Artigo

Efeitos clínicos, viabilidade e educação: protocolo de ultrassom e drenagem linfática no pós-operatório de lipedema

Curro Millan Martinez
Hospital Viamed Santa Elena, España
Ledda Alejandra Pérez Zapata
Ledda Alejandra Pérez Zapata Universidad de Antofagasta, Chile
Felice Picariello
Università degli Studi di Napoli Federico II, Italia
Roman Rodriguez Cid
Universidad Alfonso X El Sabio, España
Patricia Froes Meyer
Instituto Fisiomédico, España

Práticas Educativas, Memórias e Oralidades

Universidade Estadual do Ceará, Brasil

ISSN-e: 2675-519X

Periodicidade: Frecuencia continua

vol. 5, núm. 1, 2023

rev.pemo@uece.br

Recepção: 23 Agosto 2023

Aprovação: 27 Outubro 2023



Resumo: Lipedema é caracterizado por multiplicação anormal de adipócitos devido alterações hormonais. O tratamento cirúrgico em alguns casos é necessário. Após cirurgia, o manejo pós-operatório adequado é essencial. O objetivo deste estudo é investigar os efeitos clínicos e a viabilidade de um protocolo de ultrassom multifocal de baixo índice mecânico associado à drenagem linfática mecânica no pré e pós-operatório de lipedema. Trata-se de um estudo piloto quase-experimental. As participantes foram designadas em grupos paralelos, por conveniência, com 10 pacientes no grupo 1 (G1) e 10 no grupo 2 (G2). O G1 recebeu o tratamento tanto no período pré-cirurgia quanto no pós-cirurgia. O G2 recebeu o tratamento apenas no período pós-cirurgia. Os grupos, ao final do acompanhamento, demonstraram similaridade em relação à dor, mobilidade, equimose, fadiga, estado de ânimo e sensibilidade. Os resultados mostraram que ambos os protocolos apresentaram efeitos clínicos e de viabilidade similares, podendo ser empregados na reabilitação de cirurgia de lipedema. Destaca-se a importância da educação continuada para uma prática mais informada, atualizada e segura.

Palavras-chave: Lipohypertrofia, Tratamento cirúrgico, Terapia linfática, Terapia por ultrassom, Educação continuada.

Abstract: Lipedema is characterized by abnormal multiplication of adipocytes due to hormonal changes. The surgical treatment in some cases is necessary. After surgery, proper postoperative management is essential. The objective of this study is to investigate the clinical effects and feasibility of a low mechanical index multifocal ultrasound protocol associated with mechanical lymphatic drainage in the pre and postoperative for lipedema. This is a quasi-experimental pilot study. Participants were assigned to parallel groups, for convenience, with 10 patients in group 1 (G1) and 10 in group 2 (G2). G1 received treatment both pre-surgery and post-surgery. G2 received treatment only in the post-surgery period. The groups, at the end of the follow-up, showed similarity in terms of pain, mobility, bruising, fatigue, mood, and sensitivity. The results showed that both protocols had similar clinical and viability effects and could be used in the rehabilitation of lipedema surgery. The importance of continuing education is highlighted for a more informed, up-to-date, and safe practice.

Keywords: Lipohypertrophy, Surgical treatment, lymphatic therapy, Ultrasonic therapy, Continuing education.

1 Introdução

O lipedema é uma condição definida pela multiplicação anormal de células adiposas devido alterações hormonais. Essa doença afeta principalmente mulheres e suas manifestações clínicas geralmente surgem durante as fases de mudança hormonal como puberdade, gravidez ou menopausa (CHILD et al., 2010). Uma característica específica do lipedema é a presença de uma desproporção visível entre uma parte superior do corpo magra e membros inferiores espessados (KRUPPA et al., 2020; TODD, 2010).

O lipedema apresenta uma distribuição bilateral simétrica e está associado a sintomas como dor, edema e hematomas (CHILD et al., 2010; FIFE; MAUS; CARTER, 2010; OKHOVAT; ALAVI, 2015). Além disso, a doença tem um impacto físico e psicológico negativo, devido sua natureza crônica e progressiva, resultando em uma deterioração na qualidade de vida desses indivíduos (DUDEK; BIAŁASZEK; OSTASZEWSKI, 2016).

