Artigo
Representações sociais de docentes da educação profissional: estado de conhecimento na pós-graduação brasileira em educação
Práticas Educativas, Memórias e Oralidades
Universidade Estadual do Ceará, Brasil
ISSN-e: 2675-519X
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 5, núm. 1, 2023
Recepção: 03 Maio 2023
Aprovação: 07 Outubro 2023
Resumo: O presente artigo é fruto de uma investigação de estado de conhecimento que teve como escopo mapear pesquisas de mestrado e de doutorado, no campo da educação, acerca das representações sociais de professores da modalidade de educação profissional. Para tanto, amparamo-nos no percurso metodológico do estado do conhecimento (MOROSINI; FERNANDES, 2014; MOROSINI, 2015). A pesquisa elegeu como base de dados a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e tomou como corpus de análise teses e dissertações de programas de pós-graduação em educação no Brasil. Após a aplicação de critérios de inclusão e de exclusão, foram selecionados cinco trabalhos para serem analisados com maior profundidade. Os resultados revelam que há poucos trabalhos de teses e dissertações na área de estudos da educação profissional que adotam como aporte teórico-metodológico a Teoria das Representações Sociais (TRS) proposta por Serge Moscovici (1961), sobretudo no que se refere à docência na modalidade.
Palavras-chave: Representações sociais, Educação profissional, Docência, Professores.
Keywords: Social representations, Professional education, Teaching, Teachers
1 Introdução
A Teoria das Representações Sociais (TRS), proposta por Serge Moscovici em 1961, consiste em uma teoria do conhecimento cotidiano, que propõe uma abordagem psicossocial para compreender como se dá a apreensão do mundo concreto pelas pessoas. Nas palavras de Santos (2005, p. 23), “A proposta básica do estudo da representação social é a busca de compreensão do processo de construção social da realidade”. Dentre as premissas da TRS, destacam-se o entendimento de que não há corte entre o universo exterior e o universo interior do indivíduo/grupo e a compreensão de que o indivíduo, ao mesmo tempo, constitui-se, compreende e apreende o real e constrói a alteridade (ANDRADE, 2020).
De acordo com Jodelet (2001, p. 17), criamos representações para nos ajustar simbolicamente ao mundo à nossa volta. Nesse sentido, as representações são sociais e importantes na vida cotidiana, na medida em que “[...] nos guiam no modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade diária, o modo de interpretar esses aspectos, tomar decisões e, eventualmente, posicionar-se frente a eles de forma defensiva”.
Ainda segundo a autora, representações sociais são uma forma de conhecimento elaborada e partilhada socialmente, que possui objetivo prático e que, num dado conjunto social, contribui para a construção de uma realidade. Como conhecimento do cotidiano, diferencia-se do conhecimento científico, todavia, conforme esclarece, trata-se de uma forma de conhecimento “[...] tida como um objeto de estudo tão legítimo quanto este, devido à sua importância na vida social e à elucidação possibilitadora dos processos cognitivos e das interações sociais” (JODELET, 2001, p. 22).
No que se refere ao estudo das representações sociais, notadamente no âmbito da educação, concordamos com Gilly (2001, p. 322), que elucida que a área educacional é um “[...] campo privilegiado para se observar como as representações se constroem, evoluem e se transformam no interior de grupos sociais, e para elucidar o papel dessas construções nas relações desses grupos com o objeto de sua representação”. Ao mesmo tempo, entendemos que a abordagem teórico-metodológica da TRS na pesquisa, ao se voltar para o universo simbólico dos sujeitos para conhecer os sentidos atribuídos aos objetos do mundo social, pode fornecer respostas para as questões relativas à educação.
