instrumentais: permitem que as políticas de missão tenham capacidade institucional, financeira, normativa, investigativa, informativa, tecnológica e de gestão para serem colocadas em prática.

Resultados

O Brasil instituiu suas primeiras políticas socioambientais, em 1934, o Código de Águas e o Código Florestal, pelo Decreto nº 24.643. Anos depois e anterior a Constituição Federal de 1988, a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) foi estabelecida em 1981, pela Lei n 6.938, tendo como objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana. No artigo 225 da Constituição Federal de 1988, fica explícito a visão socioambiental:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Os compromissos internacionais relativos ao uso sustentável da biodiversidade, resultaram na implementação da Política Nacional da Biodiversidade (PNB). Implementada a partir de 2002, a PNB foi encarregada de traçar as diretrizes nacionais, em consonância com a Convenção da Biodiversidade, criada na Rio 92 no Brasil, com o objetivo de conservar a biodiversidade, o uso sustentável e a repartição de benefícios. Concomitante à PNB, foi instituída, pelo Decreto no 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT) com objetivo de promover o desenvolvimento sustentável, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à identidade, suas formas de organização e suas instituições. Anos depois, foi promulgada a Lei da Biodiversidade, Lei 13.123, de 20 de maio de 2015, que define o acesso ao patrimônio genético, proteção e acesso ao conhecimento tradicional associado e a repartição de benefícios para a conservação e uso sustentável da biodiversidade.

Em 20 de agosto de 2012, foi instituída a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), pelo Decreto nº 7794, premiada em 2018 pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) como uma das melhores políticas do mundo em promover a agroecologia, estando entre as oito finalistas do prêmio Future Policy Award (World Future Council, 2018). A PNAPO tem como principal objetivo unir políticas, programas e ações que estimulem a transição agroecológica, contribuindo para o desenvolvimento sustentável e para a oferta e o consumo de alimentos saudáveis. Essa política tem como alguns de seus instrumentos o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), o crédito rural e demais mecanismos de financiamento, regulação e compensação de preços agrícolas e extrativistas, compras governamentais, assistência técnica e extensão rural, entre outros. Sua gestão fica a cargo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), composta por vinte e um representantes de órgãos, entidades e serviço social autônomo e vinte e um representantes de entidades da sociedade civil, e da Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (CIAPO), a qual fica responsável por elaborar a proposta do PLANAPO e articular os órgãos e entidades do Poder Executivo federal para a implementação da PNAPO e do PLANAPO. Essas duas instâncias de gestão haviam sido revogadas em 2019, no governo Bolsonaro, entretanto foram revigoradas em 2023, no governo Lula.

Algumas outras políticas socioambientais nacionais merecem destaque, como é o caso da Política de Garantia de Preços Mínimos para Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-BIO) executado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) que tem como um dos seus objetivos a garantia de renda ao agricultor familiar extrativista mediante a concessão de subsídio para vendas abaixo do preço mínimo. Ligada a essa política, os programas nacionais: Programa de Garantia de Preços para Agricultura Familiar (PGPAF), Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).

Esforços para implantar as políticas de bioeconomia deram origem ao Plano Nacional de Promoção das Cadeias de Produtos da Sociobiodiversidade, proposto pela Portaria Interministerial nº 239 de 21 de julho de 2009, com o objetivo de desenvolver ações integradas para a promoção e fortalecimento das cadeias de produtos da sociobiodiversidade, com agregação de valor e consolidação de mercados sustentáveis. Dez anos depois, o Programa Bioeconomia Brasil-Sociobiodiversidade foi aprovado pela Portaria nº 121, de 18 de junho de 2019, que propõe a articulação de parcerias entre o Poder Público, pequenos agricultores, agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais e seus empreendimentos e o setor empresarial, visando a promoção e estruturação de sistemas produtivos baseados no conceito da bioeconomia. Atualmente, foram implementados dois programas finalísticos no Plano Plurianual (PPA) 2024 até 2027, sendo eles o Programa Bioeconomia para um novo ciclo de prosperidade e o Programa Agricultura Familiar e Agroecologia.

No que se refere às políticas públicas do estado de São Paulo, foi implementado o Programa de Fomento de Arranjos Produtivos Locais Paulista, no âmbito da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, instituído pelo Decreto n° 54.654 de 07 de agosto de 2009, tendo como objetivo o desenvolvimento regional e a redução das desigualdades regionais do estado por meio da descentralização do desenvolvimento produtivo, das cadeias paulistas, e do aumento do empreendedorismo e da competitividade das micro, pequenas e médias empresas – baseados em interação e cooperação. O Decreto nº 57.402, de 6 de outubro de 2011, instituiu a Comissão Paulista da Biodiversidade com a finalidade de coordenar a elaboração e implantação de estratégias para que se alcance as metas da Conservação da Diversidade Biológica (CDB) em seu território.