A prevalência do lipedema na população em geral não é bem estabelecida. Estudos realizados em clínicas ambulatoriais estimam que a prevalência seja entre 7% e 10% (REICH-SCHUPKE et al., 2017). Além disso, outros autores sugerem que cerca de 10% das mulheres caucasianas adultas são afetadas por essa doença (MARSHALL; SCHWAHN-SCHREIBER, 2011), sendo observado uma história familiar positiva em até 60% dos casos, assim, indicando que há um componente genético associado ao lipedema (CHILD et al., 2010; LANGENDOEN et al., 2009; REICH-SCHUPKE et al., 2017), principalmente ligado à doença autossômica dominante ou ligado ao cromossomo X (CHILD et al., 2010).

O lipedema pode ser classificado em três estágios, com base em mudanças progressivas na superfície da pele (estágio I: suave; estágio II: irregular ou ondulado; estágio III: marcadamente espessado e endurecido) e nos achados durante a palpação (estágio I: pequenos nódulos, edema reversível; estágio II: nódulos do tamanho de nozes, edema reversível ou irreversível; estágio III: depósitos de gordura desfigurantes, alterações macronodulares, com linfedema associado, potencialmente com sinal de Stemmer positivo). É importante ressaltar que os sintomas e o grau de sofrimento subjetivo não estão necessariamente relacionados ao estágio da doença (WOLLINA; HEINIG, 2018).

O tratamento conservador do lipedema tem como objetivo aliviar os sintomas e evitar complicações secundárias, com foco na redução da dor, edema e diminuição da deposição de gordura, utilizando terapia descongestiva combinada, como roupas de compressão, mobilização, drenagem linfática e ultrassom terapêutico (HEINIG; WOLLINA, 2015; QIN et al., 2023). No entanto, quando o tratamento conservador não é efetivo e os sintomas continuam progredindo, a cirurgia de lipedema, especificamente a técnica de WAL (lipoaspiração assistida por água do inglês Water-Assisted Liposuction), pode ser considerada. Essa técnica envolve o uso de um jato de solução salina levemente pressurizado para desalojar a gordura e remover as células de gordura do corpo, por meio de uma cânula introduzida no tecido durante anestesia local (SATTLER; EICHNER, 2013; WOLLINA, 2017).

A recuperação efetiva do paciente após a cirurgia de lipedema depende de um tratamento adequado no pós-operatório, geralmente realizado por um profissional capacitado, o fisioterapeuta dermatofuncional. Esse profissional avaliará o paciente e empregará os tratamentos mais adequados, como o uso do ultrassom e drenagem linfática mecânica, com o objetivo de reduzir complicações clínicas. No entanto, é importante mencionar que ainda não foi estabelecido um tratamento pós-operatório padronizado para o lipedema.

Portanto, o objetivo deste estudo é investigar os efeitos clínicos e a viabilidade de um protocolo de Ultrassom Multifocal de Baixo Índice Mecânico (UMBIM) associado à drenagem linfática mecânica no pré e no pós-operatório de lipedema. A intenção é fornecer uma abordagem mais precisa no tratamento pós-operatório dessa condição, contribuindo para a educação contínua e a prática segura baseada em evidências (BRANDENBURG et al., 2020).

2 Metodologia

Trata-se de um estudo-piloto, de delineamento de pesquisa quase-experimental, com 20 mulheres escolhidas de maneira não probabilística, conduzido na cidade de Natal/RN. As participantes foram designadas em grupos paralelos, por conveniência, com 10 pacientes em cada grupo. O estudo foi realizado em clínica-escola de fisioterapia e ocorreu entre 08 de janeiro e 05 de junho de 2023. A pesquisa foi iniciada após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Potiguar com nº CAEE 70520223.6.0000.5296 e número de parecer 6.148.844.