A esse respeito, Alves-Mazotti (2008) enfatiza a necessidade de se compreender os processos simbólicos dos indivíduos, advertindo que a pesquisa educacional precisa de um olhar psicossocial. A autora corrobora que o estudo das representações sociais é um caminho possível, posto que investiga “[...] como se formam e como funcionam os sistemas de referência que utilizamos para classificar pessoas e grupos e para interpretar os acontecimentos da realidade cotidiana”. Afirma, portanto, que as representações sociais constituem elementos essenciais na pesquisa em educação, haja vista “[...] suas relações com a linguagem, a ideologia e o imaginário social e, principalmente, por seu papel na orientação de condutas e das práticas sociais” (ALVES-MAZZOTTI, 2008, p. 20-21).
No campo da pesquisa em educação profissional, interessa-nos conhecer os achados de pesquisas sobre representações sociais de professores, haja vista especificidades do magistério na modalidade e EPT como, por exemplo, o perfil docente composto predominantemente de professores não licenciados (bacharéis e tecnólogos), que dominam conhecimentos de suas áreas específicas, possuem alta titulação acadêmica em suas áreas de formação inicial, mas não realizaram, ao longo da formação acadêmica, estudos sobre conhecimentos didáticos e pedagógicos. Como esses professores compreendem o fazer docente? Qual o sentido que atribuem aos conhecimentos pedagógicos no exercício do magistério? Que representações sociais possuem acerca da docência na modalidade?
Que representações sociais possuem acerca da docência na modalidade? Essas e outras questões guiam nossos passos na pesquisa de doutoramento em curso, por isso, no presente estudo de estado de conhecimento, consideramos importante investigar a apropriação da Teoria das Representações Sociais (TRS) na pesquisa em educação profissional, especialmente as que versam sobre representações sociais de professores sobre a docência na modalidade – nosso objeto de estudo –, identificando como a teoria tem-se disseminado nas discussões acerca da formação e da prática docente na modalidade e os conhecimentos produzidos pelas pesquisas encontradas.
2 Metodologia
A pesquisa de estado de conhecimento realizada para a produção do presente artigo, conforme apontado anteriormente, teve como escopo mapear pesquisas de mestrado e de doutorado, no campo da educação, acerca de representações sociais de professores da educação profissional sobre a docência na modalidade. Para tanto, guiamo-nos pelo percurso metodológico do estado de conhecimento, em que o processo de investigação é composto pelas etapas de identificação, registro, categorização, reflexão e síntese, sendo voltado para a produção científica de uma área e espaço de tempo específicos, sobre uma ou mais temáticas, congregando determinadas fontes ou base de dados (MOROSINI; FERNANDES, 2014; MOROSINI, 2015).
A iniciativa de realizar esta pesquisa de estado de conhecimento relacionado ao nosso objeto de estudo deu-se em virtude do entendimento da sua importância para a inserção, tanto no campo científico, como na área do objeto de pesquisa, conforme ratifica Morosini (2015). Ademais, para a referida autora, “[...] a consulta, a sistematização e a análise do que foi produzido no seu campo disciplinar, em especial no país do pesquisador, são importantes para fundamentar o que será produzido numa tese ou dissertação qualificada” (MOROSINI, 2015, p. 102).
Elegemos como base de dados a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e buscamos, sem delimitação de recorte temporal, teses e dissertações de programas de pós-graduação em educação no Brasil, que versam sobre representações sociais de professores da modalidade de educação profissional para, após aplicação de critérios de inclusão e exclusão, fosse delimitado o corpus de análise.
Ao ser efetivada a busca no portal com os descritores “representações sociais” e “educação profissional”, com o emprego do operador booleano AND, e “professores” e “docência”, com o emprego do operador booleano OR, retornaram 37 (trinta e sete) ocorrências, havendo 05 (cinco) trabalhos duplicados. Na primeira checagem, feita a partir do título e das palavras-chave, foi observado que muitos trabalhos contemplavam apenas um dos descritores, portanto, distanciavam-se do nosso escopo.