A Lei nº 16.684, de 19 de março de 2018, institui a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica de São Paulo (PEAPO) com os objetivos de promover e incentivar o desenvolvimento da agroecologia e da produção orgânica, promover soberania alimentar, fortalecer bancos de sementes crioulas comunitários, incentivar a economia solidária, entre outros. Entre seus principais instrumentos, estão: o Plano Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (PLEAPO), que deverá ser elaborado pelo Poder Executivo e a Assistência Técnica e Extensão Rural especializada em agroecologia. A PEAPO deverá ser implementada pelo Estado em cooperação com a União, os Municípios, as organizações da sociedade civil e outras entidades privadas.

Esforços de articulação dos entes federados, entre a União e o estado de São Paulo, também foram observados na temática socioambiental. Há apoio das secretarias estaduais para a Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio), que garante um preço mínimo para produtos extrativistas por meio de subvenção direta. Dessa forma, a CONAB paga a diferença quando os extrativistas comprovam a venda do produto por preço inferior ao mínimo estabelecido. A Secretaria de Agricultura, pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) e a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), contribui para fixar os preços dos produtos paulistas. Ainda podemos citar esforços do Instituto Florestal (IF) na compra de sementes para reflorestamento, articulações das prefeituras para adquirir a merenda escolar e ainda o apoio das universidades com pesquisas e projetos de extensão.

O IEA da Secretaria de Agricultura e Abastecimento e o Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, instituições públicas de pesquisa do estado de São Paulo, têm promovido ações no Grupo Técnico de Sociobiodiversidade e exploração de espécies nativas da CATI junto às PCTAFs. Essas iniciativas estão descritas nas resoluções: 1) SMA 98, de 26 de outubro de 2022, que dispõe sobre os critérios para a concessão de autorizações para a atividade de implantação de roças tradicionais praticadas por povos e comunidades tradicionais no Estado de São Paulo; 2) conjunta SAA/SIMA 03, de 10 de setembro de 2021, que dispõe sobre o detalhamento das atribuições das Secretarias de Agricultura e Abastecimento – SAA e de Infraestrutura e Meio Ambiente - SIMA referentes à Exploração Sustentável de Espécies Nativas do Brasil no Estado de São Paulo, regulamentada pela Resolução SMA 189/2018; 3) SMA 42, de 18 de abril de 2018, que trata do Palmito Legal; 4) SAA Nº 69 2021 Painel de Estudos Aplicados em Arranjos Produtivos Locais Agroindustriais Rurais (APL AR); 5) SIMA Nº 98 2022 implementação de jardins praticados por Povos e Comunidades Tradicionais; 6) SIMA Nº 121 2022 Coleta de Pinhão; 7) A Fundação Florestal criou o Programa de Conservação da Palmeira Juçara, que engloba o Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) Juçara e o programa de compra de sementes; 8) Grupos Técnicos foram criados na CATI.

As políticas públicas analisadas se mostraram coerentes com a estrutura conceitual no sentido de promover a sustentabilidade nas relações sociedade-natureza, a partir da análise à luz da Ecologia Ecológica. Ambas as políticas atendem os quatro grupos de princípios propostos por Rincón (2024). As Figuras 1 e 2 evidenciam os termos e palavras chaves presentes nos objetivos e diretrizes da PNAPO e PEAPO-SP, sendo cada um classificado em um dos princípios e sua respectiva dimensão.

PNAPO nos respectivos princípios analisados
Figura 1
PNAPO nos respectivos princípios analisados

A figura representa um diagrama relacionando a norma da PNAPO de acordo com os princípios propostos por Rincón (2024).

PEAPO-SP nos respectivos princípios analisados
Figura 2
PEAPO-SP nos respectivos princípios analisados

A figura representa um diagrama relacionando a norma da PEAPO-SP de acordo com os princípios propostos por Rincón (2024)

As políticas PNAPO e PEAPO-SP se inserem fortemente no campo das políticas ambientais, uma vez que adotam o conceito de sustentabilidade forte e os princípios da precaução e de Normas Mínimas de Segurança (NMS), conforme estabelecido nos artigos 4 e 5 da PEAPO, e nos artigos 1 e 3 da PNAPO. Além disso, as políticas apresentam grande valorização do aspecto social, contemplando as três dimensões sugeridas por Rincón (2024): justiça, participação e equidade social. Essas dimensões são evidenciadas nos mesmos artigos citados anteriormente. Outros princípios que orientam as políticas são a interdisciplinaridade, a complexidade e a transversalidade, presentes nos artigos 3 e 4 da PEAPO, e nos artigos 1 e 3 do PNAPO, sendo apresentados em menor escala que os dois primeiros grupos de princípios. Por fim, observa-se que as políticas analisadas apresentam uma menor atenção aos princípios políticos, como a legitimidade, a transparência e a participação.