Foram incluídas participantes com idade superior a 18 anos, encaminhadas ao consultório de fisioterapia com diagnóstico médico de lipedema e com indicação de cirurgia de lipedema utilizando a técnica WAL, que apresentavam lipedema classificado como tipo 3, sensibilidade local preservada e capacidade de compreensão de orientações. Quanto ao grau de lipedema, foram incluídas portadoras de grau 1 a 4. Foram excluídas do estudo aquelas participantes que apresentavam contraindicação para o uso do aparelho de drenagem linfática mecânica, anormalidade na coagulação sanguínea, estivessem utilizando anticoagulantes, tivessem polineuropatias, grávidas ou em período de amamentação, possuíssem doenças autoimunes, diabetes descompensada, epilepsia, infecções de pele, queloides ou implantes metálicos na área de tratamento. Também foram excluídas as participantes com doença primária maligna (tumores) na área de tratamento.

As participantes foram avaliadas utilizando o Protocolo de Avaliação Fisioterapêutica em Adiposidade Localizada (PAFAL), um instrumento validado por Mendonça et al., (2008) que permite a coleta de dados sobre a anamnese e o exame físico da afecção. Foi realizada a medição a 5 cm abaixo da cicatriz umbilical e sobre a crista ilíaca bilateralmente para o quadril, servindo como ponto de referência para as medidas subsequentes dos membros inferiores, a cada 10 cm em todo o membro inferior, e foi mensurada a dobra cutânea do tríceps. Foi utilizada uma balança de bioimpedância para observar a distribuição da gordura localizada das voluntárias. Fotos das participantes foram registradas nas posições ortostática, anterior, lateral direita, lateral esquerda e posterior.

Para o tratamento, as voluntárias foram divididas em dois grupos equitativos. O Grupo 1 (G1) recebeu o tratamento tanto no período pré-cirurgia quanto no pós-cirurgia, totalizando 10 sessões. Inicialmente, no período pré-cirurgia, foram realizadas cinco sessões de forma contínua. Em seguida, no período pós-operatório, foram realizadas mais cinco sessões, sendo três sessões em dias alternados e as duas últimas sessões foram realizadas a cada três dias. As participantes receberam tratamento com o aparelho de UMBIM da marca Deep Slim®, com os seguintes parâmetros: no pré-cirúrgico, 100 Kpa, e no pós-cirúrgico, 20 Kpa, aplicado em área de 10 x 10 cm, com tempo de aplicação por área de três minutos. Foram abordadas quatro áreas (coxa anterior, coxa posterior, panturrilha e braço), com 12 minutos de aplicação em cada hemicorpo, totalizando 24 minutos. Após receberam drenagem linfática mecânica com duração de 15 minutos em cada membro inferior, totalizando 30 minutos.

O Grupo 2 (G2) recebeu o tratamento apenas no período pós-cirurgia, totalizando 10 sessões. Essas sessões foram realizadas com o mesmo aparelho de UMBIM, com 20 Kpa aplicado em área de 10 x 10 cm, com tempo de aplicação por área de três minutos. Foram abordadas as mesmas quatro áreas (coxa anterior, coxa posterior, panturrilha e braço), com 12 minutos de aplicação em cada hemicorpo, totalizando 24 minutos. E drenagem linfática mecânica com duração de 15 minutos em cada membro inferior e um total de 30 minutos por sessão. As sessões foram realizadas cinco vezes por semana, durante duas semanas.

Tabela 1 - Detalhamento das diferenças entre G1 e G2
G1Pré-cirurgia1ª semana5 sessões, uma a cada dia, de drenagem linfática mecânica de 15 minutos em cada membro inferior (30 min).Ultrassom multifocal de 100 Kpa aplicado em área de 10 x 10 cm, tempo de aplicação por área de 3 minutos. Foram abordadas quatro áreas (coxa anterior, coxa posterior, panturrilha e braço), com 12 minutos de aplicação em cada hemicorpo, totalizando 24 minutos.
Pós-cirurgia2ª semana (72 horas após a cirurgia)3 sessões realizadas em dias alternados de drenagem linfática mecânica de 15 minutos em cada membro inferior (30 min). Ultrassom multifocal de 20 Kpa aplicado em área de 10 x 10 cm, tempo de aplicação por área de 3 minutos. Foram abordadas as mesmas quatro áreas, com 12 minutos de aplicação em cada hemicorpo, totalizando 24 minutos.
3ª semana2 sessões de drenagem linfática mecânica de 15 minutos em cada membro inferior (30 min) com intervalo de 3 dias entre as sessões. Ultrassom multifocal de 20 Kpa aplicado em área de 10 x 10 cm, tempo de aplicação por área de 3 minutos. Foram abordadas as mesmas quatro áreas, com 12 minutos de aplicação em cada hemicorpo, totalizando 24 minutos.
G2Pós-cirurgia 1ª semana (72 horas após a cirurgia)5 sessões de drenagem linfática mecânica, uma a cada dia, de 15 minutos em cada membro inferior (30 min)Ultrassom multifocal de 20 Kpa aplicado em área de 10 x 10 cm, tempo de aplicação por área de 3 minutos. Foram abordadas quatro áreas (coxa anterior, coxa posterior, panturrilha e braço), com 12 minutos de aplicação em cada hemicorpo, totalizando 24 minutos.
2ª semana5 sessões de drenagem linfática mecânica, uma a cada dia, de 15 minutos em cada membro inferior (30 min).Ultrassom multifocal de 20 Kpa aplicado em área de 10 x 10 cm, tempo de aplicação por área de 3 minutos. Foram abordadas as mesmas quatro áreas, com 12 minutos de aplicação em cada hemicorpo, totalizando 24 minutos.
Os autores (2023)