A partir de então, foi aplicado o primeiro critério de inclusão, referente à abordagem de representações sociais relacionadas ao contexto da educação profissional. Também foram aplicados critérios de exclusão, a saber: trabalhos vinculados a programas de pós-graduação em área distinta da educação; trabalhos que abordam representações sociais de outros sujeitos do processo educativo, como “estudantes” e “coordenadores de curso”; pesquisas direcionadas a concepções/funções/projetos distintos da categoria docência, como “trabalho”, “educação tecnológica”, “coordenação de curso”, “PROEJA”, “instituto federal”, “acesso e permanência”; trabalhos sem relação direta com a área da educação, como doação de sangue, atenção primária à saúde, equidade e atendimento no SUS e, por fim, trabalhos que não contemplam a teoria das representações sociais. Após inserção dos referidos critérios, foi obtido o quantitativo de 15 (quinze) trabalhos, sendo 7 (sete) dissertações e 8 (oito) teses, conforme detalhamos no Quadro 1:
Nº | Instituição | Tipo | Ano | Autor(a) | Título |
1 | UFRN | Dissertação | 2018 | SOUZA, Anna Katyanne Arruda Silva e | Representações sociais de professores da educação profissional em saúde sobre o ser professor |
2 | UNISANTOS | Dissertação | 2012 | PEREIRA, Andréa Ferreira Garcia | Representações sociais de professores da educação profissional sobre a identidade docente |
3 | UFMS | Dissertação | 2018 | GUERCH, Cristiane Ambrós | Representações sociais de coordenação de curso superior de graduação: construindo identidades na educação profissional |
4 | UFRN | Dissertação | 2019 | FREIRE, Madele Maria Barros de Oliveira | Representações sociais de professores do Ensino Técnico Integrado ao Médio do IFPB sobre formação docente |
5 | UNB | Dissertação | 2010 | BOAVENTURA, Geísa D'Ávila Ribeiro | O significado do PROEJA no olhar e na voz de professores e alunos do Instituto Federal Goiano - Campus Ceres |
6 | UFPB | Dissertação | 2011 | GONÇALVES, Lucrecia Teresa da Silva | Entre o conceber e o fazer: representações sociais da avaliação da aprendizagem no PROEJA |
7 | UFES | Dissertação | 2013 | VIEIRA, Tatiana de Santana | Trajetórias, identidades e representações de educandos e educandas do PROEJA no IFES campus Vitória |
8 | UFRN | Tese | 2022 | SOUZA, Anna Katyanne Arruda Silva e | Representações sociais e a constituição identitária docente na educação profissional em saúde |
9 | PUC-SP | Tese | 2018 | JARDIM, Anna Carolina Salgado | Representações sociais de professores e gestores sobre “ser professor” no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia |
10 | UFRN | Tese | 2017 | MATOS, Francisco Thadeu Carvalho | O redesenho da educação profissional e tecnológica no Brasil nos dois governos de Luíz Inácio Lula da Silva: de Centros Federais de Educação a Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: a experiência do IFPB (2003 – 2010) |
11 | UFRN | Tese | 2011 | SOUZA, Evaldo Roberto de | A representação social de educação tecnológica de docentes da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica: CEFETs do Rio Grande do Norte |
12 | UERJ | Tese | 2010 | SILVA, Iraneide de Albuquerque | O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso: memórias e representações sociais |
13 | UFRN | Tese | 2018 | CARDOSO, Cícera Romana | Obstáculos materiais e simbólicos da desistência de estudantes/PROEJA/IFRN: um estudo à luz da teoria das representações sociais e da praxiologia de Pierre Bourdieu |
14 | PUC-SP | Tese | 2020 | SILVA, Albertina Maria Batista de Sousa da | O que se sabe, se ensina e se aprende sobre a matemática: estudo das representações sociais dos sujeitos do PROEJA do IFRJ |
15 | UFSM | Tese | 2021 | AMORIM, Márcio Estrela de | Cooperação na fronteira entre Brasil e Uruguai: o caso dos cursos técnicos binacionais |
A partir do Quadro 1, procedemos ao refinamento do primeiro critério de inclusão, selecionando os trabalhos que abordam representações sociais no contexto da educação profissional especificamente relacionadas à docência através de termos como “ser professor”, “formação pedagógica”, “identidade docente”. Nessa etapa, verificamos o título, o resumo e as palavras-chave de cada trabalho, alcançando o quantitativo de 5 (cinco) ocorrências, sendo 3 (três) dissertações e 2 (duas) teses.