É interessante citar que dois objetivos da PEAPO (art 5, XIX, XX da Lei nº 16.684/2018) foram vetados. O primeiro, se referia diretamente ao Princípio da Precaução, enquanto o segundo se referia a promoção de ações de educação ambiental de tal forma que poderia enriquecer ainda mais tal política com os Princípios Ambientais e Sociais, de acordo com o Projeto de lei nº 236 /2017.

No que tange o aspecto de tipos de política de sustentabilidade, são propostas quatro categorias, sendo elas: i) políticas estruturais, ii) políticas transversais-setoriais, iii) políticas temáticas ou missionárias, e iv) políticas instrumentais (Rincón, 2024; Guhly et. al., 2007; Bermejo, 2005).

Dessa forma, as políticas analisadas neste artigo possuem características de cada categoria. São políticas que visam mudar o padrão de desenvolvimento extrativista para um mais sustentável e equitativo, com base em alternativas ao desenvolvimento e na reindustrialização agroindustrial (políticas estruturais). Ambas atuam em setores estratégicos para promover a agroecologia, o território sustentável e a soberania alimentar, com base na agricultura de baixo carbono e na agricultura urbana e periurbana, visando gerar grandes efeitos de sustentabilidade forte (políticas transversais-setoriais). Além disso, consta nas políticas que estas correspondem aos componentes ambientais básicos, como a biodiversidade, a água, as florestas, o solo e o ar, e buscam conservar, proteger e restaurar a base ecológica e os serviços ambientais, com base em esquemas de co-gestão e gestão sustentável dos recursos naturais (políticas temáticas ou missionais). Da mesma forma, ambas fornecem a capacidade institucional, financeira, normativa, investigativa, de informação, tecnológica e de gestão para implementar as políticas missionais, com base no fortalecimento do sistema institucional ambiental, na reforma fiscal ecológica, nos pagamentos por serviços ambientais, na pesquisa e tecnologia, na participação, educação e cultura ambiental (políticas instrumentais).

Discussão

Para garantir a sustentabilidade e a justiça social no longo ou médio prazo, é preciso promover mudanças estruturais que superem os limites do paradigma civilizacional dominante e do modelo produtivo neoextrativista, que tem marcado a especialização da América Latina, uma região de enorme diversidade ecológica e cultural. Esses processos e paradigmas, além de impedirem a consolidação de um desenvolvimento genuíno, contribuem para a degradação ambiental dos ecossistemas naturais e para o aumento dos conflitos socioambientais (Rincón, 2024).

No curto prazo, políticas instrumentais são importantes para que ajudem a iniciar o caminho para a sustentabilidade e a justiça ambiental, tendo essas duas perspectivas como fundamentais para soluções duradouras para promover uma vida mais harmoniosa e respeitável para com a natureza e nós mesmos. As políticas precisam promover e ser acompanhadas de uma mudança de mentalidade e de valores que reconheçam a interdependência entre os seres humanos e o meio ambiente (Rincón, 2024). É preciso também fortalecer a participação social e o controle democrático sobre as decisões que afetam o futuro do planeta, garantindo que os interesses das gerações presentes e futuras sejam respeitados. Assim, é possível construir uma sociedade mais justa, solidária e socioambientalmente responsável, que valorize a diversidade e a harmonia da vida em todas as suas formas.

Nesse sentido, é fundamental que as políticas públicas sejam orientadas por princípios ambientais, sociais e políticos, que considerem as dimensões ecológicas, sociais, econômicas e culturais do desenvolvimento. Esses princípios devem orientar a transição para um modelo de desenvolvimento que respeite os limites ecológicos do planeta, que promova a distribuição equitativa dos benefícios e dos custos ambientais, que reconheça os direitos dos povos e comunidades tradicionais, que incentive a produção e o consumo responsáveis, que fomente a inovação tecnológica e social, que estimule a educação ambiental e a cidadania ecológica, e que fortaleça a cooperação internacional e a solidariedade entre os países. Somente assim será possível promover o verdadeiro desenvolvimento sustentável.

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