Para o protocolo de tratamento, as voluntárias foram acomodadas em uma maca, primeiro em decúbito dorsal e depois ventral e receberam o tratamento nas quatro áreas com o UMBIM (Figura 1). Em decúbito dorsal receberam o aparelho de drenagem linfática mecânica, onde foram realizados os movimentos de flexão e extensão plantar durante 30 minutos. O G1 recebeu 5 sessões de drenagem linfática mecânica e ultrassom multifocal previamente ao procedimento cirúrgico e reiniciou o protocolo de tratamento 72 horas após a cirurgia. O G2 iniciou o protocolo de tratamento 72 horas após o procedimento cirúrgico.

Figura 1 - Locais de aplicação do Ultrassom Multifocal de Baixo Índice Mecânico
Figura 1 - Locais de aplicação do Ultrassom Multifocal de Baixo Índice Mecânico
Os autores (2023).

Foram avaliados dados demográficos, medidas antropométricas e clínicas, como a presença de complicações pós-cirurgia, a presença de seroma, úlcera superficial, fibrose, dor, mobilidade, equimose, fadiga, estado de ânimo e sensibilidade. A presença de seroma foi avaliado observando (sinais de inchaço excessivo, sensação de flutuação ao toque, vermelhidão, dor ou desconforto na região, presença de secreção ou drenagem de líquido pela incisão cirúrgica). A pele na região operada foi observada com relação às áreas de pele ulcerada, incluindo tamanho e profundidade. A presença da fibrose foi realizada examinando a área operada, palpando a pele para identificar áreas de endurecimento ou espessamento

A dor foi avaliada por meio da escala visual analógica (EVA) (0: ausência de dor; 1 a 3: dor leve; 4 a 6: dor moderada; 7 a 9: dor intensa e 10: dor insuportável ou máxima possível) (MARTINEZ et al., 2011). A mobilidade foi avaliada de 1 a 5, com as seguintes categorias (1: diminuída; 2: regular; 3: boa; 4: muito boa e 5 excelente). A equimose foi classificada de acordo com a coloração e com base na observação visual (ausência de equimose: 0; 1: amarelo; 2: verde-amarelo; 3: laranja-amarelo; 4: laranja-verde; 5: laranja; 6: vermelho). A fadiga foi avaliada por uma escala analógica visual e de acordo com a intensidade (0: ausência de fadiga; 1: fadiga muito leve; 2: fadiga leve; 3: fadiga moderada; 4: fadiga moderadamente intensa; 5: fadiga intensa; 6: fadiga muito intensa; 7: fadiga extremamente intensa). A sensibilidade tátil foi avaliada por meio de estesiometria nas regiões do pós-operatório (0: ausência de sensibilidade tátil e 1: presença de sensibilidade tátil). O estado de ânimo foi classificado em uma escala de 0 a 3, com as seguintes categorias: (0: triste; 1: normal; 2: feliz e 3: eufórica). A mobilidade, a equimose, a fadiga, a sensibilidade e o estado de ânimo foram avaliados por protocolo personalizado, desenvolvido e utilizado pelo autor na prática clínica diária em pacientes com lipedema.