Nº | Instituição | Tipo | Ano | Autor(a) | Título |
1 | UFRN | Dissertação | 2018 | SOUZA, Anna Katyanne Arruda Silva e | Representações sociais de professores da educação profissional em saúde sobre o ser professor |
2 | UNISANTOS | Dissertação | 2012 | PEREIRA, Andréa Ferreira Garcia | Representações sociais de professores da educação profissional sobre a identidade docente |
3 | UFRN | Dissertação | 2019 | FREIRE, Madele Maria Barros de Oliveira | Representações sociais de professores do Ensino Técnico Integrado ao Médio do IFPB sobre formação docente |
4 | UFRN | Tese | 2022 | SOUZA, Anna Katyanne Arruda Silva e | Representações sociais e a constituição identitária docente na educação profissional em saúde |
5 | PUC-SP | Tese | 2018 | JARDIM, Anna Carolina Salgado | Representações sociais de professores e gestores sobre “ser professor” no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia |
Chegamos, assim, à composição do nosso corpus de análise. Compreendemos que todos os trabalhos retornados na busca feita na BDTD com os descritores gerais são relevantes, contudo, optamos por priorizar os trabalhos que se aproximam da pesquisa que estamos desenvolvendo no domínio da formação e prática docente na modalidade de educação profissional.
3 Resultados e Discussão
Neste tópico, apresentaremos nossas sínteses acerca dos trabalhos que compõem o nosso corpus de análise, conforme disposto no Quadro 2. A partir dos dados coletados e filtrados conforme descrito no tópico anterior, debruçamo-nos sobre cada um dos 5 (cinco) trabalhos selecionados, verificando além do título, resumo, palavras-chave, também o sumário, a introdução e a conclusão, com o propósito de identificar o objeto, os objetivos, as questões de pesquisa, a justificativa da adesão à Teoria das Representações Sociais como aporte teórico-metodológico, bem como os procedimentos metodológicos, o referencial teórico e as conclusões.
Souza (2018), primeiro trabalho apreciado, consiste em trabalho de mestrado desenvolvido no PPGED/UFRN. O objeto de estudo da pesquisa consiste nas representações sociais de professores da Educação Profissional em Saúde (EPS) e a autora buscou identificar as representações sociais que os professores possuem sobre ser professor na EPS.
A partir da compreensão da constituição do ser professor “[...] como resultado da conjunção entre fatores individuais e coletivos, frutos do contexto e das interações humanas”, a autora justifica que a adesão teórica e metodológica à Teoria das Representações Sociais deve-se ao fato de que “[...] a representação social configura-se como um conjunto de conceitos, significações e interpretações construídos e partilhados entre os sujeitos, ou seja, é uma construção do sujeito como ser social” (SOUZA, 2018, p. 19). No ensejo, Souza (2018) ratifica a contribuição da teoria para o campo acadêmico e social no âmbito da pesquisa em educação, notadamente relacionada às questões docentes, posto que
[...] a partir das representações sociais apreendemos saberes, sentimento de pertença a um grupo, orientamos nossas práticas nos círculos sociais dos quais participamos em nossa vida pessoal e profissional, assim como atravessam as interações humanas e a forma como compreendemos e comunicamos as questões da coletividade (SOUZA, 2018, p. 19-20).