Para avaliar a viabilidade dos protocolos, contabilizamos o tempo necessário para realizar todo o procedimento (ultrassom multifocal e drenagem linfática mecânica) durante cada sessão, no período pré e pós cirúrgico. As variáveis clínicas foram avaliadas durante os atendimentos, do primeiro até o último dia de atendimento.

As variáveis ​​contínuas são descritas por meio de média, desvio padrão, mediana e intervalo interquartílico. As variáveis ​​categóricas são apresentadas como valores absolutos e percentuais. Em toda a análise estatística, foi atribuído um nível de significância de 5%. Os dados coletados foram organizados em tabelas de Excel e, posteriormente, exportados e analisados pelo software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 17.0 para Windows.

3 Resultados e Discussão

Durante o período do estudo, foram selecionadas 20 pacientes. Dez foram alocadas no G1 e 10 no G2. A Tabela 2 apresenta as características demográficas, antropométricas, clínicas e de viabilidade dos grupos.

Tabela 2 – Características dos grupos
Variáveis Grupo 1Grupo 2
Idade, anos, média (DP)± 40,8 (10,3)± 36,5 (7,3)
Peso, Kg, média (DP)± 73,8 (10,6)± 64,6 (7,8)
Altura, cm2, média (DP)± 1,62 (0,09)± 1,66 (0,05)
Complicação pós cirurgia
Seroma, n, %1 (10%)1 (10%)
Úlcera inferior a 1 cm2, n, %3 (30%)0 (0%)
Fibrose, n, %0 (0%)1 (10%)
Dor inicial, IIQ, mín, máx6 (3 – 7)6 (4 – 8)
Dor final, IIQ, mín, máx0 (0 – 1)0 (0 – 2)
Mobilidade inicial, IIQ, mín, máx2 (1 – 3)2 (1 – 4)
Mobilidade final, IIQ, mín, máx5 (5 – 5)5 (4 – 5)
Equimose inicial, IIQ, mín, máx6 (6 – 6)5 (3 – 6)
Equimose final, IIQ, mín, máx0 (0 – 0)0 (0 – 0)
Fadiga inicial, IIQ, mín, máx4,5 (1 – 7)3,5 (0 – 5)
Fadiga final, IIQ, mín, máx0 (0 – 0)0 (0 – 0)
Sensibilidade no pós-cirúrgico, IIQ, mín, máx1 (1 – 1)1 (1 – 1)
Estado de ânimo inicial, IIQ, mín, máx2 (0 – 3)2 (0 – 2)
Estado de ânimo final, IIQ, mín, máx3 (2 – 3)3 (2 – 3)
Tempo gasto no atendimento pré-cirúrgico, média (DP)± 59 (2,0)± 0 (0)
Tempo gasto no atendimento pós-cirúrgico, média (DP)± 62 (2,5)± 62,5 (2,5)

DP: desvio padrão; n: número absoluto; %: percentual; IIQ: intervalo interquartil; mín.: mínimo; máx.: máximo

As pacientes do G1 e do G2 demonstram homogeneidade em relação às variáveis de idade, peso, altura e características clínicas no pós-operatório, o que indica um equilíbrio dessas características entre os grupos e reforça a confiabilidade dos resultados.

O lipedema é uma condição que pode afetar mulheres em diversas faixas etárias, sendo mais comum durante a puberdade e com maior frequência em adultas jovens. Após a primeira gestação, pode ocorrer um aumento na incidência e gravidade do lipedema (CHILD et al., 2010). Embora não seja exclusivo, esse distúrbio caracterizado pelo acúmulo desproporcional de gordura nas pernas e quadris tende a progredir ao longo dos anos, especialmente durante períodos de mudanças hormonais, como a menopausa. Contudo, a idade de início e a progressão do lipedema podem variar individualmente (FORNER-CORDERO et al., 2012; HALK; DAMSTRA, 2017; WENCZL; DARÓCZY, 2008).

O lipedema é uma afecção estética que pode causar danos significativos à qualidade de vida das mulheres, podendo resultar em desproporção corporal, dor crônica, edema e alterações na textura da pele (ESTEN et al., 2003). Além dos impactos físicos, o lipedema também pode gerar consequências psicossociais, como baixa autoestima e restrição nas atividades diárias. Diante desse contexto, as cirurgias e procedimentos estéticos relacionados ao tratamento do lipedema têm-se tornado cada vez mais comuns no Brasil e no mundo, buscando melhorar a aparência física, aliviar os sintomas e promover o bem-estar das mulheres afetadas por essa condição (SATTLER; EICHNER, 2013).

A cirurgia de lipedema com o uso da técnica de WAL consiste em utilizar um jato de água continuamente e que tem por finalidade desalojar a gordura do tecido conjuntivo, com o uso de uma cânula. Além disso, é uma técnica que utiliza apenas anestésicos locais e não requer anestesia geral (PEPRAH; MACDOUGALL, 2019). Na literatura, a técnica de WAL é considerada um método eficiente de tratamento cirúrgico do lipedema, levando a uma diminuição acentuada na gravidade dos sintomas e na necessidade de tratamento conservador no pós-operatório (WITTE et al., 2020).

Na literatura científica atual, as taxas de complicações associadas à lipoaspiração utilizando a técnica de WAL em pacientes com lipedema não demonstraram significância clinicamente (WITTE et al., 2020). Em nosso estudo, o grupo G1 apresentou uma maior incidência de complicações no pós-operatório em comparação ao grupo G2, incluindo a ocorrência de seromas em 10% das mulheres e úlceras superficiais com diâmetro inferior a 1 cm2 em 30% das pacientes. No entanto, é importante ressaltar que esses problemas, ou seja, a presença de seroma e úlceras, foram resolvidos em um período de até 30 dias. A formação de seromas é uma complicação comum em cirurgias plásticas (DI MARTINO et al., 2010). No entanto, a literatura atual não fornece dados específicos sobre a incidência de úlceras no pós-operatório de lipedema. Além disso, múltiplos fatores individuais, tais como o grau de lipedema, Índice de Massa Corporal (IMC) elevado e presença de comorbidades vasculares, podem exercer influência sobre a evolução do pós-operatório, contribuindo, assim, para o desenvolvimento de úlceras.

As participantes do G1 e G2 apresentaram similaridade de sinais clínicos tanto na linha de base quanto ao final do acompanhamento do pós-operatório em relação à dor, à mobilidade, à equimose, à fadiga, ao estado de ânimo e à sensibilidade. Esses achados são consistentes com estudos anteriores. Por exemplo, o estudo de Bauer et al. (2019), que envolveu 209 mulheres com diagnóstico de lipedema estágio II tratadas com lipoaspiração, revelou que em 97% das pacientes a dor diminuiu significativamente após a cirurgia. Além disso, a sensibilidade e a dor por pressão diminuíram significativamente após a lipoaspiração e 77% das pacientes relataram melhora gradual dos hematomas decorrentes do procedimento cirúrgico.

De forma semelhante, o estudo de Witte et al. (2020), que avaliou 155 pacientes com lipedema submetidos a lipoaspiração pela técnica de WAL, constatou uma melhora significativa dos sintomas após a cirurgia, evidenciada pela queda na escala de pontuação de dor de 6,5 para 1,4. Além disso, o estudo destacou que as técnicas de tratamento no pós-operatório também são relevantes, como demonstrado pela necessidade de 45% das pacientes que já estavam recebendo drenagem linfática no pré-operatório continuarem a utilizar essa técnica no pós-operatório para obter melhora dos sintomas.

A drenagem linfática mecânica e o uso do UMBIM têm desempenhado um papel importante no tratamento pós-cirúrgico de lipedema. A drenagem linfática mecânica, por meio de dispositivos especializados, atua na estimulação do sistema linfático, promovendo a redução do edema e melhorando a circulação linfática. Essa abordagem contribui para a diminuição do desconforto, acelerando a recuperação e otimizando os resultados estéticos. No estudo conduzido por Witte et al., (2020) que avaliou 155 mulheres submetidas à lipoaspiração devido ao lipedema, a terapia de drenagem linfática foi iniciada no segundo dia de pós-operatório, sendo realizada duas vezes por semana e mantida por, pelo menos 8 semanas, com o objetivo de obter melhores resultados.