A pesquisa caracterizada pela autora como exploratória descritiva, com abordagem qualitativa, centrou-se inicialmente nos procedimentos de levantamento bibliográfico em busca de trabalhos que abordassem temáticas semelhantes ao fenômeno estudado e relacionados ao seu objeto de estudo. Para a recolha dos dados junto aos participantes da pesquisa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com onze professores que atuam na EPS da Escola de Saúde da UFRN. A análise dos dados foi subsidiada pela Teoria das Representações Sociais proposta por Serge Moscovici a partir de análise manual por meio da “[...] categorização “espontânea” que emergiu das falas dos professores no campo empírico através do processo interpretativo das representações sociais preconizado por Arruda (2014)” (SOUZA, 2018, p. 80).
O referencial teórico adotado na pesquisa centrou-se nos escritos de Moscovici (1978; 1998; 2001; 2012; 2015), Jodelet (2001; 2005), Arruda (2014), Wagner (2000), Melo (2014), Nóbrega (2001), Madeira (2005), Abric (1998), Jovchelovitch (2008; 2014), Sá (1998; 2015), dentre outros referenciais relacionados à EPS e à formação docente.
Em suas conclusões, a autora destaca que o universo representacional dos professores sobre ser professor é constituído por elementos relacionados a dimensões diversas: “[...] pessoal, formativa e profissionalizante; objetiva e/ou de finalidade; afetiva e do esforço; da realização pessoal/profissional e do processo de ensino-aprendizagem), abrangendo aspectos relacionados ao cotidiano docente e aos fatores específicos que interferem na EPS” (SOUZA, 2018, p. 9). Ademais, Souza (2018) conclui que, no processo de tornar-se professor, a representação social partilhada sobre ser professor é delineada como desafio e como produto das interações e dos fenômenos de comunicação no interior do grupo social.
Souza (2018) conclui que, no processo de tornar-se professor, a representação social partilhada sobre ser professor é delineada como desafio e como produto das interações e dos fenômenos de comunicação no interior do grupo social.
Em Pereira (2012), segundo trabalho examinado, trata-se de uma dissertação, desenvolvida no âmbito do Programa de Mestrado em Educação da UNISANTOS. A autora investigou as representações sociais sobre a identidade profissional de professores da educação profissional de uma escola pública estadual. O objetivo central do seu estudo é compreender as representações sociais desses professores sobre a constituição da identidade profissional docente e, como objetivos específicos, propõe-se a “[...] identificar alguns dos elementos na Educação Profissional considerados pelos professores como constituintes da identidade docente [e] identificar algumas das implicações dessa constituição identitária para o trabalho ou espaço da Educação Profissional” (PEREIRA, 2012, p. 20).
Ao justificar sua pesquisa, a autora ressalta que a compreensão das representações sociais sobre a identidade profissional pode proporcionar o repensar do sentido e da imagem profissional por parte dos professores, com vistas a refletir sobre a identidade pensada e desejada por eles no processo de formação de outros profissionais para o mundo do trabalho, logo, contribuindo “[...] para uma reflexão a respeito dos modos de “ser e estar” na profissão docente” (PEREIRA, 2012, p. 09). No entendimento da autora,
As representações sociais são, enquanto teoria fundante desta pesquisa, percepções, imagens, conceitos, valores e condutas que circulam por entre a sociedade, por meio da comunicação entre os sujeitos, como afirma Moscovici (1978). São formas de aproximação, modos de olhar para uma realidade e de reapresentá-la em uma dinâmica estabelecida pelas relações intergrupais (PEREIRA, 2012, p. 21).
Em termos de fundamentação teórica da TRS, a pesquisa é centrada em Moscovici (1978, 2003) e, tem como aportes periféricos, Jodelet (2001), Doise (2001) e Vala (2010), além de referenciais relacionados à constituição da identidade profissional e outros. No que tange aos procedimentos metodológicos, a pesquisa foi desenvolvida em três etapas, quais sejam, pesquisa bibliográfica, aplicação de questionário com questões fechadas, abertas e palavras de evocação junto a vinte participantes e, por fim, entrevista semiestruturada, com cinco professores e três gestores.