Por outro lado, o UMBIM atua na lipólise de células de gordura, estimulando a reabsorção e remodelação do tecido adiposo. Adicionalmente, o UMBIM promove a produção de colágeno, o que contribui para a melhora da textura da pele. A combinação dessas técnicas no tratamento pós-operatório do lipedema tem mostrado resultados promissores, proporcionando uma recuperação mais rápida, redução do edema, melhora da qualidade de vida e resultados estéticos satisfatórios. Estudos como o de Mendes et al. (2012) destacam a importância do ultrassom, ressaltando que seu uso precoce pode reduzir o tempo de pós-operatório, devido à aceleração do metabolismo, o que pode contribuir para resultados mais favoráveis. No entanto, é fundamental que esses procedimentos sejam realizados por profissionais qualificados, levando em consideração as características individuais de cada paciente e seguindo um protocolo personalizado, a fim de garantir os melhores resultados possíveis.

No presente estudo, constatou-se que o tempo dedicado ao atendimento pré-cirúrgico e pós-cirúrgico mostrou-se viável na prática clínica. Adicionalmente, os protocolos de drenagem linfática mecânica e uso do UMBIM revelaram sua viabilidade no contexto pós-cirúrgico do lipedema. Esses protocolos têm sido apoiados por estudos e pesquisas científicas que evidenciam sua eficácia na redução do edema, melhora da circulação linfática, remodelação do tecido adiposo, produção de colágeno e aprimoramento da qualidade da pele (MENDES et al., 2012; WITTE et al., 2020). Esses resultados promissores reforçam a importância de incluir essas abordagens terapêuticas em planos de tratamento adequados, visando a alcançar uma recuperação mais eficiente e resultados satisfatórios para as pacientes com lipedema. No entanto, é imprescindível prosseguir com a investigação e o aprimoramento desses protocolos, por meio de estudos controlados de longo prazo, a fim de validar ainda mais sua efetividade e segurança no contexto clínico.

4 Considerações finais

O objetivo deste estudo foi investigar os efeitos clínicos e a viabilidade de um protocolo de ultrassom multifocal de baixo índice mecânico associado à drenagem linfática mecânica no pré e no pós-operatório de lipedema. O G1 recebeu 5 sessões, uma sessão a cada dia (1ª semana, pré-cirurgia) de drenagem linfática mecânica (30 min) e ultrassom multifocal de 100 Kpa em coxa anterior, coxa posterior, panturrilha e braço, totalizando 24 minutos. Na 2ª semana, 72 horas após a cirurgia, recebeu 3 sessões em dias alternados, de drenagem linfática mecânica (30 min) e ultrassom multifocal de 20 Kpa nas mesmas regiões, totalizando 24 minutos. Na 3ª semana, recebeu 2 sessões com intervalo de 3 dias entre elas, de drenagem linfática mecânica (30 min) e ultrassom multifocal de 20 Kpa, totalizando 24 minutos. O G2, na primeira semana, 72 horas após a cirurgia, recebeu 5 sessões, uma sessão a cada dia de drenagem linfática mecânica (30 min) e ultrassom multifocal de 20 Kpa em coxa anterior, coxa posterior, panturrilha e braço, totalizando 24 minutos. Na 2ª semana recebeu mais 5 sessões de drenagem linfática mecânica (30 min) e ultrassom multifocal de 20 Kpa, totalizando 24 minutos. A homogeneidade dos grupos em relação às características demográficas, às características clínicas no pós-operatório (seroma, úlcera, fibrose, dor, mobilidade, equimose, fadiga, sensibilidade e estado de ânimo), e de viabilidade (tempo gasto para realizar o protocolo) reforça a confiabilidade dos resultados. Os resultados obtidos mostraram que ambos os protocolos apresentaram efeitos clínicos similares, podendo ser empregados na reabilitação de cirurgia de lipedema.

No entanto, são necessários estudos adicionais, com amostras maiores e acompanhamento de longo prazo, para avaliar a eficácia dessas abordagens e sua influência na qualidade de vida das pacientes. Com base nos resultados obtidos no presente estudo, espera-se que essa pesquisa contribua na educação continuada dos profissionais de saúde, aprimorando as práticas clínicas no manejo pós-operatório de lipedema.

Referências

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