Pereira (2012) esclarece que ancorou a análise em duas dimensões, com respectivas categorias e unidades de sentido, a saber: dimensão identitária, compreendendo como categoria “escolhas e expectativas profissionais” e como unidades de sentido “formação acadêmica, saberes da docência e imagem profissional”; e, dimensão contextual/profissional, compreendendo como categoria “políticas internas e externas” e como unidades de sentido “gestão da instituição, influência das políticas e imagem do grupo”.
A partir da análise das referidas dimensões, a autora identificou o que denominou jogo de influências exercidas tanto pela instituição como pelos professores e entre eles, produzindo “[...] um conflito entre expectativas profissionais e demandas institucionais, gerando um desconforto profissional, um discurso ambivalente e uma fragmentação do grupo” (PEREIRA, 2012, p. 9). Assim, a autora identificou implicações que remetem à concepção de uma identidade profissional docente, ainda, indeterminada.
Freire (2019), terceiro trabalho que tomamos como objeto de análise, consiste em uma pesquisa de mestrado desenvolvido no PPGED/UFRN, que versa sobre a formação pedagógica de professores de um Instituto Federal, com foco nas suas representações sociais acerca da formação docente. A pesquisa teve como objetivo “[...] investigar a formação inicial e a continuada dos professores de dez campi do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB) e, ao mesmo tempo, perceber suas representações sociais acerca da formação docente” (FREIRE, 2019, p. 19). A autora informa que foi investigada a dinâmica da formação docente ofertada pelo referido Instituto, com vistas a verificar impactos da formação na prática dos professores, e, de forma complementar, fazer proposições relativas às ações de formação continuada promovidas pelo próprio IFPB.
A pesquisa foi realizada com a participação de cem professores, com os quais foi aplicada a Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP), a partir do termo indutor “formação docente é...”. Também foi aplicado um questionário e realizada observação in loco com registro em diário de campo. Para tratamento dos dados, foi utilizado o software Excel, tendo sido utilizada a Espiral de Sentidos embasada em Melo (2016) para sistematização das palavras evocadas, bem como Bardin (2011) para tratamento qualitativo dos dados a partir da análise de conteúdo.
obre o percurso teórico-metodológico, a pesquisa foi alicerçada pelos preceitos da TRS de Moscovici (1978; 2015), logo, por autores como Jodelet (2001), Alves-Mazzoti (2002), Andrade (2003), Melo (2005; 2016), Domingos Sobrinho (2010), Melo e Oliveira (2017), além do aporte teórico-metodológico da Teoria do Núcleo Central, com base em Abric (2001; 2003).
Em relação aos resultados da pesquisa, a autora relata que a partir da combinação de conceitos teóricos e técnicas, foi possível identificar como elementos mais compartilhados os termos “fundamental” e “conhecimento” (além de outros com menos hegemonia), que denotam que a formação docente e continuada é compreendida pelos professores da Educação Profissional e Tecnológica como uma necessidade para a sua atuação profissional. Descreve ainda que foi possível identificar que as diversas facetas da representação social sobre formação docente giram em torno das dimensões profissional, ética e, principalmente, formativa. Por fim, além dos achados da pesquisa, o trabalho contém uma proposição de bases para uma possível política de formação docente continuada a partir dos anseios e interesses dos professores revelados pela pesquisa.
Souza (2022), o quarto trabalho sobre o qual nos debruçamos, consistem em uma tese, produzida no PPGED/UFRN, que teve como objetivo “[...] analisar como as representações sociais que atravessam o ser docente na Educação Profissional em Saúde impactam na constituição identitária dos professores que nela atuam” (SOUZA, 2022, p. 9).
A autora caracteriza o estudo como descritivo-exploratório, com abordagem qualitativa. A recolha dos dados foi realizada por meio de 11 entrevistas semiestruturadas e 25 questionários on-line, aplicados junto a professores da Educação Profissional em Saúde da Escola de Saúde, Unidade Acadêmica Especializada em Educação Profissional na área de saúde da UFRN, na cidade de Natal/RN.
Sobre a filiação ao aporte teórico-metodológico a Teoria das Representações Sociais, a pesquisadora destaca a contribuição da teoria para o campo acadêmico e social, em pesquisas acerca de múltiplas questões docentes, em diferentes níveis e modalidades educacionais, posto que
[...] a partir das representações sociais apreendemos saberes, sentimento de pertença a um grupo, orientamos nossas práticas nos círculos sociais dos quais participamos em nossa vida pessoal e profissional, assim como atravessam as interações humanas e a forma como compreendemos e comunicamos as questões da coletividade (SOUZA, 2022, p. 26).
Nesse sentido, a autora informa que os dados coletados foram analisados a partir dos pressupostos da TRS (MOSCOVICI, 2012, 2015; JODELET, 2001), do percurso interpretativo das representações sociais, por meio do espiral da contextualização e estágios de interpretação de dados (ARRUDA, 2014), além de referências sobre a docência na EPS, profissão docente e identidade profissional, como também de fontes documentais e normativas que regulamentam a EPS.
A autora trata dos “impactos das representações sociais sobre o ser docente na constituição identitária do grupo”, e ressalta que são “[...] atravessados fortemente pelo processo de interseção e tensionamento identitário do ser profissional da área de saúde e ser docente e o contexto socioprofissional” (SOUZA, 2022, p. 228), tendo de um lado a formação em bacharelado e a atuação como profissional da área de saúde e, do outro, a atuação como docente num processo concomitante de apropriação dos conhecimentos didático-pedagógicos que o trabalho docente requer.
Em suas considerações finais, Souza (2022) ratifica a sua tese de que a constituição identitária do docente da EPS estabelece-se em uma intersecção “[...] entre a identidade do profissional da área da saúde e a identidade docente, tendo como elo de referência o sentido atribuído ao “público” nessas, no contexto institucional, histórico e político”, complementando que para tanto, foi considerado como aspecto basilar a ideia de movimento “[...] entre essa construção e as representações sociais que atravessam o ser docente e são partilhadas pelo grupo” (SOUZA, 2022, p. 233). O quinto e último trabalho que aferimos foi o estudo de doutorado de Jardim (2018), realizado na PUC-SP, que teve como objetivo analisar as representações sociais dos gestores e dos professores de um Instituto Federal sobre ser professor na instituição, considerando sua atuação tanto em níveis de ensino diversos, como em funções diversas (pesquisa, extensão e gestão), buscando compreender como se revela a profissionalidade docente na instituição (JARDIM, 2018, p. 31).
A autora ressalta que se trata de um estudo psicossocial, embasado no aporte teórico-metodológico da Teoria das Representações Sociais de Moscovici (1961), em que se privilegiou a abordagem processual (ou socio-genética), considerando o campo de representação, a informação e a atitude, numa análise tridimensional das representações sociais (JARDIM, 2018).
Em termos de procedimentos metodológicos, a pesquisa foi realizada em três fases interdependentes. Na primeira, de produção de dados (etapa exploratória), foram utilizadas as seguintes estratégias: “[...] revisão de literatura; análise documental; associação livre de palavras, questionário de formato diversificado, grupos focais e entrevistas semiestruturadas”; nas duas fases seguintes, de análise de dados (etapa de aprofundamento), foram empregadas “[...] técnica das redes semânticas naturais, análise de similitude e análise de conteúdo” (JARDIM, 2018, p. 9). A pesquisa foi realizada com 63 docentes e gestores de um campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP).
A autora assinala que a opção teórico-metodológica pela Teoria das Representações Sociais proposta por Moscovici (1961) dá-se em virtude da “[...] sua abrangência e capacidade de apreender e compreender os fenômenos sociais do cotidiano em sua complexidade, desvelando dimensões psíquicas, intelectuais e cognitivas” (JARDIM, 2018, p. 29). Nesse sentido, ao ressaltar a importância de se levar em conta a dimensão subjetiva nas pesquisas sobre o contexto escolar, a pesquisadora justifica a realização do estudo elucidando que ao pesquisar as representações sociais de docentes e gestores pode “[...] desvelar o universo simbólico, a atribuição de sentidos, de significação e ressignificação sobre “ser professor no IF” e, dessa maneira, compreender e avaliar a profissionalidade docente inserida no contexto específico dessa instituição” (JARDIM, 2018, p. 30).
Em seus resultados, a autora identificou que o núcleo figurativo das representações sociais sobre “ser professor” é circunscrito na palavra desafiador. Em face das quatro dimensões de atuação no instituto, quais sejam, ensino, extensão, pesquisa e gestão, concluiu que o ser docente é “[...] um constante e contínuo encontrar-se, reconstruir-se e remodelar-se em virtude das sucessivas experiências e do amadurecimento inerentes à carreira docente” (JARDIM, 2018, p. 235).
4 Considerações finais
No presente trabalho, tivemos como propósito investigar a apropriação da Teoria das Representações Sociais (TRS) na pesquisa em educação, especificamente, em estudos de mestrado e de doutorado que versassem sobre representações sociais de professores da educação profissional acerca da docência na modalidade, identificando como a teoria tem-se disseminado nas discussões acerca da formação e da prática docente na modalidade e os conhecimentos produzidos pelas pesquisas encontradas.
Ao realizarmos as buscas e aplicarmos os critérios de inclusão e exclusão anteriormente citados, deparamo-nos com o número de 15 (quinze) trabalhos, sendo 7 (sete) dissertações e 8 (oito) teses, vinculadas a 9 (nove) universidades – com destaque para a UFRN, com 6 (seis) trabalhos e para a UC-SP, com 2 (dois) –, produzidos no período de 2010 a 2022. Por um lado, consideramos os números tímidos, haja vista o potencial da teoria na pesquisa, notadamente, na pesquisa em educação. Por outro lado, compreendemos que o conjunto de descritores empregado era restrito, direcionado para trabalhos bem específicos, tanto que após afunilarmos o primeiro critério de inclusão, chegamos ao quantitativo de apenas 5 (cinco) trabalhos.
A despeito da quantidade de trabalhos selecionados para o corpus da pesquisa, tivemos a oportunidade de conhecer estudos muito relevantes e consistentes. Olhar cada um dos trabalhos foi um exercício prazeroso e instigante, seja pela delimitação do objeto de estudos, seja pela metodologia adotada, seja pelos resultados alcançados, ou ainda, pelas motivações para a realização das pesquisas, com achados relevantes, seja para o grupo de pesquisa, seja para a instituição lócus do estudo, seja para a proposição de políticas.
Assim sendo, concluímos que os resultados revelaram que há poucos trabalhos de teses e de dissertações na área de estudos da educação profissional que adotam como aporte teórico-metodológico a Teoria das Representações Sociais (TRS) proposta por Serge Moscovici (1961), sobretudo no que se refere à docência na modalidade. Não obstante, os trabalhos que analisamos demonstram o potencial da TRS no que se refere à compreensão do universo simbólico dos sujeitos e dos sentidos atribuídos aos objetos do mundo social, revelando aspectos da constituição do universo representacional de professores, da concepção de identidade profissional docente, da necessidade da formação docente inicial e continuada para a atuação profissional na modalidade e do ser docente compreendido como um processo constante e contínuo.
Referências
ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith. Representações sociais: aspectos teóricos e aplicações à educação. Revista Múltiplas Leituras, v. 1, n. 1, p. 18-43, 2008. Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/ML/article/download/1169/1181. Acesso em: 10 jan. 2022.
ANDRADE, Erika dos Reis Gusmão. Palestra – Teoria das Representações Sociais. YouTube, 26 out. 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dSucZXDTuWk&t=594s. Acesso em: 15 jan. 2022.
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